Gostaria de iniciar a minha intervenção com uma breve introdução para dizer que sinto uma grande satisfação em ver, aqui reunidas as pessoas a tratar deste tema, e, principalmente, que esta troca de ideias e opiniões suceda depois de uma longa preparação e isto porque, como sabem, a actividade do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem sido muito importante neste domínio sempre em colaboração com o Governo português.
O Ministério da Administração Interna (MAI) e o próprio Conselho Português para os Refugiados (CPR) têm tido, também, intervenções importantíssimas das quais gostaria de salientar, até porque não estive presente, o último Congresso Internacional do qual resultaram conclusões importantes e que foram meditadas por nós.
Penso que a única forma de abordarmos a questão do Asilo é na perspectiva e fazer com que as pessoas a discutam e a saibam discutir, que identifiquem o problema do Direito de Asilo na sua versão moderna e saibam, na verdade, do que se está a falar.
Recordo-me que em 1982/1983, quando tentámos elaborar uma nova Lei de Asilo e a tentámos propor à Assembleia da República para que esta a viesse a aprovar existiam confusões acerca do que se pretendia fazer e do que se estava a passar não só na Europa mas, também, a nível Mundial.
Foi por esse facto que não se conseguiu coincidência de posições e houve desconfiança relativamente às nossas propostas, o que não impediu a sua resolução, i.é, todos compreenderam o que se estava a tentar fazer bem como a urgência dessa actuação.
Gostaria aqui de deixar uma palavra de agradecimento ao Dr. Victor de Sá Machado pois, tendo sido ele a primeira pessoa a saber da existência do Projecto de Lei, foi também ele o primeiro a consultá-lo e a emitir um parecer reservado.
Devo-lhe esta prova de grande consideração, estima e apoio pois tratando-se de um Representante Honorário do ACNUR não deixou de ter para connosco um acto de cortesia ao pronunciar-se sobre o Projecto de Lei antes de o enviarmos à Assembleia da República e também o ACNUR foi por nós considerado na modificação da Lei.
Penso que a modificação da nossa Lei, já o tenho afirmado várias vezes, é uma inevitabilidade porque a questão actual do asilo não é a mesma da época da Convenção de Genebra e do Protocolo de Nova Iorque, embora todos os países tenham por base de informação o que consta nesses dois instrumentos.
O facto é de que algum tempo a esta parte se tem vindo a assistir a uma descaracterização útil do Direito de Asilo com refugiados económicos, que nunca poderiam constar deste conceito privilegiado que consiste num direito nobre e excepcional que consegue congregar os Estados nessa definição, e não seria possível ou admissível, porventura, congregar o conjunto desses Estados numa outra definição com outro enquadramento e conteúdo sobre a definição de Asilo.
A tentativa de descaracterização da utilidade do Direito de Asilo era uma constante que há muito tempo se verificava o que afectava predominantemente os países europeus e, dentro deles, o país directamente mais afectado era a Alemanha porque tinha uma concepção generosa de Direito de asilo plasmada na própria Constituição por razões de natureza interna derivadas da sua divisão. Foi, sem dúvida, o primeiro país a entender que, do ponto de vista constitucional, tinha de existir uma alteração. Não negando a característica individual e essencial que era o Direito de Asilo mas permitindo que os pedidos de asilo manifestamente infundados tivessem um tratamento diverso do que aquele que os verdadeiros pedidos de asilo deveriam ter.
Nasce, assim, uma nova apreciação do problema que implicou uma alteração da norma constitucional alemã pelos dois grandes partidos alemães.
Foi uma discussão longa e difícil que atravessou as concepções sobre os direitos fundamentais da Alemanha mas que se compreendeu que tinha de haver para garantia, defesa e honorificação dos verdadeiros candidatos ao Asilo. Essa clarificação aconteceu, os dois maiores partidos da Alemanha votaram a alteração da Lei Constitucional alemã e, depois, a Lei ordinária que estabelecia uma outra novidade no Direito europeu da época, o processo acelerado, justamente para os casos de pedidos manifestamente infundado ou de cidadãos oriundos de países considerados seguros.
Entendia-se que devia existir um filtro além do inicialmente consagrado pela legislação alemã para o tratamento destes pedidos. E, assim, também no Direito europeu se estabeleceu qualquer coisa de novo, dizendo-se, claramente, duas coisas:
2. Quem vinha de um país terceiro de acolhimento ou era titular de um pedido manifestamente infundado tinha um processo célere de apreciação do seu pedido de asilo.
A possibilidade de não apreciação de um pedido de Asilo decorria de uma norma de natureza excepcional.
A diferença essencial, quando foi apresentada a proposta de Lei, foi que nunca se admitiu que não houvesse apreciação do pedido de asilo e sempre entendemos que o mesmo, em qualquer circunstância, fosse ele manifestamente infundado, de cidadão oriundo de país seguro ou de cidadão oriundo de país terceiro de acolhimento, devia ser sempre apreciado.
Estabeleceu-se, contudo, uma dicotomia: para estes casos - processo acelerado; para os outros, processo normal.
Outras legislações europeias introduziram os mesmos princípios, confirmando-se que todos nós nos preocupávamos com o que acontecera na Alemanha pois os 400 mil ou mais cidadãos que haviam pedido de asilo certamente seriam canalizados para os restantes países europeus.
Tal começou a acontecer indiscriminadamente por toda a parte. Por outro lado haviam, como sabem, os problemas que se prendiam com a Convenção de Dublin pois chegou a verificar-se que haviam requerentes de asilo que o pediam em cada país por onde passavam, i.é, acumulavam os benefícios da Segurança Social de cada um desses países para além de terem pendentes vários pedidos de asilo o que implicava problemas para cada um dos países e para a própria concessão e dignificação do asilo.
Uma situação paralela aconteceu no acordo de Schengen quando esta matéria foi apreciada e mais ou menos duplicada nos princípios que a ela presidiam.
Quando o Governo português fez uma proposta de alteração da Lei de Asilo, era uma proposta fundada, pensada e destinada a evitar os problemas que os outros países tiveram e que nós começámos a ter justamente nesta ocasião. E as pessoas começaram a constatar que os pedidos de asilo, comparativamente ao que até então se havia verificado, haviam aumentado a tal ponto que no ano de 1993 andavam perto dos 2090, o que na verdade era extraordinário quando comparado com os escassos 75 que existiam no início da década de 90. Isto colocava em causa toda a nossa estrutura de acolhimento que deixara de existir com todo este volume, bem como a pureza dos conceitos e a eficácia da Lei.
Nessa altura houve quem não compreendesse a nossa alusão aos centros de instalação temporária mas, curiosamente, algum tempo depois, começou a gerar-se um movimento compreensivo, e mesmo mais exigente da sua prática, deste instituto. As pessoas compreenderam que estes centros eram a melhor forma de tratar com mais dignidade os requerentes de asilo no território onde haviam feito o pedido de Asilo.
Tais centros não eram novidade pois já existiam em vários países, e esta discussão é útil para compreender a sua importância a par da modificação legislativa levada a efeito e, que apesar de tudo, levará o seu tempo a entrar em prática.
Nesta conferência não se pretende a discussão do aspecto substantivo da lei mas tão somente os aspectos adjectivos e processuais, i.é., verificar se os procedimentos que nós adoptámos são ou não suficientemente céleres e eficazes para a resolução do nosso problema.
Na apreciação que tem sido feita há, realmente, questões que se colocam e que puderam resistir, mas devo dizer que são problemas de menor importância do ponto de vista da substancialidade da lei porque radicam, sempre, em problemas adjectivos ou processuais.
Há, de facto, questões que têm suscitado dúvidas mas que do meu ponto de vista e do da própria aplicabilidade da Lei se resolvem de forma satisfatória sem necessidade de alterações legislativas. Se pudéssemos falar em percentagens, admitiria que 80% dos casos poderá ser resolvido pela aplicação da lei e 20% poderá necessitar de uma alteração legislativa em pormenor. Estas alterações processuais estão resolvidas de modo diferente em outros países.
Em Portugal existem problemas relativamente aos recursos do processo
acelerado precisamente porque a nossa lei prevê a hipótese
deste recurso, quando em outras legislações esta figura não
existe.
Nunca quisemos que o recurso deixasse de ser admissível, mas
em processo acelerado é um recurso demasiado demorado.
Todavia, antes deste problema ser apreciado, há que apreciar outras questões. Poderíamos fazer uma alteração sem mexer no problema dos recursos, porque se o SEF na instrução dos processos tenta repetidamente encontrar o cidadão requerente e não o encontra e transforma o que poderia ter sido uma diligência rápida numa que dura meses, então há que arranjar um mecanismo, seja pela via do edital seja por outra para resolver este assunto. De facto não podemos esperar os 6 meses da lei para por termo ao processo. Isto sucede também no recurso para o tribunal administrativo; justamente porque um dos principais problemas anteriores ao do recurso, e que é capaz de demorar os processos de modo preocupante, é o dos prazos nos quais e durante os quais as pessoas não são encontradas. Pressupõe-se que as pessoas tenham todo o interesse em serem encontradas com a finalidade de resolverem o seu caso, o que não será tão difícil assim uma vez que SEF possui delegações em todo o país tendo mesmo várias nos concelhos mais populosos.
Só é, pois, possível que se levante o problema com as pessoas que tenham pedidos de Asilo pendentes em vários países e com aquelas que abandonam o país após terem formulado o seu pedido de asilo com a finalidade de cá voltarem.
Queria ainda realçar um problema que está a acontecer hoje em Portugal. Existe, actualmente, relativamente ao processo de Asilo uma concordância na seguinte ideia: quem é requerente de asilo não deve importunar os demais. Não tem o direito de viciar o instituto tão pouco.
Neste momento em Portugal existem 500 pedidos de autorização de residência que não são constitutivos de pedidos de asilo e são na maioria oriundos de cidadãos do Bangladesh que haviam já pedido asilo em outros países, isto é, as pessoas sabem que já tendo pedido asilo em certo país não têm direito a pedir em um outro mas como nós deixámos na lei, aquando da questão da emigração, um artigo para resolver o problema da legalização dos não documentados que se mantivessem nessa situação, as pessoas ao terem disso conhecimento chegaram a Portugal em excursões organizadas da Bélgica França etc., com um esquema de emigração clandestina perfeitamente montado sobre itinerários e com intermediários definidos, entregando aqui os seus 500 pedidos de autorização de residência.
Isto demonstra claramente que as pessoas sabem já o que querem, e que o conceito de pedido de asilo está bem delineado na mente de cada um, sabendo as pessoas com bastante clareza o que podem ou não fazer dentro deste instituto.
Por último, quero dizer-vos que a partir de hoje o MAI passou a publicar um conjunto de informação necessária e útil sobre cada um dos temas: Asilo, Emigração, etc., e hoje, por força do destino o Asilo é o primeiro a ser publicado.
É bom podermos hoje, todos os presentes, comemorar.
A todos muito obrigado.
1 Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.