Tendências e estratégias emergentes
As forças de mudança acima identificadas têm obrigado a comunidade internacional a desenvolver estratégias alternativas na procura de soluções para o problema dos refugiados. Esta nova orientação é talvez mais facilmente entendida quando comparada com a abordagem tradicional. Enquanto o modelo anterior pode ser descrito como reactivo, orientado especificamente para o exílio e para os refugiados, o modelo que começou a emergir durante os últimos anos pode ser descrito como pró-activo, orientado para o país de origem e integrado.
Os movimentos de refugiados não são inevitáveis e podem ser prevenidos se forem tomadas medidas para reduzir as ameaças que forçam as pessoas a sair do seu próprio país e a procurar refúgio noutro lugar. Este é o princípio fundamental da abordagem do problema da deslocação de populações que agora surge. O conceito de prevenção, utilizado neste contexto, inclui actividades como o acompanhamento e o "alerta antecipado" ("early warning"), a intervenção diplomática, o desenvolvimento social e económico, a resolução de conflitos, a criação de instituições ("institution building"), a protecção dos direitos humanos e dos direitos das minorias e a disseminação de informação junto de potenciais requerentes de asilo.
Como sugere esta lista de actividades, o mandato, capacidades e recursos do ACNUR e de outras organizações humanitárias, permitem-lhes exercer apenas um papel limitado na prevenção dos movimentos de refugiados. Esta tarefa deve ser primordialmente levada a cabo por outros membros da comunidade internacional, incluindo, de forma mais significativa, os governos dos países onde esses movimentos ocorrem, ou onde se verificam deslocações internas da população ou outro tipo de perturbações. A noção de prevenção está, por isso, directamente relacionada com outro elemento chave do modelo emergente - o conceito da responsabilidade do Estado. Por outras palavras, os governos, não só, devem ser responsabilizados pelas acções que levam as pessoas a procurar refúgio noutros países, mas também incentivados a criar condições que permitam o regresso dos refugiados.
A abordagem pró-activa baseia-se, também, na convicção de que, mesmo quando falham as medidas preventivas, é possível conter, controlar e gerir movimentos de refugiados e de pessoas deslocadas no interior do seu próprio país. Estes objectivos podem ser alcançados de diversas formas. Por exemplo, através da intervenção militar visando prevenir violações dos direitos humanos, pôr termo ao exôdo de pessoas cuja segurança tenha sido ameaçada e permitir o seu regresso. Nas situações de refugiados provocadas por conflitos armados que tenham conduzido a graves perturbações da economia, a prestação de assistência humanitária e de reabilitação a pessoas que tenham permanecido no país poderá evitar a sua saída. Por outro lado, esforços no sentido de estabelecer uma presença internacional num país de origem e de verificar a situação dos direitos humanos poderão incentivar o regresso de um número significativo de exilados.
Exemplos bem sucedidos destas estratégias têm sido observados nos últimos cinco anos no Iraque, na Somália e no Tajiquistão.
Um dos mais recentes esforços de gestão de um movimento de refugiados pode ser observado no Ruanda, onde a comunidade internacional adoptou uma estratégia multidimensional, que pretende minimizar quaisquer futuros fluxos e incentivar o repatriamento de refugiados. Esta estratégia baseia-se num conjunto de iniciativas descritas como "medidas geradoras de confiança", incluindo, nomeadamente, acções que visam:
O caso do Ruanda permite-nos compreender as dificuldades inerentes à
gestão dos movimentos de refugiados, uma vez que, apesar de todas
estas iniciativas, em meados de 1995 a grande maioria dos refugiados que
se encontravam na Tanzânia e no Zaire continuavam a não querer,
ou não poder, regressar ao seu país.
Países de origem
A abordagem que tem surgido nos últimos anos caracteriza-se por ser, de diversas formas, orientada para os países de origem. Em primeiro lugar, contrastando com o modelo tradicional, que se centrava essencialmente no direito de sair do próprio país e de procurar asilo noutro lugar, a nova perspectiva dá igual atenção ao direito de regressar ao país de origem e àquilo que tem sido designado como o "direito de permanecer" ou "direito de não ser deslocado". Mais uma vez exemplificados pela resposta internacional ao êxodo do Ruanda, estes princípios não só permitem como também exigem que governos e organizações humanitárias tomem medidas positivas no sentido de prevenir, limitar e inverter os movimentos de refugiados, no país em que têm origem.
Em segundo lugar, como corolário natural do princípio da responsabilidade do Estado, existe agora um consenso generalizado de que os países de origem devem ser centralmente envolvidos nos esforços para a resolução dos problemas dos refugiados. Anteriormente, quando a reinstalação num país terceiro e a integração local constituíam as soluções preferenciais para a situação dos refugiados, os países de origem podiam ser, em grande parte, ignorados. Mas agora que a comunidade internacional atribui uma importância essencial ao repatriamento voluntário, o mesmo não pode continuar a acontecer.
Um dos melhores exemplos desta reorientação pode ser observado no Sudeste asiático com a progressiva integração do Vietname no plano regional e internacional. Este processo iniciou-se com a participação do Vietname numa iniciativa internacional que ficou conhecida como o Plano Integrado de Acção para os Refugiados Indo-Chineses (Comprehensive Plan of Action for Indo-Chinese Refugees) e desenvolveu-se, posteriormente, com a retirada do boicote diplomático e comercial, que lhe tinha sido imposto por vários dos países mais ricos do mundo.
Mais recentemente, o ACNUR liderou o estabelecimento de um diálogo com as autoridades do Myanmar, o que permitiu o estabelecimento de uma presença internacional no país e o início do processo de repatriamento de mais de 250.000 refugiados que tinham fugido para o Bangladesh em 1991 e 1992. Como estes exemplos sugerem, para além de apoiarem a procura de soluções para os problemas dos refugiados, as acções humanitárias centradas-nos-países-de-origem podem também contribuir para tarefas mais amplas, como a promoção e verificação da situação dos direitos humanos e o reforço da cooperação regional.
Uma terceira manifestação da abordagem orientada-para-o-país-de-origem pode ser observada no crescente envolvimento operacional do ACNUR e dos seus parceiros no interior das fronteiras dos países de origem. Tradicionalmente, o papel do ACNUR nestes países era muito limitado e restringia-se essencialmente a situações em que um número significativo de refugiados regressava ao seu país sob os auspícios da organização. Estes refugiados necessitavam de assistência humanitária de curto prazo.
Contudo, durante os últimos dez anos e, mais particularmente,
nos últimos quatro ou cinco, as actividades do ACNUR nos países
de origem têm-se alargado muito rapidamente. Tem sido atribuída
particular importância à resposta às necessidades de
reintegração e de reabilitação dos refugiados
e das suas comunidades. Longe vão os tempos em que lhes era apenas
fornecido transporte de regresso ao seu país de origem, ficando
depois entregues a si próprios. Uma das mais antigas iniciativas
deste tipo teve lugar na Nicarágua, no início dos anos 80,
onde o ACNUR lançou um programa no montante de 12 milhões
de dólares, compreendendo 350 "projectos de impacto rápido"
(PIR), visando a reconstrução de infra-estruturas danificadas,
a reabilitação de bens e serviços de utilidade pública
e a reanimação das actividades económicas locais e
abrangendo regiões onde se tinham instalado cerca de 70.000 retornados.
Programas deste género servem agora de modelo aos programas de repatriamento
voluntário do ACNUR, tendo sido recentemente desenvolvidos em países
como Moçambique, o Myanmar, a Somália e o Sri Lanka.
Actores, beneficiários e questões implicadas
O carácter integrado da abordagem do problema dos refugiados que agora surge, tem-se manifestado através: da diversidade de actores envolvidos na procura de soluções, do leque de questões que se procura tratar e dos grupos beneficiários dos programas.
A dimensão e a complexidade do problema mundial dos refugiados conduziram ao alargamento do fosso entre as exigências operacionais feitas ao ACNUR e os recursos que a organização pode mobilizar. A Alta Comissária para os Refugiados reconheceu que o ACNUR tem sido "levado até aos seus limites" pela sucessão de recentes situações de emergência e por programas de repatriamento de larga escala. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma abordagem pró-activa e orientada-para-o-país-de-origem do problema dos refugiados exigiu que o ACNUR alargasse a sua actividade a um conjunto de áreas funcionais, em relação às quais lhe faltam experiência e capacidades adequadas.
Esta situação desencadeou um duplo processo de alteração organizacional. Por um lado, o ACNUR foi obrigado a desenvolver novas áreas de competência e a levar a cabo um conjunto de actividades não tradicionais, incluindo, por exemplo, a protecção e assistência a populações cercadas ou, de outro modo, afectadas pela guerra, a identificação das necessidades de protecção de retornados e de pessoas deslocadas internamente, o estabelecimento de programas nas áreas geográficas onde os retornados se instalam, a criação de programas comunitários de reabilitação e a prestação de informação rigorosa sobre oportunidades de migração a potenciais requerentes de asilo. Em resultado destes desenvolvimentos, o ACNUR deixou de ser uma organização exclusivamente vocacionada para os problemas dos refugiados, passando a ser uma agência humanitária de natureza mais abrangente.
Por outro lado, diversas organizações, muitas das quais tinham tradicionalmente um envolvimento limitado nas questões relacionadas com refugiados, disponibilizam agora os seus recursos, conhecimentos e capacidades técnicas, prestando o seu contributo para a resolução do problema da deslocação de populações. Por exemplo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas está agora muito mais directamente envolvido na prevenção e resolução dos problemas dos refugiados, o mesmo acontece com organizações de segurança como a NATO e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), com organizações regionais como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e com organismos especializados como o Centro das Nações Unidas para os Direitos Humanos e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Instituições financeiras como o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento regional poderão também desempenhar um papel cada vez mais importante em relação ao problema dos refugiados, quer na análise das condições sociais e económicas subjacentes a muitos movimentos de refugiados quer no processo de reconstrução pós-conflito.
O papel que estes actores têm assumido no campo dos refugiados é uma manifestação da nova percepção da comunidade internacional sobre a necessidade de ser feita uma abordagem abrangente e integrada do problema da deslocação de populações. Para resolver os problemas dos refugiados e prevenir futuras deslocações de população é necessária uma acção concertada num vasto conjunto de áreas, muitas das quais se encontram para além da competência do ACNUR e dos seus parceiros: a protecção dos direitos humanos, a manutenção da paz e da segurança entre Estados, a promoção do desenvolvimento sustentado e a gestão de movimentos migratórios maciços.
Para além disso, os governos e as organizações humanitárias têm cada vez maior consciência do facto dos problemas dos refugiados serem, por definição, transnacionais, não podendo ser resolvidos através de iniciativas descoordenadas dos diferentes países. Nos últimos anos observou-se, por isso, um interesse crescente pela abordagem regional destas questões, combinando esforços de países de origem e de acolhimento, bem como de outros governos, organizações internacionais e organizações não governamentais.
Um exemplo particularmente bem sucedido foi o processo iniciado com a CIREFCA - Conferência Internacional sobre os Refugiados da América Central, que teve lugar na cidade da Guatemala em 1989. Finalizada cinco anos depois, o princípio fundador da CIREFCA foi o de que "a paz e o desenvolvimento são inseparáveis, e que uma paz duradoura não pode ser alcançada sem que existam iniciativas visando resolver os problemas dos refugiados, das pessoas deslocadas e dos retornados, em toda a região" (ver caixa 1.5).
Como esta citação indica, uma última característica
da nova abordagem do problema dos refugiados diz respeito aos grupos de
pessoas abrangidos. Contrastando com a anterior atitude centrada-nos-refugiados,
reconhece-se agora que se o ACNUR quiser exercer o seu mandato de "procurar
soluções duradouras para o problema dos refugiados"
terá que ocupar-se também da situação das pessoas
deslocadas no seu próprio país, das populações
exiladas que regressam ao seu país de origem e das comunidades que
se encontram em risco de serem desenraizadas.
Dificuldades e perigos do novo paradigma
É necessária alguma precaução em relação ao modelo alternativo que tem vindo a emergir e que visa encontrar soluções para o problema dos refugiados. Mais concretamente, é necessário que sejamos realistas quanto às origens da abordagem proactiva, orientada-para-o-país-de-origem e integrada, bem como quanto ao alcance da sua operacionalidade e quanto à forma como é entendida pelos diversos membros da comunidade internacional.
Tal como foi sugerido na Introdução, a força motora por trás da alteração de abordagem da comunidade internacional ao problema da deslocação de populações tem, em muitos aspectos, sido mais fruto das circunstâncias do que de um premeditado processo de decisão política, por parte das Nações Unidas, dos seus Estados membros e organismos especializados. Muitas das inovações mais significativas dos últimos anos ocorreram em resposta a circunstâncias urgentes e inesperadas e apenas em retrospectiva tem sido possível observar tendências coerentes e padrões subjacentes aos esforços que visam abordar o problema dos refugiados.
Em virtude das rápidas e radicais alterações ocorridas nos últimos cinco anos, não surpreende que algumas das novas respostas se tenham mostrado mais eficazes do que outras. Por exemplo, não há muito tempo, existia uma convicção crescente de que as Nações Unidas seriam capazes de estabelecer o sistema de segurança colectiva que se tinha pretendido criar com a sua fundação, em 1945, capaz de impor a paz às partes em conflito e de limitar o número de pessoas deslocadas em virtude da guerra. Após a experiência do Ruanda, da Somália e da ex-Jugoslávia, muito poucos decisores políticos ou analistas subscreveriam esta opinião.
Do mesmo modo, nos primeiros anos da operação do ACNUR
na ex-Jugoslávia, pensou-se que o estabelecimento de uma forte presença
na região e a prestação de assistência às
populações afectadas pela guerra poderiam prevenir novas
deslocações da população e limitar a incidência
dos problemas dos refugiados. Contudo, a estratégia de "acção
preventiva" acabou por ser minada pela escalada do conflito e pela
crueldade com que foi prosseguida a política de "limpeza étnica".
Continuidade e mudança
As políticas e práticas relativas ao problema dos refugiados têm, sem dúvida, caminhado num sentido muito claro, nos últimos cinco anos. Mas seria errado dar a entender que a resposta da comunidade internacional ao problema dos refugiados se alterou completamente desde a queda do muro de Berlim e da desintegração da União Soviética. Na verdade, algumas das mais recentes iniciativas têm antecedentes.
Ideias como, por exemplo, o envio de observadores humanitários a países de origem, bem como o envolvimento activo destes países na procura de soluções, foram defendidas num importante relatório submetido à Comissão de Direitos Humanos em 1981 pelo Príncipe Aga Khan, antigo Alto Comissário para os Refugiados. A ideia de ligar a assistência humanitária prestada aos refugiados e retornados a actividades de desenvolvimento de mais longo prazo, nas regiões onde aqueles se instalam, um aspecto chave de uma abordagem orientada-para-a-solução do problema dos refugiados, podia já ser observada em África, em meados dos anos 60, por ocasião dos primeiros movimentos de refugiados do pós-guerra colonial. E o princípio de que "prevenir é melhor do que remediar", e que devem, por isso, ser tomadas medidas no sentido de prevenir deslocações da população antes que estas aconteçam, reporta-se pelo menos há 75 anos atrás, ao período em que os governos e a Sociedade das Nações se debatiam com as crises de refugiados provocadas pela Primeira Guerra Mundial. De facto, os anos 90 assistiram à redescoberta de muitas ideias que foram comuns durante o período entre as duas guerras, mas que estiveram adormecidas durante o período da Guerra Fria.
Seria igualmente falso sugerir que o surgimento de um novo modelo para
a procura de soluções tenha levado a uma reorientação
total do trabalho do ACNUR e dos seus parceiros e de outras organizações
humanitárias. Muitas das tarefas que a organização
leva actualmente a cabo, são essencialmente as mesmas que desempenhou
durante as primeiras quatro décadas da sua existência: oferecer
protecção jurídica e física a refugiados e
requerentes de asilo, respondendo às suas necessidades básicas
e apoiando-os no seu processo de reintegração numa comunidade,
quer no seu país de origem, quer num país de acolhimento.
Deste modo, a continuidade da actividade do ACNUR será talvez maior
do que o que parece implicado na distinção entre a "anterior"
e "nova" abordagem.
Sozinho em casa?
A abordagem que tem vindo a surgir na comunidade internacional, tendo em vista a solução dos problemas dos refugiados, apresenta um conjunto de vantagens potenciais. Milhares de pessoas poderão ser salvas do trauma e da dureza do exílio e igual número poderá recomeçar a vida no seu próprio país. Por outro lado, o fardo imposto aos países de acolhimento pode, desta forma, ser diminuído e pode ser feita uma nova e mais produtiva utilização das enormes quantidades de recursos que, actualmente, são atribuídos a programas de assistência a refugiados. Finalmente, poderão também diminuir algumas das tensões sociais e políticas que, potencialmente, poderiam forçar um grande número de pessoas a abandonar as suas casas e a procurar refúgio noutro lugar.
Ao mesmo tempo, é necessário submeter esta nova abordagem a uma análise crítica e avaliar as suas implicações em relação a princípios humanitários há muito estabelecidos. Mais especificamente, a adopção de estratégias proactivas e orientadas-para-o-país-de-origem deve ter em consideração o compromisso dos Estados em relação ao instituto do asilo e aos princípios da protecção dos refugiados.
Ultimamente, muitos países têm feito pouco segredo do seu cansaço em relação ao problema dos refugiados e da sua relutância em oferecer asilo, sem quaisquer limitações, a um grande número de pessoas deslocadas. Nalgumas ocasiões, os países têm encerrado (ou procurado encerrar) as suas fronteiras, negando desta forma refúgio a requerentes de asilo provenientes de zonas afectadas por conflitos como o Afeganistão, o Burundi, o Camboja e o Iraque. No mundo industrializado os Governos têm procurado alcançar resultados semelhantes através de meios mais sofisticados, interditando o acesso ao seu território a requerentes de asilo que procuram chegar a um potencial país de acolhimento ou alargando os seus controlos de imigração a países de origem e países de trânsito, através da introdução de exigências de visto e do controlo de passageiros previamente ao embarque.
Em várias ocasiões recentes, países que admitiram um número substancial de refugiados, anunciaram a intenção de os repatriar logo que possível, frequentemente, sem considerarem de forma adequada as condições prevalecentes nos países de origem. Apesar de raramente terem sido cumpridas, estas ameaças transmitem um sinal inequívoco - aos refugiados, às organizações que lhes prestam assistência e às populações locais - de que novos refugiados não são desejados e que estes deverão deixar o país o mais rapidamente possível.
Como estes acontecimentos sugerem, existe uma perturbadora e crescente tendência, entre os Estados, para encararem os refugiados e requerentes de asilo como um fardo indesejado e inconveniente. Alguns governos parecem ter concluído que a forma mais fácil de resolver o problema dos refugiados é, simplesmente, a de assegurar que populações deslocadas e carenciadas sejam forçadas a permanecer nos seus próprios países.
Infelizmente, alguns dos conceitos essenciais da nova abordagem dos problemas dos refugiados podem ser utilizados (e já o têm sido) para legitimar esta estratégia restritiva, negando-lhes, na realidade, o direito de procurar e beneficiar de asilo noutro país. Tal como o ACNUR e outras organizações humanitárias, os governos referem-se cada vez mais à necessidade de prevenir movimentos de refugiados, de conter as deslocações de população e de reconhecer o direito das pessoas a permanecerem nos seus próprios países. Este conceito de contenção pode ser utilizado no contexto do restabelecimento da paz e da segurança num país afectado pela guerra, limitando desta forma o número de pessoas que são obrigadas a fugir para salvar a vida. Contudo, noutras situações esta contenção pode traduzir-se no encerramento de fronteiras e na proibição de uma população ameaçada sair da povoação ou cidade onde se encontra.
O direito de permanecer é também susceptível de
gerar mal-entendidos. A ser-lhe atribuído algum significado, o direito
de permanecer deve ser entendido como a possibilidade de uma pessoa viver
em paz e em segurança no seu próprio país ou comunidade.
Não pode, no entanto, transformar-se numa obrigação,
que force as pessoas a permanecerem em situações em que não
podem ser adequadamente protegidas e para as quais não é
possível encontrar qualquer solução.
Parceria em acção ("Partnership in action")
A ideia de um "regime internacional de refugiados" implica (em linguagem corrente se não no vocabulário da ciência política) uma convergência de interesses e uma capacidade de aplicação de normas que parece faltar entre muitos países e organizações preocupados com as questões dos refugiados. O ACNUR e as organizações não governamentais, para não mencionar os próprios refugiados e pessoas deslocadas, poderão ter um interesse comum na resolução do problema da migração forçada e da prevenção de novas deslocações da população. Mas os seus interesses e prioridades podem ser muito divergentes no que diz respeito aos meios a utilizar para se alcançar este objectivo. Os países tendem naturalmente a centrar-se na defesa dos seus interesses nacionais e do seu território. Como demonstra a experiência recente, quando confrontados com a chegada de um número substancial de requerentes de asilo, podem ser tentados a encerrar as suas fronteiras ou a encontrar outras formas de dificultar ou impedir a entrada de novos requerentes. Por seu turno, as organizações não governamentais e grupos defensores dos direitos dos refugiados tendem, de igual modo, a valorizar estes últimos, podendo não ter em plena consideração os legítimos interesses dos Estados. Os próprios refugiados têm interesses a defender, apesar destes nem sempre serem coerentes. Como qualquer outra comunidade, as populações de refugiados são heterogéneas, encontram-se divididas por factores como a idade, o sexo, a educação, as qualificações académicas e o estatuto socioeconómico.
O ACNUR encontra-se frequentemente sujeito a pressões contraditórias por parte dos seus beneficiários, bem como por parte dos seus parceiros governamentais e não governamentais. Num período de rápidas e radicais transformações, como o dos últimos cinco anos, essas pressões podem ser de difícil conciliação.
A situação turbulenta dos refugiados no mundo em 1995 requer, por isso, um diálogo franco entre todas as organizações, instituições e indivíduos envolvidos na procura de soluções para o problema da deslocação de populações. Um primeiro passo importante neste processo foi dado em 1994. Durante esse ano, ACNUR realizou uma série de consultas aos seus parceiros não governamentais - o maior exercício do género alguma vez efectuado por esta agência das Nações Unidas.
Um diálogo igualmente intensivo é necessário com e entre um conjunto alargado de actores que podem contribuir com as suas capacidades e recursos para a procura de soluções para o problema dos refugiados. Tal como sugerem os capítulos seguintes, os Governos, as organizações regionais, as agências de desenvolvimento, as forças de manutenção da paz, os organismos de direitos humanos, os meios de comunicação social e os estudiosos - para referir apenas alguns - podem todos prestar um importante contributo para a prevenção e resolução dos problemas dos refugiados. Apenas uma abordagem integrada desta tarefa poderá responder às necessidades de hoje e as exigências de amanhã.