Queria centrar a minha intervenção - que não foi preparada, o que pode constituir um inconveniente ou até ter vantagens, porque serei breve - em dois pontos que me foram sugeridos por algumas intervenções que ouvimos no decorrer destes trabalhos.
Em primeiro lugar, tem-se falado muito (e este é dos temas principais da nossa reflexão) sobre a adopção de duas formas processuais para análise dos pedidos de asilo: o processo normal e o processo acelerado.
Ora, conviria, talvez, explicar um pouco mais, pelo menos aos que não estejam tão familiarizados com esta problemática, que não é nesta lei, Lei nº 70/93 que, pela primeira vez, se adopta em Portugal um processo acelerado a par de um processo normal.
Efectivamente, na anterior lei, de 1980, já se previa uma forma de processo acelerado.
Mas qual é a razão da adopção desta forma processual?
Naturalmente que, contrariamente àquilo que já foi aqui defendido, não se trata de ver em cada requerente de asilo um potencial elemento anti-social, susceptível de pôr em risco interesses fundamentais da sociedade.
Trata-se muito simplesmente de reconhecer uma realidade que, de uma maneira geral, é conhecida nos Estados Membros da União Europeia, sobretudo a partir da década de 1980.
Com efeito, tem-se verificado na generalidade dos referidos Estados que o número de pedidos de asilo não corresponde a situações que se possam enquadrar na Convenção de Genebra, pois, na sua maioria, trata-se de pessoas que legitimamente pretendem melhorar o seu futuro e que só abandonam os países de origem, porque ali as perspectivas de melhoria das condições de vida são reduzidas ou nulas.
Pretendem, portanto, emigrar para países onde encontrem possibilidades de emprego.
Só que o direito de asilo não foi criado para fazer face a essas situações. E daí que, perante essa realidade com a qual todos os nossos países têm sido confrontados, tenha surgido a necessidade de estabelecer uma distinção, de, em determinadas condições objectivadas na lei, prever um processo acelerado.
Para quê? Para permitir que os pedidos que se afigurem sem um mínimo de fundamento, face à definição de refugiado prevista na Convenção de Genebra, não possam arrastar-se, o que teria inconvenientes, pois iriam concorrer com os verdadeiros requerentes de asilo, que, assim, veriam os seus pedidos entravados por aqueles que apenas utilizam o processo de asilo para terem acesso aos países onde esperam encontrar oportunidades de emprego e melhores condições sociais.
Esta é uma realidade conhecida e daí que durante a presidência inglesa, no segundo semestre de 1992, e na sequência de trabalhos desenvolvidos pela presidência portuguesa da Comunidade Europeia e pelas presidências anteriores, os Ministros responsáveis pela área da Imigração e do Asilo, tenham adoptado, nomeadamente, uma Resolução de 30 de Novembro e 1 de Dezembro relativa aos pedidos de asilo manifestamente infundados.
Nessa Resolução acordou-se sobre a necessidade de adoptar um procedimento acelerado tendo em vista decidir, em curto prazo, mas com as garantias processuais adequadas, os pedidos que não tenham o mínimo de viabilidade, porque se trata de pessoas que realmente não carecem de protecção e cujos pedidos podem, portanto, ser resolvidos em curto prazo. Isto tem a vantagem de evitar que o sistema, em cada país, seja sobrecarregado com pedidos sem fundamento, o que prejudicaria os interesses dos requerentes de asilo dignos de tutela.
Não há, assim, qualquer outra ideia subjacente à adopção desta forma processual, cuja utilidade o próprio Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados reconheceu precisamente para salvaguardar interesses legítimos dos requerentes de asilo, desde que se assegurem as necessárias garantias.
Posto isto, apenas uma outra observação sobre a alteração que se verificou em relação à anterior lei de asilo, Lei 38/80, no que respeita ao facto de, hoje em dia, não ser considerado o asilo por razões humanitárias. Foi uma alteração legislativa que me dispenso, aqui, de comentar. Todavia, diria que, do meu ponto de vista, o artigo 10º da Lei nº 70/93 permite conceder uma autorização de residência a uma pessoa que invoque determinadas razões ali previstas, nomeadamente o facto de ser originária de um país em que se verifique uma situação de conflito armado (de que temos, infelizmente, exemplos e mesmo aqui no Continente Europeu), que lhe garanta a permanência no País enquanto persistirem as razões que justificaram a sua concessão.Será, também, como que uma protecção temporária. E, aliás, verifica-se que na generalidade dos Estados membros da União Europeia, a orientação que está a ser seguida é precisamente essa, o que, de resto, também corresponde a Recomendações do ACNUR, nomeadamente no que respeita a situações emergentes do conflito que se verifica na Bósnia-Herzgovina e para fazer face a situações de afluxo maciço de pessoas carecidas de protecção, não porque sejam refugiados nos termos da Convenção de Genebra, mas dado que a sua vida também corre risco, em especial, no caso de grupos mais vulneráveis, como sejam o das mulheres e crianças.
Muito obrigado.
1 Sub-Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.