Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 na Fundação Calouste Gulbenkian, a 29 de Junho de 1995
 
por Maria Teresa Mendes1
 
I
Concretização do Processo PARinAC em Portugal
 
1. Início do Processo PARinAC

PARinAC significa Partnership in Action (parceria em acção) e resume o plano de acção e as conclusões de uma Conferência Mundial de Oslo, realizada em Junho de 1993 sobre as relações entre o ACNUR e mais de 450 ONGs espalhadas pelo mundo.

Este documento é uma reflexão conjunta entre o ACNUR e os cidadãos preocupados com os problemas humanitários.

Neste momento, propõe-se mobilizar os cidadãos, que vivem em estados democráticos, para a resolução de problemas globais, e esta é em traços gerais a grande orientação.

A "Nova Ordem Mundial" é um conceito completamente ultrapassado desde 1990/91. A mudança tem sido tão vertiginosa que esta "Nova Ordem" já não é a mesma.

Nesta nova situação de "desordem", há um conjunto de princípios e normas que nos permitem prosseguir.

Estamos num período de ruptura, em que não sabemos o que será a sociedade do século XXI.

Existem dois aspectos que nos podem dar alguma orientação e nos apontam algumas saídas:

  1. A ONU como um fórum de debate onde se procuram resolver os conflitos regionais a uma escala mundial;
  2. O aparecimento de temas globais como o dos direitos humanos, da mulher, SIDA, violência, migrações, etc. O problema dos refugiados enquadra-se, precisamente neste contexto dos temas globais.
 A complexidade crescente e a dimensão que atingiu o problema dos refugiados, bem como das pessoas deslocadas, implicaram grandes mudanças, exigiram novas estratégias para o ACNUR, e uma busca de associações com um vasto segmento da sociedade interessada na procura de soluções. As relações ACNUR/ONGs aumentaram em termos quantitativos:
  1. O ACNUR aumentou o apoio financeiro às ONGs,
  2. O número de ONGs também aumentou.
 As ONGs passaram a envolver-se em 4 campos de acção:
  1. Parceiros operacionais
  2. Fontes de informação
  3. Defensoras dos direitos dos refugiados
  4. Vozes importantes na formulação das políticas
2. Recomendações da Reunião de Oslo
     6 Recomendações Principais:
    1. Protecção Internacional dos Refugiados

    2. Crescente reconhecimento do papel das ONGs como defensoras da Protecção dos refugiados, requer participação e diálogo com os Governos e um apropriado sistema de partilha de informação.
    3. Problema de pessoas deslocadas internamente

    4. A presença das ONGs antes que ocorra uma emergência ou na sua fase inicial é de grande valor no reforçar do ALERTA e RESPOSTA da emergência inicial
    5. Prevenção e Democracia Preventiva
    6. Parâmetros Norteadores do ACNUR e ONGs

    7. O ACNUR e as ONGs geralmente queixam-se das deficiências de ambos quando é necessária a implementação de Projectos. Recomenda-se uma Reforma de Diálogo que já se iniciou.
      Reconheceu-se e recomenda-se a necessidade de melhor coordenação (ACNUR/ONGS e ONGs/ACNUR).
    8. Situações de Emergência e Ajuda Internacional

    9. Observou-se que a ausência de outras organizações e a falta de recursos resulta numa prolongada presença do ACNUR.
    10. Conclusão
     Esta nova parceria requer compromissos reais de ambos os parceiros, o desafio é enorme, os planos estão estabelecidos, os instrumentos foram identificados é imperativo que o consigamos fazer.
3. Articulação entre as ONGs e o ACNUR

O Caso Português

A articulação tem sido muito bem conseguida e o CPR continua a ser o parceiro operacional do ACNUR em Portugal desenvolvendo um papel fundamental na protecção jurídica, na área de formação e informação pública e no aconselhamento social aos requerentes de asilo e aos refugiados em Portugal.

Portugal é signatário de todos os instrumentos jurídicos internacionais relativos a refugiados e direitos humanos, há que aplicar estes instrumentos ao direito português.
 

II
 Os Refugiados em Portugal
 Trabalho Desenvolvido pelo CPR
 
1. Situação jurídica/assistencial

O trabalho de Protecção jurídica do CPR desenvolve-se em 4 fases:

  1. Apoio no PEDIDO DE ASILO, o qual pode ser apresentado por escrito após 8 dias da entrada em território nacional, sendo que esta Petição escrita e articulada poderá constituir à partida um reforço das garantias processuais.
  2. ENTREVISTA APROFUNDADA com emissão posterior de parecer escrito, enquadrando o caso no dispositivo legal correspondente.
  3. ALEGAÇÕES ESCRITAS ao parecer do CNR (Artigo 20º nº4). Este meio de defesa é de extrema importância para o candidato porquanto o facto de a Administração lhe conceder o direito de ser ouvido aumenta ao requerentes o seu direito de defesa e poderá, eventualmente, alterar o rumo dos acontecimentos (mediante novas provas documentais, novos factos ou indícios, melhor esclarecimento dos factos).
  4. PROTECÇÃO POR MOTIVOS HUMANITÁRIOS (ao abrigo do artigo 10º) - para casos já recusados e para casos em que o CNR propõe organização de Processo Autónomo. A deslocação do Artigo 10º. para a Lei 59/93, embora isso pareça ter certa lógica, a verdade é que, no entender do CPR, este artigo continuando na Lei 70/93 deveria sempre ser interpretada de acordo com os princípios gerais relevantes em matéria de asilo. Designadamente, sempre se poderá entender que a autorização de residência se deverá manter enquanto subsistirem as razões que levaram a concedê-la.
O CPR está associado ao Processo de Asilo, embora de forma "ad-hoc", dado que o apoio jurídico resulta de um atendimento contínuo e personalizado dos casos e não de previsões legais.
 

2. Alguns elementos estatísticos

Constatou-se contudo uma diferença acentuada entre 1994 e 1995 no tocante à actuação do CPR nestas 4 fases.

Com efeito, o CPR em 1994 teve oportunidade de efectuar algumas dezenas de ENTREVISTAS aprofundadas, acompanhadas de PARECERES fundamentados, sendo que em 1995 se verificou uma diminuição no apoio inicial dos casos. Dos quase 200 pedidos de asilo verificados até 30 de Maio, apenas 10 casos entraram em contacto com o CPR na fase inicial (inquérito).

Também não nos foi possível efectuar PEDIDOS DE ASILO POR ESCRITO dado que quando conhecemos o requerentes já solicitou ASILO VERBALMENTE.
 

3. Acesso ao Território Nacional - Aeroporto

Também no tocante à Protecção junto dos Aeroportos, o CPR notou um certo retrocesso em relação a 1994. Assim, o ano passado estivemos várias vezes presentes na zona internacional e obtivemos o acesso aos mecanismos do asilo para alguns candidatos, este ano e até agora não nos foi possível intervir nalgumas situações de que tivemos conhecimento pelos próprios requerentes, por congéneres estrangeiras e por advogados que solicitaram o nosso apoio.
 

4. Centros de Instalação Temporária por Motivos Humanitários - Recomendações do CPR

A situação assistencial continua muito difícil dada a inexistência de estruturas de acolhimento para os casos manifestamente infundados, que representam 95% do total dos pedidos.

O CPR tem proposto para a criação dos centros de acolhimento, a defesa dos princípios humanitários que o modelo holandês propõe, e que está recomendado no documento de trabalho.

Pensamos ser útil fazer as seguintes recomendações relativamente a esta matéria:

  1. A decisão do SEF quanto à instalação do candidato no Centro só deveria ocorrer após audição do CRSS, bem como de uma ONG vocacionada nesta área. Assim deveria ser criada uma Comissão de Admissibilidade com estes organismos. A partilha de responsabilidades asseguraria uma actuação orientada por critérios menos vinculados à óptica própria de cada Ministério.
  2. (ARTº 4) Uma pessoa pode ser instalada num Centro de Instalação Temporária porque entra na zona internacional sem estar para tal legalmente habilitada, ao fim de 48 horas será encaminhada para o Centro de Instalação por razões de segurança pode-se supor em condições detentivas. Não existem, aqui, garantias mínimas, direito à defesa, requisitos de ratamento humanitário.
  3. (ARTº 5) Os Centros deveriam funcionar em edifícios distintos por estarmos perante duas situações de natureza diferente. Pode suscitar alguma confusão, um só edifício para centros humanitários e centros de reclusão.
  4. Seria desejável a consagração clara de uma panóplia de garantias das pessoas que chegam ao território nacional, mesmo que irregularmente.
 
III
 A lei 70/93 de 29.09
 Avaliações da sua implementação
 
1. Documento de Trabalho
 O CPR corrobora as propostas de alteração e recomendações constantes do Documento de Trabalho hoje aqui apresentado, no qual tivemos ocasião de trabalhar conjuntamente.

2. Observações Suplementares à Lei
 Desejaria contudo acentuar algumas disposições que consideramos importante não perder de vista:

  1. Nomeação de intérprete isento e idóneo na 1 entrevista, o qual deverá falar de preferência a língua do candidato (Conclusão 8 do EXCOM)
  2. Efeito suspensivo do recurso para os casos fundados e manifestamente infundados (Resolução sobre Garantias Mínimas - 1995)
  3. Apoio médico, protecção sanitária e alimentar para os requerente ao asilo e todas as condições necessárias para a defesa dos seus Direitos.
 Permito-me ainda referir algumas recomendações que, em nosso entender, beneficiariam a implementação da lei 70/93:
  1. Além da recomendação já referida sobre os eventuais perigos da deslocação do artigo 10º. da Lei 70/93 para a Lei 59/93; importaria definir a situação jurídica do requerentes de asilo, seus direitos e obrigações. A lei a esse respeito é quase omissa, e têm-se suscitado bastante dúvidas sobre a matéria. Isto agravado pelo facto de se tratar de situações que, afinal, podem prolongar-se por vários meses.
  2. As razões de exclusão do asilo constantes no nº 2 do artigo 4º da lei 70/93 são demasiado vagas e genéricas. Mesmo que, neste âmbito, se queira estabelecer algum ou alguns fundamentos de recusa de asilo, elas deveriam ser mais específicas e precisas.
  3. É discutível que seja o SEF a fazer a destrinça entre processo acelerado e processo normal. Seria preferível que o SEF o pudesse, porventura, propor, mas fosse o Comissário Nacional para os Refugiados a decidir essa qualificação.
  4. Comunicação das decisões e mais notificações judiciais em língua que o requerentes de asilo compreenda. A Conclusão nº 8 do EXCOM recomenda que seja nomeado intérprete isento e idóneo na 1. entrevista, o qual deverá falar de preferência a primeira língua do candidato, se a Lei interna do país assim o estabelecer. Ora a nossa actual legislação não prevê tal. E a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tem aqui aplicação, pois não se reporta aos processos administrativos ou de contencioso administrativo. Haveria pois que acrescentar expressamente este elemento. Hoje, é o CPR que, na medida das suas possibilidades, supera tal deficiência.
  5. Importaria prever expressamente a possibilidade do ACNUR e do CPR intervirem, no interesse dos requerentes de asilo.
3. Em Conclusão

1 Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados.