Discurso da Alta Comissária das Nações
Unidas para os Refugiados
no encerramento da
47ª. Sessão do Comité Executivo
(Genebra, 11 de Outubro de 1996)
Senhor Presidente, Excelências, Distintos Delegados, Senhoras
e Senhores,
Chegados ao fim da sessão do Comité Executivo deste ano,
permitam-me, primeiro que tudo, afirmar que considero as contribuições
apresentadas, por todos os que usaram da palavra, muito importantes e estimulantes.
As nossas deliberações parecem ter beneficiado bastante de
todo o trabalho realizado pelo Comité Permanente. Embora algumas
das intervenções tenham tocado um vasto leque de assuntos,
fiquei particularmente satisfeita ao notar que os oradores também
se centraram no tema do ano.
Muitos oradores explicaram o êxito e as dificuldades que os seus
países estão a experimentar para encontrar soluções
duradouras para os refugiados, enquanto outros abordaram o problema numa
perspectiva mais geral. Em ambos os casos, aprendi imenso com as vossas
recomendações. Talvez a questão mais central seja
a percepção de que as deslocações forçadas,
sendo cada vez mais complexas, têm de ser tratadas de uma forma integrada.
A expressão "forma integrada" é muito ampla, pelo
que me permitam tentar desagregá-la com base nas vossas preciosas
observações.
Lembraram-nos repetidamente que, para resolver os problemas das deslocações
forçadas de uma forma duradoura, não podem ser ignoradas
as causas de raiz política e económica, incluindo a pobreza.
Encontrar o equilíbrio certo entre o fim da impunidade e o perdão
é um outro pré-requisito para soluções genuínas
e para a reconciliação, exigindo atenção redobrada
para a edificação de sistemas equitativos de justiça.
Ficou, também, bastante claro que tanto a protecção
como as soluções podem ser prejudicadas se for negada, a
nível internacional, a magnitude das questões de segurança
de algumas situações de refugiados.
De forma integrada, implica também um compromisso não
só de todos os países envolvidos, mas também da comunidade
internacional. Como alguns de vós observaram, é dada, frequentemente,
maior atenção aos países de acolhimento, devido às
suas responsabilidades onerosas, do que aos Estados produtores de refugiados
para que readmitam os seus cidadãos e criem as condições
para o fazerem em paz e em total respeito pelos seus direitos humanos.
Estou extremamente preocupada com situações em que as pessoas
foram deliberadamente enxotadas, como aconteceu nalgumas regiões
da Bósnia, e em que, mesmo em tempo de paz, o seu regresso continua
bloqueado. Permitam-me também realçar a minha preocupação
acerca do número crescente de situações em que os
refugiados são vítimas de disputas relacionadas com as suas
nacionalidades e se tornam apátridas de facto, perante soluções
que correm o risco de ser enganosas.
Apreciei bastante o ponto de vista apresentado por muitas delegações
no sentido de que devíamos, por vezes, empenharmo-nos em conjugar
soluções: eis um outro aspecto que envolve integração.
Apesar do repatriamento voluntário continuar a ser, indiscutivelmente,
a solução preferível, a sua combinação
com a integração local e a reinstalação pode
fazer-nos avançar mais rapidamente do que, frequentemente, agora
acontece. Senti-me particularmente encorajada com o exemplo dado pelo México
e pela Guatemala no que se refere aos últimos refugiados guatemaltecos.
Muitos de vós, justamente, saudaram o Plano Integrado de Acção
(PIA). No que respeita à reinstalação, o Alto Comissariado
está a tentar alargar o já muito limitado círculo
de países interessados, por forma a aumentar e a diversificar as
oportunidades para implementação desta solução.
Na implementação do repatriamento voluntário, é-me
grato reconhecerem os laços entre a reabilitação e
o repatriamento, por um lado, e a consolidação da paz e o
arranque para o desenvolvimento, por outro. Concordo que os esforços
de reabilitação do ACNUR devem articular-se com os planos
de desenvolvimento e que devemos assegurar, antecipadamente, que terão
viabilidade após a nossa saída. O âmbito e a duração
de acções de reabilitação do ACNUR e das actividades
de protecção dos retornados devem ser perspectivadas e reflectir
a melhor utilização dos especialistas e dos recursos dos
nossos parceiros.
Permitam-me, assim, reassegurar mais uma vez que o Alto Comissariado
tem interesse directo, e está empenhado, na coordenação
antecipada e efectiva de programas de reintegração em larga
escala assim como na resposta a situações de emergência.
Concordamos com a importância do processo consultivo do Comité
Permanente Interagências (IASC) mas esperamos que também reconheçam
que a coordenação interagências no terreno constitui
o verdadeiro teste.
Fiquei satisfeita ao observar a ênfase colocada, por várias
delegações, na possibilidade que o ACNUR tem de contribuir,
em cooperação com outros agentes relevantes, para o fortalecimento
da capacidade a nível local. É por se considerar este aspecto
como um instrumento essencial na prevenção que ele figura
de forma tão proeminente no Programa de Acção adoptado
na chamada Conferência da Comunidade de Estados independentes (CEI),
do último mês de Maio.
Senhor Presidente, permita-me que apresente alguns pontos adicionais
sobre os debates havidos. Gostaria de repetir uma observação
crucial: enquanto tentamos activamente encontrar soluções,
a repartição internacional de encargos é essencial
para ajudar a reduzir o impacto negativo dos influxos de refugiados, sob
o ponto de vista económico e ecológico, no mundo desenvolvido,
e para cada vez mais alicerçar a protecção.
Tendo em conta as pressões que recaem sobre o instituto do asilo,
fui igualmente encorajada por algumas manifestações de apoio
quanto à ligação inseparável entre a protecção
internacional e a procura de soluções. Embora ajustados para
cada situação, existem padrões de protecção
que devem ser aplicados ao longo da terrível jornada dos refugiados,
desde o momento em que precisam de segurança até quando regressam
aos seus países de origem ou se instalam noutro lugar qualquer,
em paz e com as suas necessidades básicas satisfeitas. Estou particularmente
grata pela reafirmação clara do princípio de non-refoulement.
Vários oradores realçaram mais uma vez a grave situação
das mulheres e crianças desenraizadas. O Alto Comissariado continuará
a efectuar consultas informais visando medidas que assegurem protecção
a todos os que dela necessitam, especialmente no que se refere à
protecção temporária.
Permitam-me aproveitar esta ocasião para saudar a adesão
do Quirguizistão à Convenção de 1951, registada
há três dias. Outras boas notícias são as de
que a Guatemala e o Brasil aderiram à Convenção sobre
o Estatuto dos Apátridas, a Bósnia-Herzegóvina ratificou
a Convenção sobre Redução da Apatridia e que
o Azerbeijão aderiu a estas duas Convenções.
Agradeço enormemente o vosso forte apoio ao processo de mudança
do ACNUR. Nos próximos tempos será particularmente importante
o diálogo directo com os nossos gestores. Posso assegurar que iremos
utilizar os vossos conselhos e analisar as vossas observações.
Um dos objectivos essenciais do Delphi é garantir uma efectiva integração
da protecção a todos os níveis. Faremos o nosso melhor
para conseguir o equilibrio entre incumbências e descentralização,
por um lado, e uma Sede com uma atenção reforçada,
mas mais arejada e eficiente, por outro. Agiremos com base nas recomendações
contidas nos relatórios analisados, os quais foram discutidos no
Comité Permanente e durante esta semana.
Senhor Presidente, um dos objectivos essenciais é estimular a
procura de soluções por parte do ACNUR, o Projecto Delphi
leva-me de novo ao nosso tema do ano. Ao escutar tantos oradores, senti-me
enormemente encorajada. O espírito de encontrar soluções
reinava na atmosfera. Não obstante, as declarações
dos delegados da região dos Grandes Lagos de África realçaram
quão explosiva se tornou a situação dos refugiados
do Ruanda. Saúdo o novo sentido de urgência patenteado nos
debates dos últimos dias e estou bastante satisfeita por eles terem
conduzido a alguns progressos nas nossas novas propostas de soluções.
Também noutros lugares creio que o ACNUR pode e deve dar um útil
contributo ao encorajar o diálogo centralizado na dimensão
humana dos problemas dos refugiados. Demasiadas vezes, as soluções
mantém-se bloqueadas porque este tipo de diálogo não
existe. Ao mesmo tempo, não obstante, devemos todos estar conscientes
dos limites da acção humanitária. Não deve,
aliás, tornar-se mais politizada do que já é. Os problemas
essencialmente políticos não podem ser prevenidos e resolvidos
através de meios humanitários.
Senhor Presidente, esta sessão do Comité Executivo reforçou a minha convicção de que os problemas dos refugiados não são insolúveis. Incentivou-me ainda mais a continuar os conversações sobre as deslocações involuntárias da população na região da Ásia Central e Sudoeste, que muitos de vós mencionaram.
Gostaria de lhe agradecer, Senhor Presidente, pela forma como nos conduziu
ao longo destes dias de intenso trabalho. Estou imensamente grata pelo
apoio demonstrado pelas delegações em relação
ao trabalho do ACNUR e, em particular, o apreço demonstrado pelo
pessoal do ACNUR. Juntos, com as nossas agências irmãs e com
a comunidade ONG, continuaremos a nossa parceria para resolver os problemas
de milhões de mulheres, homens e crianças desenraizados.
Obrigada.