Intervenção do Dr. Mota Amaral, Vice Presidente da Assembleia da República Portuguesa.
Tem assim a palavra a Senhora Dra. Rita Ramos, Conselho Português para os Refugiados.


Intervenção da

Dra. Rita Ramos
Consultora Jurídica do
Conselho Português para os Refugiados
.





Sua Excelência o Vice-Presidente da Assembleia da República,
Sua Excelência o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
Excelentíssima Senhora Dra. Luise Drüke, Representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,
Excelentíssimos Senhores Deputados,
Excelentíssimo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados,
Excelentíssima Senhora Presidente do Conselho Português para os Refugiados,
Excelentíssimos Senhores Convidados,
Senhoras e Senhores,

Pretende esta Audição repensar a forma como foi regulado o Direito de Asilo em Portugal nos últimos anos e apresentar alguns comentários que se consideram necessários e que julgamos poderem vir a ser de utilidade nas futuras alterações da Lei do Asilo.

As propostas de alteração que a seguir irei apresentar em nome do Conselho Português para os Refugiados reflectem um trabalho jurídico que tem sido desenvolvido conjuntamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e que visa a elaboração de uma lei global, que siga os princípios Europeus e os parâmetros Internacionais em Direito de Asilo e Direitos Humanos.

O Conselho Português para os Refugiados, parceiro operacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados em Portugal, enquanto Organização Não Governamental que se dedica ao apoio jurídico; tratamento e acompanhamento de casos individuais de requerentes de asilo em Portugal, tem, devido à sua experiência no terreno, verificado que certos aspectos da Lei 70/93 de 29 de Setembro deverão ser alterados sob pena de futuramente estarmos a criar um problema de dimensões irreversíveis. Não é possível que voltemos as costas às dificuldades concretas que este sistema tem gerado.

De facto, no Conselho Português para os Refugiados pudemos experienciar a situação jurídica dos refugiados, dado que somos responsáveis pelo acompanhamento jurídico e social semanal de cerca 40 casos individuais dos quais efectuamos a primeira entrevista detalhada para a determinação do estatuto de refugiado: elaboramos estudos sobre os respectivos países de origem, sustentados, sobretudo, por elementos fornecidos pela base de dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e relatórios informativos da Amnistia Internacional, redigindo um parecer jurídico sobre cada caso individual. Prestamos, ainda, consulta jurídica a todos os requerentes de asilo e refugiados que se nos dirigem e apoiamos a redacção de certos instrumentos de defesa de que os mesmos dispõem, como a reclamação do parecer do Senhor Comissário Nacional para os Refugiados. Apoiamos ainda a elaboração de pedidos de residência excepcional por razões humanitárias ao abrigo do artigo 10º da Lei 70/93 de 29 de Setembro. Encaminhamos os requerentes de asilo para os organismos que prestam apoio social, como o ACNUR, a Obra Católica, o Companheiro, a Santa Casa da Misericórdia, a Cruz Vermelha, entre outros. Mantemos contacto constante com o Departamento da Acção Social da Segurança Social com objectivo de inserir na sociedade Portuguesa os refugiados reconhecidos, nomeadamente em termos profissionais. Assistimos os requerentes de asilo detidos nos estabelecimentos prisionais, para além de inúmeras outras acções constantemente desenvolvidas no sentido de melhorar a aplicação do Direito de Asilo em Portugal e tornar menos árdua a vida dos requerentes de asilo que são enquanto aguardam a decisão final, injustamente tratados como rege nulius no seio da nossa sociedade.

Não podemos Meus Senhores ficar indiferentes a este processo que se avizinha e que se afigura indispensável.

O requerente de asilo não tem qualquer apoio estável em termos sociais , mas também parodoxalmente é lhe vedado o acesso ao trabalho legítimo. Será o mesmo que dizer que um requerente de asilo tem o direito de morrer à fome. Por outro lado, enfrentam dificuldades de comunicação por não conhecerem a língua Portuguesa, o que é atenuado apenas pelo facto de se poderem dirigir ao Conselho Português para os Refugiados ou ao ACNUR ou a outras Organizações Não Governamentais, onde poderão transmitir as suas preocupações nas línguas que conhecem ou caso tal não se afigure possível, ser-lhes-á nomeado um intérprete.

E para além da ausência de apoio social que se torna tanto mais grave quanto o processo de análise do pedido de asilo, incluindo o direito ao recurso da decisão Ministerial de indeferimento, pode demorar entre 2 e 3 anos, se não mais, os requerentes de asilo são muitas vezes tratados como imigrantes económicos ilegais e não como pessoas sofridas que foram alvo de perseguições atentatórias dos mais elementares Direitos do Homem. Uma verdade parece-me ser irredutível, é extremamente grave que se continuem a tratar potenciais refugiados desta forma, o que, tal como a Convenção de Genebra de 1951, a que Portugal aderiu, a nossa Lei de Asilo mais não faz do que reconhecer o estatuto de refugiados que já o são antes do seu reconhecimento e se algumas destas 332 pessoas, referindo-me agora aos números de 1995, já forem verdadeiros Refugiados, estamos a violar os instrumentos internacionais a que aderimos, tais como a Convenção de Genebra.

Assim, a Lei não deve ser construída para presumir que as pessoas não são refugiadas. Onde fica então o "benefício da dúvida", que todos gostamos de invocar? Ponha-se talvez cada um de nós no lugar de uma pessoa perseguida, por exemplo por motivos políticos e receia ser alvo de tortura. Imagine cada um de nós tem que fugir por esses motivos para um país estranho, com hábitos que não conhece, com uma cultura que também desconhece, deixando a família para trás e que passa a viver em condições humanamente deploráveis, e acrescentemos agora que essa pessoa não só não conhece o país como vai ter que ficar a viver na rua misturada com toda a marginalidade e tratado como um criminoso. Não podemos admitir que esta situação continue. Ao falar nos Direitos de Refugiados e Direito de Asilo, estão em causa direitos humanos fundamentais, não esqueçamos, e a forma como vamos lidar com estas situações reflecte a sociedade mais ou menos solidária que queremos construir.

Com base nestes dados vou agora passar a expor a posição apresentada em relação à proposta de lei que resultou do trabalho conjunto do Alto Comissariado das Nações Unidas e do Conselho Português para os Refugiados e na qual foram ouvidas outras Organizações Não Governamentais.

O processo de harmonização na política de asilo no seio da União Europeia, sobretudo desde 1992, acentuou o desfazamento da Lei 70/93 de 29 de Setembro relativo ao direito de asilo face ao quadro legal Europeu. Sendo que tal conformidade seja adoptada o mais brevemente possível de forma a aliviar à situação crítica - sobretudo na área social - que os requerentes de asilo enfrentam em Portugal. Qualquer processo de revisão deverá assim obedecer a três critérios fundamentais: celeridade, justiça e qualidade nos procedimentos de asilo.

Assim, em termos processuais a primeira proposta é a divisão de forma muito objectiva dos processos de asilo em duas fases que se consubstanciam em dois processos com regimes e prazos diferentes os quais deverão ter apoio consultivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados.

A primeira fase consiste no processo de admissibilidade do pedido de asilo que deve ter a duração máxima de 30 dias pelo qual passam todos os pedidos de asilo. Os prazos para a apresentação do pedido de asilo poderão manter-se, isto é, ele deverá ser apresentado imediatamente se a entrada for irregular e no prazo de 8 dias se a entrada for regular.

Apresentado o pedido de asilo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fará a instrução do respectivo processo, no prazo máximo de 20 dias no fim do qual é decidido imediatamente. Quando se considera o pedido inadmissível com base nos pressupostos enunciados no artigo 19 da actual lei, é dado ao requerente um prazo de 15 dias para abandonar o país. No caso do requerente desejar recorrer a decisão pode no prazo de 8 dias pedir uma reapreciação com efeito suspensivo ao Senhor Comissário Nacional para os Refugiados ou ao Ministério da Administração Interna ou a outra entidade que seja determinada pelas autoridades para este fim e incluirá uma entrevista pessoal. No caso da confirmação da decisão, o requerente poderá no prazo de 8 dias interpor recurso sobre questões legais ou processuais para um tribunal que deve de seguir no prazo de 30 dias. Em confronto com o artigo 36 da Lei 15/95, Lei da Imprensa.

Numa segunda fase, haverá uma análise do mérito do pedido de asilo e isto consistirá no processo normal. Nesta fase enquadram-se os processos que numa primeira fase o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras considera admissíveis e envia para o Senhor Comissário Nacional para os Refugiados e aqueles que em fase de reapreciação, o Senhor Comissário Nacional considerou aptos para uma análise do seu mérito. Nestes casos pode manter-se o regime estabelecido nos artigos 14, 15 e 16 e 17 da Lei Análise. Quando o pedido é recusado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras estabelece um prazo de 30 dias para o requerente abandonar o país. Nos 20 dias seguintes à notificação desta decisão o requerente pode interpor recurso para um tribunal com efeito suspensivo devendo a decisão ser proferida no prazo máximo de 90 dias.

A segunda proposta é de prever apoio social a requerentes de asilo na fase de admissibilidade. À luz da lei 34/94 que define o regime de acolhimento a estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária, a recepção, o apoio social deverão ser fornecidos aos requerentes de asilo, quando necessários, durante a fase de admissibilidade. Logo que os requerentes de asilo recebam uma resposta positiva após a fase de admissibilidade e uma autorização de residência provisória que deve ser mantida até à decisão final do caso, possa incluir a possibilidade de trabalhar e quando necessário o apoio do Estado para a sua sobrevivência.

Quanto a alterações de ordem material pretende-se por um lado a clarificação do regime excepcional por Razões Humanitárias, nomeadamente no que diz respeito às entidades que podem solicitar a abertura deste processo com vista à concessão de uma Autorização de Residência de carácter excepcional.

Ainda a criação de um regime especial de Protecção Temporária com disposições específicas sobre apoio social, prazos e entidades competentes para pessoas que não são abrangidas pelos artigos 1 e 33 da Convenção de Refugiados 1951, mas que precisam no entanto de protecção por razões de violência generalizada ou guerra nos países de origem.

A introdução de normas regulamentares de aplicação do Acordo de Schengen 1990, a eliminação da possibilidade de recusar o asilo por motivos de segurança interna ou externa pelo facto de ser manifestamente inconstitucional. A incorporação de disposições da Resolução da União Europeia sobre Garantias Mínimas dos Processos de Asilo de 21 de Junho de 1995, que prevê que os requerentes de asilo deverão ter a possibilidade em todas as fases do processo de entrar em contacto com o ACNUR ou com os outros organismos de apoio a refugiados autorizados a actuar em nome do ACNUR em Portugal. Neste caso seria o Conselho Português para os Refugiados, a autoridade competente para actuar em nome do ACNUR e a fornecer apoio jurídico a requerentes de asilo com carácter consultivo.

Por último, a clarificação e implementação eficaz das decisões negativas, possibilitando o regresso ao país de origem ou a regularização em Portugal. Em termos práticos e atendendo ao carácter urgente destes processos, propõe-se ainda uma clarificação dos deveres dos requerentes de asilo. O cumprimento de diligências solicitadas pelas autoridades competentes, havendo lugar à presunção de desinteresse no processo com consequente arquivamento do mesmo, quando na fase instrutória o processo esteja parado por um período superior a 30 dias por facto imputável ao requerente, a obrigação de manter o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, onde o pedido foi apresentado, informado sobre a sua morada, onde serão notificados da decisão final ou de recusa ou de admissibilidade. Deverão ainda comparecer no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para assinar uma ficha de presenças e para simultaneamente serem notificados de todos os actos que lhes digam respeito. A não comparência semanal no prazo de 30 dias sem invocação de impedimento válido é indicativo de que o requerente de asilo não está interessado no resultado do procedimento de asilo, sujeitando-se por isso às consequências legais.

Por fim, propõe-se a clarificação do estatuto do Senhor Comissário Nacional para os Refugiados que poderá ser coadjuvado por um adjunto que o possa substituir nas suas faltas e impedimentos. Devendo sempre garantir a independência e imparcialidade que já são o seu hábito e com vista às entrevistas pessoais com requerentes de asilo deverá também possuir pessoal especializado e com a experiência necessárias no domínio do Direito de Asilo para apreciar a situação específica dos requerentes de asilo.

Muito obrigada.