Intervenção do Dr. Mota Amaral, Vice Presidente da Assembleia da República Portuguesa: "Muito obrigado Senhor Deputado. Senhor Deputado José Magalhães."


Intervenção do Senhor Deputado

Dr. José Magalhães,

Deputado do Grupo Parlamentar do PS e
Coordenador da Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias.


Senhor Presidente,
Senhor Secretário de Estado,
Senhor Alto Comissário Nacional para os Refugiados,
Senhora Dra. Luísa Drüke,
Senhores Representantes e Senhoras Representantes de todas as Organizações Não Governamentais que nos deram o prazer de estar connosco nesta sessão de trabalho,
Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,


Gostaria de começar por sublinhar que a metodologia de trabalho que, em boa hora, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu adoptar, em cooperação institucional com o CPR e com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, é uma metodologia na qual fortemente apostamos. Representa uma rotura com o ciclo político em que a Assembleia da República e as suas Comissões estiveram privadas de contacto permanente, normal, diria fisiológico e banalizado, com os representantes da sociedade civil. Que vale a pena fazê-lo está inteiramente à vista. Por um lado, as vossas intervenções, já produzidas, trazem contributos de assinalável importância para que o futuro debate da revisão da Lei 70/93 decorra nas melhores condições possíveis. Para nós, decorrer "nas melhores condições possíveis" significa que decorra em condições precisamente opostas àquelas que marcaram o debate de 1993, feito durante o mês de Agosto, com sinos a tocar a rebate e com proclamação de que o interesse nacional exigia um pontapé na Constituição da República e a aprovação de uma Lei que nasceu sob o símbolo da dúvida da constitucionalidade (para não dizer, no juízo de reputados constitucionalistas, da mais total inconstitucionalidade, em relação a aspectos basilares).

A essência de uma Lei como esta é o processo, é o adjectivo e a substância desta Lei adjectiva era uma substância, em muitos aspectos, não só polémica, como, pura e simplesmente, insconstitucional e contrária à tradição de Portugal, como o Senhor Presidente da Assembleia da República muito bem sublinhou no seu discurso, em termos que dispensam reforço.

Do que se trata agora não é de actualizá-la: é de, pura e simplesmente, expurgá-la das entorses que foram introduzidas em 1993 e de fazê-lo segundo as regras que resultam da reflexão internacional e nacional, à escala europeia, à escala global, à escala portuguesa, sobre questões melindrosas que este tipo de legislação sempre suscita em toda a parte. O vosso contributo é muito importante. Por isso gostaria ser tão telegráfico quanto possível. Quero sobretudo deixar no ar algumas perguntas. A vossa contribuição é importante porque nos permite reflectir serenamente, numa matéria em que a serenidade é crucial para distinguir, como sempre, o trigo do joio e não tratar da mesma maneira coisas distintas.

É essencial que saibamos quantos são os refugiados. Não como avalanche temida e mitificada, mas como realidade que, sendo de números, diz respeito a pessoas. Conhecermos os números exactamente, é para nós crucial e não trabalharemos noutras condições.

Em segundo lugar, importa saber, por exemplo, que, ao contrário do que se insinuava, os candidatos não são de África e os portugueses não têm que se esconder, cosidos às paredes, cheios de medo de uma "avalanche negra", como se dizia na altura. Saber-se de onde vêm exactamente essas pessoas, não estimulando sementes de ódio racial, de suspeição, de conflitualidade irracional, de medos fantasmáticos e obscuros, num corpo como o do tecido social Português, em que tudo isso tem estado felizmente secundarizado, é para nós crucial. Os números que aqui foram trazidos são concludentes. Infelizmente as condições da Assembleia da República não são propícias ao audiovisual em condições fulgurantes (hão-de ser, mas tivemos a exibição de números concretos, que são da mais alta importância, essenciais para que o legislador não legisle sobre um temor daquilo que não é perigo e, pelo contrário, respeite a realidade tal qual ela se desenha.

Em terceiro lugar, a reflexão que nos trazem tem aspectos de análise jurídica, na qual não entrarei em detalhe, mas tem também uma conclusão que me parece inquietante. Essa conclusão inquietante é que, a legislação actual portuguesa, que desse ponto de vista não carece de defesa porque não a tem, pura e simplesmente, não se compatibiliza com as regras mínimas constantes da Resolução da União Europeia que é, para nós, também, vinculativa e obrigatória.

O quadro comparativo que foi anexado a uma das peças contidas no dossier, que tiveram a gentileza de entregar à Assembleia da República e que é de grande importância, é , a esse título, evidenciador de tudo. Num mero relance, em relação a procedimentos de assiduidade - ou o chamado "pre screening" - de recepção com apoio social e de recurso com efeito suspensivo, o quadro permite ler "sims" em todas estas alíneas, em todas estas áreas, para todos os países, com excepção de Portugal. Pura e simplesmente. O cotejo com o direito comparado aconselha o legislador Português a harmonizar-se, não com o pior, mas com a regra geral. É esse para nós o sentido da harmonização.

Por outro lado, será importante que um legislador Português tire conclusões e a vossa ajuda, desse ponto de vista, é também preciosa. Gostaria de a aprofundar ainda mais em relação àquilo que alguém aqui chamou - Dra. Susana Amador - com felicidade, "criações típicas do legislador Português", ou seja, verdadeiros galos de Barcelos jurídicos, infelizmente, abortícios e não floridos e garridos como são os galos propriamente ditos (mecanismos excepcionais, como a não aceitação de efeitos suspensivos). Ainda que se aceite a hermenêutica jurídica tortuosa, que o legislador nunca quis excluir, porque isso seria inconstitucional. Há alguns debates nas Actas do Diário da Assembleia da República em que esta questão é examinada e discutida, mas foi uma criação tortuosa que é necessário, naturalmente, corrigir.

Outros aspectos, como a absurda invocação de motivos gerais de segurança externa ou interna como factor impeditivo, sem mais, são, pura e simplesmente, inconstitucionais. Não me adiantarei nessa matéria porque não se trata aqui de vos dizer que Projecto de Lei é que apresentaremos ou que Proposta de Lei é que o Governo apresentará. Trata-se, sobretudo, de ouvir-vos e de saber como ponderar o futuro regime. Gostaria só de salientar um último aspecto: aquilo que aqui nos é proposto, de forma conjunta e, suponho, consensual, é um novo modelo e esse novo modelo é, de facto, novo porque se entra no procedimento da admissibilidade, a pedra de toque da determinação e da distrinça e procura criar, para o procedimento da admissibilidade, regras próprias de contraditório, de defesa, de apoio jurídico, de possibilidade de livre expressão, que são típicas de Estados de Direito democrático, que queremos que Portugal seja e que a União Europeia tenha. É um procedimento que parece justificado, mas que exige uma cuidadosa delimitação, para que não cheguemos em relação a esse procedimento de admissibilidade a resultados similares aos resultados negativos que tinha e que tem, na Lei actual Portuguesa, o chamado processo acelerado.

É, portanto, no sentido de apurar que dificuldades é que ele suscita, que eu gostaria de terminar, não com carácter conclusivo, mas deixando perguntas.

Primeiro, que dificuldades é que o SEF tem encontrado no controlo de fronteiras e onde é que elas estão qualificadas, onde é que elas estão localizadas? Os dados estatísticos há pouco introduzidos revelam que as pessoas chegam sobretudo por terra (71%), a fronteira de terra está razoavelmente desguarnecida, coloca problemas seriíssimos de controlo de movimentos de pessoas. O caso de Elvas, para que chamou a atenção, há dias, o jornal Expresso, é um caso paradigmático no plano da droga, da traficância e da anomalia. Mas há, também, movimentos de fronteiras, os mais diversos, cujo controlo reveste dificuldades enormes e que implica, entre outras coisas, a aplicação dos acordos com Espanha. Em segundo lugar, que meios é que se considera que seriam necessários ao Serviço, nas presentes condições, e para este novo modelo, para dar cumprimento a estas recomendações, de conhecimento das situações, providenciamento de intérpretes, acompanhamento e monitorização das notificações, localização das pessoas? Sendo certo que eu vejo esse modelo tal qual é adiantado no documento que nos foi lido pelos representantes do CPR, inclui também considerações de ordem prática, como a obrigação, por parte dos candidatos, de manterem o SEF informado sobre morada, para que possam ser notificados da decisão que lhes seja aplicável, incluindo com fichas de presença e outros instrumentos. Este tipo de mecanismos, fichas de presença eventualmente tratadas de forma adequada, do ponto de vista mecânico, são instrumento bastante ou seriam necessários outros instrumentos de monitorização e outros instrumentos de acompanhamento?

Por outro lado, gostaria de perguntar como avaliar o funcionamento do Comissariado Nacional para os Refugiados durante este período? E se não se entende que é necessário reforçar o Comissário com elementos de carácter consultivo, que lhe permitam, por um lado, fazer "roulement" de trabalho e, por outro lado, ter melhores condições para o exercício dessas funções que a Lei lhe atribuiu.

A minha última observação, Minhas Senhoras e Meus Senhores, é que o mundo move-se. Move-se tanto que a próxima Conferência Intergovernamental tem como um dos pontos da agenda precisamente a questão do asilo. A Comissão Europeia vai apresentar, na próxima quarta-feira, aos Parlamentares Europeus, no Parlamento Europeu, um documento sobre essa matéria, na qual são propostas várias medidas, inclusivamente algumas das quais resultaria a comunitarização desta área. Como sabem, aquando da elaboração do Tratado de Maastricht, a questão da comuntarização esteve em cima da mesa, colocada sobretudo pela Alemanha. A questão volta a estar colocada em cima da mesa, agora, e importa que o nosso processo de reflexão, além de incidir sobre os aspectos que na Lei 70/93 merecem correcção, incida de forma atenta e muito vigilante sobre o debate europeu que, neste domínio, está em curso e que importa que seja transparente, participado, conhecido e feito sempre à luz daquilo que alguém aqui chamava os standards civilizacionais que são o ponto comum dos 15 actuais Estados da União Europeia e de todos aqueles que queremos que até ao fim do século venham a aderir a uma grande União Europeia, que nós não concebemos senão como um espaço de liberdade de tolerância, de generosidade e de prosperidade. É, portanto, da nossa vigilância colectiva que depende a harmonização, ou não, desses objectivos, tal como fomos capazes de harmonizar as condições políticas que permitam que estejamos hoje, aqui, na Assembleia da República, em diálogo democrático e aberto com todos aqueles que nos deram o prazer de estar entre nós, nesta sessão de trabalho.

Muito obrigado pela vossa atenção e sejam todos bem-vindos.