Angola
Lei nº. 8/90
de 26 de Maio
A República Popular de Angola aderiu à Convenção
sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, ao Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1967 e à Convenção da OUA de 1969
sobre os Refugiados.
Considerando a imprescindibilidade de se regular juridicamente a situação
do refugiado em Angola;
Tendo em atenção que a protecção estatal
ao refugiado só é possível através da instituição
de um mecanismo próprio, capaz de pôr em prática as
obrigações internacionais contraídas pela República
Popular de Angola nos diferentes instrumentos internacionais sobre a protecção
do refugiado.
Considerando que a República Popular de Angola, desde a sua criação
prestou uma especial atenção ao refugiado, concernente ao
seu acolhimento, assistência e educação, albergando
um número avultado de refugiados não fazendo discriminação
em relação aos seus cidadãos;
Nestes termos ao abrigo da alínea b) do artigo 38.º
da Lei Constitucional e no uso da faculdade que me é conferida pela
alínea i) do artigo 53.º da mesma Lei, a Assembleia
do Povo aprova e eu assino e faço publicar a seguinte:
LEI SOBRE O ESTATUTO DO REFUGIADO
CAPÍTULO I
Estatuto do Refugiado
Artigo 1.º
-
O estatuto do refugiado é concedido a toda a pessoa que:
-
que perseguida ou receando perseguição no seu País
de origem ou onde tem o seu domicílio, em virtude da sua raça,
religião, nacionalidade, filiação proveniência
de certo grupo social ou opinião política, não queira
pedir a protecção desse País; ou não tendo
nacionalidade e estando fora do País no qual tem a sua residência
habitual não possa ou não queira em virtude daquele receio
a ele voltar;
-
que pelo facto de agressão, de ocupação exterior ou
dominação estrangeira ou de acontecimento que perturbe em
grande medida a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu
País de origem ou do País da sua nacionalidade, ou não
tendo nacionalidade do País da sua residência habitual, é
obrigado a deixá-lo para procurar refúgio noutro local fora
do seu País de origem ou do País da sua nacionalidade ou
onde tem a sua residência habitual.
-
No caso da pessoa ter mais do que uma nacionalidade entender-se-á
a expressão "do País da sua nacionalidade" como sendo qualquer
País cuja nacionalidade possua; e não se considera carente
de protecção do País da sua nacionalidade, aquele
que sem razão válida derivada de um fundado temor, não
se tenha recolhido sob a protecção de um dos Países
cuja nacionalidade possua.
Artigo 2.º
O estatuto do refugiado não será concedido às
pessoas estrangeiras:
-
que tenha cometido actos graves contra a independência e soberania
da República Popular de Angola;
-
que tenham cometido crimes contra a paz, crimes de guerra ou contra a humanidade
como os definidos nos instrumentos internacionais relativos a esses crimes;
-
que tenham cometido crime de delito comum fora da República Popular
de Angola antes de ser admitido como refugiado;
-
que tenham cometido actos contrários aos objectivos e princípios
das Nações Unidas.
Artigo 3.º
-
O estatuto do refugiado terminará, quando:
-
as causas da sua origem, em conformidade com o artigo 1.º da presente
lei, deixarem de existir;
-
por motivo de renúncia ao estatuto do refugiado;
-
por motivo de repatriamento voluntário;
-
por decisão judicial, em caso de expulsão na base da lei
penal;
-
por motivo de escolha de outro País de acolhimento;
-
se tiverem lugar actos contrários aos fundamentos enunciados nos
artigos 6.º e 20.º da presente lei;
-
se o refugiado mudar a sua nacionalidade para nacionalidade do País
de asilo.
Nos casos das alíneas b), d), e), f) e g) o
Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo notificará o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados para
os devidos efeitos.
Artigo 4.º
-
O estrangeiro nas condições do artigo 1.º que reclama
protecção na Fronteira, não pode ser rejeitado, devolvido
ou expulso ou objecto de outras medidas que o obriguem a permanecer ou
regressar ao território onde tenha tido lugar a ameaça contra
a sua segurança.
-
O termo - fronteira - aplicar-se-á às fronteiras terrestres,
portos de mar ou aeroportos e aos limites das águas territoriais
definidas pela legislação vigente na República Popular
de Angola.
Artigo 5.º
-
Um Refugiado que se encontre ilegalmente no País, não será
sancionado pelo facto da entrada ou presença ilegal, desde que se
apresente ás autoridades e justifique aquela situação.
-
A entrada ou permanência ilegal no País não será
motivo para rejeição do pedido de asilo.
Artigo 6.º
-
A pessoa que se encontre na situação de refugiado deverá
respeitar a Constituição e as Leis Angolanas, não
se imiscuir na vida política Angolana nem realizar actividades que
poderão fazer perigar ou prejudicar a segurança nacional
ou as relações de Angola com outros Estados.
-
O desconhecimento da lei não inibe o refugiado da responsabilidade
decorrente das obrigações enunciadas no número anterior
e o não cumprimento dessas obrigações poderá
ser fundamento de expulsão, em conformidade com o artigo 20.º.
Artigo 7.º
-
Os membros menores e maiores incapacitados mentalmente, da família
do refugiado que o acompanham, ou aqueles que se reuniram a ele posteriormente,
deverão ser reconhecidos como refugiados, salvo se possuírem
outra nacionalidade e gozarem da protecção do País
da referida nacionalidade.
-
Ser-lhes-á outorgada, contudo, residência permanente, para
salvaguardar a unidade da família.
-
Se depois do reconhecimento do refugiado se quebrar a unidade da família
por divórcio, separação ou morte dos membros referidos
no número anterior a quem se tinha reconhecido qualidade de refugiado
manterão tal qualidade.
Artigo 8.º
O refugiado tem direito a desenvolver actividades remuneradas, direito
à educação e a assistência sanitária.
Artigo 9.º
-
Uma pessoa que outrora tenha beneficiado do estatuto de refugiado na República
Popular de Angola, poderá readquiri-los quando as causas referidas
no artigo 1.º da presente lei reaparecerem.
-
Se, em caso de repatriamento voluntário massivo o refugiado manifestar
o desejo de permanecer na República Popular de Angola, por motivos
de recear pela segurança pessoal no País de origem devido
às suas opiniões políticas ou pelos motivos referenciados
no artigo 1.º da presente lei, ou ainda por outros motivos como conservar
o princípio da unidade familiar e mero desejo de não regressar
ao País de origem, aquele beneficiará do direito de permanecer
na República Popular de Angola.
-
As pessoas, em situações previstas nos pontos 1 e 2 do presente
artigo, devem comunicar por escrito a sua decisão ao Comité
de Reconhecimento do Direito de Asilo.
CAPÍTULO II
Dos órgãos e do procedimento
Artigo 10.º
-
A autoridade competente para reconhecer o direito de asilo é o -
Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo - (COREDA) do qual
farão parte um representante dos Ministérios das Relações
Exteriores, da Justiça, do Interior, da Secretaria de Estado dos
Assuntos Sociais e os Serviços de Emigração e Fronteiras.
-
A Presidência do Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo
estará a cargo do Ministério da Justiça e o Secretariado
a cargo da Secretaria de Estado dos Assuntos Sociais.
-
As reuniões do Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo
poderá assistir e participar um representante do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sem direito
de voto.
Artigo 11.º
-
A autoridade competente para receber o pedido de asilo é a Delegação
do Ministério do Interior do local onde se apresentar o requerente.
-
Os serviços competentes do Ministério do Interior do lugar
efectuarão as diligências previstas nos artigos 7.º e
9.º desta lei.
-
Realizadas estas diligências, o processo deverá ser remetido
ao Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo - COREDA.
Artigo 12.º
-
Funcionários especializados do Ministério do Interior encarregar-se-ão
de receber as solicitações de asilo que serão registadas
em formulários elaborados pelo Comité de Reconhecimento do
Direito de Asilo e efectuarão entrevistas confidenciais aos solicitantes,
que versarão sobre os motivos que determinaram a saída do
País de perseguição, procurando que exponham os seus
casos com a maior amplitude e ofereçam as provas de que disponham,
que serão devidamente instruídas pela administração,
juntamente com as que o funcionário instrutor do processo considerar
pertinentes.
-
As entrevistas da qual se deve elaborar a acta será completada oficialmente
pelo funcionário ou a pedido do interessado quantas vezes forem
necessárias, antes de ser levada à consideração
do Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo.
-
O prazo de instrução do pedido de asilo será de 60
dias.
Artigo 13.º
Enquanto decorrerem os trâmites da petição ou os
recursos interpostos, o peticionário e os membros menores da sua
família poderão permanecer no País gozando dos direitos
e obrigações dos residentes temporários com direito
a desempenharem actividades remuneradas, devendo informar a um dos organismos
referenciados no artigo 12.º, as actividades remuneradas que desempenhem.
Artigo 14.º
-
Terminada a entrevista prevista no artigo 12.º, o Ministério
do Interior do lugar onde se apresentar a solicitação, passará
ao solicitante e aos membros menores da sua família e maiores mentalmente
incapacitados, um documento de identidade de residência provisória.
-
O documento terá uma validade de seis meses e renovar-se-á
quantas vezes forem necessárias, até que sobre ele recaia
uma decisão definitiva.
Artigo 15.º
No procedimento serão admissíveis todos os meios de prova,
privilegiando-se os seguintes princípios:
-
prova será avaliada de maneira flexível;
-
concede-se ao solicitante o benefício da dúvida.
Artigo 16.º
Todas as decisões do Comité de Reconhecimento do Direito
de Asilo serão notificadas ao solicitante de refúgio por
intermédio do Ministério do Interior do local de residência.
Artigo 17.º
-
Quando uma solicitação de refúgio for rejeitada definitivamente
e a pessoa afectada tiver de abandonar o País dever-se-lhe-á
conceder por razões humanitárias uma permanência no
País não superior a seis meses, com objectivo de se conseguir
a sua admissão noutro País.
-
Decorrido este último prazo, aquele, a quem for recusado o estatuto
do refugiado, será submetido às leis em vigor para os estrangeiros,
perdendo os direitos enunciados nos artigos 2.º e 14.º da presente
lei.
Artigo 18.º
A pessoa reconhecida como refugiada outorga-se-lhe-á o estatuto
de estrangeiro residente.
Artigo 19.º
-
A todos os refugiados serão outorgados documentos de identidade
que acreditem legalmente a sua qualidade de residentes permanentes.
-
Também terão direito ao documento de viagem referido no artigo
28.º da Convenção de 1951.
-
O documento de viagem terá uma ampla validade geográfica,
será válido por dois anos ou poderá prorrogar-se até
um ano pelo órgão que o emitir ou pelas representações
consulares de Angola.
Artigo 20.º
-
Não se poderá expulsar um beneficiário de asilo ou
refugiado, salvo por razões de ordem pública, devendo-se
neste caso, observar a restrição estabelecida no artigo 4.º
desta lei.
-
A resolução de expulsão será igualmente notificada
ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Artigo 21.º
A todas as situações não previstas na presente
lei, serão aplicadas a Convenção sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1951, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de
1967 e a Convenção que regula os aspectos específicos
aos problemas dos Refugiados em África (OUA - 1969).
Artigo 22.º
Todas as dúvidas resultantes na interpretação
e aplicação da presente lei, serão resolvidas pelo
Conselho de Ministros.
Artigo 23.º
Luanda, aos 26 de Maio de 1990.
O Presidente da República,
José Eduardo dos Santos.