Temas para Formação e Investigação Futura sobre Refugiados e Deslocações Forçadas*
 
1 - Assuntos prementes em curso:
1.1) A militarização dos campos de refugiados: como poderá o pessoal humanitário manter a natureza civil dos campos e, ao mesmo tempo, manter a sua segurança e da população civil? Há algum limite, a partir do qual o ACNUR deverá deixar de dar apoio e assistência aos campos?
1.2) Quais foram as causas que contribuíram para políticas de asilo mais restritivas em países de acolhimento?
1.3) Deverá o trabalho do ACNUR centrar-se sobretudo em situações de refugiados, ESPECIALMENTE quando as opções reais são quase inexistentes e a única que se afigura viável é regressar a casa, mesmo quando as condições no país de origem não são aceitáveis e os padrões normais de regresso "voluntário" não se aplicam; isto é, até que ponto o regresso deverá ser uma solução em vez de um princípio?
1.4) Quão activamente deverá o ACNUR estar envolvido nos países de origem, participando nas operações de repatriamento em larga escala, por exemplo, para acompanhamento da situação dos direitos humanos e para assegurar princípios humanitários básicos, tanto nos países de origem como nos de asilo?
1.5) Deverá o ACNUR pronunciar-se mais quando as acções humanitárias são usadas como substituto de intervenções militares ou políticas? O ACNUR tem sido frequentemente confrontado com situações em que não havia alternativas nem outros intervenientes, não havendo também qualquer vontade política internacional coesa para encontrar soluções.
1.6) Terá sido um problema básico da estratégia de comunicação do ACNUR o facto de não explicar, adequadamente, ao público em geral e à comunidade internacional, a complexidade das situações que enfrentou? Embora sejam necessárias críticas construtivas, estas têm, frequentemente, beneficiado de distanciamento em relação aos problemas, sem terem em devida conta a falta de opções com que se confrontou o ACNUR.
1.7) Foram sendo tomadas no dia-a-dia decisões sobre situações críticas, sem, por vezes, ter o tempo necessário para reflexão. Ainda assim, uma contextualização ou análise da complexidade das questões tratadas, poderiam explicitar as opções disponíveis e tornar o processo de decisão mais focalizado. A contribuição da investigação externa e da comunidade académica poderiam ajudar o ACNUR a ter uma percepção mais profunda de todas as questões envolvidas, proporcionando assim um contributo valioso para o seu trabalho, assegurando que as recomendações não se limitem a um plano meramente teórico e possam ser directamente aplicáveis às situações concretas enfrentadas pelo ACNUR.


2 - Agenda de pesquisa, planificada:
2.1) "Repatriamento em situações de transição da guerra para a paz": Este tópico é indicativo da mudança operada a nível das responsabilidades do ACNUR; até há pouco tempo, os refugiados só regressavam quando as circunstâncias do país de origem tivessem mudado significativamente. Cada vez mais, se verificam repatriamentos, mesmo quando a situação do país de origem não melhorou consideravelmente.
2.2) "Deslocações forçadas de população": Num número crescente de casos, as deslocações em massa não são consequência, mas propósito do conflito. O direito internacional ainda não providencia qualquer resposta, no entanto, exigem-se opções políticas concretas.
2.3) "Acção humanitária no contexto da construção da paz": Análise da posição de activistas dos direitos humanos em situações de crise, opções visando acções multilaterais e a cooperação numa base regional, com especial incidência no continente africano.


3 - Agenda de pesquisa comentada e recomendada:
3.1) A actual falta de investigação nas áreas sugeridas, deve-se, em parte, à dificuldade de acesso à informação necessária;
3.2) Os limitados fundos gastos pelo ACNUR na análise e avaliação política; sugeriu-se que o ACNUR seguisse o exemplo de instituições, como os estabelecimentos militares, que dedicaram, a essas actividades, esforços e fundos consideráveis;
3.3) Possível colaboração com outros intervenientes nas crises humanitárias, como, por exemplo, instituições vocacionadas para a prevenção de conflitos e organismos de direitos humanos;
3.4) O ACNUR tem responsabilidades morais, há muito reconhecidas, como guardião dos princípios de protecção dos refugiados e deverá ser apoiado por forma a manter a posição de destaque que ocupa nesta área.


4 - Outras áreas para análise:
4.1) As políticas de asilo dos países do Primeiro Mundo e as suas implicações nos países do Terceiro Mundo; por exemplo, quando a Tanzânia fechou as fronteiras, só estava a seguir o exemplo dos EUA, que tinham feito o mesmo aos requerentes de asilo haitianos;
4.2) Implicações de possíveis abusos sobre os direitos dos requerentes de asilo e refugiados, através de uma recolha sistematizada de informação sobre potenciais requerentes de asilo, como a implementada com o Acordo de Schengen, assim como com os acordos de readmissão;
4.3) Possibilidades de dar poder às populações civis para enfrentarem desafios e perseguições colectivas e individuais em situações de conflito armado;
4.4) Problemas económicos e métodos para resolver ou atenuar os problemas. Como se poderão direccionar os fundos, de modo a que os tribunais e a polícia não necessitem de recorrer ao suborno e à extorsão, para sobreviverem; (R. Jolly salientou o estudo desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento da ONU e pela UNICEF em que se tece uma série de recomendações específicas);
4.5) Custos e eficiência das várias alternativas propostas: custos de prevenção vs custos dos conflitos; uma investigação mais aprofundada poderia fornecer dados úteis para futuras decisões políticas;
4.6) Como se forma a opinião pública e qual a melhor maneira da informar; como se formam opiniões e qual o papel dos grupos latentes. É de salientar, que as técnicas de informação de massas desenvolvidas no Sudeste Asiático resultaram muito bem nesta região, mas, ao serem aplicadas ao contexto dos Grandes Lagos, falharam rotundamente;
4.7) Percepção e formação de estereótipos que precedem os conflitos;
4.8) Melhores estatísticas e relatórios visando proporcionar uma melhor compreensão das dimensões dos problemas em causa;
4.9) Possibilidades de cooperação com activistas locais e regionais na área de prevenção dos conflitos e cooperação com organismos de direitos humanos. O ACNUR começou este trabalho, por exemplo, com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, embora possam ser exploradas ainda outras relações;
4.10) Papel potencial de governos "mediadores" como, por exemplo, o da África do Sul;
4.11) Sistemas de apoio para refugiados, visando suportar a sua própria autonomia e independência em relação aos organismos humanitários, segundo o princípio de que "as pessoas que vivem livremente solucionam os seus problemas, por vezes, até melhor" - evitando a perpetuação indefinida da situação de refugiado;
4.12) Questões de responsabilidade legal relacionadas com as deslocações; possibilidades de pressão moral referentes ao "direito a sair", "direito a permanecer" e "direito a regressar";
4.13) Determinantes das deslocações internas/ externas, a analisar mais detalhadamente:

  1. Magnitude e demografia da pobreza, a nível micro e macro-económico;
  2. Acesso à terra e degradação ecológica;
  3. Extensão da dívida e o efeito, a nível micro e macro-económico, dos programas de ajustamento estrutural (Structural Adjustment Programmes -SAPs);
  4. Crescentes lacunas na distribuição do rendimento, tanto a nível interno como entre países, e consequências da pobreza. Constataram-se quatro tendências principais: em muitos países africanos, apesar do declínio da economia, não se tem verificado um aumento proporcional de migração; há uma grande diversificação no que se refere aos destinos dos migrantes, quer quando migram a nível inter-regional como a nível intercontinental; registou-se uma mudança nos padrões, composição e características dos migrantes - os padrões de migração tornaram-se mais criativos seguindo rotas diversificadas; feminização da migração internacional e alteração nos papéis a desempenhar por cada sexo.
 

* Baseado no trabalho do ACNUR, com ideias e comentários de especialistas internos e externos, sobretudo no âmbito do CDR (Centre for Documentation and Research), Sede do ACNUR em Genebra, e ERAC (External Research Advisory Committee), traduzido e adaptado pelo ACNUR Lisboa, 12 Maio de 1997.