COMITÉ EXECUTIVO DO ACNUR
46a. SESSÃO - 1995
NOTA SOBRE PROTECÇÃO INTERNACIONAL
(documento apresentado pela Alta Comissária)
I. INTRODUÇÃO
1. Em 1994, o Comité Executivo debruçou-se sobre a abrangência da protecção internacional e formas de a estender a todos os que dela necessitam. O Comité Executivo encorajou a Alta Comissária a continuar a dar protecção a pessoas que, devido a situações de conflito, não têm condições de regressar em segurança aos seus países de origem. Solicitou ao ACNUR para prosseguir as consultas e os estudos sobre as medidas necessárias para este objectivo, as quais devem abarcar a elaboração de princípios orientadores, inclusivamente com vista a uma acção concertada (A/AC.96/839, 19).
2. A evolução dos acontecimentos demonstrou que seria desejável continuar a dar atenção a esta questão. Em Junho de 1995, na sua vigésima-sexta sessão, o Sub-Comité de Protecção Internacional analisou um documento sobre o Âmbito da Protecção Internacional em Situações de Influxo em Larga Escala (EC/1995/SCP/CRP.3), no qual o ACNUR delineou vários aspectos relevantes a fim de proporcionar protecção internacional àqueles que dela necessitam no contexto de influxos em larga escala. Em particular, o ACNUR acentuou a necessidade de protecção jurídica desses refugiados, chamando também a atenção para o encargo que representa o acolhimento de grandes grupos de refugiados, especialmente no caso dos países pobres.
3. Na presente Nota, o ACNUR realça que seria desejável que se empreendessem esforços globais para tratar este importante problema, salientando que ele deve ser encarado de forma concertada para que haja um apoio e participação total dos Estados, para além dos que se situam na região imediatamente afectada. Políticas liberais de asilo que não pressupõem, necessariamente, alojamento permanente, continuam a ser indispensáveis em qualquer atitude a tomar. Para além disso, é de realçar a necessidade de solidariedade internacional para apoiar os países que suportam encargos significativos resultantes de movimentações de refugiados, particularmente nas situações de influxos rápidos e em larga escala. Ambos os factores são fundamentais para encontrar soluções em situações de movimentação forçada de populações, resultantes, frequentemente, de conflitos. Estreitamente relacionadas com este assunto, estão duas questões importantes que ainda continuam a preocupar o ACNUR em 1995, nomeadamente o estabelecimento de condições necessárias nos países de origem para viabilizar o repatriamento em segurança e de forma duradoura e a protecção de populações deslocadas dentro do seu próprio país.
II. EVOLUÇÃO ACTUAL
4. Em 1995, um conjunto de factores de ordem política e de direitos humanos veio realçar a crescente complexidade e extensão da protecção de refugiados. A flagrante violação dos direitos humanos por vários Estados, ou entidades não estatais, que seguem políticas de "limpeza étnica" em diferentes regiões, tem vindo a aumentar a pressão sobre a questão da protecção. A comunidade internacional, de modo positivo, tem envidado esforços, para deter os responsáveis - incluindo refugiados - da ex-Jugoslávia e do Ruanda por essas violações, através de importantes, embora morosas, acções nos Tribunais Internacionais. Ao mesmo tempo, o ACNUR tem-se empenhado na concretização da sua estratégia de prevenção, encarregando-se, em estreita colaboração com a Organização Internacional de Migrações (OIM) e com a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), dos preparativos para uma conferência regional sobre os problemas, actuais e potenciais , dos refugiados e respectivas movimentações de populações na Comunidade de Estados Independentes (CEI) e nos países vizinhos envolvidos.
5. Acontecimentos verificados no ano passado, tanto na ex-Jugoslávia, como na região dos Grandes Lagos de África ou na ex-União Soviética, ilustraram claramente o valor da actual protecção internacional e realçaram algumas das suas imperfeições. Embora, em muitos casos, a instituição do asilo e direitos básicos dos refugiados tenha sido respeitada nas áreas mais afectadas do Mundo por fluxos de refugiados, constataram-se, no entanto, em diversas ocasiões, violações maciças. Muitos Estados consideram-se sobrecarregados pelos influxos de refugiados, apesar de existirem grandes diferenças em termos de magnitude e de impacto referentes às populações refugiadas que cada um acolhe. Certos Estados mostram-se relutantes face à permanência a longo prazo de refugiados, principalmente nos casos de influxos em larga escala. Esta atitude é agravada pelo receio de que se venha a tornar difícil a criação de condições necessárias a uma rápida resolução de certas situações de refugiados, particularmente no que se refere ao repatriamento voluntário.
6. Estas situações, que dificultam a protecção internacional em várias partes do Mundo, não são novas. Todavia, nalguns casos, surgem pela primeira vez, ou mais intensamente, em Estados com uma longa tradição de generosidade na recepção de refugiados e com políticas liberais de asilo. As medidas restritivas impostas pelos Estados incluem barreiras físicas e jurídicas para impedir a entrada de refugiados ou a obtenção de asilo nos seus territórios; regressos forçados e maciços, bem como a inexistência de padrões de tratamento uniformizados a nível internacional, conduzem, por vezes, a que os refugiados caiam no esquecimento. Constata-se também uma acentuada diminuição da protecção em termos físicos. Muitas vezes, as questões de segurança nacional tiveram como resultado medidas desfavoráveis para a segurança e bem-estar dos refugiados.
7. Noutros casos, a natureza fragmentária e deficiente da responsabilidade internacional de protecção tornou-se notória com a difícil situação das pessoas deslocadas dentro do seu próprio país, apanhadas por situações de conflito, e dos apátridas que não podem reclamar juridicamente a protecção de qualquer Governo.
8. Para assegurar uma protecção internacional efectiva, as estratégias novas ou complementares devem procurar: reforçar, em primeiro lugar, a implementação da Convenção de 1951, do Protocolo de 1967 e dos instrumentos regionais existentes; reforçar a protecção dada a pessoas que se encontram fora do âmbito de aplicação dos instrumentos jurídicos internacionais; e apoiar as medidas de protecção adoptadas pelos Estados que ainda não fazem parte desses instrumentos. O objectivo é reforçar o compromisso dos Estados em assegurar que as pessoas que requerem protecção a recebam sem discriminação. Embora possam ser estudadas diversas possibilidades para atingir esse fim, os Estados não se mostram actualmente receptivos para assumirem mais obrigações, de carácter vinculativo, referentes a refugiados. O ACNUR continuará, portanto, a promover e a encorajar normas regionais, em conformidade com os instrumentos internacionais. Pode, também, ser apropriado procurar elaborar princípios orientadores com vista a esse objectivo, incluindo medidas que possam gerar um aumento da solidariedade internacional e apoio aos Estados mais afectados por fluxos de refugiados.
A. Estender o âmbito da protecção internacional
9. Em 1994, o Comité Executivo examinou o problema de certas deficiências de adequação do regime internacional de protecção aos refugiados, tendo em consideração os fluxos actuais de refugiados e a sua magnitude. O ACNUR salientou que a sua função de protecção internacional implica, em primeiro lugar, assegurar que os Governos dêem protecção aos refugiados e aos requerentes de asilo que possam ser refugiados; assim, o cumprimento do mandato de protecção do ACNUR requer uma cooperação activa por parte dos Governos, cujo apoio político e material é, obviamente, crucial. A este respeito, a não adesão de alguns Estados aos instrumentos jurídicos internacionais básicos relativos à protecção de refugiados, assim como várias restrições na interpretação da própria definição de refugiado, são questões identificadas como merecedoras de uma contínua atenção. Outros aspectos contemplados referem-se a medidas para alargamento da protecção a todas as pessoas que fogem de conflitos, sejam ou não formalmente reconhecidas como refugiados.
10. Foi reconhecido que, mesmo os Estados que não são partes nas convenções internacionais relevantes aceitam, geralmente, que é necessário dar protecção aos refugiados que fogem de conflitos armados e de distúrbios civis, quer se considere, ou não, que essas pessoas estão abrangidas pela Convenção. Esta prática comum está reflectida na Conclusão Geral sobre Protecção Internacional, de 1994 (A/AC.96/839, 19 (n)), a qual encoraja a Alta Comissária a prosseguir as consultas relativas às medidas que visam atingir o objectivo de assegurar protecção permanente a essas pessoas. Reconhecendo que os Estados têm, frequentemente, assumido essa protecção como uma responsabilidade humanitária, sem referência específica a obrigações legais internacionais, o ACNUR considera esta situação desejável com vista a criar uma base clara, para reforço da segurança e previsão da necessidade dessa protecção.
11. Foi lembrado que, em muitas situações, as pessoas que fogem de conflitos podem também fugir devido a receio fundado de perseguição, nos termos da Convenção. É o caso, por exemplo, da situação em que um segmento da população é vítima de forças governamentais ou não governamentais devido à sua etnia, religião ou filiação política. E é, também, o caso das pessoas que fogem ou permanecem fora do país por razões que as qualificam ao estatuto de refugiado, nos termos da Convenção, independentemente dessas razões terem surgido durante o conflito. As medidas tomadas para reforçar a protecção internacional necessária às pessoas que fogem de conflitos devem ter em conta este aspecto, a fim de proporcionar a protecção a que os refugiados têm direito. Neste contexto, na prática de certos Estados, existem restrições, como a rejeição do estatuto de refugiado, nos casos em que a perseguição emana de entidades não estatais, embora o factor determinante segundo a Convenção e o Estatuto do ACNUR seja, claramente, a ausência de protecção efectiva e não a identidade do perpetrador.
12. Questões como estas, relativas à determinação do estatuto de refugiado, são fundamentais para o mandato do ACNUR, particularmente no que se refere à sua missão de vigilância nos termos do Artigo 35 da Convenção e do direito internacional relativo aos refugiados. A admissão e protecção das pessoas que fogem a situações de perigo e de perseguição continuam a ser a resposta essencial perante os fluxos de refugiados. A este respeito, o ACNUR congratula-se com as propostas apresentadas pelos Estados sobre medidas que visam o reforço da implementação das responsabilidades internacionais de protecção, no âmbito do quadro jurídico internacional apropriado.
13. Ao mesmo tempo, embora continue a ser importante a codificação na lei dos princípios fundamentais, a mera adesão aos instrumentos relevantes tem-se mostrado insuficiente para garantir uma resposta consistente e generosa às necessidades dos refugiados. Persiste um conjunto de factores implícitos, políticos, económicos e sociais, que podem também influenciar a resposta dos Estados face a influxos de refugiados e que podem inspirar medidas que estejam em conflito com os direitos básicos dos refugiados e dos requerentes de asilo. Qualquer passo a dar para fortalecer o regime internacional deve, também, ter em consideração este conjunto de factores.
B. Solidariedade Internacional
1. Em países de acolhimento
14. Nos últimos anos, apesar do crescente envolvimento dos Estados na questão dos refugiados, um obstáculo ao desenvolvimento do regime de protecção internacional dos refugiados tem sido a falta de solidariedade internacional efectiva. As sucessivas conclusões do Comité Executivo, aprovadas pela Assembleia Geral, apelaram à solidariedade internacional e à repartição de encargos, exortando todos os Estados a tomarem parte activa, em colaboração com o ACNUR, no esforço de apoio aos países que acolhem um número significativo de refugiados e requerentes de asilo, especialmente países com recursos limitados. A Comunidade Internacional continua a ter a responsabilidade, partilhada pelos diversos Estados, de apoiar os países de acolhimento quanto à recepção e protecção dos refugiados, incluindo Estados desprovidos dos recursos necessários ou com problemas internos que se opõem a uma protecção efectiva, tais como atitudes anti-imigrantes e problemas sociais, económicos, políticos e ambientais. As questões de segurança nacional são também cada vez mais importantes neste contexto, particularmente no que se refere às consequências políticas e outras inerentes a uma permanência prolongada grandes grupos de refugiados.
15. Um amplo e renovado consenso sobre a necessidade da solidariedade internacional, neste contexto, só pode reforçar e melhorar a implementação dessa solidariedade. Em particular, torna-se urgentemente necessário prever mecanismos que fortaleçam a capacidade nacional dos Estados mais afectados pelo acolhimento de refugiados, onde essa capacidade se encontra comprometida. Para além disso, devem reconhecer-se as implicações na segurança dos Estados de acolhimento provocadas por fluxos em massa de refugiados. Uma resposta internacional efectiva necessita de se apoiar no carácter exclusivamente humanitário e civil e na obrigação dos refugiados e das autoridades de acolhimento se absterem de qualquer actividade que prejudique a segurança nos campos e acampamentos de refugiados. Com este fim, o ACNUR tomou medidas excepcionais para garantir segurança aos campos ruandeses no Zaire e pressionou a sua deslocação para longe das áreas fronteiriças. O Comité Executivo definiu como essencial a preservação do carácter civil e humanitário dos campos e acampamentos de refugiados e apelou a todos os outros Estados para apoiarem, neste sentido, os países de acolhimento. Qualquer acção ou omissão que facilite acções armadas que visem a desestabilização de Governos é claramente incompatível com este princípio.
16. Em algumas situações, os refugiados e os requerentes de asilo foram vítimas de ataques racistas. Na sua verdadeira essência, as medidas de solidariedade internacional devem contemplar uma rejeição sistemática e pública de todas as manifestações de discriminação racial, incluindo a rejeição de que os grupos minoritários, seja qual for a sua nacionalidade, têm menos direitos básicos, e de que são responsáveis por vários problemas sociais. Será bem-vinda uma acção concertada dos Estados de acolhimento a fim de influenciar positivamente a opinião pública neste domínio. Além disso, incumbe à comunidade internacional fazer uma distinção cuidadosa entre, por um lado, a preocupação legítima relativa à imigração ilegal e ao abuso dos procedimentos de asilo e, por outro lado, as obrigações internacionais há muito existentes e as inegáveis tradições de asilo em providenciar protecção aos refugiados. Qualquer manifestação pública de que a maioria dos requerentes usa os procedimentos de asilo para escapar a políticas de anti-imigração, irá, inevitavelmente, reforçar tendências xenófobas e racistas, as quais, a seu tempo, irão, provavelmente, estimular medidas mais restritivas.
17. Numa tentativa de prevenir e impedir a utilização abusiva dos procedimentos de asilo por parte de potenciais imigrantes, foram envidados esforços consideráveis e concretos em determinados Estados para restringir o acesso aos seus territórios e, em alguns casos, para limitar as possibilidades de uma análise substantiva dos pedidos dos refugiados. Mais ainda, alguns países têm crescentemente restringido, a aplicação da definição de refugiado contida na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, como descrito no parágrafo 5 supra citado. O ACNUR tem, consistentemente, declarado a sua preocupação quanto às medidas anti-imigração, as quais, quando aplicadas indiscriminadamente a pedidos de asilo de boa fé e pedidos abusivos, podem ter um impacto adverso à possibilidade de pessoas com um receio fundado de perseguição obterem protecção. A solidariedade internacional fica inevitavelmente enfraquecida ao serem adoptadas medidas restritivas na esfera legal. O ACNUR está convicto de que, estabelecendo critérios adequados de elegibilidade, aplicando garantias processuais apropriadas e com procedimentos de asilo preparados para obter decisões rápidas, tudo combinado com uma política consistente para lidar com pessoas que não necessitam de protecção, constitui a melhor via para desencorajar pedidos de asilo abusivos. O ACNUR mantém-se disponível para apoiar essas formas de actuação e crê que uma abordagem coerente destes aspectos poderá contribuir para tornar supérfluas certas medidas restritivas.
18. Muitos países em vias de desenvolvimento com um baixo rendimento, cujos recursos já são escassos, vêem-se confrontados com efeitos sociais e económicos desestabilizadores quando se verifica um súbito influxo maciço de refugiados. A sua capacidade para absorver este aumento de população, frequentemente em regiões muito pobres e remotas, tem de ser reforçada, através de apoio ao desenvolvimento dirigido tanto à infra-estrutura física como à institucional. Os sectores que estão especialmente expostos no casos de um influxo súbito e em larga escala vão da segurança, água, saneamento, ambiente, saúde até ao cumprimento da lei. O Comité Executivo, ao longo dos anos, tem fornecido orientações relacionadas com estas questões. As Linhas de Acção para Países em Vias de Desenvolvimento, de 1984, (A/AC.96/736) determinavam que os projectos tinham essencialmente como objectivo o melhoramento ou a reparação das infra-estruturas económicas e sociais do país de acolhimento, de forma a ajudá-lo a enfrentar a presença dos refugiados, mas aqueles que não beneficiassem directamente um número significativo de refugiados, deveriam, como regra, estar ao cargo do PNUD e de outras organizações para o desenvolvimento, incluindo organizações não governamentais (ONG's). Estes princípios e as estratégias exemplificadas pela Conferência Internacional sobre a Assistência aos Refugiados em África ("ICARA"), a Conferência Internacional sobre a Situação dos Refugiados, Retornados e Pessoas Deslocadas na África do Sul ("SARRED"), e a Conferência Internacional sobre os Refugiados da América Central ("CIREFCA"), pressupunham a integração local e o incentivo de actividades geradoras de rendimentos para os refugiados. Contudo, salvo raras excepções, a implementação da assistência aos refugiados e projectos de desenvolvimento tem sido seriamente dificultada pela falta de fundos e os esforços anteriores raramente abrangeram o leque completo dos recursos de emergência e dos recursos necessários a curto e médio prazo, no contexto de situações de influxos em larga escala. Uma abordagem nesta área mais completa e internacionalmente viável está em falta, abrangendo o envolvimento total e activo de todas as agências e organizações internacionais relevantes.
19. O Plano de Acção adoptado em Bujumbura, na Conferência Regional sobre Assistência a Refugiados, Retornados e Pessoas Deslocadas na Região dos Grandes Lagos (Fevereiro de 1995) incluiu um relatório das acções previstas a desenvolver pela comunidade internacional, nomeadamente, no que se refere a medidas concretas para atenuar e compensar o impacto da presença dos refugiados e pessoas deslocadas. Estas medidas são um guia útil para áreas em que, devido a fluxos maciços, se torna necessário o apoio internacional. Contemplam actividades, como: a contenção e inversão do processo de degradação ambiental, reabilitação de escolas, de estradas, abastecimento de água e centros de saúde; o incentivo ao restabelecimento da normalidade através do fornecimento de assistência a comunidades locais desestabilizadas; e a assistência aos países de acolhimento na manutenção da lei e da ordem, no interior e perímetro dos campos de refugiados.
20. A um nível mais geral, é também muitas vezes necessário o apoio dos Estados envolvidos para iniciativas políticas que visem a resolução de conflitos e tratem os problemas de segurança, resultantes de movimentações de refugiados, nos Estados de acolhimento.
2. Nos países de origem
21. Medidas de solidariedade internacional, igual e paralelamente importantes, são necessárias para os países de origem, na busca de soluções viáveis para os problemas dos refugiados e para prevenir a sua repetição. Estas medidas, para além das actividades de alerta e prevenção, contemplam o apoio específico a programas de repatriamento voluntário e esforços alargados a fim de concretizar soluções duradouras, incluindo a resolução do conflito e a reconciliação. No ano passado, o Comité Executivo reconheceu que "para o repatriamento ser uma solução viável e, por conseguinte, verdadeiramente duradoura, para os problemas dos refugiados, é essencial que as necessidades de reabilitação, reconstrução e reconciliação nacional sejam tratadas de modo efectivo e abrangente"(A/AC.96/839, (aa)). Em determinados casos, a organização e o ritmo do repatriamento podem pôr em perigo a reconciliação nacional e, assim, permanecerem situações reconhecidas pela Convenção, em que a quebra de relacionamento entre os refugiados e o seu país dificilmente será remediada.
22. Nos últimos anos, as componentes de reconstrução e recuperação num pós-conflito têm sido objecto de análise profunda havendo um consenso significativo sobre a necessidade de dar maior ênfase à reconciliação e às medidas necessárias para consolidar a paz e viabilizar a reintegração. O estabelecimento de um regime efectivo de direitos humanos, de instituições que garantam o cumprimento da lei, incluindo um sistema judicial independente, acessível a todos, e uma administração pública responsável, são, no mínimo, tão importantes como a reabilitação de estruturas e equipamentos. O equilíbrio delicado entre a reconciliação e a responsabilidade por um passado feito de abusos significa que devem ser os próprios partidos a tomar a liderança da reconciliação nacional. Há, contudo, várias áreas onde a comunidade internacional pode encorajar e apoiar o processo.
23. O ACNUR tem sempre presente, a partir do momento em que surge uma situação envolvendo refugiados, a possibilidade do repatriamento voluntário. O Comité Executivo tem encorajado o ACNUR a apoiar activamente o repatriamento voluntário promovendo, quando viável, várias acções que incluem iniciativas e a manutenção de contactos para assegurar o diálogo entre todas as principais partes, facilitando a comunicação entre elas, e actuando como intermediário ou canal de comunicação. Tais esforços estão também estreitamente ligados à necessidade de que os campos de refugiados conservem um carácter exclusivamente civil e humanitário e que os refugiados se abstenham de qualquer actividade incompatível. Neste contexto, pode ser necessário um amplo apoio internacional para manter a lei e a ordem nos campos de refugiados, tal como se verificou, recentemente, na Tanzânia e no Zaire.
24. Acções relacionadas com esta questão podem contemplar o incentivo para facilitar as visitas dos refugiados aos países de origem e, no contexto de campanhas de informação que promovam o repatriamento voluntário, também dos representantes dos países de origem aos campos de refugiados. O processo pode ser fortalecido através de educação apropriada nos campos e acampamentos de refugiados. Estas acções são particularmente importantes no crescente número de situações em que vários factores, nomeadamente o bem-estar da população de refugiados, indicam que, não obstante, a existência de condições menos boas no país de origem, deve-se sempre considerar a possibilidade de repatriamento voluntário em larga escala. A segurança e a viabilidade dessas operações dependem de vários factores, nomeadamente compromissos assumidos pelo país de origem, um acompanhamento internacional eficaz dos retornados e condições adequadas para aqueles que têm razões válidas para não regressar. É provável que o ACNUR venha a enfrentar um número crescente de situações deste tipo nos próximos anos.
25. Tem sido amplamente reconhecido o interesse legítimo do ACNUR pelo bem-estar dos retornados, concretizado através do acompanhamento da sua reintegração segura e efectiva no país de origem. O ACNUR também, habitualmente, presta assistência ao estabelecimento e supervisão de amnistias para retornados, as quais são uma característica da maioria dos acordos de repatriamento. Sempre que necessário, para um efectivo acompanhamento das populações retornadas, especialmente em situações não completamente estabilizadas, é dado apoio directo através do pessoal das Nações Unidas para a manutenção da paz, de observadores das Nações Unidas para os direitos humanos e de outras organizações internacionais e não governamentais. Para que estas difíceis operações sejam bem sucedidas, é requerido o apoio internacional concertado para actividades e medidas essenciais necessárias à consolidação, a longo prazo, da reintegração.
26. Relacionada com o exposto, a questão da protecção
de pessoas deslocadas dentro do seu próprio país tem sido
objecto da maior atenção por parte do Comité Executivo,
nomeadamente em 1994. Os recentes acontecimentos na ex-Jugoslávia
e no Ruanda, em particular, vieram novamente enfatizar a necessidade de
uma clara base legal para se providenciar essa protecção
e de uma melhor definição em termos da responsabilidade nacional
e internacional para a protecção dos civis desenraizados
pelo conflito.
IV. CONCLUSÃO
27. Os princípios da protecção internacional têm-se desenvolvido e fortalecido, ao longo do tempo, pela prática construtiva dos Estados. Pelo contrário, acções de Estados, que se afastam destes princípios básicos, contribuem inevitavelmente para a sua erosão global. É o caso, em particular, dos Estados tradicionalmente considerados como bastiões na protecção dos refugiados, mesmo em circunstâncias difíceis, que se vêem incapazes, por razões económicas, sociais ou políticas, de manter os seus compromissos face a novas necessidades. Esses casos são propensos a ser notados e, mesmo a servirem de padrão, encorajando, facilmente, uma tendência geral para respostas mais restritivas. Neste contexto, o ACNUR considera que o seu papel, em cooperação com os Estados, é procurar manter uma aplicação consistente e universal dos princípios fundamentais da protecção, como parte do regime jurídico internacional, sem perder de vista as preocupações e as particularidades regionais e locais. Práticas generosas de admissão, assistência e integração de refugiados devem ser complementadas pelo reforço do apoio internacional aos Estados de acolhimento, em combinação com uma acção de prevenção mais efectiva e uma maior assistência internacional para um repatriamento digno e em segurança. Para este fim, e maior coerência, os princípios orientadores acordados, em consonância com o regime jurídico internacional, podem dar uma contribuição valiosa.
28. Os princípios orientadores para reforço da acção internacional podem, também, de modo eficaz, sublinhar a importância de estratégias abrangentes e regionais para os problemas dos refugiados, tendo presente que o Sub-Comité da Protecção Internacional, na sua reunião de Maio de 1994, conseguiu um amplo acordo para que os complexos problemas dos deslocados possam ter um melhor tratamento através dessas abordagens (EC/SCP/87 e EC/SCP/89). Além disso, o ACNUR tem sido incentivado a desenvolver estratégias que contemplem princípios básicos de prevenção, de protecção e soluções que, visando situações específicas, se devem fundamentar nos princípios de asilo e protecção reconhecidos, como estipulado na Convenção e no Protocolo e de acordo com outros padrões de direitos humanos. Foi também enfatizada a necessidade implícita de uma suficiente vontade política dos países envolvidos para tratamento das questões críticas.
29. Um amplo conjunto de elementos jurídicos, políticos, de desenvolvimento, de segurança e outros devem ser contemplados nos esforços para estender a protecção internacional efectiva a todas as pessoas que dela necessitem. A Convenção e o Protocolo, assim como os instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos e refugiados, fornecem um enquadramento geral, largamente aceite, para essa tarefa. As deficiências que têm sido identificadas nesse enquadramento podem ser tratadas, em primeiro lugar e conforme recomendado pelo Comité Executivo, através de um maior desenvolvimento e consolidação de padrões não vinculativos. O ACNUR aguarda, com expectativa, as recomendações do Comité Executivo para prosseguir este processo.