Intervenção do Dr. Mota Amaral, Vice Presidente da Assembleia da República Portuguesa.
Para apresentar uma visão comparativa se o tratamento de refugiados noutros países Europeus com relevância para Portugal, dou a palavra ao Dr. Gilbert Jaeger, Membro do Comité Executivo da Rede Legal Europeia de Asilo e do Instituto Internacional do Direito Humanitário. Senhor Gilbert Jaeger tem a palavra.



Intervenção do

Dr. Gilbert Jaeger,

Representante do Conselho Europeu
para os Refugiados e Exilados.






Considero que Portugal se vê confrontado com um problema de requerentes de asilo de pequena dimensão, mas que é significativo tendo em conta os meios até agora disponíveis para lidar com a situação. Está agora a ser feita uma tentativa para melhorar e sublimar o procedimento existente de admissão de um requerente de asilo no território e do processo de determinação e, simultaneamente, manter ou melhorar as garantias de um procedimento justo. Como noutros países europeus (e não europeus), o problema maior é o facto de muitos requerentes de asilo chegarem sem documentos ou documentação suficiente e de muitos pedidos de asilo ou estatuto de refugiado serem abusivos ou manifestamente infundados.

A separação do procedimento global em duas fases, que está neste momento a ser considerada: um processo de admissibilidade e um processo para a determinação do estatuto de refugiado, é compatível com a prática de vários países europeus, incluindo o meu, a Bélgica. Tem a vantagem de diminuir o número de requerentes de asilo cujo estatuto de refugiado deve ser analisado com todas as precauções e garantias necessárias. Obviamente, a lei deve prever que as decisões negativas sobre admissibilidade possam ser revistas ou reconsideradas num processo de recurso, por um orgão independente. O pedido de revisão ou a apresentação de um recurso devem ter efeito suspensivo em relação à implementação de qualquer expulsão do território do Estado.

Há duas (ou mais) maneiras para lidar com os pedidos manifestamente infundados. O carácter manifestamente infundado pode ser avaliado já no processo de admissibilidade ou no processo principal.

Em qualquer caso, e em particular se a lei prevê que o processo de admissibilidade deve eliminar os pedidos manifestamente infundados, as autoridades competentes devem agir de acordo com os padrões internacionais relativos às entrevistas e à interpretação dos conceitos relevantes. A noção de "pedido manifestamente infundado"está interligada com os aspectos substantivos do pedido de asilo, o que deve proibir uma análise superficial e uma decisão precipitada. Se a decisão for negativa, o requerente de asilo deve ter o direito de solicitar a revisão ou de apresentar um recurso. De acordo com a Conclusão nº 30 (XXXIV) do Comité Executivo do Programa do Alto Comissariado, a revisão deverá ser feita pela autoridade competente para a determinação do estatuto de refugiado. Também neste caso, o pedido de revisão ou de recurso deverá ter efeito suspensivo.

No que respeita aos processos de admissibilidade e de determinação do estatuto de refugiado há - para além das disposições obrigatórias da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto de Refugiados - inúmeros princípios orientadores e critérios aceites, nomeadamente:

Deverá ser feita uma menção especial às várias resoluções adoptadas pelo Conselho Europeu, nomeadamente a Resolução sobre as garantias mínimas nos procedimentos de asilo.

Como representante do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (CERE/ECRE) - um órgão que representa as principais organizações não governamentais europeias dedicadas à protecção de requerentes de asilo e refugiados - também me devo referir aos nossos próprios documentos, viz. Procedimentos justos e céleres para determinar o estatuto de refugiado, de Outubro 1990, e Uma política europeia de refugiados à luz dos princípios estabelecidos, de Abril de 1994.

Deve ser dada importância acrescida à Resolução do Conselho Europeu sobre as garantias mínimas nos procedimentos de asilo de 20/21 de Junho de 1995 e outros textos relacionados, particularmente a Resolução sobre pedidos de asilo manifestamente infundados, a Resolução relativa a uma abordagem harmonizada das questões referentes aos países terceiros de acolhimento e as Conclusões sobre os países onde em geral não se verificam graves riscos de perseguição. Estes últimos textos foram adoptados em Londres, a 30 de Novembro - 1 de Dezembro de 1992.

As organizações europeias não governamentais reconhecem que estes textos são importantes, em particular a Resolução sobre as garantias mínimas, mas apõem grandes objecções a alguns dos seus aspectos, especificamente o conceito de "país seguro". Destacam-se duas categorias de "país seguro":

A implementação do conceito de "país de origem seguro" pelos Estados Contratantes da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados é uma violação flagrante do Artigo 3 da Convenção, que se refe à não-discriminação e declara:

"Os Estados Contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, religião ou país de origem."

Também se poderia argumentar que o conceito de "país de origem seguro" introduz uma reserva geográfica ao Artigo 1 da Convenção que define o termo "refugiado". Contudo, o Artigo 42 da Convenção permite reservas dos Estados Contratantes da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados apenas "no momento da assinatura, retificação ou adesão" e proibe especificamente reservas aos Artigos 1 e 3.

Há também objecções factuais ao conceito de "países onde em geral não se verificam graves riscos de perseguição". Refiro-me às actividades da Comissão Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo. Os registos destas duas instituições mostram que praticamente todos os Estados europeus violam por vezes as suas obrigações à luz da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e são ocasionalmente submetidos ao julgamento do Tribunal. Estes factos lançam um ponto de vista irónico ao parágrafo 20 da Resolução sobre as garantias mínimas que declara:

"Os Estados Membros constatam que, não deverá haver razão, de direito ou de facto, em conformidade com a Convenção de Genebra de 1951, para reconhecer o estatuto de refugiado a um requerente de asilo nacional de outro Estado Membro"

Quanto ao conceito de "terceiro país seguro" ou "país terceiro de acolhimento" podem ser encontradas objecções factuais num estudo bastante aprofundado elaborado pelo Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (CERE/ECRE) em 1993-1994. Este estudo de casos recentes mostra que a implementação do conceito de "terceiro país seguro" pode conduzir ao refoulement para o país de origem, à condição de estrangeiro clandestino e a outras situações indesejáveis. O estudo foi traduzido para português (Terceiro país seguro: mitos e realidades) e pode obter-se através do Conselho Português para os Refugiados.

Em relação às condições económicas e sociais, a questão é clara para os refugiados reconhecidos, que devem ser abrangidos pelas disposições da Convenção de 1951. Posso talvez acrescentar que os refugiados devem também ser abrangidos pelos tratados europeus e internacionais concluídos depois de 1951 - o ano da Convenção relativa os Estatuto dos Refugiados - e naturalmente, de acordo com o princípio da não discriminação, das disposições económicas e sociais das leis portuguesas.

Os requerentes de asilo não beneficiam das disposições económicas e sociais da Convenção de 1951, particularmente as disposições que referentes a "refugiados residentes regularmente nos seus territórios" ou uma expressão similar. O estatuto dos requerentes de asilo é contudo regido por princípios gerais de direito. À luz do Direito Natural e do Direito Consuetudinário, o requerente de asilo, que é um ser humano, tem direito à protecção do Estado em cujo território ele se encontra. Além disso, o Estado que deve protecção não pode ignorar o facto de que os requerentes de asilo são potenciais refugiados.

Deve ser feita uma distinção entre os requerentes de asilo durante o processo de admissibilidade e os que são admissíveis e aguardam, portanto, a decisão do processo de determinação. Durante o processo de admissibilidade o requerente de asilo ainda se encontra num limbo administrativo. No entanto, os princípios gerais de direito mencionados anteriormente, requerem que também nesta fase, particularmente no período durante o qual o requerente de asilo aguarda pelo resultado da revisão ou do recurso, o requerente de asilo deva receber protecção, incluindo alojamento, alimentação e cuidados de saúde. O Estado tem o dever de fornecer esta protecção mas, obviamente, o Governo pode desejar solicitar o apoio das organizações não governamentais.

Os requerentes de asilo admissíveis são, embora provisoriamente, residentes estrangeiros que se encontram legalmente no país. Devem beneficiar de todos os tratados internacionais de direitos humanos, incluindo a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e convenções similares, exceptuando quando uma disposição exija direitos permanentes da residência pelo Estado Contratante. Do mesmo modo, de acordo com o princípio da não discriminação, os requerentes de asilo admissíveis gozam, tal como os cidadãos, de todos os direitos previstos na lei nacional, exceptuando quando a lei exclui especificamente estrangeiros ou estrangeiros sem residência permanente.

Seria útil se a revisão da lei portuguesa, além de prever o alojamento e satisfazer outras necessidades básicas dos requerentes de asilo, incorporasse algumas disposições gerais reflectindo o facto de que os requerentes de asilo, particularmente depois de terem passado o teste de admissibilidade, não serem estrangeiros a flutuar num vácuo jurídico.

Permitam-me concluir estas breves observações declarando que, na opinião das ONGs europeias e especificamente do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (CERE/ECRE), Portugal é considerado como um país que tenta lidar com os refugiados em conformidade com os normas aceites do Direito Internacional dos Refugiados. CERE/ECRE estará sempre disponível para cooperar com as autoridades portuguesas, especialmente através do seu membro português, o Conselho Português para os Refugiados, se a nossa cooperação for útil em forjar e implementar uma política liberal e positiva para os refugiados.


Intervenção do Dr. Mota Amaral, Vice Presidente da Assembleia da República Portuguesa.