Intervenção no Workshop sobre o Novo Regime Jurídico do Asilo em Portugal
 Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 30 de Maio de 1997
 
Evolução legislativa e medidas de apoio a Refugiados em Portugal
 
 
por Maria Teresa Tito de Morais Mendes*
 
Para uma análise do Novo Regime Jurídico de Asilo em Portugal cumpre proceder a uma resenha da evolução legislativa sobre refugiados desenvolvida no nosso país até ao momento. Não é nosso objectivo fazer um exame exaustivo sobre esta matéria, mas sim desenvolver uma apreciação incisiva que nos permita definir o que de substancial releva de cada momento legislativo vivido em Portugal. Desta forma poderemos ponderar o momento actual e o processo legislativo em curso.

Portugal adere à Convenção de Genebra de 1951 em 1 de Outubro de 1960. Por sua vez o protocolo de Nova Iorque de 1967 é ratificado a 17 de Abril de 1975. Face aos crescentes pedidos de asilo e em consequência do processo de descolonização, é aberta em 1977 uma delegação do ACNUR em Portugal. Durante vários anos, perante o vazio legislativo existente, é o ACNUR que no âmbito do seu mandato vai atribuir o estatuto de refugiado em Portugal. No entanto, os anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 não foram marcados somente por um aumento de pedidos de asilo, a corrente de retornados que acompanhou o processo de descolonização foi um fenómeno avassalador, tornando imperioso a distinção entre estes e os refugiados.

Neste contexto é aprovada a 1 Lei de Asilo 38/80 de 1 de Agosto. Uma Lei que, adoptando os conceitos e princípios consignados nos documentos jurídicos internacionais ratificados por Portugal permite a concessão do asilo por razões humanitárias. Trata-se de um documento generoso para a época e sem par em muitos outros países europeus. Apesar desta generosidade inicial, três anos mais tarde surge o Decreto-Lei 415/83 de 24 de Novembro que introduz pela primeira vez no seu artigo 15-A o postulado da "recusa liminar de asilo", antecedendo de certa forma a formulação prevista no actual processo acelerado da Lei 70/93. Consagra no entanto o direito de reinstalação e a constituição da Comissão Consultiva para os Refugiados.

A adesão à União Europeia e a consequente harmonização das políticas de asilo, mormente no contexto do Tratado de Dublin e dos Acordos de Schengen, vai estar na base de uma nova mudança legislativa operada na Lei portuguesa. A esta evolução não são alheias as mudanças políticas operadas a Leste e o fim da Guerra Fria personificada na queda do Muro de Berlim. Mas, destruído o muro que a dividia, a Europa constrói - qual fortaleza, uma Muralha para a isolar dos fluxos humanos que de Leste e do Sul a assolam.

A Lei 70/93 de 29 de Setembro apresenta dois processos de apreciação dos pedidos de asilo: o processo normal e o processo acelerado. As noções de "país terceiro de acolhimento" e de "país seguro" surgem também no âmbito da aludida rede legislativa europeia. No turbulento processo que se regista a Leste e no confuso quadro político de muitos países do Sul, a aplicação destes elementos, processo acelerado e "país seguro" são passíveis de colocar em causa direitos e liberdades fundamentais de legítimos requerentes de asilo.

Um ano mais tarde, surge a polémica Lei 34/94 de 14 de Setembro que vem definir o regime de acolhimento de estrangeiros e apátridas em centros de instalação temporária. Embora estes centros nunca tenham visto a luz do dia, o princípio subjacente de reunir no mesmo espaço requerentes de asilo e demais estrangeiros por razões de segurança denota uma preocupação de seguridade por parte das autoridades passível de induzir erroneamente a opinião pública sobre a presença em Portugal desta população. Além do exposto pode-se ainda referir que para legítimos requerentes de asilo esta associação pode ser negativa para a sua auto-estima e posterior inserção na sociedade de acolhimento.

Chegados ao momento actual, discute-se de novo o regime jurídico-legal em matéria de asilo e refugiados em Portugal, desadequada que está a actual Lei 70/93 face a posteriores evoluções a nível europeu. O escopo deste novo regime é a Proposta de Lei 97/VII, razão de ser deste Workshop. Aproveitamos pois para tecer alguns comentários sobre a elaboração e conteúdo desta Proposta, legitimados pelos conhecimentos e experiências únicas que o CPR possuí, porquanto é a única organização não governamental que trabalha exclusivamente no acompanhamento jurídico e social de requerentes de asilo e refugiados em Portugal e como parceiro operacional do ACNUR.

Uma primeira referência terá de ser feita ao processo de elaboração da actual proposta. Temos de congratularmo-nos pela participação de um vasto leque de organizações não governamentais que foram auscultadas em diversas ocasiões, nomeadamente nas reuniões Parinac, da iniciativa do ACNUR, e posteriormente nas reuniões do Grupo de Trabalho para a elaboração da Proposta de Lei com a presença de duas representantes do CPR, uma das quais em nome do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, bem como com a colaboração inestimável da Representante do ACNUR em Portugal, Dra. Luise Drüke.

São reconhecidos os progressos atingidos em termos procedimentais, materiais e práticos. Exemplos de aspectos pródigos desta proposta são, no tocante ao Direito de Asilo, a consignação do Reagrupamento familiar (Artº 4), a autonomização da Autorização de residência por razões humanitárias (Artº 8) face à Lei de Estrangeiros e a consagração de um regime de Protecção temporária (Artº 9). Relativamente a aspectos processuais convém aludir ao facto de estar previsto a extensão do asilo e o apoio social para os requerentes de asilo (Cap.VI). Regozijamo-nos com o facto de a proposta fazer menção clara ao papel das Organizações não Governamentais no apoio social, incluindo este um conjunto de medidas que dignificam a pessoa e a sua subsistência e o CPR e o ACNUR poderem estar presentes em todas as fases do processo.

Não podemos no entanto de deixar de apontar alguns pontos que se nos afiguram menos claros, ou pelo menos, susceptíveis de provocar alguma ambiguidade interpretativa, circunstância passível de destorcer a intenção enunciada na Lei e a sua aplicação prática.

Em termos processuais há que referir a diminuição do período de apresentação do pedido de asilo a oitos dias perante uma autoridade policial, o que pode ser restritivo (Artº 11). No mesmo artigo também não é feita menção da comunicação do pedido de asilo ao ACNUR/CPR.

Relativamente à inadmissibilidade do pedido há que referir que não basta que o requerente seja susceptível de provir de um país terceiro de acolhimento, é necessário averiguar se este o vai admitir e analisar o seu pedido.

Aspecto relevante na presente Proposta é a que diz respeito à prestação de falsas declarações ou destruição de quaisquer documentos que se revelem úteis à sua identificação (alínea b) e c) do Artº 13º). Estas indicações vão contra o disposto no Manual de Procedimento do ACNUR nomeadamente o seu 199, pois as declarações falsas podem ser explicadas e justificadas pelo medo e pela pressão psicológica em que o requerente se encontra.

Um dos pontos mais sensíveis da proposta em análise trata-se da concentração na pessoa do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da competência de decidir a recusa ou admissão do pedido de asilo. Numa situação de recusa de pedido de asilo, o período de abandono do país foi reduzido a 10 dias. Este tempo pode ser insuficiente, em especial porque se a reapreciação do seu caso for negativa o requerente apesar de poder apresentar recurso para o TAC não é abrangido por nenhum efeito suspensivo.

Finalmente, cabe nesta explanação fazer menção das situações menos justas que podem advir da apresentação do pedido de asilo por via terrestre, marítima ou aérea. Estamos receosos de que o processo rápido nos postos de fronteira possa enfermar de uma desigualdade de tratamento, limitativa dos direitos e liberdades da pessoa em causa. Esta situação também se constata na zona internacional do porto ou aeroporto (sobretudo neste último), onde a presença do requerente nesta zona por mais de 48 horas equivale a uma detenção. Nestes casos em particular, as limitações físicas e constrições psicológicas daqueles que pretendem protecção podem inibir e limitar a busca dos seus direitos.

* Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados.