Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 na Fundação Calouste Gulbenkian, em 29 de Junho de 1995
 
por Thomas Birath1
 

É um privilégio estar hoje aqui presente neste encontro internacional a fim partilhar convosco as nossas ideias, na perspectiva da Sede do ACNUR, quanto à actual situação de asilo e protecção de refugiados na Europa Ocidental. O instituto de asilo na Europa tem sido alvo de pressões como nunca antes acontecera. Existe um número crescente de "presumíveis imigrantes e requerentes de asilo" que chegam via marítima, sendo muitos deles detidos nos pontos de entrada nos EUA e na Europa.

Ao mesmo tempo, assistimos a uma política e a uma prática dos Estados que se afigura dar prioridade a restringir a imigração ilegal e a combater os abusos ao procedimento de asilo. Foram elaborados procedimentos de asilo rápidos e eficientes, quer através de medidas jurídicas quer administrativas, na maioria dos Estados da Europa Ocidental. Tal deveria ser desencorajador à vinda de requerentes de asilo com pedidos infundados, mas sem impedir o acesso aos que necessitam de protecção. O problema é que o ACNUR nem sempre tem acesso para prestar assistência aos Governos de forma a assegurar que sejam postos em prática os padrões internacionais de protecção dos refugiados. Por isso, o ACNUR mantém um diálogo permanente com os Governos.
Neste contexto, deve-se ter presente que o futuro do asilo na Europa Ocidental é, ao que parece, precisamente o mesmo que o futuro do asilo no mundo em geral. Porque é que os Estados não europeus deveriam ser mais generosos do que os da Europa Ocidental, os quais que tomam cada vez mais medidas que interferem na possibilidade de acesso aos procedimentos de asilo? O desafio para a Europa consiste em preservar os princípios e valores fundamentais do sistema de protecção internacional para os refugiados e, simultaneamente, em conceber respostas teóricas e pragmáticas para as novas necessidades no contexto da harmonização europeia.

Consequentemente, o ACNUR vê a necessidade de uma estratégia política europeia integrada, compreendendo um conjunto de elementos, sem a qual podem verificar-se tratamentos bem desumanos.

O primeiro elemento consiste sobretudo na necessidade de uma aplicação consistente e coerente das leis de asilo existentes na Europa, mais que na elaboração de restrições euro-regionais. Os Estados europeus deveriam chegar a acordo sobre como aplicar o artigo 1º da Convenção de Genebra de 1951 (definição de refugiado) de modo pragmático e generoso. O estatuto de refugiado deve basear-se em procedimentos justos e eficientes. Deve ser dada assistência aos países na Europa, o que significa a assistência constante no procedimento de asilo quanto a critérios iguais na recepção e integração dos refugiados.

A segunda questão refere-se à necessidade de conceber uma resposta pragmática para grandes influxos de pessoas deslocadas devido a guerras civis, violência ou violações maciças de direitos humanos. Os Estados europeus deveriam manter-se disponíveis para oferecer protecção temporária como resposta viável em situações de influxo maciço de requerentes de asilo.

Em terceiro lugar, a Europa deve conceber mecanismos destinados a atacar as causas dos grandes movimentos da sua própria população. Sem a vontade política para combater, na sua origem, as violações maciças de direitos humanos, as condições étnicas e humanas, e tratar o declínio económico dessa nação, aumentará o número de requerentes de asilo e de refugiados deslocados. A questão sensível consiste no dilema de deixar de fora do procedimento de asilo os casos rejeitados. Este procedimento varia de país para país mas os procedimentos devem prever salvaguardas garantindo aos requerentes de asilo que recebem a protecção que lhes deve ser dada, bem como as condições que necessitam no país de origem para atenuar a situação de retornados. Existe também a possibilidade do ACNUR prestar assistência nos países de origem para onde voltam os requerentes com pedidos de asilo recusados.

O último elemento consiste em contemplar a existência de possibilidades adequadas de revisão, quer judiciais quer administrativas, em qualquer forma processual: admissibilidade, processo acelerado e processo normal.

Os Estados europeus, ao desenvolverem uma estratégia política integrada para o controlo e gestão dos movimentos de população na Europa, devem contemplar asilo, política de integração e imigração, política de segurança, ajuda ao desenvolvimento e assistência técnica aos países onde tenha havido grandes fluxos de população por razões políticas, culturais ou socioeconómicas. As respostas devem debruçar-se sobre as causas e assegurar que se proceda ao alerta antecipado em situações de crise. Essas respostas devem também providenciar uma protecção efectiva às pessoas que procuram refúgio. Os procedimentos devem garantir a segurança mas, também, concentrarem-se em soluções duradouras, nomeadamente, na devida altura, no repatriamento voluntário para os países de origem.

Quero exprimir os meus agradecimentos por este dia tão interessante e afirmar que estou bastante impressionado com a audiência e o interesse demonstrado pelos refugiados aqui em Portugal. No meu regresso a Genebra, estou certo que podem contar, seguramente, com o apoio da Delegação do ACNUR aqui em Portugal, que vos é mais próxima, e também com o do ACNUR Genebra, afim de alcançar um regime de asilo que satisfaça os princípios e requisitos nacionais e internacionais de protecção aos refugiados. Espero que a Luise Drüke consiga em devido tempo organizar uma visita vossa à Sede, contando que não vão todos ao mesmo tempo!

1 Chefe de Divisão para a Europa Ocidental e do Norte, ACNUR Genebra