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ASILO SOB AMEAÇA

Asylum in Europe - Refugees

Nº. 101, III - 1995


Foi na Europa, terra do asilo, que a Convenção de 1951 - bíblia jurídica dos direitos dos refugiados - nasceu e com ela o ACNUR, a organização com a tarefa de assegurar que seja respeitada.

No ano passado, a União Europeia foi o segundo maior contribuinte do orçamento anual do ACNUR, ficando um pouco abaixo dos Estados Unidos. Só em 1993, os governos da Europa Ocidental despenderam um total de $11.6 biliões com a recepção de requerentes de asilo e o processamento dos seus pedidos.

Os países europeus são, sem dúvida, generosos para com os refugiados. Mas a queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo alterou dramaticamente o panorama do asilo em todo o continente - ao ponto de alguns observadores temerem que se encontre em perigo o conceito básico de asilo. Cada vez mais, os países vão puxando o tapete colocado à entrada dos refugiados após a Segunda Guerra Mundial.

No final da guerra, tudo era diferente. A guerra produziu prejuízos consideráveis e era necessária força de trabalho para a reconstrução. Além disso, durante o apogeu da Guerra Fria, muitas nações europeias tinham fortes razões ideológicas para acolher refugiados.

Hoje, o ambiente político e socioeconómico mudou. Foram precisos muitos anos para conquistar o desenvolvimento. A Europa está agora empenhada em conservar o que possui.

Actualmente, com a elevada taxa de desemprego - 12 milhões de pessoas sem trabalho na Europa Ocidental - intensifica-se a tendência crescente para a xenofobia.

O continente europeu testemunha um ataque racista cada três minutos - e os centros de acolhimento para requerentes de asilo são, com muita frequência, o alvo desses ataques.

A Europa é, entretanto, uma vez mais geradora de refugiados. Com a crise da Jugoslávia e os dramas que se desenrolam ao longo do Cáucaso - na Geórgia, Arménia, Azerbeijão, Tchechénia - o continente europeu conta agora com mais de 6.5 milhões de refugiados.

"Em 1990, se tivéssemos dito aos europeus que alguns anos mais tarde teriam de abrigar mais de 500.000 refugiados da ex-Jugoslávia, ninguém teria acreditado" disse John Horekens, director do Bureau Regional do ACNUR para a Europa.

Apesar de não se terem concretizado as previsões mais alarmantes sobre o fluxo de milhões de pessoas vindas da ex-União Soviética para a Europa Ocidental, verificou-se, até recentemente, uma subida vertiginosa de pedidos de asilo. Por exemplo, em 1970, a Europa contou com cerca de 30.000 requerentes de asilo num ano. No final dos anos 80 os números subiram para 300.000 e, em 1992, chegaram a quase 700.000.

Submissão dos Pedidos de Asilo na Europa - 1987 -1994

País onde os pedidos foram apresentados

1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994
Alemanha 57,400 103,100 121,300 193,100 256,100 438,200 322,600 127,200
Áustria 11,400 15,800 21,900 22,800 27,300 16,200 4,800 5,100
Bélgica 6,000 5,100 8,100 13,000 15,200 17,700 26,900 14,400
Dinamarca 2,800 4,700 4,600 5,300 4,600 13,900 14,400 6,700
Espanha 2,500 3,300 2,900 8,600 8,100 11,700 12,300 12,000
Finlândia 100 100 200 2,700 2,100 3,600 2,000 800
França 24,800 31,600 61,400 53,100 46,500 26,900 27,600 26,000
Grécia 7,000 8,400 3,000 6,200 2,700 1,900 800 1,300
Holanda 13,500 7,500 13,900 21,200 21,600 17,500 35,400 52,600
Itália 11,100 1,300 2,300 3,200 23,300 2,500 1,500 1,400
Noruega 8,600 6,600 4,400 4,000 4,600 5,200 12,900 3,400
Portugal 500 400 200 100 200 700 2,100 700
Reino Unido 5,900 5,700 16,800 38,200 73,400 32,300 28,000 42,200
Suécia 18,100 19,600 30,300 29,400 27,400 84,000 37,600 18,600
Suíça 10,900 16,800 24,400 35,800 41,600 18,100 24,100 16,100
Total 180,600 230,000 315,700 436,700 554,700 690,400 553,000 328,500

Notas:

Todos os dados são referentes a pessoas.

Esse enorme influxo levou os países da União Europeia a reconsiderarem a sua política de "portas abertas". Em 1993, a Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Portugal e Inglaterra começaram a tomar medidas para conter o fluxo - seguidos em 1994 pela Dinamarca, Itália e Áustria. Ao longo dos tempos, estas medidas tornaram-se cada vez mais restritivas, ao ponto de se comentar que os governos nos seus esforços para barrarem o acesso aos migrantes por motivos económicos - ainda que aleguem que tal se justifica - estão a corroer os principais pilares do instituto de asilo.

De facto, a Europa não tem um problema de asilo, tem um problema de imigração - e, infelizmente, os refugiados pagam esse preço. Nos últimos anos, 80 por cento dos refugiados no mundo fugiram de um país pobre para outro país pobre. Muito poucos conseguiram, efectivamente, passar o patamar das nações ricas da Europa.

John Horekens do ACNUR compara os influxos de refugiados e de imigrantes a dois caudais que, durante muito tempo correram lado a lado sem problemas. Mas, quando um dos canais ficou obstruído - o dos imigrantes - este extravasou para o dos refugiados. O resultado foi uma inundação. Desde os anos 70, que as portas da Europa Ocidental se foram progressivamente fechando à imigração. A única forma de entrar para as pessoas que procuram melhores condições económicas - mas que não fogem necessariamente de perseguição - é o pedido de asilo.

Os migrantes económicos fazem uma aposta inteligente: podem trabalhar enquanto dura a análise do seu pedido de asilo, situação que se arrasta, frequentemente, por vários anos. Na pior das hipóteses, após a rejeição do pedido, regressam a casa com os bolsos cheios de dinheiro e, talvez, com novas qualificações profissionais. Na melhor das hipóteses, é-lhes permitido permanecerem por razões humanitárias. A cerca de um quarto dos 80 por cento de refugiados a quem foi recusado formalmente o estatuto de refugiado, foi-lhes dado esse estatuto por razões humanitárias, em parte, porque é extremamente difícil proceder à sua deportação. Após anos para se tomar uma decisão, as famílias de requerentes de asilo construiram novas vidas, criaram raízes e, culturalmente, os seus filhos estão firmemente integrados. "Em média, o procedimento de determinação do estatuto de refugiado demora três anos", explicou Jean-François Durieux, da Divisão de Protecção Internacional do ACNUR. "Durante esse período, uma pessoa pode ter encontrado trabalho, um protector, pode ter casado. Não é fácil deportar uma pessoa nestas condições".

Assim, as pessoas prontificam-se a pagar elevadas somas e a correr enormes riscos com vista a alcançarem o seu sonho de uma vida melhor, incluindo oportunidades de emprego e a possibilidade de uma educação decente para os seus filhos. A televisão e a comunicação moderna transcenderam as fronteiras internacionais, dando azo a novas frustrações, desejos e a raiva dos desfavorecidos. Como resultado, temos o contrabando da mercadoria humana, uma actividade que atraiu redes organizadas do crime e que gerou uma indescritível miséria e tragédia. As redes clandestinas operam em, e através de, várias regiões: a Albânia é a rota preferida para macedónios, curdos, paquistaneses e chineses; a Hungria para os provenientes do Kosovo; os países do Báltico para os iraquianos, afegãos e oriundos do Sri Lanka. Alguns migrantes arruinam-se. Outros, põem em perigo - ou perdem mesmo a vida - na busca do seu sonho.

Não há dúvida que a Europa, nos últimos anos, testemunhou uma vaga importante de falsos pedidos de asilo e que os governos necessitavam de fazer qualquer coisa para conter o fluxo.

"Podemos até simpatizar com as pessoas que fogem de condições económicas desastrosas na tentativa de encontrarem um futuro melhor para os seus filhos", afirma Horekens. " Os países industrializados deveriam investir mais nas nações pobres de modo a que essas pessoas tenham o que procuram nos seus próprios países. Mas, entretanto, temos de reconhecer que as pessoas que procuram uma segurança económica não se encontram no âmbito do mandato do ACNUR. Devíamos ter a coragem para assim proceder e concordar que cabe aos governos em questão a decisão de mandar ou não de volta os imigrantes ilegais."

Mas, para muitos governos, sempre atentos à opinião pública, uma actuação desse tipo é mais fácil de dizer do que de fazer.

Horekens afirma "O maior perigo para o asilo na Europa consiste no aumento do número de pedidos de asilo de pessoas que não são refugiadas e que os governos não se atrevem a deportar devido à compaixão pública e ao medo da reacção por parte da imprensa, da opinião pública e das organizações não governamentais."

Muitas vezes, as tentativas para deportar requerentes de asilo são em vão. Em Julho, a decisão tomada pelas autoridades francesas, após um acordo com as autoridades romenas, para deportar um grupo de 51 romenos, desencadeou uma onda de protestos por parte de organizações não governamentais. Houve uma reacção semelhante quando a França, Bélgica, Alemanha e a Holanda deportaram um total de 60 zairenses, nesse mesmo período. Tal como os romenos, os zairenses nunca pediram asilo. Não havia um único refugiado entre eles, mas as condições da partida provocaram indignação.

"Ainda que seja penoso, faz parte do nosso trabalho, entre outras coisas, apoiar os governos que decidem deportar pessoas que alegam ser refugiados mas que não o são", disse Horekens "Mas só se estiverem preenchidas certas condições - nomeadamente que as pessoas tenham pleno acesso aos procedimentos de asilo internacionalmente aceites, o que não acontece em toda a parte.

"Precisamos de estar absolutamento seguros de que não são refugiados", continuou. "Se os governos se prontificarem a fazer um esforço real para melhorar a qualidade e a imparcialidade dos procedimentos de determinação do estatuto, nós prontificamo-nos a fazer um esforço para os apoiar no que se refere aos outros casos. É nossa responsabilidade assegurar que as portas se encontrem abertas para que os refugiados possam entrar".

Muitas das medidas adoptadas por vários países europeus contribuiram para se clarificar tão confusa situação. Mas em certos casos, as medidas são aplicadas com tal severidade que podem violar o direito de cada indivíduo a procurar refúgio e protecção num outro país quando a sua vida e liberdade se encontrem em perigo no seu.

Para reduzir o frequentemente longo período entre o pedido de asilo efectivo e a resposta das autoridades estatais, cada vez mais os países europeus estão a adoptar procedimentos acelerados para a determinação de estatuto. No entanto, em certos casos, estes procedimentos são tão acelerados que o requerente de asilo não é ouvido de modo adequado e, quem tem de apreciar o caso, nem sempre possui as qualificações necessárias.

O procedimento acelerado permitiu que a Bélgica reduzisse consideravelmente o fluxo de imigrantes ilegais: 90 por cento dos pedidos de asilo são agora rejeitados na fronteira. Há apenas três anos, os centros de trânsito belgas transbordavam com requerentes de asilo e estavam constantemente a abrir novos centros. Hoje, estão a fechar um após outro. Mas os procedimentos de eligibilidade tornaram-se tão difíceis na Bélgica que são desencorajadores mesmo para verdadeiros refugiados. Eles acham que não têm qualquer hipótese de serem bem sucedidos - e preferem entrar no país clandestinamente.

A França tem a maior taxa de reconhecimento de refugiados da Europa - 25 por cento em comparação com uma média de 10 por cento nos outros países. Mas o problema é, em primeiro lugar, atravessar a fronteira. A polícia francesa tem fama de ser a mais surda da União Europeia. Dois terços dos requerentes de asilo nunca chegaram a passar a fronteira.

A acrescentar o facto de que a criação da União Europeia empurrou os Estados membros para procederem à harmonização dos seus procedimentos de asilo. Se bem que alguns possam argumentar acerca da necessidade de harmonização, as políticas daí resultantes tenderam para o menor denominador comum.

Decisão sobre os Pedidos de Asilo na Europa - 1990 -1994

País onde os pedidos foram apresentados

1990 1991 1992 1993 1994
Ace Rec Aut Ace Rec Aut Ace Rec Aut Ace Rec Aut Ace Rec Aut
Alemanha 6,500 116,300 - 11,600 128,800 - 9,200 163,600 - 16,400 348,000 - 25,600 238,400 -
Áustria 900 11,800 - 2,500 17,200 - 2,300 21,200 - 1,200 14,200 - 700 8,300 -
Bélgica 700 1,200 - 600 1,700 - 800 2,000 - 1,000 2,500 - 1,500 3,300 -
Dinamarca 700 - 1,400 1,000 - 2,000 800 - 2,000 700 - 2,100 500 - 1,400
Espanha 400 3,000 - 200 5,500 - 500 10,600 - 1,300 16,300 - 600 12,200 -
Finlândia 20 300 100 20 600 1,700 10 1,300 600 10 1,400 2,100 20 500 300
França 13,500 74,500 - 16,000 65,800 - 10,800 27,600 - 9,900 25,600 - 6,200 23,800 -
Grécia 200 2,300 - 120 5,200 - 100 1,700 - 40 700 - 90 700 -
Holanda 700 9,000 900 800 14,500 1,900 4,900 20,300 6,900 10,300 15,800 4,700 6,700 32,200 12,700
Itália 800 600 - 800 15,700 - 300 6,600 - 100 1,300 - 300 1,400 -
Noruega 100 2,100 1,200 100 2,300 1,700 60 2,900 1,000 50 4,700 500 20 3,000 1,800
Portugal 40 50 - 10 50 - 20 0 - 40 600 - 10 1,700 40
Reino Unido 1,600 900 3,600 800 5,400 3,000 1,900 35,500 21,700 2,900 18,600 15,500 1,400 20,900 5,400
Suécia 2,200 4,500 9,200 1,400 4,300 15,500 600 8,200 8,800 1,100 41,400 34,700 800 10,300 36,600
Suíça 600 11,200 - 900 28,500 - 1,500 30,100 - 3,800 18,700 - 2,900 18,800 -
Total 29,000 238,000 16,000 37,000 296,000 26,000 34,000 332,000 41,000 49,000 510,000 60,000 47,000 376,000 58,000

Notas:

"Com a eliminação gradual de formalidades dentro da União Europeia, é natural que sejam harmonizadas as políticas em matéria de asilo," disse Horekens. "É normal que uma Europa aberta queira exercer o controlo sobre as suas fronteiras externas. Nesta medida, as disposições de harmonização não levantam problemas - tal como os procedimentos acelerados de determinação do estatuto - mas com a condição que sejam harmonizadas a um nível aceitável. O que não se verifica, necessariamente."

O problema principal consiste em que cada um dos países da U.E. está a tentar ser mais restritivo do que o vizinho, de modo a receber o menor número possível de pedidos de asilo falsos. O exemplo da Holanda é particularmente significativo. Durante anos, a Holanda, tal como a Escandinávia, foi considerada um modelo de liberdade, generosidade e flexibilidade. Mas, como pode um país permanecer generoso quando os seus vizinhos teimam em fechar as portas? No pequeno e apertado mundo dos requerentes de asilo o "passa palavra" funciona muito bem. As notícias sobre as medidas dos governos espalham-se rapidamente - assim como as formas de as tornear. Os requerentes de asilo sabem quais os países que têm políticas mais liberais e gravitam à volta deles. Na Holanda, por exemplo, os requerentes de asilo duplicaram entre 1992 e 1993 quando outros país da Europa começaram a erguer barreiras. Os pedidos aumentaram de novo cerca de 51 por cento em 1994. Incapaz de acolher todos os requerentes de asilo que estavam a ser rejeitados noutros lugares a Holanda, por fim, adoptou nova legislação nacional em Janeiro de 1995.

Pouco a pouco, os países da Europa ergueram os muros da sua fortaleza continuando a procurar novas formas para manter os falsos requerentes de asilo longe das suas fronteiras. Infelizmente, essas mesmas medidas também negam o acesso aos verdadeiros refugiados.

Primeiro, apareceu a imposição de requisitos de visto para pessoas provenientes de países que podem ser geradores de refugiados, incluindo a ex-Jugoslávia, Roménia, Iraque ou Sri Lanka. Podemos imaginar os obstáculos que alguém na clivagem da guerra Bósnia-Herzegovina tem de ultrapassar para obter um visto para qualquer parte.

Depois, vieram as sanções e as multas às transportadoras aéreas que aceitavam passageiros sem a devida documentação. Aos funcionários das transportadoras aéreas, faltam as necessárias qualificações para determinar quem necessita, ou não necessita, de protecção internacional. Nalguns países, em particular no Terceiro Mundo, são colocados nos aeroportos funcionários europeus de imigração para verificarem a identificação e os documentos de viagem antes mesmo de embarcarem nos aviões com destinos europeus.

Depois, surgiu a noção do chamado "país terceiro seguro", em que os governos recusam mesmo analisar o pedido de asilo de alguém que tenha anteriormente transitado por um país considerado "seguro". O requerente de asilo é simplesmente reenviado para o país de trânsito "seguro". Para este conceito operar, na perspectiva do ACNUR, há que poder provar que essa pessoa teria de facto acesso a procedimentos de asilo adequados e a protecção no país para onde é devolvida", disse Michel Petersen, conselheiro jurídico regional para a Europa. "Infelizmente, assim não é".

Na Alemanha, por exemplo, qualquer pessoa que transitou por um país considerado seguro não tem direito a asilo sendo reenviada para esse país. A lista dos "países seguros" inclui todos os países que fazem fronteira com a Alemanha. Alguns deles são nações da Europa de Leste que só recentemente assinaram a Convenção de 1951 e que ainda estão a aprender - e a cometer erros - acerca dos direitos dos refugiados. A lista alemã também inclui países da União Europeia - inclusive a Grécia e a Áustria apesar das reservas do ACNUR. E o conceito de país terceiro seguro é aplicado mesmo a pessoas que só estiveram de passagem num aeroporto estrangeiro.

A Grécia admite apenas requerentes de asilo que chegam directamente dos países de origem. Quem transitou por outro país é mandado de volta. Isto, por exemplo, pode ser uma tragédia para alguns requerentes de asilo que passaram pela Turquia. Apesar da Turquia ter ratificado a Convenção de 1951, fê-lo com uma limitação geográfica, estipulando que só podem pedir asilo os refugiados vindos de países europeus. Para os outros nem vale a pena requerer.

"Alguns refugiados iranianos que não puderam fugir de avião - os aeroportos iranianos são particularmente bem controlados - atravessaram ilegalmente a Turquia", disse Henrik Nordentoft, da Divisão de Protecção Internacional do ACNUR. "Muitos procuram deslocar-se para países da Europa ocidental, receando que as autoridades turcas não lhe garantam protecção. Aos que se apresentam às autoridades na Grécia é-lhes recusado asilo porque não chegaram directamente do Irão. A Grécia pode tentar deportá-los para a Turquia, a qual, no entanto, não tem obrigações perante os refugiados iranianos nos termos da Convenção de 1951. Situações deste tipo, quando não existe acordo entre os países sobre qual é o país responsável pela protecção dos refugiados, representam uma grave ameaça à segurança dos refugiados".

Com este espírito, os países europeus criaram a noção de "país de origem seguro" - uma ideia que também se revela perigosa quando aplicada cegamente, sem alternativas. A França classificou recentemente a Roménia como país de origem seguro, mas acrescentou que - em virtude das questões com os direitos das minorias no país - os requerentes de asilo romenos não deveriam necessariamente ficar privados do direito de serem reconhecidos como refugiados.

Também há o "sem efeito suspensivo" em que o requerente do pedido de asilo recusado que recorre da decisão não pode permanecer no país enquanto aguarda o recurso. Países como a Áustria, França, Suécia e Alemanha aplicam esta noção nalguns casos. Mas, para onde pode ir um refugiado quando a sua vida está em perigo e não pode voltar para o seu país? Muitas vezes, prefere ficar ilegalmente, enquanto aguarda o recurso. Mas se for detectado, pode ser preso.

Muitos países criaram o que designam por "zonas de trânsito" para receber requerentes de asilo. Certos críticos dizem que, na realidade, são zonas de detenção. Em Inglaterra e noutros lugares, alguns requerentes de asilo estiveram detidos durante mais de um ano. Outros suicidaram-se. "Os requerentes de asilo não são à partida (prima facie) criminosos", declarou Petersen. "Não há razão para serem tratados como criminosos. Alguns já viveram traumas suficientes."

O que é ainda mais preocupante é a interpretação restritiva de alguns países europeus da Convenção de 1951, em que só tem direito ao estatuto de refugiado quem receia perseguição por parte de um Estado. De acordo com esta noção, as vítimas de perseguição por parte de agentes não estatais - grupos rebeldes ou organizações extremistas, por exemplo - não têm direito ao estatuto de refugiado. Por exemplo, as pessoas que são alvo de um grupo extremista argelino não são consideradas refugiados em determinados países europeus - entre eles, a França e a Suíça. Contudo, membros desta mesma organização extremista podem ser eligíveis para o estatuto de refugiado, se recearem perseguição por parte das autoridades estatais e não estiverem implicados em qualquer acto terrorista.

Noutros lugares, a aplicação da noção de agente não estatal a pessoas da ex-Jugoslávia significa que os albaneses do Kosovo podem ser reconhecidos como refugiados, mas não o podem ser os Bósnios que fogem de ameaças às suas vidas, na realidade muito mais iminentes.

Além disso, é frequentemente recusado o estatuto de refugiado às vítimas de violência generalizada, guerra civil e violação dos direitos humanos com o fundamento que não estão sujeitos a uma ameaça individual por parte do estado. Assim, aos liberianos que fogem de cinco anos de uma guerra civil cruel pode-lhes ser negado o estatuto de refugiado. O mesmo acontece com os bósnios - que muitas vezes são considerados pelo ACNUR como exemplos textuais da definição da Convenção de 1951. A Áustria é o único país da Europa ocidental a deportar bósnios - via Hungria, de onde muitos conseguem fugir. No ano passado, a Áustria deportou deste modo 43 bósnios, numa violação clara do Artigo 33 da Convenção de 1951 sobre non-refoulement.

Para alguns observadores, os governos europeus procedem conforme a conveniência - estão agora mais determinados em prestar apoio financeiro para programas de ajuda aos refugiados e deslocados no interior do território da ex-Jugoslávia, por exemplo, mas muito menos receptivos quando as vítimas da guerra lhes batem à porta. "Esta posição tomada pelos governos europeus coloca o ACNUR perante um dilema", disse Cécil Kpenou, Representante do ACNUR na União Europeia em Bruxelas. "Por um lado, pedem ao ACNUR para dar assistência e protecção às vítimas do conflito, com o total apoio político dos países europeus financiadores. Mas, por outro lado, quando essas mesmas vítimas do conflito atingem o território dos países da União Europeia, a reacção é completamente diferente: pessoas sob a protecção do ACNUR, deixam todas de repente, de ser reconhecidas como refugiados."

Para o ACNUR, recusar o estatuto de refugiado a pessoas, que foram, ou receiam ser, perseguidas por agentes que não sejam do seu próprio governo, é contrário à Convenção de 1951. "A perseguição que não envolve a cumplicidade do Estado continua ser perseguição, explica Petersen. "A Convenção é aplicada quando o Estado é incapaz de proteger essas pessoas."

Em defesa desses governos que recusam o estatuto de refugiado - essencialmente porque temem que essas pessoas permaneçam indefinidamente no seu país - foram encontradas várias fórmulas permitindo que essas pessoas fiquem até que seja seguro regressar. São, nomeadamente, a "protecção temporária" para centenas de milhares de bósnios, bem como a disposição do "estatuto humanitário", "estatuto de tolerância" e "direito excepcional de permanência".

"O ACNUR não tem problemas com estes diferentes estatutos legais", assinalou Horekens, "desde que os beneficiários estejam protegidos contra o maior perigo - o refoulement para os países de origem, onde as suas vidas podem estar em perigo. Mas, infelizmente, o conjunto de direitos sociais e jurídicos concedidos a estas pessoas variam muito de país para país e, muitas vezes, são muito menos generosos que os direitos concedidos aos refugiados reconhecidos. Isto é uma falha que precisa de ser colmatada."

Os governos europeus estão também a estudar conceitos como "alternativa interna de fuga" e "regionalização". Nos termos do primeiro, alguém que receie perseguição, deveria em primeiro lugar tentar procurar refúgio numa zona segura do seu próprio país. Se tal falhar, o requerente de asilo deve permanecer dentro da região geográfica com o pretexto de que um ambiente cultural mais familiar é menos traumatizante. Aparentemente, pode parecer que estas alternativas não apresentam problemas de maior, mas elas não podem ser aplicadas em todos os casos.

"Estas soluções podem ser válidas para alguns casos,"diz Petersen. "Mas, não podem ser aplicadas de modo sistemático para toda a gente. Nem sempre existem condições de segurança nem ajuda humanitária no interior de alguns países. E para encontrar refúgio dentro das fronteiras, o refugiado não deve atravessar uma linha da frente com o risco de ser alvejado. Mais ainda, um refugiado não se encontra necessariamente em segurança num país vizinho."

Dennis McNamara, director da Divisão de Protecção Internacional do ACNUR, concorda que na ânsia de impedir os imigrantes ilegais, os governos da Europa ocidental estão a tecer uma rede tão apertada que os refugiados legítimos podem não ser capazes de a passar. "Ninguém - nem um único político - afirma que existe uma diferença entre um refugiado e um imigrante ilegal," afirma McNamara. "Ninguém reconhece que efectivamente são muito poucos os refugiados que lhes batem à porta e que deveriam envidar todos os esforços no sentido de encontrar espaço para eles. Em vez disso, juntam-nos todos indiscriminadamente sem atender às diferenças".

Esta atitude preocupa o ACNUR. "Mas, não exageremos - há que encarar o problema no seu contexto", afirmou prudentemente McNamara. "Com 300.000 requerentes de asilo por ano na Europa, dos quais muitos não são refugiados, os números não são assim tão elevados. Esta situação pode ser facilmente gerida - sem pânico - se existir vontade política para o fazer."

Actualmente, a Europa encontra-se numa encruzilhada. Foi na Europa que o asilo nasceu e é também na Europa que o princípio de asilo se encontra agora mais ameaçado. Será tido em atenção o aviso? Se não for, as consequências sentir-se-ão não só na região mas em todo o mundo. Como se podem convencer os países pobres a aceitar refugiados, se as nações mais ricas fecham as portas aos poucos que ainda lhes batem à porta? Uma coisa é certa: se a Europa dá o exemplo, o resto do mundo segui-la-á.

"Esperamos que o nosso ponto de vista triunfe", disse Kpenou. "Qualquer restrição à definição de refugiado pelos estados da Europa Ocidental irá influenciar, obviamente, as decisões e a boa vontade dos países de África e da América Latina, que até agora têm sido tão generosos."

CHRISTIANE BERTHIAUME



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