Intervenção no Workshop sobre o Novo Regime Jurídico do Asilo em Portugal
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 30 de Maio de 1997
 
As Garantias dos Requerentes de Asilo na Nova Proposta de Lei
Face aos Princípios da Celeridade, Eficácia e Justiça
nos Processos de Asilo
 
por Jorge Portas*
 
O equilíbrio entre as garantias dos requerentes de asilo e os princípios da celeridade, eficácia e justiça é, porventura, o objectivo essencial de qualquer regime legal que pretenda, de forma séria e responsável, encontrar soluções adequadas para a problemática do asilo e refugiados, à qual se encontra, nos dias de hoje, por razões de vária ordem, intrinsecamente ligado o fenómeno da imigração ilegal.

Com efeito, a grave situação actual, no plano social, político e económico em várias áreas do globo, com especial incidência no Magrebe, África subsariana, Subcontinente Indiano e certos Estados do ex-Bloco do Leste, origina fluxos migratórios que têm como principais destinos os países da Europa Ocidental e América do Norte. Tal pressão migratória onde, aos verdadeiros refugiados na acepção da Convenção de Genebra e às pessoas que, por motivo de guerras civis ou graves violações dos direitos humanos, fogem dos seus países de origem, se junta um elevado número de imigrantes económicos, torna difícil para as autoridades dos Estados, encarregadas da análise dos pedidos, distinguir as situações que realmente carecem de protecção efectiva dos casos que são motivados unicamente por razões económicas.

Assim, sendo certo que o número dos pedidos de asilo ou outros pedidos de protecção manifestamente infundados, tende a aumentar na mesma proporção em que é alargado o período de tomada de decisão sobre os pedidos apresentados, a solução será encontrar mecanismos processuais que permitam uma mais rápida distinção entre os dois tipos de situações acima referidos, de forma a que, com a disponibilidade e atenção exigíveis, as várias entidades envolvidas na matéria, analisem os casos e prestem o apoio devido às pessoas verdadeiramente necessitadas.

Como se sabe, a actual lei de asilo sofre de deficiências de vária ordem, que por demais conhecidas, dispensam neste momento análise mais aprofundada. Por mais porem em crise o necessário equilíbrio, acima referido, salientam-se, de entre aquelas, a irrazoabilidade de certos prazos, a relativa indefinição de competências das entidades envolvidas no procedimento, a insuficiência normativa para uma criteriosa determinação da forma de processo a seguir e a ausência de previsão de direito de recurso nos processos acelerados.

Constatada a realidade que se pretende regular e conhecidas as insuficiências do regime legal actual, referem-se a seguir os aspectos mais inovadores da proposta de lei n1 97/VII, com os quais se pretende uma melhor conjugação das garantias dos requerentes de asilo com os princípios da celeridade, eficácia e justiça.

A Proposta de Lei n1 97/VII, com a previsão de uma nova matriz processual, pretende racionalizar o sistema actualmente em vigor, criando, em substituição do processo acelerado, a fase de admissibilidade, pela qual passarão todos os pedidos de asilo.

Por um lado, com esta nova matriz processual, tenta-se definir melhor os critérios e o momento de decisão no que respeita às situações em que estão em causa pedidos manifestamente infundados, retirando-se de uma primeira decisão formal, a proferir pelo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, as consequências lógicas de uma decisão de não admissibilidade, reflectidas, nomeadamente, na diferente natureza do recurso a interpor bem como nos efeitos da recusa do pedido.

Por outro lado, definem-se melhor as competências e responsabilidades das várias entidades envolvidas, atribuindo ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras mais responsabilidades, reflectidas na competência de decidir pela admissibilidade ou recusa dos pedidos apresentados, após uma primeira análise, e ao Comissariado Nacional para os Refugiados responsabilidades de reapreciação dos pedidos de asilo e decisão, tanto em matéria de pedidos de asilo como de autorização de residência por motivos humanitários.

Ao Ministro da Administração Interna continua a ser atribuída a competência de decidir pela concessão ou recusa do asilo, após a instrução do processo respectivo e elaboração de proposta pelo Comissariado Nacional para os Refugiados.

Finalmente, prevê-se expressamente a atribuição de competências consultivas e de apoio aos requerentes ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e ao Conselho Português para os Refugiados, em áreas em que hoje, na prática, já intervêm.

No que respeita aos tipos de recurso previstos e respectivos efeitos, pretende-se salvaguardar as diferenças das situações, conferindo mais garantias aos requerentes cujos pedidos tenham, no mínimo, suscitado dúvidas quanto aos seus fundamentos, do que àqueles, que abusiva ou fraudulentamente, utilizaram o instituto do asilo com o único objectivo de ultrapassar os controlos legais da imigração.

No entanto, embora na fase de admissibilidade se coloque com maior acuidade a preocupação com os princípios de celeridade e eficácia, têm-se em conta os interesses dos requerentes, garantindo-se-lhes a possibilidade de apresentarem pedido de reapreciação, com efeito suspensivo, da decisão da entidade instrutória que não lhes admitiu o pedido a uma fase ulterior.

Assim, da decisão de não admissibilidade do pedido (art1 141), proferida pelo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - após uma instrução sumária que poderá durar, no máximo, 20 dias, sob pena de admissão tácita - cabe pedido de reapreciação, com efeito suspensivo, dirigido ao Comissariado Nacional para os Refugiados (art1 161), órgão colegial cuja criação está prevista no art1 341.

Acresce referir que, contrariamente ao que sucede no quadro da actual Lei, em que o Comissário Nacional para os Refugiados aprecia os pedidos apenas com base na informação contida no processo remetido pelo SEF, no quadro da nova proposta de lei o Comissariado Nacional para os Refugiados irá apreciar o pedido e o processo depois de o requerente se ter pronunciado já sobre o mérito da decisão que recaiu sobre o seu pedido, tendo aquela entidade a oportunidade de ponderar os diferentes interesses em causa.

Tal reapreciação, efectuada por órgão colegial, constituído para o efeito e composto por dois magistrados, nomeados sob designação do Conselho Superior de Magistratura e/ou do Conselho Superior do Ministério Público, e por um licenciado em direito com formação na área do direito de asilo, confere ao requerente garantias de que o seu pedido e a decisão que sobre ele recaiu serão analisados numa perspectiva que irá para além da mera apreciação de legalidade, e garante à Administração o cumprimento dos prazos de decisão estipulados que, como se sabe, dificilmente seriam cumpridos pelos tribunais, eventualmente, competentes.

Prevê-se ainda que a decisão, além de ser notificada ao requerente, seja também comunicada ao representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e ao Conselho Português para os Refugiados (CPR), entidades a quem é atribuída competência de aconselhamento jurídico directo aos requerentes de asilo em todas as fases do processo (cfr. n1 2 do art1 521).

Com a previsão desta possibilidade legal confere-se aos requerentes reais garantias de apoio jurídico a ser concedido por entidades especializadas em direito de asilo, inovação não despicienda na proposta de lei em análise.

Para além das referidas garantias, prevê-se ainda a possibilidade de recurso, com efeito devolutivo, da decisão final do Comissariado Nacional para os Refugiados, a interpor no prazo de 8 dias junto do Tribunal Administrativo de Círculo (n1 2 do art1 161).

No que respeita aos pedidos admitidos, ultrapassada a fase de admissibilidade onde houve já oportunidade de fazer a necessária distinção entre as diferentes situações, prevêem-se prazos mais alargados para a instrução e interposição de eventual recurso. Com efeito, se após instrução do processo - prazo de 60 dias prorrogável por igual período - e proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados (arts. 211 a 231) vier a ser proferida decisão negativa, ao requerente é conferida a possibilidade de, no prazo de 20 dias, interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, com efeito suspensivo (cfr. n1 1 do art1 241).

Um outro aspecto da proposta de lei onde se realça a preocupação na conjugação das garantias dos requerentes com os princípios da celeridade, eficácia e justiça, é o procedimento especial previsto para os pedidos de asilo apresentados nos postos de fronteira.

Com efeito, uma outra inovação da Proposta de Lei n1 97/VII é a previsão de um processo especial aplicável aos pedidos de asilo apresentados nos postos de fronteira por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional (arts. 171 a 201).

A supressão dos controlos nas fronteiras internas dos Estados parte no Acordo de Schengen e a utilização abusiva do instituto do asilo como último recurso para tentar evitar um reenvio ao país de origem por parte de cidadãos estrangeiros que pretendem entrar no território dos Estados Schengen, sem para tal estarem habilitados, aconselha, na verdade, a criação de um processo sujeito a um regime especial, com prazos mais curtos de análise e decisão.

Não obstante os prazos mais curtos, a Proposta de Lei tem em conta os interesses dos requerentes, prevendo garantias suplementares àquelas que são previstas para os processos iniciados na sequência de pedidos apresentados no interior do território nacional.

Assim:

Não obstante os raciocínios aqui expressos se fundarem exclusivamente numa análise teórica das normas propostas e, nesse sentido, serem desconhecidos os resultados da aplicação concreta do regime legal previsto na nova proposta de lei, tudo indica não vir dele a resultar a postergação de garantias dos requerentes, dado que se tenta o desejado equilíbrio entre a defesa dessas garantias e os princípios da celeridade e eficácia. Equilíbrio esse sem o qual, difícilmente, se alcançará a necessária justiça.

 * Chefe da Divisão de Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras