Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
na Fundação Calouste Gulbenkian, a 29 de Junho de 1995
por Theo Veenkamp1

Senhoras e Senhores, uma hora antes do começo deste encontro dei um passeio pelo Museu Gulbenkian e fiquei entusiasmado com a beleza do edifício e do seu conteúdo. E foi, para mim, a preparação perfeita para esta apresentação, porque penso que, mais do que tudo, lidar com requerentes de asilo é uma "gestão de números e uma gestão de emoções" e, se não ganharmos esta batalha, poderemos ver num museu aquilo que nos arriscamos a perder. Desta forma, congratulo-me por este começo.

Agora, gostaria de os levar ate à Holanda e de vos falar da estratégia para a recepção dos requerentes de asilo e para os refugiados. Utilizei a palavra "estratégia" para frisar que não estou apenas a falar do quadro legal, estou a falar de algo mais, estou a falar de estratégia.

Agora gostaria de vos dar uma breve visão do contexto na Holanda.

Primeiro, os números: em 1990, o fluxo foi de 21.200; em 1994, assistimos a uma alta enorme com mais de 50.000 pedidos. 1992 e 1994 foram anos difíceis, aumentando subitamente de 20.000, para 35.000 para 50.000. Foi um grande desafio e fizemos algumas coisas boas, mas também coisas más; e eu quero partilhar ambas as experiências convosco.

Penso que fizemos algumas coisas que surtiram efeito, porque a previsão para o ano de 1995 aponta para um retorno aos 35 000 pedidos, ou talvez menos.

Este é o contexto em relação aos números. Podemos passar agora à análise de outros indicativos.

Tomemos o exemplo da nacionalidade. Assim, os cinco países do topo (cerca de 60% do total) são: Bósnia-Herzegovina, Somália, Irão, Iraque, Afeganistão e 50 a 60 outras nacionalidades totalizam os restantes 40%.

Estes cinco países que se encontram no topo da lista, são países com problemas reais, países que "produzem" refugiados reais; por isso, uma percentagem relativamente alta de requerentes de asilo será admitida.

Agora, gostaria de fazer referência à duração normal dos procedimentos dos pedidos de asilo. Esta duração era no ano passado de quase 11 meses; mas atenção, esta é a média, o que significa que a maior parte dos procedimentos dura muito mais tempo (de 1 a 2 anos) e que outra parte substancial dura muito menos. Mas a média é de 11 meses, mesmo que a meta para este ano seja voltar aos 7 meses; mas é apenas um objectivo ainda em aberto.

Agora, e para percebermos porque tomamos algumas escolhas políticas na Holanda em matéria de política de asilo, temos que centrar a nossa atenção no contexto económico e social. Existem alguns aspectos positivos e alguns aspectos negativos .

O primeiro aspecto positivo é que a Holanda, ao longo dos séculos, foi-se habituando ao fluxo de todo o tipo de imigrantes; logo, o fenómeno em si mesmo não é novo.

Os aspectos negativos são os seguintes:

E, relacionado com este aspecto, temos o terceiro ponto negativo, através de uma pressão crescente dos partidos de extrema direita, que agora são mais audíveis, na sua expressão de intolerância contra os estrangeiros. A Holanda tem a imagem (e também a cultura) de ser um país tolerante, existindo uma espécie de tabu contra o facto de se ser intolerante. Mas esse tabu está a desaparecer e as pessoas têm agora mais coragem para dizer em voz alta que são contra os estrangeiros do que tinham há 10 anosatrás. Assim, pode-se dizer que o ambiente está a mudar.

Há um outro ponto positivo: temos uma longa tradição no trabalho de voluntariado na assistência a requerentes de asilo e refugiados.

Constatamos dois movimentos ao mesmo tempo - por um lado, podemos assistir a pessoas que clamam alto que são contra e, por outro, pessoas que clamam alto que estão a favor.

A resposta política ao contexto económico e social: para além dos números e das emoções, permanecemos ligados aos nossos compromissos internacionais, mas, ao mesmo tempo, queremos deixar claro os nossos sinais para os potenciais refugiados e para os cidadãos holandeses, sendo estes, tanto sinais positivos como negativos.

No que respeita ao procedimento da política de asilo, sustentamos uma abordagem estrita, no que respeita à estratégia de recepção, permanecemos sóbrios, mas humanos.

Também pelo facto dos números estarem a aumentar, temos necessidade de uma melhor divisão do trabalho e das responsabilidades entre o Governo Central e Local.

Assim, o Governo Nacional toma conta dos casos de requerentes de asilo enquanto mantiverem a sua posição de requerentes, enquanto não estiver claro se podem ou não permanecer no país. É aquilo a que podemos chamar "o primeiro choque da absorção".

Mas imediatamente após ficar claro que têm o estatuto de refugiados, passa a ser da responsabilidade do Governo Local (trata-se da chamada "política de integração activa"). É assim a divisão das responsabilidades.

Todas as responsabilidades relevantes estão concentradas e relevam de um só centro político - o Ministro da União para os Assuntos Políticos, que é responsável pelos procedimentos de asilo e pelas estratégias respectivas (Ministro da Justiça).

Por causa dos números e por causa da eficácia, temos duas entidades complementares, mas que funcionam separadamente:

Outro facto muito importante, reside no esforço de cooperação entre todas as partes, em colaboração com organizações de voluntariado.

Seguidamente, passaremos à análise da estrutura para o procedimento e para a recepção na Holanda.

Antes de mais, algumas questões preliminares, nomeadamente no que toca à recepção - a questão principal é a seguinte - por que é que na Holanda resolvemos seguir uma política de recepção aos requerentes de asilo? De facto, há países que escolhem nem sequer ter uma política de recepção. As questões básicas em causa são: porquê, para quem e como?

Primeiro o porquê - alguns anos atrás (5 ou 6 anos atrás) o Governo da Holanda optou por uma política de recepção aos requerentes de asilo, por algumas razões que passarei a apontar:

Para além destas duas razões principais, podemos encontrar outras adicionais: em primeiro lugar, uma vez que temos centros de recepção, podemos utilizá-los para outras finalidades - nomeadamente, podemos começar com a preparação dos requerentes de asilo para o mundo exterior que, geralmente, ocupa um estatuto assustador. É também uma forma de regular as emoções e de preparar o embate com o exterior.

No que respeita à questão para quem, no sistema holandês a recepção é reservada apenas aos requerentes de asilo e só é dada a estrangeiros que chegam à Holanda por razões humanitárias.

Mas, logo que falamos na chegada de estrangeiros à Holanda, levantam-se problemas de segurança ou de entradas ilegais, tornando-se então necessários mecanismos de detenção. Mas, detenção é detenção, recepção é recepção e, embora os especialistas jurídicos do departamento tenham procurado de todas as formas chegar a uma combinação, concluíram que não havia combinação possível. O sistema ou é aberto ou é fechado, não há nada no meio. Temos necessidade dos dois. São duas estratégias diferentes para lidar com os estrangeiros.

Ainda algumas outras explicações sobre o sistema. Oficialmente, o período de tempo para os procedimentos legais é de 24 horas; trata-se de um primeiro registo muito importante e também uma primeira visão em duas etapas ou verificações, nomeadamente, no que diz respeito aos requerentes de asilo cujos pedidos sejam manifestamente infundados e simultaneamente considerados como não admissíveis.

Assim as questões sobre a fundamentação e a admissibilidade dos pedidos têm resposta no prazo de 24 horas. Como conseguimos isto? Com base num acordo extra legal - isto porque, se olharmos para a lei, podemos verificar que a questão nunca poderia ser resolvida em 24 horas.

No ano passado, tivemos uma crise com jovens romenos que descobriram que poderiam ter 3 meses de férias pagas na Holanda se pronunciassem a palavra mágica: asilo. O nosso sistema legal era tão lento que eles podiam ficar nos nossos centros de recepção durante três meses; questões como esta estavam a matar o suporte político do nosso sistema e tinha de ser encontrada uma solução.

Assim, foi com base numa estratégia de colaboração - o Conselho para os Refugiados, o Serviço Interno e o COA - decidindo actuar como parceiros para a resolução do problema e chegar a um acordo conjunto. Se existissem dúvidas o processo continuava; se houvesse total concordância, então teriam de se ir embora.

Existe um acordo extra-legal, baseado na confiança mútua; este primeiro princípio é utilizado no primeiro centro de "triagem onde se fazem as primeiras verificações. No que diz respeito à divisão entre os pedidos "infundados" e os pedidos "manifestamente infundados", ela tem lugar no centro de recepção; para os casos "provavelmente com fundamento", processa-se no Centro para os Requerentes de Asilo (6 meses). A partir daí, o processo segue para um sistema regular de alojamento.

Estas são as linhas principais do sistema.

O mais importante é que nos OC's (o segundo tipo de centros), os requerentes de asilo são obrigados a apresentar-se duas vezes ao dia - o centro é um local aberto, mas, de qualquer maneira, os requerentes têm de provar que lá estão todos os dias; e se não se apresentarem durante três dias, consideram-se fora do sistema e o processo tem de recomeçar desde o início.

Para concluir, posso dizer que a mensagem mais importante já vos foi explicada: isto é, que compensa muito investir na recepção (ou numa estratégia específica de recepção). Também compensa encontrar uma combinação inteligente entre, por um lado, os requisitos do processo e, por outro lado, os requisitos específicos da recepção, sendo a combinação dos dois que nos oferece mais possibilidades para "gerir os números e as emoções".

1 Director Geral da Autoridade Nacional para Acolhimento da Holanda (Center Opvang Asielsoekers).