ACORDOS DE READMISSÃO,
PROTECÇÃO "EM PAÍS TERCEIRO SEGURO"
E POLÍTICAS DE ASILO
ACNUR, Genebra
Agosto, 1994
1. INTRODUÇÃO
Constata-se um interesse cada vez maior quanto à futura elaboração de critérios respeitantes ao tratamento dos pedidos de asilo pelos Estados, designadamente, no contexto dos acordos de readmissão e da utilização do conceito de "protecção em país terceiro seguro"/ "protecção noutro lugar".
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) segue, de muito perto, a forma como os Estados procuram resolver a questão de saber como atribuir a responsabilidade da análise dos pedidos de asilo, a fim de assegurar que os refugiados e os requerentes de asilo recebam a protecção que necessitam em qualquer lugar. Ao dar a conhecer a sua posição sobre a relação existente entre os acordos de readmissão, o conceito de protecção em país terceiro seguro, bem como o direito e políticas de asilo, o Alto Comissariado espera estar em condições de contribuir para a resolução desta questão, observando-se o rigoroso respeito pelo direito e pelos princípios estabelecidos em matéria de refugiados. Manifesta de novo a sua disponibilidade para facilitar a procura de soluções a este respeito.
Um acordo entre Estados sobre esta matéria reforçaria a protecção internacional dos refugiados, permitindo tratar de forma metódica os pedidos de asilo e poderia contribuir para reduzir os abusos aos procedimentos de asilo relacionados com as migrações irregulares. Mas a análise dos acordos actuais de readmissão evidencia que estes acordos não foram concebidos para esse fim. Contudo, os acordos de readmissão poderiam ter essa finalidade se incluíssem certas disposições específicas relacionadas com o asilo. Na ausência de acordos formais de readmissão, incluindo disposições referentes à possibilidade de analisar os pedidos de asilo, o Alto Comissariado recomenda o consentimento explícito (ou, pelo menos, implícito) do Estado para onde o requerente de asilo é reenviado, para ser admitido e se proceder à análise do seu pedido de asilo.
2. ACORDOS DE READMISSÃO ACTUAIS
Os acordos de readmissão actuais, quer sejam bilaterais ou multilaterais, tratam geralmente do regresso de nacionais dos Estados contratantes e/ou de nacionais de países terceiros que se encontram em situação irregular no território de um dos Estados contratantes. Estes acordos, normalmente, não tomam em consideração a situação particular dos requerentes ao asilo, nomeadamente, a responsabilidade dos Estados de lhes conceder o acesso a procedimentos justos para a determinação do estatuto de refugiado e respectiva concessão de asilo e, a este respeito, de zelarem para que estes refugiados não sejam, directa ou indirectamente, objecto de refoulement.
Todavia, a questão específica da readmissão dos requerentes de asilo é abordada em certos acordos multilaterais, como na Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado-Membro da União Europeia (Convenção de Dublim) e na Convenção de aplicação dos Acordos de Schengen. Além disso, o acordo de readmissão entre os Estados de Schengen e a Polónia contém certas disposições relativas aos requerentes de asilo.
Os dois primeiros instrumentos contêm disposições que determinam qual o Estado, de entre as Partes Contratantes, que é responsável pela análise dos pedidos de asilo apresentados no seu território, referindo-se explicitamente às obrigações decorrentes da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. Por consequência, estes instrumentos podem ser qualificados como acordos de readmissão que, ao autorizarem a transferência dos requerentes de asilo, do território de uma das partes contratantes para uma outra, respeitam o princípio segundo o qual, cada pedido de asilo será analisado e, toda a pessoa reconhecida como refugiado, receberá a protecção que necessita. Deste modo, o risco de refugiados ditos em órbita e de refoulement é minimizado.
O acordo de readmissão entre os Estados de Schengen e a Polónia inclui, igualmente, uma referência explícita à implementação das disposições da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo Adicional de 1967, reconhecendo, implicitamente, a primazia das obrigações decorrentes da Convenção de 1951 sobre a aplicação do referido acordo de readmissão.
3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
A questão de saber como elaborar critérios comuns para identificar qual o Estado responsável pela análise de um pedido de asilo, deve ser examinado tendo em conta os princípios pertinentes do Direito Internacional dos Refugiados que derivam da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo Adicional de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, relacionados com o direito de procurar e beneficiar de asilo noutros países, por motivos de perseguição, tal como estipula o art 14 alínea 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O art 33 da Convenção de Genebra 1951 traduz uma regra fundamental do Direito Internacional dos Refugiados: o respeito pelo princípio de non-refoulement. Este artigo estabelece que os refugiados devem ser protegidos em todas as fases do processo de análise do pedido do risco, directo ou indirecto, de serem enviados para um lugar onde a sua vida ou a sua liberdade possam ser ameaçadas pelas razões mencionadas na Convenção de Genebra de 1951. A este respeito, é útil lembrar que todos os refugiados são, primeiro que tudo, requerentes de asilo. Como consequência, para proteger os refugiados, os requerentes de asilo devem ser tratados como potenciais refugiados até à determinação do seu estatuto. Em virtude disto, todos os requerentes de asilo devem ter acesso aos procedimentos para determinação do estatuto e devem ser ajudados na apresentação do seu pedido.
São igualmente pertinentes as Conclusões do Comité Executivo do Programa do Alto Comissariado, nomeadamente a Conclusão n 9 (XXVIII) (1977) sobre o reagrupamento familiar, a Conclusão n 15 (XXX) (1979) sobre os refugiados sem país de asilo e a Conclusão n 58 (XL) (1989) sobre o problema dos refugiados e dos requerentes de asilo que deixam de modo irregular um país onde já tinham obtido protecção.
A responsabilidade de um Estado, nos termos da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de 1967, é invocada logo que esse Estado receba um pedido de asilo, pois tal implica a requisição do estatuto de refugiado por uma pessoa que se encontra nas suas fronteiras, no seu território ou que depende da sua jurisdição. Em qualquer destes casos, os Estados partes devem observar, entre outros, o princípio de non-refoulement. Assim, o facto de um refugiado ter encontrado ou poder vir a encontrar protecção num determinado país não desvincula os outros Estados da obrigação de respeitar o princípio de non-refoulement dos refugiados, mesmo que se possa admitir que a responsabilidade primordial de assegurar protecção internacional, incluindo asilo, incumba a um outro Estado.
4. ACORDOS OFICIAIS
O Comité Executivo do Programa do ACNUR reconheceu na sua Conclusão Geral sobre a Protecção Internacional, adoptada em Outubro de 1993, a legitimidade de acordos entre Estados directamente envolvidos, em consulta com o ACNUR, para assegurar uma protecção adequada aos refugiados através da adopção de critérios comuns e outras disposições relacionadas para determinar o Estado que será responsável pela análise de um pedido de asilo e de estatuto de refugiado, bem como pela concessão da protecção requerida, evitando, deste modo, os refugiados em "órbita" (parágrafo 19 K do relatório da quadragésima quarta sessão do Comité Executivo).
Como é evidente que seria extremamente desejável que os acordos oficiais fossem efectuados, de modo a contemplar o compromisso dos Estados partes em analisarem os pedidos de asilo de que são responsáveis, em conformidade com as suas obrigações decorrentes da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de 1967. Este compromisso pode ser formulado em acordos específicos ou fazer parte de um acordo geral de readmissão. Em ambos os casos, os acordos devem incluir uma referência expressa às obrigações dos Estados partes que derivam da Convenção de Genebra de 1951 e do seu Protocolo de 1967.
Para assegurar que um dos Estados partes conceda ao pedido de asilo a atenção que lhe é devida, no quadro do próprio processo de determinação do estatuto de refugiado, as disposições destes acordos devem, além disso, prever inequivocamente a responsabilidade desse Estado em analisar os pedidos de asilo e do Estado que efectua o reenvio em informar as autoridades deste país sobre os argumentos que estiveram na base da decisão de reenvio. Esta última responsabilidade tem por fim evitar que o Estado para o qual o requerente de asilo é enviado não considere que o pedido foi rejeitado por falta de fundamento.
5. CONSENTIMENTO MÚTUO
Na ausência de acordos oficiais, os Estados podem recorrer ao conceito de protecção "noutro lugar". Este conceito tem sido utilizado sob designações como "país terceiro seguro", "país seguro" e "país terceiro de acolhimento", com a finalidade de resolver a questão de saber como atribuir a responsabilidade pela análise dos pedidos de asilo entre os Estados de forma que garanta aos refugiados e aos requerentes de asilo a protecção que necessitam em qualquer lugar.
Atendendo a que os objectivos dos Estados não devem consistir simplesmente no reenvio dos requerentes ao asilo para países terceiros, mas assegurar também que os requerentes que são refugiados obtenham aí, de facto, protecção, é essencial que sejam tomadas todas as medidas possíveis para garantir a concessão desse protecção, em particular, na ausência de acordo oficial de readmissão, a que se fez referência no ponto 4 acima.
A fim de evitar o risco de situações "em órbita" e as dificuldades que isso pressupõe para os requerentes asilo, bem como o risco de refoulement, recomenda-se que seja obtido o consentimento do país terceiro antes do requerente de asilo ser reenviado para esse país. No caso de não se conseguir obter esse consentimento, terá que haver, imperativamente, garantias em como o requerente de asilo será admitido ou verá o seu pedido analisado, no quadro de um procedimento justo.
Para acautelar que assim aconteça, sugere-se que, em todos os casos, as autoridades do país terceiro sejam informadas antecipadamente do reenvio de um requerente de asilo, cujo mérito do pedido ainda não foi analisado, para que as autoridades das fronteiras sejam devidamente notificadas, de modo a que a protecção necessária seja garantida.
De acordo com as conclusões pertinentes do Comité Executivo, os Estados devem ainda dedicar a devida atenção aos laços do requerente com esse Estado em relação ao país terceiro, ao qual não o liga nenhum desses laços se, por exemplo, lá esteve apenas em trânsito. Deve ser dada atenção particular aos casos em que o requerente de asilo tenha laços estreitos de parentesco no país em questão.
6. O PAPEL DO ACNUR
Sendo necessário, o ACNUR poderia facilitar a negociação de acordos entre países no que se refere ao tratamento dos pedidos de asilo, assim como para a obtenção do consentimento de países terceiros relativamente à devolução e à readmissão dos requerentes de asilo e para assegurar a sua protecção efectiva, no caso de não existir nenhum acordo geral. A este respeito, lembramos que o ACNUR está pronto a partilhar com os Estados que o solicitem todas as informações respeitantes às práticas e às condições em vigor noutros países.
Agosto de 1994