Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Junho de 1995
por Mário Torres1
 

Centrarei a minha breve intervenção em algumas questões práticas.

Uma primeira, que já aqui foi abordada, e já referida no documento de trabalho, tem a ver com a questão da opção entre processo acelerado e processo normal. A quem compete tomar essa opção? Da necessidade dessa decisão ser devidamente fundamentada, e poder inclusivamente ser judicialmente sindicada porque não se trata apenas de uma opção entre uma forma de processo e outra forma de processo, uma questão de natureza puramente objectiva, ou de classificação de processos. É uma decisão que tem efeitos substantivos importantes!

De facto, nos termos do art. 14º da Lei, em princípio só a instauração de processo normal dá lugar à passagem de uma autorização de residência provisória. E, nos termos do artº 36º, o apoio social (alojamento e a alimentação) só está previsto para quem tiver autorização de residência provisória.

Isto significa que, uma decisão aparentemente adjectiva de opção para um processo acelerado ou para um processo normal tem consequências práticas e substantivas importantes, tais como conceder ou não conceder autorização de residência provisória conforme se use uma ou outra forma de processo.

Uma decisão com esta importância, parece-me que é fundamental, por um lado, exigir-se uma fundamentação, por outro, prever-se alguma possibilidade de sindicabilidade contenciosa.

Relativamente ainda a questões práticas, e quanto ao processo acelerado, a questão fundamental que se põe é, em face da pouca clareza do artº 20º, saber se há recurso e no caso positivo, qual é o prazo desse recurso.

Quem tiver o cuidado de ver os trabalhos preparatórios desta lei, que começou por um pedido de autorização legislativa, que foi vetado pelo Presidente da República e depois convertido em Proposta de lei no Verão de 93, com algum dramatismo e acentuando a muita pressa e o grande perigo que o país, eventualmente, correria com a invasão de milhares de refugiados, e também a necessidade de rápida instalação dos tais centros de acolhimento de que falarei daqui a pouco.

Mas, quem tiver presente o processo legislativo, e se reparar que a primeira Proposta de Lei e o pedido de autorização legislativa previam para o processo normal uma redução do prazo do recurso de 60 dias para 5 dias...Quem vir que no debate que surgiu relativamente à Proposta de Lei, quando o pedido de autorização legislativa foi transformado em Proposta de Lei, no sentido de que foram rejeitados pela Assembleia da República várias propostas apresentadas pelos partidos da oposição no sentido de consagrarem expressamente a possibilidade de recurso no processo acelerado e estabelecer o respectivo prazo...

Parece claro que a intenção do legislador que esteve por base deste artº 20º, era de não haver recurso no processo acelerado, e portanto não previa prazo nesse caso.

E daí, que no caso da recusa de asilo, o não abandono voluntário do país no prazo de 15 dias implicava automaticamente a expulsão sem necessidade de outro processo.

Esta era uma solução claramente inconstitucional. Segundo a nossa Constituição (portanto não era uma graça que é concedida pelo legislador ordinário português nem pelo Governo), resulta que o direito de asilo é um direito individual fundamental. E portanto, qualquer recusa de direito de asilo, seja em processo acelerado, seja em processo normal é um acto que lesa direitos, interesses legalmente protegidos, portanto é um acto em relação ao qual constitucionalmente tem que estar assegurado o recurso contencioso.

A solução que daqui resultou é uma solução perfeitamente absurda, em que temos um processo acelerado em que se fossem cumpridos os prazos será resolvido em 5 dias. E depois, há um prazo de interposição de recurso contencioso de 60 dias. Enquanto que o processo normal tem um prazo de recurso contencioso reduzido a 20 dias.

O Supremo Tribunal Administrativo tem admitido em diversas notificações que são feitas aos interessados que sequência da recusa de asilo em processo acelerado (ou pelo menos, era lhes dito em determinada fase) que têm o prazo de 60 dias e não de 20 dias.

Recentemente, e agora o outro aspecto da questão, do efeito da recusa de asilo no processo acelerado... Tem havido algumas decisões do STA (inicialmente houve alguma hesitação, mas agora suponho que será uma orientação firme), no sentido de que, se a pessoa a quem foi recusado o direito de asilo no processo acelerado não abandonar voluntariamente o país no prazo de 15 dias é necessário instaurar-lhe um processo de expulsão.

Esta é uma afirmação que tem sido feita fundamentalmente em acórdãos relativos a pedidos de suspensão de eficácia de actos de recusa de asilo, em que geralmente vem invocado como prejuízo de difícil reparação, por parte dos requerentes, o risco que à sua vida, à sua integridade física, à sua segurança sofreriam pela expulsão para o país donde provinham.

E o argumento que o STA tem utilizado nesses processos, é que por um lado a expulsão não é uma consequência directa do acto de recusa de asilo, porque depois do acto de recusa de asilo e se não for abandonado o país há lugar à instauração de um processo de expulsão.

Parece-me que é a solução que claramente resulta para o processo normal. O Artigo 18º., nº. 2 diz que "findo o período de abandono voluntário o requerente fica sujeito à legislação sobre estrangeiros" e poderá ser-lhe instaurado um processo de expulsão, e segundo esta orientação do STA, por analogia, também é o que sucede relativamente aos processos acelerados.

É evidente que esta solução, quer a do dilatado prazo de 60 dias, quer este entendimento de que é necessário um novo processo de expulsão são perfeitamente absurdos.

E parece-me, que é importante e urgente uma alteração legislativa no sentido de se prever para esses casos acelerados um processo de controlo judicial igualmente acelerado. que suponho não será nenhuma violação da Constituição admitir um processo judicial numa única instância. Com o sistema actual, além do recurso para o STA em subsecção, é possível o recurso para o pleno, até porque são recursos directos de anulação.

Uma vez, que na recente alteração legislativa para a reforma do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais se acabou com o mito de que os actos do Governo seriam necessariamente interpostos para o STA, suponho que seria pensável outra solução em que se admitisse o recurso contencioso dos actos de recurso de asilo para o tribunal de 1 instância, 2 instância, ou um Tribunal Central com uma tramitação de prazos apertados.

Relativamente, à questão do efeito do recurso contencioso, a nova lei eliminou a referência ao efeito suspensivo do recurso contencioso. No entanto, enquanto no artigo 17º da Lei, se fala em decisão, que nunca é a decisão de recusa de asilo, no artigo seguinte fala-se em decisão final. E esta divergência terminológica, a ter algum significado, poderá ser o de que só se poderá falar em decisão final para os termos do artº 18º, no caso de o acto administrativo se ter consolidado por não impugnação tempestiva, tendo o caso por resolvido, ou por trânsito em julgado de decisão judicial do recurso contencioso. E a ser assim, de facto teria perdido interesse a consagração da efeito suspensivo do recurso contencioso para o STA.

Não estava para falar nisso, mas como foi focado na intervenção do Sr. Secretário de Estado, gostava de referir a questão dos Centros de Acolhimento.

De facto, a reacção que houve aos Centros, deveu-se ao facto de não serem de acolhimento, mas de internamento. Esses centros estavam previstos na Lei sobre Estrangeiros, e não de asilo. E portanto, não eram centros de acolhimento no sentido de dar apoio em termos de alojamento e alimentação aos requerentes de asilo, eram centros de internamento de expulsantes. Era uma medida de coacção, como tal claramente definida na lei, implicando uma restrição, a meu ver, não constitucionalmente permitida, da liberdade das pessoas.

Foi contra esses centros de internamento previstos na Lei de Estrangeiros, não na lei de asilo, que houve diversas reacções inclusive através do pedido de declaração de inconstitucionalidade feita pelo Procurador Geral da Républica e que ainda se encontra pendente no Tribunal Constitucional.

Portanto, são figuras totalmente diferentes, que tenho impressão que não se justificarão confundir os centros de internamento de expulsantes que são medidas de restrição da liberdade de pessoas, dos centros de acolhimento dos requerentes de asilo que é uma medida de apoio judicial.

Não há nenhuma contradição entre aqueles que lutaram e se manifestaram contra os centros de internamento, e que hoje acham positivo e necessária a instauração de centros de acolhimento nesta perspectiva de apoio social.

1 Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo.