1 - INTRODUÇÃO
A revisão do Tratado, que manteve a sua estrutura de três pilares, não satisfez muitas das expectativas criadas nas primeiras etapas das negociações 3.
A adopção do Protocolo ao Tratado da União Europeia (UE) durante a Cimeira de Amsterdão, em 17 de Junho de 1997, revestiu-se de grande importância para a harmonização europeia da política de asilo. No contexto dessa harmonização e concluindo o processo da Conferência Intergovernamental (CIG 96), foi prevista uma limitação no acesso ao procedimento de asilo ao aceitar que os Estados possam tratar de forma discricionária a admissão dos pedidos de asilo apresentados por cidadãos da UE.
Trata-se de uma questão preocupante já que, se os Estados da UE aplicarem limitações à Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, a qual prevê o acesso ao asilo sem restrições, o exemplo poderá ser seguido por outros Estados fora da UE, enfraquecendo assim o carácter universal deste instrumento para a protecção internacional de refugiados. Por conseguinte, no futuro, o acesso dos refugiados aos territórios e aos procedimentos de asilo poderá sofrer algumas limitações, uma vez que foi decidido em Amsterdão introduzir restrições geográficas ao procedimento de asilo que são inconsistentes com as responsabilidades internacionais assumidas pelos Estados ao ratificarem a Convenção de 1951.4
A interpretação e a aplicação do termo "refugiado", como definido na Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, não têm sido efectuadas de modo harmonizado nos Estados Membros da União Europeia. Tanto a Convenção de Genebra de 1951, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, proporcionam à Comunidade um enquadramento legal comum em direito de asilo substantivo, a que pode recorrer para avaliar se uma pessoa tem direito ou não a protecção. As diferenças evidentes entre os Estados Membros na concessão do estatuto a certas categorias de refugiados, deve-se, em grande medida, ao facto da aplicação de regras de asilo estar condicionada pelos diferentes interesses nacionais e, sobretudo, pelos diferentes procedimentos para reconhecimento do estatuto. Esta constatação tem sido realçada por especialistas e académicos, nomeadamente pelo Professor K. Hailbronner, que afirmou no seu trabalho sobre este tema.
"Um estudo de direito comparativo mostra que, mesmo dentro da CEE (actualmente UE), existem diferentes percepções sobre a forma como deverão ser organizados os procedimentos administrativos, bem como até onde deve ir o recurso judicial no que se refere às decisões administrativas negativas."5
Os principais problemas que advêm da harmonização europeia do asilo prendem-se com políticas e práticas cada vez mais restritivas do acesso aos procedimentos de asilo, nomeadamente:
2 - HARMONIZAÇÃO: ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DE 1985 - 1995
2.1 - A primeira geração do processo de harmonização (Schengen/ Dublim)
Neste processo da primeira geração da harmonização, seguiu-se a adopção das chamadas Resoluções de Londres, em Dezembro de 1992, relativas ao tratamento dos casos de pedidos manifestamente infundados; à questão dos países terceiros de acolhimento; e conclusões sobre países de origem seguros14. O ACNUR deu um contributo activo para o processo de desenvolvimento destas novas regras e procedeu à compilação dos seus comentários e recomendações em diferentes documentos, como o Estudo Sobre Assuntos de Protecção na Europa Ocidental15; Procedimentos de Asilo Justos e Céleres 16; e Acordos de Readmissão, Protecção em País Terceiro Seguro e Políticas de Asilo17,18. Após a conclusão da ratificação do processo do Acordo de Schengen e medidas necessárias tomadas pelos países do Benelux, França, Alemanha, Espanha e Portugal, a implementação deste instrumento teve início nestes países em 25 de Março de 1995. Entretanto, ficando concluída a ratificação da Convenção de Dublim, está agendada a sua entrada em vigor em 1 de Setembro de 1997 para os doze Estados da UE signatários deste instrumento desde 1990, o qual substitui as disposições de asilo pertinentes do Título II, Capítulo VII, Artigos 28-38 do Acordo de Schengen.19
A Posição Comum sobre o Art.1A da Convenção de 1951, de 4 de Março de 1996, adoptada sob reserva por alguns Estados Membros, nomeadamente a França e a Alemanha24 , no que se refere ao conceito de agentes de perseguição, reconhece apenas as vítimas de perseguição estatal. Trata-se de uma restrição que abre uma lacuna na protecção, constituindo motivo de preocupação para o ACNUR, pois, na prática, muitas situações de refugiados são criadas devido a perseguições movidas por agentes não estatais.
Para o ACNUR, recusar o reconhecimento do estatuto de refugiado a pessoas que foram, ou receiam ser, perseguidas por agentes não estatais, é contrário à Convenção de 1951. Pois, "a perseguição que não envolve a cumplicidade do Estado continua a ser perseguição. A Convenção é aplicada quando o Estado é incapaz de proteger essas pessoas." 25
No caso dos requerentes de asilo não preencherem os requisitos da Convenção de 1951, e por forma a que essas pessoas fiquem protegidas até que seja seguro regressar, têm sido encontradas várias fórmulas, nomeadamente, a "protecção temporária"26 utilizada no caso de centenas de milhares de bósnios27 , bem como disposições prevendo o "estatuto humanitário" (Portugal e outros), "estatuto de tolerância" (Duldung - Alemanha) e "autorização excepcional de permanência" (excepcional leave to remain - Reino Unido), aplicáveis em situações de requerentes de asilo que fogem de guerras e conflitos armados e não podem ou não querem voltar até que as condições do seu país o permitam.
3 - PROTECÇÃO DOS REFUGIADOS: DESAFIOS ENFRENTADOS E MEDIDAS JUDICIAIS 28
Pouco a pouco, os países da Europa foram erguendo os muros da sua fortaleza procurando novas formas para manter os falsos requerentes de asilo longe das suas fronteiras. Infelizmente, essas mesmas medidas podem ser um meio de negar o acesso aos verdadeiros refugiados.
Como já foi mencionado na introdução, primeiro apareceu a imposição de requisitos de visto para pessoas provenientes de países tidos como geradores de refugiados, incluindo a ex-Jugoslávia, Roménia, Iraque ou Sri Lanka. Podem-se imaginar os obstáculos que alguém na clivagem da guerra na Bósnia-Herzegovina, tem de ultrapassar para obter um visto para qualquer parte.
Depois, vieram as sanções e as multas às transportadoras aéreas que aceitavam passageiros sem a devida documentação. Ora, os funcionários das transportadoras aéreas não possuem as qualificações requeridas para determinar quem necessita, ou não, de protecção internacional. Nalguns países, em particular no Terceiro Mundo, são colocados nos aeroportos funcionários europeus de imigração para verificarem a identificação e os documentos de viagem antes mesmo dos passageiros embarcarem nos aviões com destinos europeus.
Mais recentemente, surgiu a noção do chamado "país terceiro seguro", em que alguns governos recusam mesmo analisar o mérito dum pedido de asilo de alguém que tenha anteriormente transitado por um país considerado "seguro". Segundo Michel Petersen, conselheiro jurídico regional para a Europa, na perspectiva do ACNUR, para este conceito operar, há que poder provar que essa pessoa teria de facto acesso a procedimentos de asilo adequados e a protecção no país para onde é devolvida, o que, infelizmente, nem sempre acontece30 .
Também se encontram em estudo conceitos como "alternativa interna de fuga" e "regionalização". Nos termos do primeiro, alguém que receie perseguição, deveria em primeiro lugar tentar procurar refúgio numa zona segura do seu próprio país. Na impossibilidade disto, o requerente de asilo deve permanecer dentro da região geográfica, com o pretexto de que um ambiente cultural mais familiar é menos traumatizante. Pode parecer que estas alternativas não apresentam problemas de maior, mas, se forem aplicadas de maneira indiscriminada, podem constituir um perigo para a segurança do requerente.
Uma das questões mais difíceis de tratar consiste no número substancial de pessoas que se encontra nas zonas internacionais dos aeroportos dos vários Estados Membros, a maioria das quais considerada inadmissível à chegada, por não cumprir todos os requisitos necessários, exigidos, por exemplo, no Art. 5º da Convenção de Aplicação de Schengen33 .
O número de requerentes de asilo chegados por via aérea tem aumentado, com a possibilidade de não cumprirem os requisitos regionais ou nacionais para apresentarem o pedido de asilo no aeroporto ou dentro do território.
Com o aumento das medidas de controlo das fronteiras externas nos países que implementam Schengen34, e se estas forem aplicadas indiscriminadamente a todas pessoas, existe um risco potencial dos verdadeiros requerentes de asilo não terem acesso ao território, nem a um procedimento de asilo com a análise do mérito do caso e de ficarem, assim, sujeitos a refoulement, directo ou indirecto, para um terceiro ou um quarto país "seguro", onde não é possível garantir um tratamento adequado.
Espera-se que a jurisprudência possa contribuir para garantir os direitos fundamentais das pessoas que necessitam de protecção, ainda que temporariamente. Assim aconteceu com a decisão do Tribunal Federal Administrativo alemão de 6 de Agosto de 1996, que reconheceu a necessidade de protecção no caso dos requerentes bósnios, mesmo quando perseguidos por agentes não estatais. Embora os requerentes tivessem fundamentado os seus pedidos com perseguição não estatal, o tribunal considerou que o princípio da protecção se mantinha para todos os que dela tivessem necessidade.36
As Conclusões do EXCOM Nºs 6 e 8 sobre a Determinação do Estatuto de Refugiado traçam os requisitos elementares para um procedimento adequado, nomeadamente na alínea e) da Conclusão Nº8, ou seja:
3.2 - Medidas judiciais
3.2.1 - Medidas judiciais visando o fortalecimento da cooperação
Apesar das dificuldades, têm-se verificado também progressos notáveis. O Serviço para a Imigração e Refugiados do Canadá, por exemplo, desenvolveu um sistema de determinação do estatuto de refugiado dos mais liberais e abrangentes do mundo. As decisões judiciais sobre pedidos de asilo apresentados por mulheres, como grupo social, contribuíram para fazer da Convenção relativa aos Refugiados, um instrumento contemporâneo, ao reconhecerem que estas enfrentam perseguições de tipo específico. Em diversos países, houve magistrados que se opuseram a tentativas executivas ou legislativas para estabelecer ónus da prova excessivamente rigorosos para os requerentes de asilo. Contudo, noutros lugares, houve magistrados que validaram alterações ao espírito da Convenção, decidindo, por exemplo, que um governo com peso a nível internacional não precisa de se restringir aos tratados quando impede a passagem de requerentes de asilo nas suas fronteiras. Esta posição judicial significa que, para aquele Estado, o princípio sagrado de "non-refoulement", não impede a expulsão dos requerentes de asilo da fronteira.
Em todos estes processos, deve existir um equilíbrio total entre o direito legítimo e soberano dos Estados protegerem as suas fronteiras e a responsabilidade internacional de lidar equitativamente com o problema do asilo e da imigração. O que é claro, contudo, é que o escudo absoluto da soberania tem-se fragilizado nos últimos vinte anos facilitando, assim, o fortalecimento da protecção dos direitos humanos fundamentais. Os Estados não podem sistematicamente invocar a soberania nacional para restringir as obrigações de carácter internacional e humanitário a que estão vinculados.
Mas certos princípios básicos - o direito a uma entrevista justa, a oportunidade de interpor recurso com efeito suspensivo, a não sujeição a detenção sem ordem judicial - são fundamentais para qualquer regime de asilo credível. São princípios que devem ser aplicados do mesmo modo a todas as pessoas, incluindo os requerentes de asilo (ou, na nossa opinião, talvez mais ainda, estes últimos). Contamos com as entidades judiciais para garantir estes princípios, visando proteger os grupos mais vulneráveis das redes de imigração clandestina.
Talvez o aspecto mais preocupante seja o facto dos autores dos regimes de protecção internacional de refugiados - que têm sistemas jurídicos mais desenvolvidos - serem aqueles que detêm a liderança a nível legislativo, administrativo e jurisprudencial. Isto acontece num momento particularmente crítico em que um grupo de Estados emergentes lida pela primeira vez com os princípios de refugiados - muitas vezes, cingindo-se ao Direito Internacional e a procedimentos judiciais formais. Por exemplo, muitos Estados da Europa Central e da Comunidade de Estados Independentes (CEI) aderiram em 1991 à Convenção de 1951 relativa aos Refugiados, mas a maioria tem ainda que compatibilizar a legislação ou criar procedimentos adequados para determinação do estatuto de refugiado.
Estabelecer procedimentos de asilo justos faz parte de uma tarefa judicial enorme que estes países têm de enfrentar, sendo poucos os que dispunham anteriormente de estruturas judiciárias independentes ou que permitissem aos cidadãos recorrerem de decisões ou acções administrativas. Estamos conscientes de que a maior parte dos magistrados de hoje, além do excesso de trabalho, têm de lidar com todo um conjunto de novos regimes jurídicos - sendo os direitos humanos e o direito de refugiados apenas uma parte e, talvez, nem sempre, considerada como principal prioridade.
Para o ACNUR, uma das suas principais prioridades consiste em ajudar
os juristas, funcionários e ONGs que se ocupam destas matérias.
À semelhança das iniciativas realizadas em França
(Maio de 1995), em Inglaterra e na Alemanha (Dezembro de 1995) destinadas
a entidades judiciais, é com satisfação que o ACNUR
presta o seu apoio a iniciativas conjuntas, como a coordenada pelo Conselho
Português para os Refugiados (CPR) e o Centro de Estudos Judiciários,
a 7 de Fevereiro de 1996, em Portugal, desejando que venha a ter, no futuro,
resultados positivos para o fortalecimento da protecção judicial
dos refugiados.42
Para os requerentes de asilo, que atravessaram os denominados países "seguros" para chegarem ao país de destino, o tribunal prevê o retorno a esses países, mesmo quando não se pode determinar ao certo quais foram os países. Contudo, nem sempre o país "seguro" está disposto a recebê-los, pelo que, nesse caso, os pedidos de asilo são examinados com base na Secção 51 da Lei de Estrangeiros, que contém uma referência à Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.46
Pouco depois da entrada em vigor da nova legislação, vários requerentes de asilo desafiaram a "segurança" dos países terceiros. Com todas as opções legais esgotadas, pouco demorou para que os primeiros casos chegassem ao Bundesverfassungsgericht, o Tribunal Federal Constitucional alemão. Dois exemplos ilustrativos da situação, foram os casos 2 BvR 1938/93 e o 2 BvR 2315/93 47. O primeiro caso referia-se a um requerente de asilo iraniano, que entrou na Alemanha, por terra, passando pela Hungria e Áustria, e que foi reenviado para a Áustria em Julho de 1993, com base na regra de país terceiro "seguro". O segundo caso refere-se a uma mulher iraquiana, que viajou do Iraque para a Alemanha, onde chegou por via aérea em Agosto de 1993, passando primeiro pela Turquia e Grécia. O seu pedido de asilo foi considerado inadmissível com base na regra de país terceiro "seguro". Em 13 de Setembro de 1993, o Tribunal Constitucional alemão impediu o seu reenvio à Grécia, pois, segundo a lei grega, um pedido de asilo pode ser considerado inadmissível se o requerente não vier directamente do seu país de origem. Como a requerente de asilo tinha passado pela Turquia, corria o risco de ficar sujeita a refoulement 48.
O tribunal indeferiu os casos, porque considerou que a regra de país terceiro "seguro", agora presente na Constituição e na Lei do Procedimento de Asilo, não respeitava o direito constitucional de recurso efectivo contra decisões administrativas49. Além disso, se um estrangeiro pode ser reenviado para um país terceiro "seguro", poderá não conseguir levantar obstáculos contra futuras deportações, como previsto na Secção 51 1 ou a Secção 53 da Lei de Estrangeiros ("direitos relativos").50
Ao excluir o recurso individual ao princípio de non-refoulement, consagrado do artigo 33º da Convenção de Genebra de 1951 (Secção 51 1 da Lei de Estrangeiros), ou à protecção contra tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, prevista no artigo 3º da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais (Secção 53 4 da Lei de Estrangeiros), o tribunal está em discordância com o direito internacional51. De acordo com o artigo 33º da Convenção de Genebra de 1951, terá que ser estabelecido individualmente se existe protecção efectiva e duradoura contra refoulement num país terceiro, isto é, se será dado acesso ao requerente a um procedimento de asilo. A posição do ACNUR, bem como de especialistas independentes é que a presunção de segurança de um país terceiro tem que ser refutada em processo individual.
Com a noção recentemente criada "normative Vergewisserung", e as funções que lhe foram definidas, o tribunal criou uma base legal para as suas decisões futuras. Será, portanto, necessário estabelecer de forma substantiva se o país terceiro de acolhimento protegerá o requerente de asilo, de acordo com a Convenção de Genebra de 1951 e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950. Tem ainda uma função processual permitindo que a definição dos países terceiros seguros seja feita pelo legislador. O tribunal estabeleceu, assim, critérios pelos quais o legislador se deverá reger, ou seja, o impedimento de interposição de recurso dessa decisão, por exemplo junto dos tribunais administrativos, e o impedimento de a ilidir individualmente. Deste modo, o requerente de asilo individual não terá nenhum direito processual de interpor recurso contra a decisão de reenvio ou de deportação para o país terceiro "seguro" estabelecido.52
Como um dos critérios da "normative Vergewisserung" sobre país terceiros seguros, o Tribunal estabeleceu que o princípio de non-refoulement proíbe não só o reenvio directo para o país em que a pessoa foi sujeita a perseguição, como também o reenvio para países onde exista o risco de refoulement. Assim, permanece a possibilidade de "refoulement em cadeia", quando os pedidos não são analisados individualmente com base no seu mérito. Todo o processo de determinação do estatuto de refugiado deverá ser efectuado de modo a conceder a máxima protecção ao requerente contra o refoulement, reduzindo ao mínimo o risco de essa situação se verificar. Bastará que as pessoas perseguidas tenham direito a um protecção efectiva, na prática, e que possam invocar a responsabilidade do país terceiro "seguro" de tomar uma decisão sobre os seus pedidos. O Tribunal afirmou explicitamente que os padrões definidos na Conclusão Nº 8 (XXVII) do EXCOM não são vinculativos para os Estados, fazendo, todavia, a ressalva de que os Estados não poderão negligenciar as obrigações que lhes incumbem enquanto partes da Convenção de Genebra de 1951. Se um requerente não tem acesso a um procedimento de asilo num país terceiro, isso não implica que o país deixe de ser considerado "seguro", mas que o Estado fique com a responsabilidade de examinar individualmente a aplicação do princípio de non-refoulement. Assim, o processo que oferece mais garantias contra o non-refoulement é mesmo o acesso a um procedimento de asilo, quer no país de destino, quer no país terceiro "seguro" para onde a pessoa é reenviada.53
Tendo em conta, ainda, toda a cadeia de reenvios a que um requerente de asilo pode estar sujeito, o Tribunal afirmou que, nos termos da lei, não será possível a um país terceiro "seguro" enviar um requerente para um "quarto" país, onde a pessoa possa ficar sujeita a novo reenvio para um país onde poderá ser perseguida, se nesse "quarto" país não existir um processo formal de assegurar o respeito pelo artigo 33º da Convenção de Genebra de 1951 e o artigo 3º da Convenção Europeia de Direitos do Homem, ou se outros métodos de protecção não forem definidos. Ou seja, um país terceiro não será "seguro" se enviar o requerente para um "quarto" país onde a pessoa poderá ser sujeita a refoulement. Assim, um país terceiro só será considerado seguro se o pedido de asilo for considerado no "quarto" país, com base no mérito do pedido e individualmente. A possibilidade de reenvio para um quarto país também emerge da noção de "normative Vergewisserung", não havendo lugar a análise individual, impedindo a pessoa de parar o processo de deportação para um país terceiro "seguro", onde poderá ser sujeita a refoulement, uma vez que não terá possibilidade de interpor recurso a título individual.54
Existem, contudo, algumas excepções à noção de "normative Vergewisserung" que poderão permitir ao indivíduo refutar a decisão de envio para um país terceiro "seguro". Se estas circunstâncias se verificarem, o indivíduo não será enviado para o país terceiro sem primeiro ser analisado o mérito do seu caso. As excepções que o Tribunal prevê são as seguintes:
O Tribunal Constitucional confirmou que um requerente deverá pedir asilo no primeiro país em que tenha oportunidade de fazê-lo, ainda que para isso seja necessário interromper a fuga. Esta interpretação não está em consonância com a Conclusão Nº 15 (XXX) do EXCOM do Programa do ACNUR de 1979 sobre "Refugiados Sem País de Asilo"56. Desta forma, o requerente, independentemente da sua vontade, terá que requerer asilo no país terceiro "seguro". Se não pedir asilo no primeiro país em que tiver oportunidade de o fazer, será excluído do procedimento de asilo, mesmo que não se possa determinar com toda a certeza qual o país ou países por onde tenha passado. Portanto, o percurso do requerente de asilo torna-se mais importante do que as razões da fuga. Parece assim evidente a dicotomia existente entre o direito internacional e a legislação alemã sobre asilo.57
O Tribunal aprovou legislação contrária ao sistema internacional de repartição de encargos. O Tribunal incita o legislador a afastar-se da abordagem tradicional em que, tomando conhecimento dos grandes movimentos migratórios e de refugiados, lida depois com os mesmos apenas com a legislação nacional. Deste modo, o Tribunal considerou que a "normative Vergewisserung" iria fazer com que os requerentes de asilo sendo reenviados, o mais rapidamente possível, para um país terceiro, isso levaria a uma efectiva repartição de encargos. Os países terceiros "seguros", para a Alemanha, são os países signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou seja, os 39 membros do Conselho da Europa, neste momento. Assim, a poderosa Alemanha, poderá unilateralmente transferir a sua responsabilidade em relação aos refugiados, para países vizinhos, menos poderosos. Ciente deste perigo, o Tribunal confirmou a precedência do Artigo 16a 5 sobre a regra do país terceiro "seguro", prevista no Artigo 16a 2, confirmando que o Artigo 16a 5 proporciona a base constitucional para um sistema europeu de protecção de refugiados através de acordos internacionais.58
Na Europa Ocidental, está a criar-se, ainda que de forma incompleta, um sistema multilateral de repartição de encargos, se bem que, mais do que uma partilha de encargos, este permita, sobretudo, uma transferência de encargos para Leste.59 Uma análise individual e a possibilidade de ilidir a presunção de segurança de um país terceiro em processo individual, só poderão ser substituídas pela garantia de que um Estado aceitará a responsabilidade da análise do mérito do pedido de asilo. Assim, o reenvio de requerentes de asilo na Alemanha para países da Europa Central, continuará a reger-se por acordos de readmissão bilaterais, que não contêm garantias específicas de protecção destinadas aos refugiados e aos requerentes de asilo.60
O acesso ao procedimento de asilo está, assim, em princípio, assegurado, desde que a transferência não se processe para países não signatários da Convenção de Schengen. A harmonização do conceito de país terceiro "seguro" e a sua concordância com o direito internacional, é ainda inadequada.61 Fora do círculo dos países de Schengen, não existem garantias de cumprimento dos direitos dos requerentes. O Tribunal não se debruçou sobre a prevenção do reenvio para países terceiros fora do espaço Schengen. Não clarificou se a Alemanha pode invocar o Artigo 29 2 da Convenção de Aplicação de Schengen (CAS) e reenviar o requerente de asilo a um terceiro país, com base na regra de país terceiro "seguro", uma vez que tenha sido estabelecida a responsabilidade da Alemanha, nos termos da CAS.62
Segundo o Tribunal, todas as alterações legislativas se destinam à criação de um sistema europeu de repartição de encargos e protecção de refugiados, através de acordos internacionais que determinem o país responsável pela análise do pedido de asilo e pelo reconhecimento mútuo das decisões tomadas na área de asilo. Isto poderá ser interpretado como uma orientação para a criação desse tal sistema com repercussões imprevisíveis no campo da protecção de refugiados.
4.1 - Trabalho recente de Schengen na área de asilo
Reconhece a utilidade de formação adequada dos funcionários nas fronteiras, sobretudo das autoridades nacionais dos países de Schengen no que se refere à questão das sanções às transportadoras. Indica uma série de disposições nacionais que foram adoptadas no processo de ratificação do Acordo de Schengen, que incorporam as salvaguardas necessárias para cumprimento dos requisitos da Convenção de Schengen de 1990, a qual, por sua vez, refere que todas as suas disposições serão implementadas no respeito pela Convenção de Genebra de 1951 (Artigo 135).
No que se refere à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, as partes contratantes poderão subscrever o conteúdo das recomendações do ACNUR sobre esta matéria, que propõe uma colectânea de jurisprudência relacionada com os problemas com que os Estados contratantes se têm deparado na implantação do processo de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo.
A questão do reenvio a um "país terceiro seguro" fora do espaço de Schengen foi também tratada na segunda reunião do Subgrupo de Asilo, tendo a Presidência Portuguesa emitido uma nota sobre esta matéria.64
Nos trabalhos da Presidência Portuguesa, no Subgrupo de Asilo, foram abordados vários temas relacionados com o asilo, nomeadamente:
No plano da salvaguarda dos direitos dos cidadãos, Portugal defende que seja reforçado o papel do Parlamento Europeu (PE) no III Pilar, sendo favorável à atribuição de maiores competências ao Tribunal de Justiça neste âmbito. No intuito de uma maior democraticidade dos trabalhos desenvolvidos num domínio tão sensível e com tantas implicações nas liberdades públicas, seria de toda a conveniência promover uma aproximação dos parlamentos nacionais entre si e com as instâncias da União, assegurando-se a possibilidade de troca de informações e mecanismos de auscultação.
Nesta CIG, Portugal procurará garantir que o seu poder relativo de influenciar o projecto europeu e nele afirmar os seus interesses específicos não saia diminuído. Daí o nosso objectivo em garantir que a reforma institucional se não torne num momento de menorização para os pequenos e médios países (votos no Conselho, comissários, exercício das presidências, estatuto das línguas), nem num factor de diluição das políticas da União (correcta interpretação da subsidariedade, flexibilidade/diferenciação temporária limitada). Entendemos, além disso, que é importante que a reforma institucional torne mais leves os mecanismos da União (simplificação e redução dos procedimentos da decisão), dê uma maior agilidade aos processos de decisão (extensão ou novos critérios de maioria qualificada, com limites precisos) e garanta uma mais fácil leitura pelos cidadãos do funcionamento da União (simplificação dos tratados, processos de transparência) e uma maior implicação das estruturas nacionais representativas no seu funcionamento (parlamentos nacionais).
No plano institucional, consideramos ainda que o actual equilíbrio entre as diversas instituições deve manter-se no essencial, com a Comissão a deter o exclusivo da iniciativa nas matérias comunitárias, alargando o papel do PE através da extensão da co-decisão, devendo o Conselho continuar a ser o centro essencial do processo decisório. Entendemos ainda que se torna importante assegurar uma maior eficácia aos processos de consulta ao Comité Económico e Social, bem como ao Comité das Regiões, e que aos Tribunais europeus devem ser concedidos meios mais adequados de intervenção. Neste particular, entendemos que o Tribunal de Justiça deve ser dotado de uma particular capacidade de actuação no âmbito do III Pilar (Justiça e Assuntos Internos).67
O ACNUR recebeu com agrado a Declaração Belga, afirmando que a Bélgica continuará a tratar cada caso de asilo individualmente, mesmo que provenha de um cidadão da UE. Quanto à Declaração do Acto Final, esta prevê, que o ACNUR e outras organizações internacionais relevantes da área de política de asilo sejam consultadas durante o processo. Os participantes da Cimeira comprometeram-se também a integrar o Acordo de Schengen no Contexto da União Europeia. Declararam também a sua intenção de acelerar os procedimentos para tratamento dos casos de pedidos de asilo manifestamente infundados. Quanto aos Artigos C e G, respeitantes à "comunitarização" de políticas de asilo, foi decidido que os instrumentos de asilo continuariam a ser adoptados por unanimidade durante um período de cinco anos, após a entrada em vigor do Tratado de Amsterdão. Após este período, o Conselho poderá, mediante voto unânime, dispor se os instrumentos de asilo futuros serão decididos por maioria qualificada. Segundo fontes competentes, a versão final do tratado, traduzida e pronta para ratificação, estará pronta em Setembro de 1997.69
Com estes novos resultados da CIG e do Conselho Europeu de Amsterdão, os assuntos relacionados com o asilo foram transferidos do chamado Terceiro Pilar de cooperação intergovernamental para um novo título denominado "Livre Circulação de Pessoas, Asilo e Imigração", em que instituições da Comunidade, nomeadamente o Tribunal Europeu de Justiça, terão alguma competência, mas o problema principal consistirá não no facto destes assuntos serem tratados no Terceiro ou no Primeiro Pilar, mas de serem decididos por unanimidade. Como consequência, e apesar deste novo título, a efectiva livre circulação de pessoas, que supostamente deveria estar operacional desde 3 de Janeiro 1993, terá que esperar provavelmente até ao ano 2002, se tudo correr de modo favorável.
Um aspecto interessante desta nova situação consiste no facto da Dinamarca, Inglaterra e Irlanda não estarem obrigadas ao disposto neste novo título. No caso do Reino Unido e da Irlanda, a cláusula "opting out" é clara, continuando a ter oportunidade de escolher quais os capítulos do "menu" de Schengen que desejam adoptar. Porém, para a Dinamarca a situação é diferente por ser Estado-Membro do Acordo de Schengen. Terá que se ver como é que se irão resolver as diferentes possibilidades, incluindo estas cláusulas "opt out", da incorporação do chamado acquis de Schengen no artigo A deste novo Tratado da UE. Diz-nos a experiência que levará algum tempo até que os 15 Estados-Membros da UE ratifiquem este novo texto, o qual não tem uma redacção fácil para o cidadão comum.70
O enquadramento histórico e os trabalhos em curso no que diz respeito à harmonização europeia de asilo, demonstram uma estreita ligação quer a nível nacional quer europeu (Schengen e UE), contrariamente à natureza informal da cooperação entre Estados, tanto a nível individual como com as Presidências, e com o ACNUR, os resultados mais importantes da Cimeira Europeia de Amsterdão de Junho 1997, incluem a Declaração para a Acta Final - "proceder-se-á a consultas com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (...) no que se refere às questões relacionadas com a política de asilo"71 .
Assim, os Estados reconheceram formalmente o papel das consultas com o ACNUR em matéria de asilo. Além disso, o resultado da CIG 96, adoptado pelo Conselho Europeu de Amsterdão, prevê, no Artigo C, que o Conselho adoptaria algumas medidas no prazo de 5 anos, após a entrada em vigor de medidas relativas ao asilo, em conformidade com a Convenção de Genebra de 1951 e o Protocolo de Nova Iorque de 1967. Estas medidas incluem:
No referente à integração do "acquis de Schengen" e às cláusulas "opt out", o Artigo I deste Capítulo estipula que o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca obtiveram "opt out" da política de asilo e imigração da Comunidade (Protocolos X, Y e Z). O Reino Unido e a Irlanda declararam também que não participavam no processo de integração do acquis de Schengen no quadro da União Europeia, como previsto noutro Protocolo. Este Protocolo estipula que as disposições do Acordo de Schengen e o órgão de "Decisions and Declarations" adoptado pelos Ministros de Schengen serão integrados nas novas medidas da Comunidade sobre asilo e imigração, e que será reforçada a cooperação intergovernamental nas questões de ordem pública e judiciais nos termos da revisão do Terceiro Pilar (Título VI, Artigo K).73
Quanto ao papel do Tribunal de Justiça em matéria de asilo, de acordo com o Artigo H (3) do capítulo sobre a livre circulação, segurança e justiça, o Tribunal de Justiça pode decidir a título prejudicial sobre uma questão de interpretação dos artigos (revistos) do Tratado sobre asilo e imigração, ou sobre os actos adoptados pelas instituições da Comunidade nestas áreas. Essa decisão pode ser solicitada apenas por um Estado Membro, pelo Conselho ou pela Comissão e não tem força vinculativa em termos de jurisprudência nacional. Parece improvável que um Estado Membro ou a Comissão peçam ao Tribunal de Justiça uma decisão preliminar sobre a interpretação uniformizada de uma disposição do Tratado ou do Protocolo ao Tratado (como, por exemplo, o Protocolo sobre Asilo) que são do interesse ou do âmbito do ACNUR.
5 - CONCLUSÃO
No que se refere ao conteúdo de uma futura política de asilo comum, é de notar que a União já adoptou um conjunto de instrumentos não vinculativos relativos ao asilo no quadro do Terceiro Pilar. Estas Resoluções, Recomendações, Posições Conjuntas, etc. podem ter de ser transpostas para Directivas vinculativas da UE (enquadramento) a serem implementadas em leis e práticas dos Estados Membros. Parece improvável que o conteúdo desses instrumentos mude significativamente. No que se relaciona com a adopção de novos instrumentos a Directivas vinculativas, isto será, provavelmente, uma tarefa bem mais difícil, já que os instrumentos têm de ser legalmente vinculativos e adoptados por unanimidade (pelo menos no período de transição). Não é de prever que esses instrumentos contenham cláusulas para permitam aos Estados Membros a aplicação de disposições mais favoráveis.74
A questão de saber se todos estes esforços de harmonização europeia por parte dos Estados, do ACNUR e das ONGs conseguirão manter uma protecção efectiva para quem dela necessita só terá resposta mais tarde, à luz da experiência e da aplicação do novo sistema de regras, cada vez mais complexas e de difícil cumprimento para os requerentes de asilo. Na Europa Ocidental, constituída pelos países directa ou indirectamente envolvidos no processo de harmonização de asilo, região onde foi estabelecido o instituto de asilo e em que agora a sua força e eficácia são mais postas à prova, e onde se excluem requerentes de asilo que necessitam, todavia, de protecção em qualquer lugar.
É compreensível que, num processo de integração englobando um número crescente de Estados, tendo cada um deles obrigações históricas, interesses políticos e económicos próprios - se corra o risco de que a protecção dos refugiados seja nivelada pelo mínimo denominador comum. Por estas razões, é indispensável manter uma postura construtiva, se quisermos salvaguardar os princípios fundamentais da protecção de refugiados nos países da UE.
A tendência para sermos confrontados com o perigo de duplos padrões ("double standards"), poderá fazer com que a Europa perca a posição que ocupa em relação ao resto do Mundo como exemplo em matéria de Direitos Humanos e também de Refugiados. Esta situação poderá ter um efeito contraproducente, na medida em que os restantes Estados (não europeus) poderão ter assim uma justificação para o não desenvolvimento e/ou diminuição dos seus próprios níveis de protecção.
Em última análise, tudo isto poderá conduzir a um enfraquecimento global dos níveis de protecção dos refugiados, pois se o instrumento internacional de base (a Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados) visse o seu papel diminuído, como ponto de referência e pilar universal nesta matéria, graves implicações daí adviriam para o futuro.
Notas: