Os últimos anos têm sido marcados por um profundo retrocesso da legislação referente ao direito de asilo em vários países europeus. Da Convenção de Dublin, assinada em 15 de Junho de 1990, sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado membro das Comunidades Europeias; da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen, assinada em 19 de Junho de 1990; do chamado terceiro pilar do Tratado da União Europeia; da evolução legislativa e da prática concertada dos vários Estados, tem resultado uma orientação determinada e sistemática no sentido de restringir de forma drástica as possibilidades de acesso ao estatuto de refugiado em países da União Europeia.
A Convenção de Dublin, ao estabelecer regras meramente processuais para a determinação do estado responsável pela análise de um pedido de asilo, através de conceitos formais como o de "país seguro" ou de "país terceiro de acolhimento", aplicadas efectivamente pelos Estados mesmo antes da entrada em vigor da Convenção, conduz na prática à negação a muitos requerentes de asilo do direito a ver os seus pedidos analisados. Conduz a que muitos cidadãos vejam os seus pedidos recusados num país e não possam apresentar os seus pedidos de asilo em países que nos termos da lei respectiva lho concederiam asilo. Conduz inclusivamente a situações de repatriamento ou de envio de refugiados para outros países, sem cuidar de saber se esses cidadãos serão efectivamente acolhidos ou se ficará salvaguardada a sua segurança.
A Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen estabelece sanções a aplicar às transportadoras aéreas que transportem cidadãos em situação irregular, quando se sabe que a fuga para o estrangeiro em situação irregular funciona muitas vezes como único recurso de refugiados.
Os requerentes de asilo, cidadãos credores de apoio e de solidariedade, por serem perseguidos em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana (usando a expressão consagrada na Constituição Portuguesa), passaram a ser tratados com desconfiança, como se de potenciais criminosos se tratasse. Para além da adopção de mecanismos práticos que impedem muitos requerentes de asilo de formular o seu pedido às autoridades (através das chamadas zonas internacionais), têm vindo a ser adoptados mecanismos acelerados de denegação de pedidos de asilo que restringem de forma drástica os direitos e garantias dos requerentes.
Resulta do exposto a enorme premência de serem asseguradas garantias mínimas aos requerentes de asilo, por forma a evitar que as violações de direitos humanos de que são real ou potencialmente vítimas nos países de origem, não se prolonguem por outra forma nos países democráticos onde buscam refúgio.
Em Portugal, a evolução legislativa acompanhou esta tendência restritiva. A Lei n. 70/93, de 29 de Setembro, presentemente em vigor, introduziu um conjunto de disposições que carecem de urgente revisão, por serem manifestamente atentatórias dos direitos e garantias mais elementares dos requerentes de asilo e por serem desconformes com a dimensão de direito fundamental que a Constituição Portuguesa atribuiu ao direito de asilo.
Deter-me-ei assim, sobre os aspectos da legislação portuguesa que considero ser indispensável reformular, por forma a consagrar (e em alguns casos a repor) um conjunto de garantias mínimas fundamentais dos refugiados.
1 - Procedimento acelerado de apreciação dos pedidos
de asilo
Através da Lei n 70/93, de 29 de Setembro, foi
introduzida na legislação portuguesa uma forma de procedimento
acelerado de apreciação de pedidos de asilo, que mais não
é na prática, que uma forma acelerada de recusa da concessão
de asilo, inconstitucional e violadora de direitos fundamentais dos requerentes.
Senão vejamos:
De entre as várias razões que podem determinar que a apreciação de um pedido de asilo se processe por via do procedimento acelerado, constam as seguintes:
Por outro lado, a aplicação do procedimento acelerado só pelo facto de o requerente ser proveniente de país susceptível de ser considerado como país seguro ou de país terceiro de acolhimento, poderá conduzir, em muitos casos, à violação do princípio do "non-refoulement" que se encontra previsto na Convenção Relativa ao Estatuto do s Refugiados nos seguintes termos:
A lei prevê que, havendo lugar, nos termos descritos, ao processo acelerado, o pedido seja objecto de informação a elaborar pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no prazo de 24 horas, a submeter de imediato a parecer do Comissário Nacional para os Refugiados, a emitir no prazo de 24 horas. Se o parecer for desfavorável o requerente tem 48 horas para se pronunciar por escrito, após o que, o pedido é submetido a decisão do Ministro de Administração Interna quanto à sua admissibilidade ou rejeição. Rejeitado o pedido, o requerente deve abandonar o país em prazo não superior a 15 dias.
Note-se a inexistência de qualquer entrevista em que o requerente possa fundamentar convenientemente o seu pedido. Note-se a falta de previsão de assistência judiciária aos requerentes, ou de qualquer apoio, designadamente ao nível de intérpretes no caso em que os requerentes não se exprimam ou não entendam a língua portuguesa. Note-se a extrema exiguidade dos prazos, que nega possibilidades reais de defesa. Note-se ainda, a falta de previsão de recurso judicial de decisões tomadas em processo acelerado.
Esta última questão é de enorme importância e gravidade. A Constituição Portuguesa é clara quanto à possibilidade de recurso de quaisquer actos administrativos. Um acto que recuse o direito de asilo não é excepção a esta regra. Aliás, no caso das decisões tomadas em processo normal, a própria Lei n. 70/93 prevê um prazo especial para esse efeito (20 dias). Acontece que, não se encontrando previsto qualquer prazo para interposição de recurso de decisões tomadas em processo acelerado, de duas uma: ou o legislador pretendeu excluir a possibilidade de recurso, o que é flagrantemente inconstitucional. Ou pretendeu fazer aplicar o prazo normal de recurso dos actos administrativos, que é de 60 dias, o que é um absurdo, na medida em que o prazo para recorrer de decisões tomadas em processo normal é de apenas 20 dias.
Em conclusão: a consagração deste processo acelerado de apreciação dos requerimentos de asilo não é mais do que um processo de recusa liminar da apreciação dos pedidos, que viola direitos fundamentais. O facto de se saber que a esmagadora maioria dos pedidos de asilo que presentemente são apresentados em Portugal estão a ser sujeitos ao procedimento acelerado, não se afigura nada tranquilizante. Preconizo pois, em futura revisão da legislação sobre direito de asilo, a revogação das disposições referentes ao processo acelerado.
2 - Excessiva discricionariedade quanto a questões essenciais
Para além da excessiva discricionariedade que enforma
todo o procedimento acelerado, atrás referido, outros aspectos da
Lei n. 70/93 comportam uma margem de discricionariedade na decisão
de determinados aspectos, que se afigura inadequada do ponto de vista da
salvaguarda de importantes direitos e interesses legítimos em presença.
Assim:
3 - Omissão de aspectos fundamentais
Reveste-se de alguma gravidade que a Lei n. 70/93 não
consagre de forma expressa um conjunto de aspectos que constituem garantias
mínimas para os requerentes de asilo. Por exemplo:
Bibliografia:
MÁRIO TORRES, in CONSELHO PORTUGUÊS PARA OS REFUGLLDOS, O Asilo em Portugal, I Volume, Lisboa, 1994, pág. 59-61
VITAL MOREIRA, "O direito de Asilo entre a Constituição e a Lei", in CONSELHO PORTUGUÊS PARA OS REFUGIADOS, O Asilo em Portugal, I Volune, Lisboa, 1994, pág. 73-79.
AMNISTIA INTERNACIONAL, Europa: A Necessidade de Garantias Mínimas nos Procedimentos de Asilo, Amnistia Internacional, Lisboa, 1994.
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS, Documento de Trabalho Conjunto da Reunião Internacional de Peritos sobre Direito de Asilo em Portugal, ACNUR, Lisboa, 1995
AMNISTIA INTERNACIONAL, Europe: Harmonization of Asylum Policy Accelerated Procedures for "Manifestly Unfounded" Asylum Claims and the "Safe Country" Concept, Amnistia Internacional, Bruxelas, 1992.
1 Deputado à Assembleia da República, Grupo Parlamentar do PCP.