PROCEDIMENTOS DE ASILO JUSTOS E CÉLERES
ACNUR - Genebra,
Novembro de 1994
1. INTRODUÇÃO
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) acompanha atentamente o desenrolar das discussões na Europa sobre a determinação do estatuto de refugiado. O ACNUR considera que é necessária uma abordagem cuidada e equilibrada na identificação de padrões mínimos para os procedimentos de determinação do estatuto de refugiado.
A qualidade global da política de asilo é determinada tanto pelas garantias processuais como pelos padrões de tratamento. Por esta razão, o ACNUR pretende chamar à atenção para os diferentes procedimentos que os Estados aplicam na determinação do estatuto de refugiado, assim como para o modo como o requerente de asilo é tratado durante o processo.
No que respeita à harmonização da política de asilo entre os Estados Membros da União Europeia (UE), o ACNUR reconhece a utilidade da harmonização na determinação justa e célere do estatuto de refugiado, visando particularmente a implementação da Convenção de Dublim sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados Membros. A posição concertada da UE deveria reflectir integralmente os princípios do direito internacional de asilo e os melhores critérios nos procedimentos e de tratamento.
Em suma, os princípios básicos de direito de asilo internacional, que têm por objectivo a protecção dos refugiados, exige que os requerentes de asilo sejam tratados no pressuposto de que eles podem ser refugiados até que o seu estatuto tenha sido determinado. Consequentemente, todo o requerente de asilo deve ter acesso aos procedimentos de determinação do estatuto de refugiado e ser apoiado na apresentação do seu pedido. No caso de decisão negativa, deverá ser dada a oportunidade de uma revisão/recurso independentes, devendo ser permitido ao requerente permanecer no país até à decisão final.
2. PRINCÍPIOS BÁSICOS
Os padrões internacionais que regem a determinação do estatuto de refugiado derivam da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, conjuntamente com o direito de procurar e gozar de asilo, noutros países, contra a perseguição, conforme o estipulado no Artigo 14 (1) da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Igualmente relevantes, são as Conclusões do Programa do Comité Executivo do Alto Comissariado (ExCom).
Os Artigos 1, 3, 31 e 33 da Convenção de 1951 são particularmente relevantes nesta matéria, tal como são as Conclusões do Comité Executivo ns. 6 (XXVIII) (c), 8 (XXVIII) (e), 15 (XXX) (h) e (j), 22 (XXXII), 28 (XXXIII) (d), 30 (XXXIV), 44 (XXXVII), 58 (XL), 64 (XLI), 65 (XLII) (n) e (o) e 68 (XLII) (g). Por último, o Manual de Procedimentos sobre os Critérios a Aplicar para a Determinação do Estatuto de Refugiado fornece orientações concretas destinadas aos Governos sobre a determinação do estatuto de refugiado.
O Artigo 33 da Convenção de 1951 reflecte uma norma fundamental do direito de asilo internacional: o respeito pelo princípio de non-refoulement. Este artigo exige que os requerentes de asilo sejam protegidos contra o reenvio directo ou indirecto para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas devido a razões estipuladas no Artigo 1 da Convenção de 1951.
No interesse dos requerentes de asilo e dos Estados envolvidos, os procedimentos para a determinação do estatuto de refugiado devem ser justos e céleres. Procedimentos justos, em conformidade com os requisitos da protecção internacional, requerem uma análise cuidada do pedido por um órgão de decisão devidamente identificado, qualificado, conhecedor e imparcial. Dadas as dificuldades que os legítimos refugiados frequentemente enfrentam na apresentação de provas documentais, e outras, para suporte dos seus pedidos, os requerentes de asilo que, na generalidade, são credíveis e cujas declarações são coerentes e plausíveis, devem ter direito ao benefício da dúvida nesses procedimentos. É também essencial que haja a possibilidade de uma revisão independente das decisões negativas.
Estas garantias são de importância crucial, dado que uma decisão errónea, conduzindo ao reenvio involuntário de um refugiado para uma situação de perigo, pode ter consequências trágicas. A inexistência de garantias suficientes contra o reenvio de refugiados para países onde existe risco de perseguição pode resultar numa quebra do princípio de non-refoulement.
3. ACESSO AOS PROCEDIMENTOS
Todo o refugiado é, também, inicialmente, um requerente de asilo. Logo, proteger os refugiados, implica que os requerentes de asilo sejam tratados no pressuposto de que podem ser refugiados, até que o seu estatuto tenha sido determinado. Consequentemente, todo o requerente de asilo deve ter acesso aos procedimentos de determinação do estatuto e deve ser apoiado na apresentação do seu pedido.
A implementação deste princípio pode estar em desacordo com as medidas políticas adoptadas com o fim de prevenir a imigração ilegal, como por exemplo: requisitos de visto, selecção nos aeroportos ("screening") e sanções impostas às companhias transportadoras pelo transporte de migrantes irregulares. Estas medidas gerais de regulação da migração podem resultar na exclusão dos requerentes de asilo no acesso aos procedimentos. Consequentemente, é necessário que estas medidas sejam administradas com sensibilidade, flexibilidade e acompanhadas de garantias processuais adequadas, assegurando que aqueles que necessitam de protecção internacional não sejam impedidos de a obter. O acesso aos procedimentos deve ser, além disso, concedido independentemente do pedido ser feito no interior ou nas fronteiras do país.
4. PROCEDIMENTOS
Os Estados diferenciam dois tipos de procedimentos, isto é, processo normal e processo acelerado. Alguns Estados aplicam os procedimentos de admissibilidade ou exigibilidade e/ou procedimentos específicos para pedidos apresentados nas fronteiras.
O processo normal deve ser, em princípio, a norma a aplicar em todos os pedidos de asilo. O ACNUR encoraja os Estados a afectar recursos humanos e financeiros adequados para que os processos decorram de uma forma célere e dentro de um prazo razoável, o que é do interesse tanto dos requerentes como do Estado. Deverá ser dada prioridade aos pedidos de requerentes que manifestamente necessitam de protecção, a fim de assegurar que são reconhecidos como refugiados, sem atrasos.
Os pedidos de asilo devem ser analisados por uma autoridade devidamente qualificada e competente para tomar decisões nesta matéria. Quando os pedidos de asilo são apresentados a outras entidades, deverão ser remetidos para a autoridade competente. No caso de decisão negativa, deve ser dada a oportunidade de revisão/recurso independentes, sendo permitida, nesse período, a permanência do requerente de asilo no país.
Os Estados podem recorrer ao processo acelerado desde que a natureza dos pedidos de asilo a serem examinados em tais procedimentos seja bem definida e que os procedimentos se façam acompanhar das garantias adequadas.
O ACNUR concorda inteiramente com os Estados nos seus esforços para que os pedidos de asilo manifestamente infundados sejam tratados em processo acelerado, em consonância com a Conclusão n.30 do ExCom. Se os Estados decidem alargar a definição de pedidos manifestamente infundados, i.e., através dos conceitos consagrados na Resolução de Londres de 1992 dos Estados Membros da UE, o ACNUR considera que critérios tão amplos não podem, por si só, sobrepor-se ao receio fundado de perseguição, nos termos do Artigo 1 da Convenção de 1951.
Quanto mais célere é o procedimento, maior é o risco de ser tomada uma decisão errónea. O ACNUR considera, portanto, que qualquer processo acelerado deve ser acompanhado das garantias adequadas, incluindo, inter alia, a possibilidade de revisão ou recurso, ou algo equivalente, com efeito suspensivo, antes de implementar uma decisão negativa. As garantias não devem estar sujeitas a excepções. O ACNUR concorda que essas garantias não devem prejudicar o carácter célere do processo acelerado.
5. PROTECÇÃO NOUTRO LUGAR (PAÍS TERCEIRO DE ACOLHIMENTO)
Alguns Estados têm recorrido ao conceito de protecção noutro lugar. Este conceito tem sido utilizado sob outras denominações, como: "países terceiros seguros", "país seguro" e, no caso dos Estados Membros da UE, na Resolução de Londres de 1992, como "país terceiro de acolhimento", com o fim de resolver a questão da atribuição de responsabilidade pela análise dos pedidos de asilo, de forma a que os refugiados e os requerentes de asilo recebam a protecção que solicitam em qualquer lugar.
A responsabilidade de um Estado, no âmbito da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, obriga esse Estado sempre que lhe é apresentado um pedido de asilo solicitando o reconhecimento do estatuto de refugiado, quer seja na fronteira ou dentro do seu território ou jurisdição. Em todos estes casos, exige-se aos Estados partes que respeitem o princípio de non-refoulement. O facto de um refugiado ter encontrado ou poder ter encontrado protecção num país não desobriga outros Estados de respeitar o princípio de non-refoulement ao tratar com o refugiado, ainda que possa ter sido acordado que a responsabilidade primária pela concessão da protecção internacional, incluindo o asilo, recaia sobre outro Estado.
Dado que o objectivo dos Estados não deve ser apenas enviar os requerentes de asilo para países terceiros, mas também assegurar que os requerentes que são refugiados de facto aí obtenham protecção, é essencial que sejam dados todos os passos possíveis para assegurar que essa protecção seja efectivamente concedida. Por esta razão, o ACNUR recomenda que a aplicação do conceito "protecção noutro lugar" seja rodeado das mesmas garantias processuais aplicadas ao processo acelerado para casos manifestamente infundados.
Para além disso, as autoridades competentes do Estado de acolhimento devem ser informadas pelo Estado remetente dos fundamentos que levaram à decisão de afastamento, para evitar uma rejeição sumária de pedidos de asilo apenas porque o requerente veio de um país onde já tinha apresentado o seu pedido. O ACNUR recomenda que o consentimento do Estado receptor seja obtido antes do requerente ser enviado para o mesmo. Quando esse consentimento não possa ser obtido, deve haver, em qualquer situação, a total segurança em como o requerente será admitido e o mérito do seu pedido será analisado através de procedimentos justos.
6. INFLUXO DE REFUGIADOS EM LARGA ESCALA
Nos casos de influxo de refugiados em larga escala, os Estados poderão recorrer a outros procedimentos, além dos acima mencionados, para evitar o refoulement e conceder protecção internacional. A decisão positiva sobre um grupo pode aliviar a pressão dos processos de asilo individuais. Um efeito semelhante pode ser obtido com a concessão, quando adequada e com consulta ao ACNUR, de protecção temporária aos que dela necessitam sem, numa fase inicial, determinar se cada pessoa, individualmente, será ou não reconhecida como refugiado.
Também nos casos de influxo em larga escala de pessoas que necessitam de protecção internacional, mantém-se como princípios orientadores a segurança, o respeito pelos direitos humanos fundamentais e o non-refoulement.
7. PADRÕES DE TRATAMENTO
Os padrões mínimos básicos a observar na assistência aos requerentes de asilo na apresentação dos seus pedidos incluem: prestação de informação sobre os procedimentos e consequências de decisões positivas e negativas, acesso aos tribunais, protecção da privacidade, o direito de comunicar com o ACNUR e/ou ONGs, assim como a possibilidade do ACNUR ter acesso aos requerentes de asilo no território do Estado, e disponibilidade de aconselhamento jurídico e de tradução e interpretação.
Ao longo de todo o processo, os requerentes de asilo devem ser tratados humanamente, principalmente no respeitante aos direitos civis fundamentais reconhecidos internacionalmente, à necessária assistência material, à não submissão a tratamentos desumanos e degradantes ou à discriminação, ao respeito pelo princípio da unidade da família e disposições adequadas para as mulheres refugiadas bem como menores não acompanhados e para aqueles que necessitam de assistência médica.
Por seu lado, os requerentes de asilo são obrigados a colaborar inteiramente com as autoridades competentes e a respeitar a legislação nacional. Se os requerentes tiverem agido de forma irregular, nomeadamente, terem entrado ilegalmente ou utilizado documentos forjados, deve ser tomado em consideração, de acordo com o Artigo 31 da Convenção de 1951, o facto de poderem ter sido compelidos a agir desse modo, devido a circunstâncias específicas.
Por último, o ACNUR apela aos Estados para que evitem restringir as liberdades dos requerentes de asilo. Quando os Estados decidam aplicar aos requerentes medidas de detenção ou restrição das suas liberdades, sob qualquer forma, essas medidas devem ter uma base legal bem definida e serem aplicadas apenas quando não haja possibilidade de alcançar o mesmo objectivo por outros meios.
Novembro de 1994