Protecção, Reintegração e Repatriamento
Reconhece-se actualmente, em geral, que o repatriamento voluntário e a reintegração representam a solução mais adequada para uma grande percentagem dos refugiados do mundo. É a solução que a maioria dos exilados parece preferir. Tal como foi já referido, muitos refugiados regressam logo que podem ao seu país, mesmo que ainda não tenham sido completamente restabelecidas condições de segurança. Esta é também a solução preferida pelos Governos dos países de acolhimento, muitos dos quais gostariam de evitar uma presença indefinida dos refugiados no seu território, bem como pelos países doadores que gostariam de ver os recursos que atribuem a programas de assistência a refugiados, de longo prazo, utilizados de forma mais produtiva.
Esforços desenvolvidos no passado, no sentido de proteger os direitos humanos dos refugiados têm, de alguma forma, dificultado o objectivo do seu repatriamento e reintegração. Durante muitos anos, quando uma grande percentagem de refugiados fugia de países comunistas, assumia-se (com alguma justificação) que eles não quereriam nem poderiam regressar. Por esta razão e também para desacreditar o bloco de Leste, os países ocidentais desenvolveram esforços substanciais no sentido de assegurar a integração dos refugiados no país que lhes concedia asilo ou de permitir que se deslocassem para outro país onde essa integração fosse possível.
A importância atribuída à reintegração
fora do país de origem encontra-se reflectida na Convenção
das Nações Unidas sobre Refugiados de 1951, que estabelece
com considerável detalhe os vários direitos civis, económicos
e sociais a que têm direito as populações exiladas,
num vasto conjunto de áreas - nomeadamente, a habitação,
a educação, a segurança social e o emprego - a Convenção
estipula que os refugiados devem ter um tratamento "não menos
favorável" do que o concedido a outros estrangeiros. Acreditava-se
que ao serem tratados desta forma, os refugiados acabariam por ser assimilados
pelos seus novos países, evitando-se assim a marginalização
social que poderia ocorrer se apenas lhes fosse concedido um estatuto de
segunda classe.
Benefícios sociais e económicos
Nas regiões menos desenvolvidas, os refugiados beneficiam de relativamente poucos dos direitos económicos e sociais previstos na Convenção sobre os Refugiados, pela simples razão de que os países para onde fugiram são muito pobres e não dispõem de condições básicas. Embora os refugiados que vivem em campos organizados beneficiem, frequentemente, de serviços tão bons (se não melhores) como os que se encontram disponíveis para a população local, as populações exiladas em paíse smenos desenvolvidos encontram-se, geralmente, em circunstâncias sócio-económicas mais difíceis do que aquelas que tinham no seu país de origem.
A situação dos refugiados que conseguiram chegar aos países industrializados da Europa ocidental, da América do Norte e da Australásia é bastante diferente. Muitos destes exilados descobriram que o seu nível de vida, mesmo que seja considerado pobre em função dos padrões locais, é consideravelmente melhor do aquele que teríam no seu país. Mesmo que não encontrem trabalho, têm pelo menos direito a prestações sociais. Normalmente, os refugiados nos países industrializados têm direito a educação e cuidados médicos gratuitos. Ao mesmo tempo, os programas de integração normalmente existentes nestas sociedades - ensino da língua, programas especiais de habitação, serviços de aconselhamento, bem como iniciativas de formação e emprego - têm permitido a muitos refugiados e, de forma mais significativa, aos seus filhos, adaptarem-se com sucesso à vida no mundo ocidental. Consequentemente, estes refugiados têm menor propensão para o repatriamento do que outros, que encontraram asilo em países menos desenvolvidos.
Esta tendência tem sido reforçada pela presença
e apoio prestado pelas comunidades nacionais e étnicas existentes
na maioria dos países industrializados. Por exemplo, os iranianos
que obtêm asilo em França, os zairenses que conseguiram asilo
na Bélgica, ou os Tamils do Sri Lanka que obtiveram asilo na Grã
Bretanha puderam contar com o apoio moral e material de milhares de compatriotas
seus, que já se encontravam instalados nesses países, quer
como refugiados, quer ao abrigo de outro estatuto de imigração.
O apoio deste tipo de comunidades enfraquece a vontade dos refugiados regressarem
ao seu país e de reclamarem a sua cultura e identidade.
Direito de residência
A tendência dos refugiados permanecerem indefinidamente nos países industrializados tem sido reforçada por dois outros factores: a relutância dos países de acolhimento de retirarem direitos de residência a pessoas a quem tenha sido concedido asilo, bem como a generalizada ausência, nessas sociedades, de programas de repatriamento organizados.
De acordo com a Convenção das Nações de 1951 referente ao Estatuto dos Refugiados, um Estado tem o direito de retirar o estatuto de refugiado a qualquer indivíduo assim que este possa regressar a casa, em condições de segurança. Na prática, contudo, os países industrializados não têm invocado esta disposição, mesmo em relação a refugiados provenientes de países onde o regime responsável por perseguições tenha sido substituído por um governo democraticamente eleito que respeite elevados padrões de direitos humanos.
Nos países menos desenvolvidos, a organização de programas de repatriamento voluntário para exilados que desejem regressar ao seu país tem sido uma prática comum do ACNUR. Sempre que os refugiados possam regressar a casa em condições de segurança, o ACNUR incentiva activamente a sua participação nestes programas.
Apesar de terem sido estabelecidos programas organizados de repatriamento voluntário para determinados grupos de refugiados em países industrializados - argentinos, chilenos, namibianos e sul-africanos, por exemplo - estas iniciativas tendem a ser mais a excepção do que a regra. Geralmente, os refugiados que desejam regressar a casa têm organizado o seu próprio repatriamento e reintegração no país de origem. Em virtude dos custos, da complexidade e dos riscos envolvidos neste processo não surpreende que muitos optem por não o fazer. Por outro lado, dada a crónica instabilidade em muitos países de origem, os refugiados que pretendem regressar ao seu país aguardam frequentemente até se terem naturalizado no país de asilo. Desta forma, podem manter em aberto as suas opções futuras.
Nos países desenvolvidos, os governos têm, geralmente, mostrado relutância em promover o regresso de refugiados, em grande parte porque o tema do repatriamento - mesmo quando é realizado numa base voluntária - se tornou uma questão extremamente sensível em países onde existe uma grande população de imigrantes e minorias étnicas.
Embora a maioria dos países industrializados ainda subscreva
esta filosofia de não repatriamento em relação a residentes
estrangeiros estabelecidos, os Governos estão actualmente a reavaliar
seriamente a protecção que prestam a refugiados recém-chegados
e têm vindo a questionar-se sobre a possibilidade de lhes oferecer
a segurança a que têm direito, encorajando-as simultaneamente
a considerar o repatriamento voluntário e a reintegração
no seu país como a solução primordial para a sua situação.
Este é o tema da discussão que se segue.
Protecção temporária ou asilo permanente?
Saber se o asilo deve conduzir à integração ou ser uma forma de oferecer protecção até que o repatriamento seja possível tornou-se uma questão particularmente pertinente em relação à Ex-Jugoslávia, onde a comunidade internacional inicialmente assumiu que seria capaz de encontrar rapidamente uma solução para o conflito. Com base neste pressuposto e no contexto de um conjunto mais vasto de medidas que procuravam abordar a crise humanitária na região, foi delineado o conceito de "protecção temporária".
Esta ideia não é inteiramente nova. Foi utilizada pelos países do Sudeste asiático quando concordaram em admitir temporariamente os "boat people" vietnamitas, enquanto estes aguardavam a sua reinstalação noutros países. O Paquistão tem sempre insistido que os muitos refugiados afegãos que vivem no seu território disfrutam apenas de asilo provisório, esperando-se que regressem a casa assim que a situação no seu país melhore. Um conceito relacionado com este é também referido na Lei de Imigração dos EUA de 1990, que prevê um "estatuto de protecção temporária" para cidadãos de países afectados por conflitos armados ou por outras situações excepcionais.
Contudo, é no contexto da Ex-Jugoslávia, que o conceito de protecção temporária tem sido desenvolvido, de modo mais sistemático, como forma de resolver os problemas dos refugiados. Em 29 de Julho de 1992, na primeira conferência patrocinada pelo ACNUR sobre a Ex-Jugoslávia, a Alta Comissária para os Refugiados pediu formalmente aos governos que oferecessem protecção temporária a pessoas que fugiam do conflito da Ex-Jugoslávia e das violações dos direitos humanos que se lhe encontravam associadas.
Esta proposta continha três elementos chave. Em primeiro lugar, as pessoas provenientes da Ex-Jugoslávia deviam ser admitidas nos países onde procuravam refúgio, sendo-lhes garantida protecção contra o reenvio forçado para qualquer país onde a sua vida ou liberdade corressem perigo. Em segundo lugar, relativamente aos seus direitos e benefícios, enquanto se encontrassem no país de refúgio, os beneficiários deste acordo deveriam ser tratados "de acordo com os princípios do direito humanitário internacionalmente reconhecidos". Em terceiro lugar, deveriam poder permanecer no país que os tivesse admitido até que fosse possível o regresso, em condições de segurança, ao seu país de origem. Nessa altura, o repatriamento deveria ser feito com a assistência da comunidade internacional. No final do primeiro trimestre de 1995, em toda a Europa, tinha sido concedida protecção temporária a cerca de 700.000 pessoas provenientes da Ex-Jugoslávia, encontrando-se o maior número na Alemanha.
Como indicam os parágrafos seguintes, a concessão de protecção temporária possui um conjunto de vantagens actuais e potenciais, quer para os seus beneficiários quer para os países que os tenham admitido.
Oferece uma segurança imediata. As pessoas provenientes da Ex-Jugoslávia a quem foi concedida protecção temporária na Europa Ocidental não têm, regra geral, sido obrigadas a passar pelos morosos procedimentos normalmente utilizados pelos Governos europeus para aprovar ou rejeitar pedidos de asilo individuais. Através da sua dispensa, os beneficiários têm disfrutado de uma garantia imediata de segurança e têm sido poupados à ansiedade de terem que aguardar por uma decisão em relação ao seu pedido de asilo.
Reconhece a necessidade de protecção. Confrontados com o constante aumento do número de pessoas que procuram asilo no seu território, nos últimos anos, os países mais ricos têm seguido uma tendência para adoptar interpretações cada vez mais restritivas dos critérios de atribuição do estatuto de refugiado. Em muitas situações, as pessoas que fogem de conflitos armados têm visto os seus pedidos recusados por não conseguirem demonstrar um receio individual de perseguição no seu país de origem. A abordagem da protecção temporária permitiu contornar esta dificuldade e contribui para um consenso generalizado de que deve ser oferecida protecção internacional a pessoas cuja segurança se encontra em risco, quer caibam ou não numa interpretação particular da definição de refugiado.
Simplifica procedimentos. Nos países industrializados, os procedimentos de análise dos pedidos de asilo individuais têm, nos últimos anos, sido sobrecarregados pelo número de pessoas que pedem o estatuto de refugiado. Ao garantir protecção temporária a muitos nacionais da Ex-Jugoslávia, que procuram refúgio no seu território, os Governos têm sido poupados à tarefa de analisar um número impraticável de potenciais pedidos individuais.
Incentiva a generosidade. Tal como foi já sugerido, uma das razões mais importantes que levou os políticos e a opinião pública dos países industrializados a endurecerem a sua atitude em relação aos requerentes de asilo foi a percepção de que os refugiados não desejam verdadeiramente regressar aos seus países, mesmo que sejam restabelecidas condições de segurança, preferindo permanecer no país de asilo e desfrutar dos benefícios materiais que a vida no mundo ocidental lhes oferece. Ao limitar o asilo a um período em que um refúgio seguro é de facto necessário, a abordagem da protecção temporária promete afastar estes receios. Como demonstra a experiência da Ex-Jugoslávia, os Governos sentem que poderão ser mais generosos com um grupo de requerentes se a sua presença não se tornar permanente.
Facilita o repatriamento. A protecção temporária ou "protecção orientada para o regresso", como foi designada por um Governo europeu, obriga todas as partes interessadas a considerarem seriamente o futuro repatriamento. Sabendo, desde o princípio que se espera que regressem ao seu país uma vez que a situação tenha melhorado, os beneficiários de protecção temporária podem preparar-se quer psicologicamente quer de forma mais prática para o dia em que o seu regresso seja possível em condições de segurança. Ao mesmo tempo, a abordagem da protecção temporária obriga os Governos e o ACNUR a procurarem a forma mais eficaz de facilitar o repatriamento de refugiados que se encontram nos países industrializados - questão que tem sido até aqui negligenciada.
Resolve o conflito. A abordagem da protecção temporária
fornece aos governos de acolhimento um incentivo concreto para abordar
os problemas dos refugiados na sua fonte - o país de origem. Simplificando,
se os países quiserem assistir ao rápido regresso de pessoas
que tenham temporariamente admitido no seu território, terão
que usar todos os meios ao seu alcance para criar, no país de origem,
as condições necessárias para que o repatriamento
possa ter lugar em condições de segurança.
A questão dos benefícios
Dado o curto período de tempo que até agora decorreu desde a introdução do conceito de protecção temporária para as pessoas provenientes da Ex-Jugoslávia, é difícil saber se todas as potenciais vantagens acima identificadas se irão verificar, em particular aquelas que se relacionam com o futuro a longo prazo dos beneficiários. No entanto, é possível identificar algumas das questões chave que foram suscitadas pela introdução do conceito de protecção temporária na Europa, que devem ser abordadas de forma mais sistemática, caso se pretenda adoptar abordagens semelhantes noutras situações.
Em primeiro lugar, que direitos devem ser concedidos aos beneficiários de protecção temporária? Tal como foi já indicado, uma das razões pelas quais os refugiados tendem a permanecer indefinidamente nos países industrializados decorre do facto de, muito rapidamente, desenvolverem relações sociais, se adaptarem ao modo de vida e se acostumarem ao nível de vida que essas sociedades oferecem. Deverão os beneficiários de protecção temporária ser desincentivados de estabelecer este tipo de laços com o seu país de acolhimento? E em caso afirmativo, poderá esse objectivo ser alcançado sem que os seus direitos humanos sejam violados?
Se, como parecem acreditar alguns governos, a integração social e económica constitui, de facto, um desincentivo ao repatriamento voluntário, então um meio mais racional de assegurar o eventual repatriamento de pessoas a quem tenha sido concedida protecção temporária talvez seja o de as instalar em campos isolados, impedindo-as de procurar trabalho, desincentivando-as de aprender a língua local e evitando o reagrupamento familiar. Embora este tipo de medidas já tenha sido utilizado nalguns países, se se mantiverem durante um longo período de tempo, estas estratégias revelar-se-ão, muito provavelmente, como politicamente inaceitáveis.
Algumas das medidas que podem ser tomadas para desincentivar a integração
poderão, também, ser postas em causa por motivos jurídicos
ou éticos, uma vez que, pelo menos algumas das pessoas a quem é
concedida protecção temporária, poderão preencher
os requisitos para a obtenção do estatuto de refugiado se
o seu pedido de asilo for considerado ndividualmente, não podendo,
por isso, ser arbitrariamente privadas dos direitos previstos na Convenção
das Nações Unidas sobre Refugiados. Por outro lado, tendo
sido reconhecidas como pessoas que necessitam de protecção
internacional, parece perverso tratá-las de forma menos generosa
do que os requerentes de asilo provenientes de outros países, a
muitos dos quais será, em última instância, recusado
o estatuto de refugiado.
Até quando deve ser concedida protecção temporária?
Em segundo lugar, tendo em conta que a situação no país de origem pode não melhorar tão rapidamente quanto inicialmente se previa, em que momento devem os beneficiários de protecção temporária poder ver os seus pedidos de asilo examinados individualmente ou, em alternativa, em que momento lhes deve ser garantido o conjunto completo de direitos e benefícios de que gozam as pessoas reconhecidas como refugiadas ao abrigo da Convenção de 1951?
Quando a abordagem da protecção temporária foi introduzida, em 1992, esperava-se que a guerra na Ex-Jugoslávia não se prolongasse. Contudo, hoje, três anos mais tarde, não se pode ainda prever, com certeza, quando irá a situação melhorar o suficiente, de modo a permitir o regresso, em condições de segurança, de muitas das pessoas que fugiram da guerra, especialmente no caso de pessoas provenientes de regiões onde o seu grupo étnico ou religioso não se encontrava, ou já não se encontra, em maioria.
Por isso, os Governos de acolhimento terão, nalguma fase, que
reconhecer que lhes deve ser garantida uma maior certeza quanto ao seu
futuro, oferendo-lhes um nível de tratamento que, eventualmente,
fará com que tenham menos tendência para pedir o seu repatriamento,
mesmo que o seu regresso se torne posteriormente possível. É
óbvio que condições que podem ser apropriadas para
um período de várias semanas, não poderão ser
prolongadas por meses ou anos sem prejuízo dos direitos humanos
das pessoas em questão. Por outro lado, nalguns casos, os beneficiários
de protecção temporária podem ter sido vítimas
de abusos tão graves no seu país de origem que a possibilidade
do repatriamento voluntário não deve ser sequer considerada.
Regresso em condições de segurança
Um terceiro conjunto de questões diz respeito à retirada da protecção temporária e a noção de regresso em condições de segurança. No que diz respeito a estes tópicos, pode ser suficiente listar algumas das questões que se levantam em relação ao futuro das pessoas provenientes da Ex-Jugoslávia, para as quais não existe actualmente resposta. Quem, por exemplo, irá determinar se existem ou não condições de segurança que permitam o seu regresso? Quanto tempo deve decorrer após a cessação das hostilidades e das violações dos direitos humanos que se lhe encontram associadas, antes que o regresso possa ser considerado seguro? O que acontecerá às pessoas que perederam a protecção temporária mas não querem regressar a casa? E que solução será encontrada para pessoas cujas casas se encontram em regiões que tenham sido ocupadas por membros de outro grupo étnico, ou que se encontram agora sob o controle de outro Governo em resultado de um acordo negociado?
Em quarto lugar, é importante saber até que ponto a protecção temporária e o direito de permanecer poderão ser usados indevidamente pelos Estados que desejam restringir as suas obrigações para com os refugiados. Quando a proposta de "protecção temporária" foi introduzida, em 1992, fazia parte de um pacote mais amplo de medidas que se esperava pudessem oferecer, aos requerentes de asilo, a protecção imediata de que necessitavam e uma eventual solução para o seu problema. Um elemento importante deste pacote foi a obrigação dos países de acolhimento manterem as suas fronteiras abertas a novas chegadas de pessoas da Ex-Jugoslávia. Este princípio não tem sido inteiramente respeitado.
As pessoas que fugiam de áreas afectadas pela guerra na Ex-Jugoslávia,
em particular da Bósnia- Herzegovina, encontraram sérias
dificuldades no acesso a países de acolhimento nos últimos
três anos de guerra. Esta situação surgiu em parte
devido à continuação da guerra e às limitações
que esta colocou à liberdade de circulação. Mas tal
como é apontado por um documento da Divisão de Protecção
Internacional do ACNUR, também deriva de acções tomadas
por outros Governos europeus. "Mesmo quando a partida não é
bloqueada pelos combates ou por elementos hostis locais, a entrada nos
países vizinhos é frequentemente recusada pela falta da documentação
exigida". "A maioria dos países que oferece "protecção
temporária", refere o documento, "têm imposto exigências
de visto ou restrições semelhantes aos bósnios".
Resolver os problemas de raiz
Em quinto e último lugar, o argumento de que a "protecção temporária" incentiva os países de acolhimento a abordarem as causas que estão na raiz dos movimentos de refugiados, no país de origem, tem levantado alguns problemas. Sugerir que os países da Europa ocidental se esforçaram mais por resolver o conflito da Ex-Jugoslávia, apenas pelo desejo de assistirem ao regresso de pessoas a quem tinham garantido protecção temporária, pode agora ser considerado fantasioso.
Os Governos da Europa Ocidental têm muitas razões - económicas,
políticas, militares e diplomáticas - para porem fim à
guerra na Ex-Jugoslávia, tendo todas elas maior peso no pensamento
dos decisores políticos chave do que o problema dos refugiados.
E no entanto, mesmo estes importantes interesses estratégicos não
motivaram os governos em questão a encetar uma acção
decisiva que pudesse pôr fim aos combates e às violações
dos direitos humanos que provocaram estes movimentos maciços da
população e que impedem agora os refugiados de regressarem
às suas casas.
Proteger os refugiados através da reintegração
Conceitos como "locais seguros" e "refúgio" implicam que o país de asilo seja um local acolhedor e que ofereça segurança a pessoas cujos direitos humanos se encontram em risco e cujo bem-estar físico e psicológico se encontra ameaçado. Infelizmente, um número substancial de refugiados em todo o mundo cedo descobre que o país para onde fugiram não pode ou não quer proteger, dessa forma, os seus direitos humanos. Num número reduzido de casos, os refugiados poderão mesmo correr maior perigo no país de asilo do que no seu país de origem.
Os refugiados que não conseguem encontrar um refúgio seguro no seu país de asilo integram-se em três situações típicas. Em determinadas circunstâncias, pode ser-lhes recusada a entrada no país para onde pretendiam fugir ou podem ser ameaçados de expulsão. Este é o cenário mais provável quando o potencial país de asilo acredita que os refugiados em questão ameaçam a sua estabilidade política, social ou económica. A persistente recusa dos países do Sudeste asiático em oferecer algo mais do que um asilo estritamente temporário aos "boat people" vietnamitas é disso um bom exemplo. Mas os refugiados também poderão correr o risco de deportação ou detenção prolongada nos casos em que o governo do país de origem e do país de asilo têm relações próximas ou partilham um sentimento de hostilidade em relação aos exilados em questão.
Noutros casos, os refugiados que tenham sido admitidos num país poderão ser ameaçados, não pelas autoridades do país de asilo, mas por outros grupos ou governos hostis. Por exemplo, em 1980, os refugiados sul-africanos que fugiam para países vizinhos como o Botswana, o Lesoto ou Moçambique eram sistematicamente mortos ou feridos em operações levadas a cabo pelo governo do "apartheid" e pelos seus agentes. Por outro lado, membros de determinados movimentos de libertação sul-africanos que entravam em conflito com os seus líderes eram sujeitos ao mesmo tipo de violação dos direitos humanos nos seus países de asilo.
Um terceiro grupo de refugiados com problemas específicos é constituído por pessoas com necessidades humanitárias especiais, que não podem ser atendidas nos países onde obtiveram asilo. Neste grupo incluem-se, normalmente, pessoas que tenham sido sujeitas a tortura ou a violência sexual e que necessitam de tratamento e aconselhamento especializados, refugiados que sofrem de graves incapacidades físicas ou mentais, para as quais não existe tratamento no local, bem como refugiados que tenham sido separados de familiares próximos.
O procedimento para proteger e assistir pessoas que se encontram nestas
difíceis circunstâncias encontra-se bem definido e envolve
a transferência do refugiado do país de asilo para outro país
que tenha concordado em recebê-lo, concedendo-lhe um direito duradouro
de residência, bem como a oportunidade de se naturalizar. Por esta
razão, a reintegração num terceiro país é
frequentemente referida como uma das soluções permanentes
ou duradouras de que os refugiados podem beneficiar.
Aspectos negativos
Durante a última década chegou-se a um consenso no seio da comunidade internacional de que a reintegração num terceiro país é a última das soluções para o problema dos refugiados. Tal como refere um dos documentos da Comissão Executiva do ACNUR, trata-se de uma "solução de último recurso".
A limitada importância que actualmente é atribuída à reintegração num terceiro país, enquanto forma de proteger os refugiados e de encontrar uma solução para a sua situação, justifica-se por um conjunto de diferentes razões. Esta reintegração constitui, em certo sentido, a antítese da abordagem pró-activa, preventiva e orientada-para-o-país-de-origem que a comunidade internacional tem adoptado nos últimos anos.
Tal como aconteceu com mais de um milhão de indo-chineses reinstalados na Austrália, no Canadá, em França e nos EUA, a reintegração num terceiro país implica, normalmente, a transferência dos refugiados do primeiro país de asilo, o seu transporte através de milhares de quilómetros por todo o mundo, o apoio ao seu processo de adaptação a sociedades onde a cultura, a língua e a estrutura social lhes são desconhecidas. Muitas destas pessoas, em particular os membros mais jovens das famílias, têm sido muito bem sucedidas nas suas novas vidas. No entanto, a reintegração é indubitavelmente um processo complicado e dispendioso, que nem sempre conduz a um final feliz para os refugiados em questão.
O programa vietnamita tem, em muitos aspectos, projectado uma sombra sobre o papel da reintegração enquanto solução e meio de protecção. Existe actualmente um consenso generalizado de que a decisão tomada em 1979, no sentido de oferecer aos "boat people" que chegavam ao Sudeste Asiático a possibilidade de se reinstalarem noutro país, funcionou como um "factor de atracção", contribuindo para um exôdo inimaginável de pessoas, um grande número das quais saía do país por razões económicas ou sociais e não para fugir de perseguições. Em resultado desta experiência, é previsível que os países industrializados sejam, no futuro próximo, mais cautelosos em assumir um compromisso aberto relativamente à reintegração de toda uma população de refugiados.
Embora os primeiros programas de reintegração possam ser, justamente, criticados, a imagem negativa que esta solução passou a ter obscureceu o importante papel que pode, e já tem, desempenhado na protecção de refugiados cujos direitos humanos se encontram ameaçados no seu país de asilo. Por vezes, esquecemo-nos, por exemplo, que o esforço de reintegração dos vietnamitas se iniciou não como um programa de imigração, politicamente motivado, para fora de um país comunista, mas como resposta à política de determinados países do Sudeste Asiático, que recusavam a entrada de embarcações que transportassem "boat people" vietnamitas, e rebocavam-nas para o alto mar. Esta prática draconiana (bem como o problema da pirataria) que levou à perda de milhares de vidas, só diminuiu quando os Governos da região receberam garantias de que a maioria, senão todos, os "boat people" necessitavam apenas de asilo temporário, uma vez que seriam reinstalados em terceiros países.
Portanto, para alguns dos refugiados do mundo a reintegração noutro país representa não uma "solução de último recurso" mas o único meio de protecção dos seus direitos humanos. Assim, a reintegração num terceiro país deve continuar a desempenhar um papel na procura de soluções para os problemas dos refugiados.
Este não é necessariamente um processo simples. Nenhum país tem a obrigação de acolher refugiados que procuraram asilo noutro país e apenas 10 dos 180 países do mundo o fazem regularmente. Por outro lado, em muitas situações, os países deram prioridade não aos refugiados com necessidades mais urgentes, mas aqueles que têm um maior potencial de integração, têm algum valor estratégico ou são oriundos de comunidades que possuem fortes grupos de pressão interna nos países de acolhimento, os quais exercem a sua influência em seu favor.
Apesar das dificuldades envolvidas, existem várias razões
para sermos optimistas em relação ao futuro da reintegração
num terceiro país. Programas de reinstalação de grande
dimensão, há muito estabelecidos, dirigidos a grupos como
os vietnamitas ou nacionais dos países da ex-União Soviética
têm vindo a diminuir a sua intensidade, dando aos países em
questão a oportunidade de reavaliarem seriamente as suas prioridades.
O fim da Guerra Fria reduziu significativamente o valor estratégico
da reintegração nos países ocidentais e poderá
incentivar outros Governos a aceitarem as recomendações do
ACNUR sobre a identificação de casos de reintegração.
Assim, embora o número de refugiados admitidos pelos países
industrializados possa provavelmente aumentar, poderá ser reforçada
a qualidade da reintegração num terceiro país, enquanto
meio de protecção.
A Reanálise de pressupostos e abordagens
Para capitalizarmos o novo ambiente que se vive nos anos 90, teremos que reexaminar alguns dos pressupostos e abordagens existentes em relação à reinstalação num terceiro país.
Em primeiro lugar, a ideia de que esta constitui uma solução permanente para a situação dos refugiados poderá ter que ser revista. A integração bem sucedida num país terceiro não impede necessariamente (e nalgumas circunstâncias até facilita) o eventual regresso ao país de origem. Pessoas que tenham sido capazes de se sustentar e de acumular alguns recursos no seu país de asilo poderão, nalgumas situações, considerar com maior facilidade o repatriamento do que aquelas que se tornaram dependentes de subsídios públicos e que perderam a auto-confiança necessária para recomeçarem a vida no seu país de origem. Por outro lado, se a protecção temporária demonstrar ser um meio eficaz e equitativo de gestão dos movimentos de refugiados, poderá haver alguma margem para a introdução de programas visando a reinstalação temporária de refugiados, enquanto se aguarda o seu repatriamento voluntário. Assim, em Agosto de 1995, o ACNUR apelou aos Governos para que permitissem a entrada de 50.000 bósnios, uma vez que se tinha reiniciado o processo de limpeza étnica e porque um grande número de pessoas deslocadas se encontrava já na Croácia.
Em segundo lugar, parece ser prudente evitar o tipo de programa estabelecido para os vietnamitas - e mais recentemente para os iraquianos na Arábia Saudita - em que se desenvolvem esforços no sentido de reinstalar todos os membros de um determinado grupo de refugiados. Esta abordagem não apenas incentiva os primeiros países de acolhimento a oferecerem formas de protecção bastante mais restritivas, mas poderá também provocar a deslocação de pessoas para lugares que lhes são cultural e socialmente estranhos. Tal como foi já sugerido por alguns países, o estabelecimento de programas de ajuda ao desenvolvimento dirigidos aos países de primeiro acolhimento, incentivando-os e capacitando-os para conceder asilo por períodos mais longos a refugiados que desejem permanecer na sua região, poderá conduzir a uma melhor utilização dos escassos recursos humanitários.
Em terceiro e último lugar, é necesário reanalisar o pressuposto de que a reinstalação num terceiro país deve, invariavelmente, envolver a transferência de refugiados de países menos desenvolvidos para países mais ricos. Para muitos refugiados, a deslocação para um país com uma cultura, clima ou língua mais familiares poderá facilitar o seu processo de adaptação e integração social. Por isso, a ideia da reinstalação intra-regional deverá ser explorada de forma mais sistemática.
Não parece haver muita margem para esta actividade. Os países menos desenvolvidos não estão geralmente dispostos a reinstalar refugiados que conseguiram asilo em países vizinhos ou próximos, a não ser que existam laços sociais ou históricos particularmente fortes com a sua própria população. Em virtude da dimensão que o problema do desemprego atingiu em muitos dos países mais pobres, mesmo os refugiados com formação superior e com qualificações mportantes enfrentam actualmente dificuldades em conseguirem reinstalar-se, sem que tenham que saír da sua região. No entanto, poderão existir situações em que a ajuda ao desenvolvimento, fornecida pelos países que tradicionalmente aceitam a reinstalação de refugiados e por outros países industrializados, possa ser utilizada para promover a reinstalação nas regiões de origem dos refugiados.