
Intervenção na Reunião de Especialistas
sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Junho
de 1995
A Dra. Bodelon explicou muito claramente quais são os princípios
da legislação relativa ao processo de asilo espanhol e eu
quero referir-me aqui, como uma das primeiras pessoas que subiu a este
estrado do ACNUR, qual a missão do ACNUR nos processos de asilo
em geral.
Os processos para determinar a condição de refugiado
são essenciais para garantir a aplicação eficaz da
Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de Nova Iorque
de 1967. Não obstante, nenhum destes instrumentos define os processos
que devem ser adoptados pelos Estados. Aliás, como os sistemas administrativos
e judiciais variam de país para país, não tem sido
possível propor um processo uniforme para determinar a condição
de refugiado.
A experiência do ACNUR tem demonstrado que todos os processos
devem reunir requisitos mínimos, requisitos que foram reunidos em
várias conclusões sobre a protecção internacional
dos refugiados no Comité Executivo do programa do ACNUR.
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Em primeiro lugar, todos os pedidos de reconhecimento da condição
de refugiado na moldura dos processos especialmente estabelecidos.
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Deve-se designar uma autoridade claramente estabelecida para avaliar inicialmente
os pedidos.
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Deve-se permitir que o candidato apresente pessoalmente o seu caso perante
o órgão de decisão.
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Confidencialidade da informação dada pelo candidato.
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Deve-se informar o candidato dos seus direitos e dos seus deveres e do
processo existente no país para a determinação de
refugiado.
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O candidato deve ter a possibilidade de dispor de um intérprete
adequado e de contactar com o ACNUR ou com as ONGs que existem nesse país.
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Deve-se permitir que o candidato permaneça no país até
que se adopte uma decisão sobre o seu pedido.
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No caso de decisão negativa deve-se tomar medidas para que o candidato
possa recorrer ou pedir a revisão. Deve-se comunicar-lhe as razões
que fundamentam a decisão negativa. Deve-se comunicar-lhe as possibilidades
que tem para recorrer e os prazos estabelecidos para ele.
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Por último, organizar a participação do ACNUR no processo
na forma que resulte mais apropriada.
Quanto aos pedidos manifestamente infundados ou abusivos, o ACNUR
sempre propôs que estes devem seguir os seguintes requisitos:
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Em primeiro lugar, o organismo que avalia se o pedido é manifestamente
infundado ou abusivo deve ser o mesmo que normalmente determina a condição
de refugiado.
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Em segundo lugar, deve-se dispor sobre a celebração de uma
entrevista pessoal e completa com o requerente e esta deve ser realizada
por um funcionário especializado pertencente a este organismo de
decisão.
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Em terceiro lugar, o candidato que não foi aceite deve ter a oportunidade
de que a decisão negativa seja examinada antes de ser retido na
fronteira ou de ser expulso do território pela força. No
caso de não existir nenhuma regra desta índole, os governos
devem dar consideração favorável ao seu estabelecimento.
Quando estamos a falar de processos acelerados entende-se que o processo
de exame ou de revisão deve ser mais sensível do que o aplicável
no caso dos pedidos que não são considerados manifestamente
infundados.
Para que um processo funcione e seja eficaz, tanto o acelerado como
o normal, tem muita importância a existência de um órgão
instrutor especializado e dotado de recursos materiais e humanos adequados
e que tenha sempre acesso a informações sobre os países
de origem dos candidatos.
Também é de grande importância a colaboração
das ONGs e do ACNUR com as autoridades estatais. Como é sabido,
a tendência actual do ACNUR é a de paulatinamente ir dando
lugar às ONGs nos processos de determinação, sem abandonar
a sua função essencial de protecção internacional.
O ACNUR estará sempre presente naqueles casos que levantem questões
de princípio e prestará assistência aos Estados e às
ONGs quanto à interpretação e à aplicação
dos critérios para a determinação da condição
de refugiado. Uma boa prova dela é a apresentação
que hoje se vai efectuar aqui da versão portuguesa do manual do
ACNUR.
Para finalizar, queria fazer referência ao objectivo que
temos marcado todos os que trabalhamos no ACNUR na Europa. Tal objectivo
não é outro senão continuar o de zelar pela defesa
dos interesses dos requerentes de asilo e dos refugiados sempre em colaboração
com as ONGs e as autoridades estatais. Por este motivo, o ACNUR deve promover
o espírito de associação para a colaboração
que foi reiterada nas recentes reuniões de PARinAC em Budapeste
e Oslo. As principais conclusões destas reuniões são
as seguintes:
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promover a observância por parte dos países de acolhimento
do direito fundamental de pedir asilo e do princípio internacional
da não devolução, bem como o acesso dos requerentes
de asilo ao ACNUR e às ONGs;
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garantir o direito de desfrutar o asilo e, quando as circunstâncias
o requeiram, adoptar mecanismos de protecção alternativa
como é a protecção temporária;
-
evitar que se violem os direitos humanos nos postos fronteiriços.
Vigiar para que a noção de "terceiro país seguro"
não resulte numa proibição e/ou num retorno forçado
dos requerentes de asilo;
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cooperar e alertar os Governos a prestar assistência jurídica
aos requerentes de asilo mediante pessoal capacitado.
Por último, a Recomendação nº. 11 da Declaração
de Oslo e do Plano de Acção de PARinAC, recomenda alertar
os Governos a prestar assistência jurídica mediante pessoal
capacitado e consciente das diferenças culturais dos requerentes
de asilo, dos ilegais e de outras pessoas que necessitam de protecção,
bem como os repatriados e quando proceda, os desprotegidos e os apátridas.
Muito obrigado.
1 Consultor Jurídico do ACNUR
em Madrid, Espanha.