CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA
POSIÇÃO COMUM DE 4 DE MARÇO DE 1996 DEFINIDA PELO CONSELHO COM BASE NO ARTIGO K.3 DO TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA
SOBRE A APLICAÇÃO HARMONIZADA DA
DEFINIÇÃO DO TERMO "REFUGIADO"
NA ACEPÇÃO DO ARTIGO 1 DA CONVENÇÃO DE GENEBRA
DE 28 DE JULHO DE 1951
RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS
Publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias
de 13 de Março de 1996
(Actos adoptados em aplicação do título VI do
Tratado da União Europeia)
Tendo em conta o Tratado da União Europeia e, nomeadamente, o n 2, alínea a), do artigo K.3,
Considerando que, nos termos do n 1 do artigo K.1 daquele Tratado, a política de asilo constitui uma questão de interesse comum para os Estados-membros;
Considerando o objectivo de harmonização das políticas dos Estados-membros em matéria de asilo, fixado pelo Conselho Europeu de Estrasburgo de 8 e 9 de Dezembro de 1990 e desenvolvido pelos Conselhos Europeus de Maastricht de 9 e 10 de Dezembro de 1991 e de Bruxelas de 10 e 11 de Dezembro de 1993, bem como na comunicação da Comissão sobre as políticas de imigração e de asilo, de 23 de Fevereiro de 1994;
Salientando, fiel à tradição humanitária comum dos Estados-membros, a importância de garantir aos refugiados uma protecção adequada, de acordo com a Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967, adiante designada "Convenção de Genebra";
Tendo verificado que o Guia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) constitui, para os Estados-membros, um instrumento útil para efeitos de determinação da qualidade de refugiado;
Considerando que, para a harmonização das políticas de asilo dos Estados-membros, é indispensável harmonizar a aplicação dos critérios de determinação da qualidade de refugiado,
DEFINIU A SEGUINTE POSIÇÃO COMUM:
l . Reconhecimento da qualidade de refugiado
O estatuto de refugiado é estabelecido com base nos critérios
em função dos quais os órgãos nacionais competentes
decidem conceder a um requerente de asilo a protecção prevista
na Convenção de Genebra. O presente documento incide sobre
a aplicação desses critérios, enunciados no artigo
1 da referida Convenção e em nada afecta as condições
em que os Estados-membros podem, segundo o seu direito interno, autorizar
a permanência no seu território de uma pessoa cuja segurança
ou integridade física seria ameaçada em caso de retorno ao
seu país por razões a que a Convenção de Genebra
não é aplicável, mas que constituem uma contra-indicação
ao reenvio para o país de origem.
2. Determinação do estatuto de refugiado a título individual ou colectivo
Cada pedido de asilo é analisado individualmente, em função dos factos e circunstâncias alegados e atendendo à situação objectiva existente no país de origem.
Na prática, pode suceder que um grupo da população
seja sujeito a perseguições. Nesses casos, a análise
do pedido será também individual, mesmo que, em casos específicos,
se limite a averiguar se o interessado pertence ao grupo em causa.
3. Determinação dos factos que podem justificar o reconhecimento do estatuto de refugiado
O factor determinante para a concessão do estatuto de refugiado nos termos da Convenção de Genebra consiste na existência de um receio fundamentado de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertença a determinado grupo social. A questão de saber se tal receio é fundamentado deverá ser determinada em função das circunstâncias de cada caso. Cabe ao requerente apresentar os elementos necessários à apreciação da realidade dos factos e circunstâncias alegados, no pressuposto de que, depois de ter sido suficientemente apurada a credibilidade das declarações do requerente, não será necessário comprovar em pormenor os factos alegados e que lhe deverá ser concedido o benefício da dúvida, a menos que fortes razões a tal se oponham.
O facto de o interessado ter já sofrido perseguições ou ter sido directamente ameaçado de perseguição constitui uma indicação séria de risco de perseguição, a não ser que se tenha entretanto operado uma alteração radical das condições do seu país de origem ou das suas relações com o mesmo.
O facto de não ter sofrido perseguições nem ter
sido directamente ameaçado antes de deixar o país de origem
não implica que no procedimento de asilo o interessado não
possa invocar um receio fundamentado de perseguições.
4. Noção de perseguição na acepção do artigo 1.A da Convenção de Genebra
A noção de perseguição utilizada no presente documento é a que consta do artigo 1.A da Convenção de Genebra.
Este termo não é definido nessa Convenção. Nem nas conclusões do Comité Executivo do ACNUR, nem na doutrina se encontra uma definição unanimemente aceite desta noção. As linhas directrizes do presente documento não constituem uma definição.
Contudo, admite-se de um modo geral que, para que se possa falar de perseguição na acepção do artigo 1.A, será necessário que os factos constatados ou receados:
As formas de perseguição podem comular-se, e a sobreposição de acontecimentos que, por si só, não constituem perseguição poderá, consoante as circunstâncias, resultar numa perseguição efectiva ou ser considerada uma justificação séria para o receio de perseguições.
As orientações que se seguem devem ser interpretadas em
função da noção de perseguição
constante da presente secção.
5. Origem da perseguição
5.1 Perseguição pelo Estado
A perseguição parte, de um modo geral, de um órgão do Estado (Estado central ou Estados federados, poderes regionais e locais), independentemente do seu estatuto em termos de Direito Internacional, ou dos partidos ou organizações que se apoderaram do aparelho de Estado.
Para além dos casos em que assume a forma de força bruta, a perseguição pode exercer-se igualmente através de medidas administrativas e/ou judiciais que podem assumir uma aparência de legalidade distorcida para efeitos de perseguição, ou ser executadas à margem da lei.
5.1.1. Medidas legais, administrativas e policiais
a) Medidas gerais
Os poderes públicos de um país são por vezes levados a adoptar medidas gerais destinadas a manter a ordem pública, salvaguardar a segurança do Estado, preservar a saúde pública, etc. Em função das necessidades, essas medidas podem implicar restrições ao exercício de determinadas liberdades, bem como o recurso à força, sem que essas restrições ou esse recurso sejam, por si sós, suficientes para se atribuir a qualidade de refugiado às pessoas a eles sujeitas. No entanto, se se verificar que as medidas em causa são aplicadas de forma discriminatória, por um ou vários dos motivos enunciados no artigo 1.A da Convenção de Genebra, e que podem ter consequências suficientemente graves, poderão suscitar nas vítimas dessa aplicação abusiva um receio individual de perseguição. É esse o caso quando, por exemplo, as medidas de carácter geral são utilizadas para camuflar medidas individuais contra pessoas que, pelos motivos indicados no artigo 1.A, podem ser incomodadas pelas autoridades.
b) Medidas por categorias
Numa sociedade poderão ser legítimas medidas destinadas a uma ou a várias categorias da população, mesmo quando imponham obrigações especiais ou restrições a certas liberdades. Em contrapartida, essas medidas podem ser de molde a justificar a existência de receio de perseguição, nomeadamente quando têm em vista um objectivo reprovado pela comunidade internacional, quando são manifestamente desproporcionadas em relação aos fins pretendidos ou quando provocam, aquando da sua aplicação, abusos graves destinados a infligir a determinado grupo um tratamento diferente e mais desfavorável do que o aplicado ao conjunto da população.
c) Medidas individuais
Poder-se-á considerar perseguição qualquer medida administrativa tomada em relação a um indivíduo, independentemente de qualquer consideração de interesse geral acima referida e por um dos motivos enunciados no artigo 1.A, que seja considerada caso suficientemente grave segundo os critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum, em especial quando essa medida se revista de carácter intencional, sistemático e persistente.
Por conseguinte, deverão ser tidas em conta todas as circunstâncias em que se enquadra a medida individual alegada pelo requerente de asilo para se avaliar o fundamento do seu receio de perseguição.
Em todos os casos acima referidos, será conveniente determinar se existe um ou mais recursos efectivos que permitam pôr fim à situação de abuso. Geralmente, a perseguição caracteriza-se pelo facto de não existir recurso ou, caso exista, de os indivíduos em causa não terem acesso a esse recurso ou de as decisões da autoridade competente não serem imparciais (ver ponto 5.1.2) ou não produzirem efeitos.
5.1.2. Processos judiciais
Embora possam revestir uma aparência de legalidade, os processos judiciais ou as penas aplicadas pelos tribunais poderão constituir perseguição sempre que incluam um elemento discriminatório e sejam considerados factos suficientemente graves segundo os critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum. É o que se verifica, nomeadamente, nos seguintes casos:
a) Processo penal discriminatório
Neste caso, a disposição penal é de aplicação geral, mas só são instaurados processos penais contra determinadas pessoas, devido a características susceptíveis de conduzir à concessão do estatuto de refugiado. Por essa razão, a presença de um elemento discriminatório na aplicação da política em matéria de processo penal é essencial para o reconhecimento do estatuto de refugiado.
b) Penas discriminatórias
Uma pena, ou ameaça de pena, com base numa disposição penal de aplicação geral pode ser discriminatória se as pessoas que cometem uma infracção forem punidas, mas se a algumas delas for aplicada uma pena mais grave, com base em certas características susceptíveis de levar à concessão do estatuto de refugiado. Para a concessão do estatuto de refugiado, é essencial o elemento discriminatório na pena aplicada. Poderá presumir-se que existe perseguição em caso de penas desproporcionadas se houver uma ligação com um dos motivos de perseguição referidos no artigo l.A da Convenção de Genebra.
c) Infracção a uma disposição penal por motivo de perseguição
A infracção deliberada a uma disposição penal - quer esta seja de aplicação geral, quer se aplique unicamente a determinadas categorias de pessoas - por motivo de perseguição deve depreender-se claramente de declarações ou da participação em determinadas actividades no país de origem, ou ainda ser objectivamente a consequência de características do requerente de asilo susceptíveis de justificar a concessão do estatuto de refugiado. São elementos determinantes a natureza da pena, a sua gravidade em relação ao delito cometido, o sistema jurídico e a situação geral em matéria de direitos humanos no país de origem. Deverá analisar-se se a infracção deliberada da disposição penal pode ser considerada inevitável, tendo em conta as circunstâncias individuais em que a pessoa se encontra e a situação existente no país de origem.
5.2. Perseguição por terceiros
Considerar-se-á que as perseguições praticadas
por terceiros se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação
da Convenção de Genebra quando se fundamentarem nos motivos
do artigo 1.A desta, tiverem um carácter personalizado e forem encorejadas
ou autorizadas pelos poderes públicos. Se os poderes públicos
permanecerem inactivos, essas perseguições deverão
dar lugar a uma análise individual de cada um dos pedidos de estatuto
de refugiado, segundo a jurisprudência nacional e tendo especialmente
em conta o carácter voluntário ou involuntário da
inacção verificada. Em todo o caso, as pessoas afectadas
terão direito a formas de protecção adequadas nos
termos do direito nacional.
6. Guerra civil ou outras situações de conflito interno, violento ou generalizado
A simples referência a uma situação de guerra civil ou de conflito interno violento ou generalizado e aos perigos que essa situação representa não é suficiente para justificar o reconhecimento da qualidade de refugiado. O receio de perseguição deverá basear-se sempre num dos motivos indicados no artigo 1.A da Convenção de Genebra e ter um carácter personalizado.
Nestas circunstâncias, a perseguição pode partir quer das autoridades legais ou de terceiros encorajados ou tolerados por estas, quer de autoridades de facto que controlem uma parte do território no interior do qual o Estado não possa garantir a protecção dos seus cidadãos.
Em princípio, a utilização da força militar não será considerada perseguição se forem respeitadas as regras internacionais do direito da guerra e as práticas internacionalmente reconhecidas, mas passa a ser considerada perseguição quando, por exemplo, após o estabelecimento de uma autoridade numa determinada zona, os ataques dessa autoridade aos opositores e às populações corresponderem aos critérios indicados no ponto 4.
Noutros casos, poderão ser postas em prática outras formas
de protecção segundo as legislações nacionais.
7. Motivos de perseguição
7.1. Raça
A noção de raça deve ser entendida em sentido lato e incluir a pertença aos diversos grupos étnicos. A título principal, deve considerar-se que a perseguição se baseia num motivo racial quando o autor da perseguição vê a vítima das suas perseguições como membro de um grupo racial diferente do seu, devido a uma diferença real ou suposta, e é esse o motivo da sua acção.
7.2. Religião
O conceito de religião pode ser entendido em sentido lato e incluir crenças deístas, não deístas ou ateias.
A perseguição por motivos religiosos pode assumir diversas formas, desde a proibição total do exercício do culto e do ensino religioso até medidas discriminatórias graves contra pessoas que pertençam a um determinado grupo religioso. Existe perseguição quando os ataques e os danos são suficientemente graves em função dos critérios enunciados no ponto 4 da presente posição comum. Pode ser o caso quando o Estado, para além das indispensáveis medidas de ordem pública, também proíbe ou sanciona o exercício do culto em privado.
Pode considerar-se igualmente que há perseguição por motivos religiosos quando essas intervenções visam uma pessoa que não pretende praticar nenhuma religião, recusa professar uma determinada religião, ou não deseja seguir todos ou alguns dos ritos e tradições de uma religião.
7.3. Nacionalidade
Este conceito não deve ser entendido exclusivamente na acepção de cidadania, mas designa também a pertença a um grupo motivada por uma identidade cultural ou linguística definida, ou por ligações à população de outro Estado.
7.4. Opiniões políticas
O facto de ter opiniões políticas diferentes das do Governo não constitui, por si só, motivo suficiente que justifique o reconhecimento da qualidade de refugiado; assim, o requerente de asilo deve comprovar que:
- as autoridades têm conhecimento dessas opiniões políticas, ou que lhas atribuem;
- as suas opiniões não são toleradas pelo poder constituído;
- tem um receio fundamentado de ser perseguido por motivo das suas opiniões, tendo em conta a situação prevalecente no seu país.
7.5. Grupo social
Um grupo social particular é normalmente composto por pessoas do mesmo meio, com os mesmos hábitos ou o mesmo estatuto social, etc.
O receio de perseguição invocado a este título pode, muitas vezes, coincidir o medo de perseguição invocado a outros títulos, por exemplo, a raça, a religião ou a nacionalidade.
Pode suceder que a pertença a determinado grupo social seja simplesmente atribuída pelos autores da perseguição à pessoa ou ao grupo perseguido.
Em alguns casos, embora não exista à partida um grupo
social específico, este poderá ser definido pelas características
comuns das pessoas perseguidas, pelo facto de o autor da perseguição
as considerar um obstáculo à realização dos
seus objectivos.
8. Possibilidade de fixação noutra parte do país de origem
Quando se verificar que as perseguições se limitam claramente
a determinada zona do território, poderá ser necessário
- para comprovar que se encontra efectivamente preenchida a condição
estipulada no artigo 1.A, segundo a qual o interessado "não
pode ou, devido a esse receio justificado de perseguição,
não quer pedir a protecção das autoridades do seu
país" - ponderar se o interessado pode encontrar uma protecção
eficaz noutra parte do seu próprio país onde haja razões
para esperar que se estabeleça.
9. Refugiado in loco
O receio de perseguição não terá necessariamente de já existir no momento da saída do país de origem. Uma pessoa que, ao deixar o respectivo país de origem, não tinha razões para recear ser perseguida poderá posteriormente, durante a sua estadia no estrangeiro, tornar-se "refugiado in loco". A justificação do receio de perseguição poderá assentar quer numa alteração da situação no país de origem, ocorrida depois da sua partida e que tenha para essa pessoa consequências graves, quer em actividades por ela desenvolvidas.
De qualquer modo, as características do requerente de asilo relevantes para a concessão do estatuto de refugiado devem ser conhecidas ou poder vir a ser conhecidas pelas autoridades do país de origem para justificar o receio individual de perseguição.
9.1. Receio de perseguição devido a uma alteração da situação no país de origem posterior à partida do interessado
Transformações políticas no país de origem podem justificar o receio de perseguição, mas unicamente se o requerente de asilo puder provar que, em consequência dessas transformações, tem um receio fundamentado de vir a ser pessoalmente vítima de perseguição ao regressar ao país de origem.
9.2. Receio de perseguição devido a actividades desenvolvidas no estrangeiro
Poder-se-á reconhecer a qualidade de refugiado quando as actividades que estão na base do receio de perseguição são a expressão e estão na continuidade de convicções já existentes no país de origem, ou decorrem objectivamente das características do interessado susceptíveis de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado. No entanto, não se pode exigir essa continuidade quando o interessado não podia ter adquirido convicções devido à sua idade no país de origem.
Em contrapartida, se a manifestação das suas convicções
tiver claramente como objectivo principal criar condições
para que lhe seja concedido o estatuto de refugiado, as actividades que
desenvolve não podem em princípio implicar a concessão
desse estatuto, sem prejuízo do direito que protege o interessado
de ser reconduzido para um país em que a sua vida, integridade física
e liberdade corram perigo.
10. Objecção de consciência, refractarismo e deserção
O receio de sanções em resultado de objecção de consciência, refractarismo ou deserção será analisado individualmente, não bastando, por si só, para justificar a concessão do estatuto de refugiado. A sanção deverá ser avaliada nomeadamente segundo os princípios referidos no ponto 5.
No caso dos refractários ou desertores deverá ser reconhecido ao interessado o estatuto de refugiado, se as condições do cumprimento das suas obrigações militares constituírem, por si só, uma perseguição.
Do mesmo modo, a qualidade de refugiado poderá ser reconhecida,
tendo em conta todas as outras exigências da definição,
em caso de sanção contra a objecção de consciência,
o refractarismo e a deserção deliberados, por uma questão
de consciência, se o cumprimento das obrigações militares
implicar uma participação do interessado em acções
abrangidas pelas cláusulas de exclusão do artigo l.F da Convenção
de Genebra.
11. Perda do estatuto de refugiado (Artigo 1.C)
A eventual retirada do estatuto de refugiado com base no artigo 1.C será sempre analisada caso a caso.
Os Estados-membros empenhar-se-ão em, mediante troca de informações, harmonizar tanto quanto possível a aplicação dos critérios de retirada do estatuto de refugiado com base no artigo 1.C.
As circunstâncias que justificam a retirada do estatuto por força
do artigo 1.C devem ser de natureza fundamental e determinadas em termos
objectivos e comprováveis. As informações provenientes
do Centro de informação, reflexão e intercâmbio
em matéria de asilo (CIREA) e do ACNUR podem ser importantes nessa
decisão.
12. Artigo 1.D da Convenção de Genebra
Uma pessoa que se subtraia deliberadamente à protecção
e à assistência previstas no artigo l.D da Convenção
de Genebra não é automaticamente abrangida de jure por
aquela Convenção. Nesse caso, a qualidade de refugiado é,
em princípio, determinada em aplicação do artigo 1.A
da referida Convenção.
13. Artigo 1.F da Convenção de Genebra
As cláusulas do artigo 1.F da Convenção de Genebra têm por fim excluir da sua protecção as pessoas que não podem beneficiar de protecção internacional pela gravidade dos crimes que tenham cometido.
Essas cláusulas também podem ser aplicadas quando os factos forem conhecidos posteriormente à concessão do estatuto de refugiado (ver ponto 11).
Dadas as graves consequências de uma decisão desse tipo para o requerente de asilo, o artigo 1.F deve ser utilizado com circunspecção, após análise aprofundada e de acordo com as regras previstas no direito nacional.
13.1. Alínea a) do artigo 1.F
Os crimes a que esta alínea se refere são os definidos nos instrumentos internacionais a que os Estados-membros aderiram e nas resoluções aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou outras organizações internacionais ou regionais, na medida em que tenham sido aceites pelo Estado-membro em causa.
13.2. Alínea b) do artigo 1.F
A gravidade da perseguição que é de esperar deve ser considerada em relação à natureza do crime de que o interessado é suspeito.
Os actos particularmente cruéis ou desumanos, mesmos os cometidos com objectivos alegadamente políticos, poderão ser classificados como "crimes graves de direito comum". Este princípio é válido tanto para os participantes no crime como para os seus instigadores.
13.3. Alínea c) do artigo 1.F
Os objectivos e os princípios a que esta alínea se refere são, antes de mais, os da Carta das Nações Unidas, que fixa as obrigações dos Estados signatários nas relações entre si, nomeadamente com vista à preservação da paz, e relativamente aos Direitos do Homem e às Liberdades Fundamentais.
Esta alínea aplica-se aos casos de violação desses princípios e refere-se, nomeadamente, aos titulares de altas funções do Estado que, devido às suas responsabilidades, ordenaram ou deram cobertura a actos contrários a esses objectivos e princípios, bem como a pessoas que, por pertencerem às forças de segurança, foram levadas a assumir responsabilidades pessoais na execução desses actos.
Para avaliarem se uma acção pode ser considerada contrária
aos objectivos e princípios das Nações Unidas, os
Estados-membros deverão ter em conta as convenções
e resoluções aprovadas nesta matéria sob a égide
da Organização das Nações Unidas.
Feito em Bruxelas, em 4 de Março de 1996.
Pelo Conselho
O Presidente
P. BARATTA