Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Junho de 1995
 
por José Puig1
 

Aceite Senhora Representante do ACNUR, em primeiro lugar, os meus sinceros parabéns pela participação neste programa, pela ideia e pela realização deste Colóquio, que o tema bem o justifica e que é bom que em Portugal os espíritos e as pessoas se vão interessando cada vez mais por este tipo de matérias.

Não pretendo, nesta minha breve intervenção, fazer a história da nossa legislação, relembrar a história da sua passagem pelo Parlamento.

O Sr. Secretário de Estado apresentou de uma forma concisa e clara a história das razões do nosso ordenamento jurídico e eu, porque testemunhei e participei nesse processo, não posso de deixar de fazer dois comentários em relação a aspectos aqui já aflorados.

Primeiro, em relação à intervenção que ouvi atentamente do Sr. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo queria em dois ou três aspectos referidos colocar algum rigor para que não houvesse equívocos.

Quem lá esteve sabe bem que em relação aos processos acelerados nunca houve a intenção de impedir ou retirar a possibilidade de sindicabilidade de recursos contenciosos das decisões que daí se concretizassem. Alás, isso estava expresso no Relatório dos Trabalhos da Comissão e foi também claro no Plenário, aquando do primeiro debate e ainda antes da declaração de inconstitucionalidade, pela boca do Sr. Ministro foi claramente assumido que ali radicava a possibilidade de sindicabilidade judicial, nesses casos de processo acelerado. Nunca esteve na ideia de ninguém retirar essa possibilidade.

No que se prende com o efeito suspensivo, o que se passa é que, também, não se retirou qualquer efeito desta ordem. Ao retirar-se qualquer referência específica e concreta, ficou a vigorar o regime geral e este, como se sabe, não é aplicado a todos os casos. O legislador tem muitas vezes o vício de estabelecer um regime geral nas mais diversas matérias e quando as regula especialmente estabelece para cada uma determinadas particularidades, ou seja, regimes especiais nesta área, o que gera uma diluição do regime geral e torna, em consequência, muito difícil a consulta da legislação, pois há diplomas parcelares e o regime geral é quase excepcional deixando de ser a regra.

Aqui consagrou-se o princípio contrário: o efeito suspensivo consegue manter-se desde que existam os tais prejuízos, alegados e demonstrados com a aplicação imediata da decisão. Este efeito suspensivo tentou-se excluir com aquela norma dos processos acelerados - após os 15 dias iniciar-se-ia o processo de expulsão. Foi exactamente nesses casos que se retirou o efeito suspensivo (parece até que duma forma mais justa), já que o efeito suspensivo traz inerentemente a presunção de existir alguma possibilidade séria de se obter os direitos emergentes do regime jurídico do asilo. Quando essa presunção de todo em todo não existe, porque essas razões estão fixadas na lei, não nos parecia ajustado que se mantivesse de qualquer forma e sem qualquer justificação o efeito suspensivo.

Isto leva-nos a outra consideração, que se prende com a questão dos prazos.
O problema dos 20 dias e dos 60 dias no processo acelerado, i.e., a questão dos prazos corre no interesse do requerente do regime de asilo e é em alguns casos encurtado porque o Estado entende que existem possibilidades, em virtude do próprio interessado poder interpor recurso, de resolver e de acelerar as coisas e em criar um caso julgado para decidir a situação.

Se os prazos são muito longos vai alongar e demorar a situação. Agora, se alguém que ao fim dos quinze dias teve o processo de expulsão e eventualmente já teve de ir para o país de onde veio, com a viagem e permanência no estrangeiro, terá porventura mais dificuldades na elaboração e interposição do recurso, sem que haja alguma justificação para que o prazo seja maior.

Em boa verdade, o requerente pode até nada fazer para que, pela sua actuação, o prazo se encurte, mas o Estado deixa de ter esse interesse residual, porque passa a existir como que um caso julgado, ou sendo mais correcto, como que uma decisão naquela matéria.

E o prejuízo do Estado não é aqui já visível, em termos de prazos. Não há necessidade, desta forma, de impor um prazo mais curto.

Assim, concluímos que os dois prazos se adequam às situações concretas que querem resolver sendo relativamente fácil o entendimento dos fundamentos que lhe estão subjacentes.

Foi muito abordado na altura e já aqui nesta Conferência foi aflorado, ainda que muito levemente, que na altura da aprovação deste novo regime de asilo, sobressaiu a questão de se eliminar o asilo por razões humanitárias que constava na Lei anterior a 1980.

Vejamos esta questão com cuidado: o asilo humanitário era uma faculdade que o Estado tinha - não há nenhum direito ao asilo por razões humanitárias. Não consta da Convenção de Genebra, não consta do nosso Texto Constitucional, não consta da generalidade dos Textos Constitucionais.

O Dr. Almeida Santos, com o brilhantismo que sempre o caracterizou, chamou a esta categoria, a esta figura jurídica, no debate de 1980, um salto à vara sobre o Texto Constitucional.

De facto, o asilo justifica-se, e está consagrado em todos os ordenamentos jurídicos, quando existe uma luta sobre determinados direitos, quais sejam, por exemplo a liberdade, e existindo uma perseguição concreta, por força dessa luta.

Contudo, quando há o receio, porque no país se vive uma situação de insegurança mas não há qualquer luta, simplesmente existe dela o receio, dado a situação ser má, não podemos procurar tutela para essa situação na Convenção de Genebra ou na Constituição Portuguesa. É o tal salto à vara sobre o Texto Constitucional.

Mas existe, (porque são valores que devem ter algum cuidado e em que o legislador deve também ponderar na sua aplicação) a consagração na Lei de 1980 a faculdade de nesses casos ser ou poder ser instituído o asilo por razões humanitárias, que se mantém na actual Lei, mas tão somente com um enquadramento jurídico concreto e diferente.

Entendeu-se, porque dado o mais aprofundado estudo jurídico e científico que se fez sobre a matéria e para a qual contribuíram diversos especialistas, que, de facto, estavam a violar-se os diversos princípios constitucionais e internacionais, entendendo-se que deveria ter um outro entendimento concreto. O enquadramento é a tal autorização de residência, nos termos do artigo 64º da Lei de Entrada e Saída de Estrangeiros.

É, pois, desta forma, uma autorização de residência por motivos excepcionalmente relevantes que podem ser os pressupostos fácticos.

Apenas acontece, por conseguinte, que foi dado um enquadramento jurídico diferente, sendo hoje relativamente consensual em face dos estudos sobre a natureza do Direito de Asilo, sobre as suas características e especificidades próprias deste tipo de asilo por razões humanitárias, e que é melhor enquadrado em termos jurídicos, sendo esta a forma mais adequada e mais correcta.

1 Deputado à Assembleia da República, Grupo Parlamentar do PSD.