Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Junho de 1995
 
por Narana Coissoró1
 

Senhores Membros da Mesa, Srs. Participantes, Meus Senhores e Minhas Senhoras,

dentro do pouco tempo de que disponho, naturalmente que não vou gastá-lo em tecnicalidades nem a explicar a Lei que temos. Quero apenas dizer algumas palavras para explicar como é que existe um fosso que separa o texto da Lei da sua prática, isto é, as diferenças das culturas.

O Dr. Vítor Sá Machado falou que nós, tradicionalmente, deveríamos ter, pelo nosso próprio passado, uma cultura do refugiado, mas o que nós verificamos actualmente em Portugal é que existe uma cultura de suspeita sobre o refugiado. Esta cultura de suspeita sobre o refugiado advém de vários factores e temos, em primeiro lugar, a nossa concepção de estada na Europa e principalmente por causa do Tratado de Schengen e da nossa fronteira ser uma fronteira europeia, por causa de sermos um país exposto sobre o mar e geograficamente um país de transito para toda a espécie de tráficos.

Naturalmente que há razões para alguns sentimentos da cultura da suspeita contra o refugiado, entre outros. Há razões circunstanciais, pois hoje em dia há um aumento da criminalidade média e pequena. Esta criminalidade média e pequena está ligada principalmente às zonas suburbanas; estas zonas suburbanas são geralmente zonas onde vivem emigrantes. Há tendência para ligar determinados desacatos, determinadas formações de grupo, para não utilizar a palavra gangs em termos raciais com os refugiados, pois há um choque das próprias maneiras de viver e também uma frustração em relação às esperanças que traziam.

Em segundo lugar há uma emigração económica que se faz passar, para a sua entrada no país, como requerentes de asilo por razões políticas ou por razões humanitárias. Por exemplo, tivemos um caso ontem, de um barco que está em Leixões com nove homens vindos da Guiné que dizem que querem asilo político porque se sentem mal na sua terra, mas ainda não foram capaz de provar que espécie de perseguição lhes é movida.

Em terceiro lugar a crise de desemprego que se verifica em todos os países europeus e principalmente em Portugal.

Em quarto lugar o problema da particular susceptibilidade das nossas polícias em acharem que tudo deve ser visto com base no combate à criminalidade e não com base em razões humanitárias, em razões de cultura ou de aproximação ou de uma certa boa vontade em relação aos que necessitam efectivamente de apoios políticos.

São estes os circustancialismos que rodeiam ou reforçam a cultura de suspeita contra os refugiados e satisfaz algumas mentalidades que entendem que, quanto mais restrita e repressiva for a aplicação da lei, melhor é para o nosso país. Assim, por exemplo, os índices que nos são apresentados como trofeu, mostram que nos últimos cinco ou seis anos os pedidos de asilo diminuíram substancialmente de cerca de mil para trinta ou quarenta, exactamente pela aplicação muito restrita e muito criminalística sob o ponto de vista da sua interpretação e isto é considerado como uma das formas do país garantir a sua própria segurança.

Verificamos também, que na prática, a lei tem pouca aplicação, não há casos de processos acelerados, não há casos de entradas, ou por exemplo, a lei previa que houvesse, por proposta do CDS-PP (e pela qual o CDS-PP se bateu) edifícios separados: que o edifício de acolhimento fosse completamente diferente do edifício da detenção (nós não gostamos da palavra detenção porque o regime não é de detenção). Por outro lado, nós não gostamos da palavra internamento por não ser nenhum caso de internamento. Mas o Governo mantém, depois de todas as críticas feitas no Parlamento, estas palavras que nos mostram exactamente a cultura que anima o decreto. A palavra detenção, internamento, processo acelerado, o reforço que se faz à expulsão mostra o espírito desta lei. O processo acelerado é uma forma de processo de expulsão, no fundo, substantivamente, ele é um processo de expulsão acelerado e não um processo acelerado de legalização, e este processo de expulsão acelerada é uma excrescência da nossa maneira de encarar o refugiado como um potencial desempregado, como um potencial suburbano, como diz agora, substantivando com um adjectivo, o nosso Ministro da Administração Interna, é ver em cada refugiado, não um verdadeiro refugiado, mas um emigrante económico. Mas quando houve conveniência, também era aberta a porta ao chamado emigrante económico, agora que não convém fecham-lhes a porta, porque quando o Centro Cultural de Belém, por ex., precisava de imenso trabalho não legalizado, as portas abriram-se de uma maneira escandalosa para toda a espécie de emigração. Nesta altura é que havia uma cultura de emigração que era tradicional em Portugal, agora, que não há Centros Culturais de Belém fecham-se as portas, todos são potenciais agentes de tráfico de droga, agentes de desacatos, agentes de violência racial, agentes disto e daquilo... Portanto, a nossa cultura não facilita muito a aplicação da lei, que substantivamente não é má, embora tenha resquícios que mostram a verdadeira vontade que está plasmada através daquelas palavras e que formam o seu espírito, ao contrário do que deveria ser.

Não quero terminar sem antes fazer uma referência importante: nós com uma ditadura de quarenta anos, durante a qual os nossos dirigentes pós-revolução foram exilados, os nossos melhores líderes de todos os partidos tiveram de recorrer ao asilo, tivemos uma necessidade de existência deste Instituto em todos os países onde fomos acolhidos e que, logo depois da revolução ajudaram a construir um país democrático e trouxeram destes países de asilo a sua cultura. Estes líderes que estiveram exilados e que são garantes da liberdade, deveriam proporcionar, principalmente aos países lusófonos de África, principalmente a todos aqueles que procuram o nosso país como um país de liberdade, um país não só de Sol e Sul, mas um país que tem uma Constituição das mais avançadas e que garante no seu texto uma aplicação automática, uma recepção imediata de todas as convenções dos Direitos do Homem, um tratamento digno ao refugiado. Infelizmente não somos, somos neste momento um país que vê em cada refugiado um agente de subversão da ordem pública.
 

Muito Obrigado.

1 Deputado à Assembleia da República e Presidente do Grupo Parlamentar CDS-PP.