Intervenção na Reunião de Especialistas sobre o Regime Jurídico do Asilo em Portugal,
 Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Junho de 1995
 
por Francisco de Oliveira Pires1
 

Vou debruçar-me sobre dois pontos de reflexão que a Lei 70/93, de 29 de Setembro me tem suscitado.

Um diz respeito à distinção entre pedidos manifestamente infundados e os que não são manifestamente infundados. Tal distinção é de importância fundamental para o candidato a asilo, dado que os pedidos considerados manifestamente infundados são encaminhados, logo à partida, para o processo acelerado, pela entidade instrutora do mesmo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Não é fácil a distinção teórica entre os dois tipos de pedidos, sendo que, em grande parte dos casos, só perante o caso concreto se poderá encaminhar o pedido para uma das duas formas de processo: o normal ou o acelerado, sendo certo que se nota uma certa tendência da entidade instrutora para confundir aquilo que é manifestamente infundado com o que não merece credibilidade.

"Grosso modo" poderá dizer-se que, partindo do princípio de que as declarações do requerente são verdadeiras, o pedido poderá considerar-se fundado se o quadro factual invocado tiver enquadramento, do ponto de vista teórico, nos nºs. 1 e 2 do artigo 2º da Lei 70/93, de 29 de Setembro. Neste caso, o pedido deverá ser encaminhado para o processo normal, mesmo que a credibilidade daquelas declarações possa ser posta em causa.

Abstraindo agora de outras circunstâncias que possam obstar ao processo normal, como seja a proveniência de um país seguro ou de país terceiro de acolhimento, o pedido só deverá considerar-se manifestamente infundado, quando a situação invocada pelo candidato, partindo-se do princípio de que é verdadeira, não tem enquadramento, em termos teóricos, nas referidas disposições legais.

Dois exemplos:

  1. Um cidadão estrangeiro que invoca, como fundamento do seu pedido, motivos exclusivamente económicos: foi despedido e veio à procura de emprego;
  2. Um cidadão que, como motivo do seu pedido de asilo, alega ser procurado pelas autoridades porque matou um militar que andava a assediar sexualmente a sua mulher.
 Estas são situações que não têm manifestamente enquadramento nos nºs. 1 e 2 do artigo 2º, da Lei 70/93, de 29 de Setembro, dado que não vêm invocadas quaisquer perseguições por motivos políticos, étnicos ou religiosos, e os factos alegados não permitem inferir um fundado receio de perseguição por qualquer desses motivos.

Se, pelo contrário, o candidato a asilo alega que foi perseguido, no seu país, por qualquer desses motivos e se, nesse país, se verificam situações desse tipo, o pedido deverá então ser encaminhado para o processo normal, abstraindo-se, nesse momento, da credibilidade ou não do relato daquele, quer porque é vago e impreciso, quer porque não vem apoiado em elementos de prova ou por quaisquer outras circunstâncias.

O encaminhamento do pedido para uma das formas de processo tem consequências importantes para o candidato a asilo, como sejam a concessão ou não de autorização de residência e de apoio social.

O outro ponto de reflexão respeita às consequências da extemporaneidade do pedido. A Lei actual (Art. 9º., nº.1) impõe que o estrangeiro que entre ilegalmente no nosso país apresente o pedido de asilo imediatamente, ao passo que o que entra legalmente dispõe do prazo de 8 dias para essa apresentação. A Lei actual não comina qualquer sanção para a extemporaneidade do pedido, ao contrário da Lei anterior - a Lei nº. 38./80, que previa o indeferimento liminar. Ou se trata duma lacuna ou de uma omissão voluntária do legislador. Se for lacuna, teremos de integrá-la de acordo com os princípios gerais de interpretação das leis e então poderá considerar-se que o pedido apresentado fora do prazo legal não poderá ser admitido ou apreciado. Todavia, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entidade que recebe o pedido, não tem competência para o rejeitar liminarmente. A consequência da extemporaneidade será então o indeferimento posterior.

Se se trata duma omissão voluntária do legislador, solução para a qual me inclino, então a extemporaneidade do pedido deverá ser apreciada como um elemento de ponderação ou de avaliação da conduta do candidato a asilo, designadamente para efeitos probatórios. Com efeito, um cidadão estrangeiro que foge do seu país porque é aí alvo de perseguição por motivos considerados relevantes para efeitos de asilo, deve, em princípio, apresentar-se imediatamente às autoridades do país de acolhimento a fim de pedir protecção. Se o não fizer, poderá pôr-se em causa a credibilidade dos receios invocados e da sua necessidade de protecção.

1 Comissário Nacional para os Refugiados e Juiz Desembargador.