Intervenção do
Dr. Mota Amaral, Vice Presidente da Assembleia da República Portuguesa:
Sobre o mesmo tema da protecção dos refugiados na Europa
Ocidental tem agora a palavra a Representante do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados em Portugal, Dra. Luise
Drüke.
Intervenção da
Dra. Luise Drüke
Representante do
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
em Portugal
1. Introdução
Como Representante do ACNUR em Portugal, gostaria de começar por agradecer o interesse com que a problemática dos refugiados é encarada neste país.
Este trabalho não teria sido possível sem o alto interesse
manifestado por Sua Excelência o Secretário de Estado-Adjunto
do Ministro da Administração Interna, Dr. Luís
Filipe Amado, que, desde a primeira hora, promoveu este evento (aliás,
permita-me expressar o meu agradecimento ao anterior Secretário
de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna, Dr.
Carlos Encarnação, que desde logo manifestou abertura tendo
em vista o aperfeiçoamento do regime jurídico do asilo),
em consonância com o Presidente e Membros da Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a quem
coube a nobre tarefa de organizar esta Audiência; a todos os serviços
que se ocupam dos requerentes de asilo e dos refugiados, o Ministério
da Administração Interna (MAI), e nomeadamente o Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a Divisão de Refugiados e o
Comissário Nacional para os Refugiados; ao Supremo Tribunal Administrativo
(STA); aos parceiros operacionais do ACNUR em Portugal: Ministério
da Solidariedade e da Segurança Social (MSSS) e o Conselho Português
para os Refugiados (CPR), pelo apoio, respectivamente, em situações
de emergência e no aconselhamento jurídico individual; à
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pelo apoio continuado
desde o início da década de 80, inicialmente a todos os requerentes
de asilo e, desde 1993, aos casos vulneráveis; às Organizações
Não Governamentais (ONGs), em particular à Obra Católica
Portuguesa de Migrações, Caritas, AMI, Cruz Vermelha Portuguesa,
O Companheiro, Comunidade Islâmica e a todos os outros que anonimamente
deram o seu contributo. Às Universidades que, com o seu saber,
contribuem para um melhor entendimento e compreensão, à Comunicação
Social, como veículo privilegiado de informação,
criando assim uma opinião pública favorável às
medidas governamentais para melhorar a situação precária
e premente dos refugiados em Portugal; e, a todos os Participantes na
Audição, que directa ou indirectamente enriqueceram o
debate, criando assim condições mais favoráveis para
uma melhor defesa dos direitos dos refugiados.
2. Mandato e estratégia do ACNUR
Com a rápida evolução dos meios de comunicação social, da informática, com grande relevo para a INTERNET, temos vindo a presenciar uma globalização de conhecimentos e, consequentemente, de atitudes e de políticas. Com a INTERNET, criou-se uma rede de informação permanentemente actualizada, capaz de facultar o acesso a utilizadores comuns, com grande proveito para as suas actividades, ainda que com objectivos muito diversificados.
Todavia, não será com estas evoluções tecnológicas que as perseguições, a miséria e a pobreza desaparecerão do planeta, contudo os instrumentos ora criados poderão ter uma utilização benéfica para toda a humanidade.
Como se sabe o ACNUR tem um mandato para a protecção internacional dos refugiados[1], o que implica uma estreita colaboração com todos os Estados[2]. Tendo em conta as recentes evoluções políticas, económicas e tecnológicas, o ACNUR adoptou uma estratégia internacional com um carácter globalizante assente em três pilares: Prevenção - Protecção - Soluções.
Nos anos 90, o ACNUR tem, progressivamente, empreendido mais acções de prevenção em países geradores de fluxos de refugiados ou que possam originá-los no futuro. Está em curso um conjunto de actividades preventivas implementadas quer antes quer durante as crises que produzam refugiados. No último caso, essas actividades ocorrem frequentemente no contexto mais amplo dos esforços das Nações Unidas pela Paz ou pela sua manutenção. A acção preventiva desenvolvida pelo ACNUR prevê iniciativas com vista a desencorajar situações geradoras de possíveis fluxos de refugiados, através do reforço de instituições e de acções de formação em países de origem.
Um exemplo de prevenção encontra-se na Europa, na Confederação de Estados Independentes (CEI) e países vizinhos. Estas medidas preventivas caracterizam-se pela cooperação, empenho nas negociações e adopção de programas com vista à resolução das causas e problemas resultantes dos movimentos de refugiados e outras pessoas deslocadas, que se têm registado desde o final da guerra fria e do colapso da ex-União Soviética. No seguimento da Resolução nº 49/173 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1994, o ACNUR, a OIM e a OSCE, conjuntamente, organizaram um Conferência Regional, em Maio de 1996, em Genebra, que adoptou o Programa de Acção e a Declaração de Princípios das Medidas Preventivas na CEI. Considerando que, cerca de 80% dos requerentes de asilo que chegaram a Portugal em 1995 eram oriundos da Europa Central e Oriental, são de grande importância acções de prevenção pois, caso contrário, os conflitos e tensões existentes continuam a forçar as pessoas a sair dos países de origem, com todas as consequências nefastas que daí advém. Por consequência, se a prevenção nos países de origem não for efectiva incluindo a protecção nacional dos cidadãos, estes poderão socorrer-se fora das regiões ou dos países de origem, pedindo a protecção internacional.
Assim, de acordo com os princípios de protecção internacional[3] Em consequência, os Estados não devem retornar ou forçar o regresso de refugiados para territórios onde possam enfrentar situações de perigo. Não devem fazer discriminação entre grupos de refugiados. Devem assegurar que os refugiados beneficiem, pelo menos, de direitos económicos e sociais semelhantes aos dos outros estrangeiros residentes no país de acolhimento. Por último, os Estados têm a obrigação de cooperar com o ACNUR. E devem, por razões humanitárias, permitir a entrada, pelo menos, do cônjuge e dos filhos dependentes de qualquer pessoa a quem se concedeu protecção temporária ou asilo. , os países de acolhimento devem analisar os pedidos de estatuto de refugiado individualmente[4], com base nos factos apresentados pelo requerente[5] - o receio de regressar ao país de origem sendo um dos elementos mais importantes para este estatuto[6]. Para os casos em que não satisfaçam os critérios para o reconhecimento deste estatuto, nem outro apropriado, é necessário encontrar soluções, que podem consistir ou na regularização no país onde solicitou asilo (se autorizado pelas autoridades estatais), ou no regresso ao país de origem. Assim, para assegurar uma protecção internacional efectiva, as estratégias novas ou complementares devem procurar: reforçar, em primeiro lugar, a implementação da Convenção de 1951, do Protocolo de 1967 e dos instrumentos regionais existentes; reforçar a protecção dada a pessoas que se encontram fora do âmbito de aplicação dos instrumentos jurídicos internacionais, como as pessoas em situação semelhante aos refugiados, deslocadas no seu próprio país[7]; e apoiar as medidas de protecção adoptadas pelos Estados que ainda não fazem parte desses instrumentos. O objectivo é reforçar o compromisso dos Estados visando assegurar que as pessoas que requerem protecção a recebam, e tenham acesso a ela, sem discriminação.
Perante este quadro quais as soluções? Podemos analisar sob três perspectivas diferentes:
a) O repatriamento voluntário é a primeira solução para ajudar as pessoas a deixar de ser refugiadas. Em 1993, mais de 1,8 milhões de pessoas regressaram aos seus países de origem, em particular ao Afeganistão, Camboja, Etiópia, Myanmar e Somália. Entre 1994/95, regressaram a Moçambique um total de 1,7 milhões de refugiados [8], provenientes dos 6 países de asilo vizinhos (Zâmbia, Malawi, Tanzânia, África do Sul, Suazilândia e Zimbabué) sendo um indicador notório do progresso alcançado no processo de paz naquele país. A implementação rápida e eficiente da fase de repatriamento, conjuntamente coordenada pelo ACNUR e Núcleo de Apoio aos Refugiados (NAR), o nosso parceiro governamental em Moçambique, foi concluída um ano antes da data prevista. Este progresso foi o resultado de um excelente espírito de cooperação entre os governos, as agências operacionais, e ONGs que participaram nas tarefas de repatriamento. Do mesmo modo, voltaram já à ex-Jugoslávia 240.000 pessoas, beneficiárias de Protecção Temporária noutros países europeus, com o apoio do ACNUR, conjuntamente as autoridades nacionais competentes, bem como com as ONG's [9].
b) A integração no país de asilo é a segunda solução que, no entanto, só é viável com a cooperação dos Estados. Como o número de refugiados tem aumentado, as possibilidades de integração local tendem a tornar-se cada vez mais escassas. Nos países industrializados, os sistemas de segurança social do Estado e as ONG's garantem a maior parte dos recursos necessários para integrar os refugiados. Nos países em vias de desenvolvimento, o ACNUR, sempre que solicitado e sujeito à disponibilidade de fundos da Comunidade Internacional, presta apoio a vários níveis para projectos de integração local, tanto em zonas rurais como em zonas urbanas [10].
c) A terceira solução será a reinstalação
num terceiro país, sobretudo para os refugiados que não podem
regressar ao seu país de origem, nem permanecer em segurança
no país de refúgio/asilo. Normalmente, a decisão sobre
a reinstalação de um refugiado é apenas tomada na
ausência de outras opções e quando não há
qualquer outro modo alternativo de garantir a segurança jurídica
ou física da pessoa em questão.
Em conclusão destas ideias, fica claro que o mandato e a estratégia do ACNUR têm a sua aplicação sem distinção de mapas geográficos e ideológicos, tendo como lema uma tarefa puramente humanitária e imparcial, operando, assim, em 1996, com 200 Delegações espalhadas pelo Mundo, 5.500 funcionários e um orçamento de 1,2 biliões de dólares, para tentar satisfazer as necessidades de, aproximadamente,18 milhões de pessoas sob o mandato do ACNUR.
3. Cooperação entre o Governo Português e o ACNUR
Como é do conhecimento geral, Portugal é membro das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da OTAN, da União Europeia, de Schengen [11] e, muito recentemente, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [12]. Caberá a Portugal, no período compreendido entre Janeiro e Junho de 1997, a Presidência dos Estados Membros do Acordo de Schengen, esperando sedimentar melhor as nossas posições junto dos parceiros da União Europeia, tendo em vista uma efectiva circulação de pessoas. Esta dimensão internacional de Portugal, por se inspirar nos mesmos princípios, inscritos no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, de 1945, onde se reafirma a nossa Fé nos Direitos Fundamentais do Homem, na dignidade, e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim com das Nações, grandes e pequenas, determina uma relação privilegiada, com as Nações Unidas, e nomeadamente com o ACNUR, cujas linhas mestras se encontram particularmente naqueles princípios.
Iremos agora traçar brevemente alguns dos passos mais significativos entre o Governo e o ACNUR, nos últimos trinta e cinco anos:
a) Em 1960, Portugal assinou e ratificou a Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 relativa ao Estatuto de Refugiados [13];
b) Em 1975, Portugal e o ACNUR assinaram o primeiro acordo para cooperar nas áreas de protecção e assistência a refugiados, sobretudo refugiados latino-americanos;
c) Em 1977, Portugal e o ACNUR assinaram o "Branch Office - Agreement", tendo assim sido criada a primeira Delegação do ACNUR em Portugal [14];
d) Em 1980, Portugal promulgou a primeira Lei de Asilo Nº. 38/80, que viria a ser revista em 1983, pelo Decreto-Lei 415/83, cujos resultados positivos incluíram: recurso com efeito suspensivo para requerentes de asilo nos processos normais; o apoio social desenvolvido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que incluiu um centro de acolhimento temporário para requerentes de asilo, em 1981/82, em Barcarena (neste projecto estiveram envolvidas diversas entidades entre as quais se contam o Ministério da Segurança Social, a Cáritas, a Santa Casa da Misericórdia de Cascais e o ACNUR).
e) Em 1993, Portugal promulgou a Lei 70/93, de 29 de Setembro, relativa ao Direito de Asilo. Nesta fase de cooperação, as disposições favoráveis para o tratamento de pedidos de asilo incluíram a continuação de entrevistas individuais a todos os requerentes de asilo e a criação do cargo de Comissário Nacional para os Refugiados (CNR).
Contudo, gostaríamos que o Governo tivesse adoptado já nesta altura outras recomendações do ACNUR, nomeadamente, a possibilidade de, no processo acelerado, os requerentes de pedidos de asilo considerados manifestamente infundados poderem interpor recurso com efeito suspensivo e beneficiar de condições mínimas de acolhimento, quando necessárias.
f) Desde 1993, com a aplicação da actual Lei de Asilo verificou-se:
i. Uma aplicação cada vez mais efectiva por parte das autoridades, através de entrevistas individuais a todos os requerentes de asilo no início da instrução do pedido; a suspensão das notificações públicas das decisões, que punham em risco a segurança do requerente; e um tratamento dos pedidos progressivamente mais célere e justo;
ii. A inexistência de medidas de acolhimento básicas para os requerentes de asilo, com graves consequências, nomeadamente:
1. Dificuldade na notificação das decisões.
2. Desaparecimento dos requerentes dando lugar à ilegalidade, dentro ou fora de Portugal.
3. Abandono do processo de asilo por parte do requerente (impedindo o arquivamento do mesmo).
4. Extrema miséria da maioria dos requerentes de asilo que, em alguns casos, recorrem a actividades ilícitas, tais como roubos, agressões e outros meios violentos.
iii. A necessidade de se proceder à sua alteração, com vista ao seu aperfeiçoamento, em diversas áreas [15], nomeadamente em relação ao recurso das decisões proferidas em processo acelerado, uma vez que não existe uma disposição explícita que o preveja; por outro lado, o recurso para o STA adia, por vezes até 3 anos, o resultado final do processo, deixando o requerente de asilo numa situação muito precária quer a nível legal quer a nível social.
4. PARinAC (Partnership in Action)
As Reuniões PARinAC, desde Abril de 1995, entre as autoridades, as ONGs vocacionadas para esta matéria e o ACNUR, e à luz da Resolução do Conselho da União Europeia relativa às Garantias Mínimas dos Processos de Asilo, de 20 Junho de 1995 [16], constituíram uma das bases fundamentais para o desenvolvimento de um consenso favorável à reabertura do processo legislativo, pouco tempo depois da última revisão, em 1993. Como se sabe, todos os Estados Membros, incluindo Portugal comprometeram-se a incorporar nas suas legislações nacionais, até ao dia 1 de Janeiro de 1996, o conteúdo da Resolução Europeia supra referida. Por consequência, já aquando da realização da Reunião Internacional de Especialistas, em 29 de Junho de 1995, foi então reconhecida a premente necessidade de:
a) Rever a Lei de Asilo 70/93, de 29 de Setembro.
b) Explorar e desenvolver uma forma legalmente legítima de tratamento dos casos enquadrados em processo ordinário e acelerado em sede de recurso, e da sua consonância com os padrões de harmonização estabelecidos na União Europeia, urgente, dado que mais de 90% dos pedidos de asilo são considerados manifestamente infundados.
c) Recomendar a criação, por parte do Estado, de uma estrutura básica de acolhimento por razões humanitárias, com apoio das ONG's, para facilitar o contacto e a notificação.
d) Propor uma regulamentação específica que
visa a aplicação do Acordo de Schengen no contexto nacional.
Estas propostas, depois de consultas bilaterais intensas e aprovação
unânime no quadro PARinAC, foram adoptadas nesta Audição
Parlamentar no dia 26 de Fevereiro de 1996 com um consenso total, esperando
obter os mesmos resultados para uma aprovação da proposta
legislativa, em discussão na Assembleia da República.
Conclusão
Com esta Audição Parlamentar e esta Compilação cremos que terá sido dado um passo importante para uma maior sensibilização, dentro e fora da Assembleia da República, aliada a uma maior harmonização entre os princípios internacionais de protecção de refugiados e as novas regras europeias de asilo, para o regime jurídico actualizado e capaz de satisfazer o interesse nacional deste país e as necessidades dos requerentes de asilo. Portugal merece-o e os refugiados necessitam-no!
Assim, o ACNUR deseja expressar o seu reconhecimento pela forma cooperante e disponibilidade permanente manifestada pelo Governo e todas as partes envolvidas neste processo, estando certa que, deste modo, o Estado português contribuirá para minorar um problema de dimensão internacional, sem fronteiras, que diz respeito a todos nós.
Precisamos de manter o nosso idealismo e seguir sempre no caminho visando assim dar respostas a novos desafios, que continuamente se apresentam, filosofia já conceptualizada por Immanuel Kant na sua obra sobra a paz eterna: nunca haverá paz, mas devemos estar sempre no caminho para a paz.
Muito obrigada.