A acção humanitária, a acção política e a guerra
Durante a Guerra Fria, tornou-se comum fazer uma distinção clara entre as actividades "políticas" e as actividades "humanitárias" das Nações Unidas. A manutenção da paz e da segurança internacionais cabíam no âmbito da primeira categoria, enquanto a resolução dos problemas dos refugiados pertencia à última.
Esta separação de funções tinha um conjunto significativo de consequências. Em primeiro lugar, permitia aos blocos rivais demonstrarem a sua capacidade de se colocarem acima dos interesse ideológicos e nacionais e de agirem em prol da humanidade no seu todo.
Em segundo lugar, encobria a forma como os Governos na sua luta pela
supremacia utilizavam e exploravam, de facto, as questões humanitárias.
E em terceiro, limitava o controlo governamental sobre as agências
humanitárias como o ACNUR, atribuindo-lhes, deste modo, um valioso
elemento de autonomia e de independência. Num mundo bipolar a manutenção
desta distinção interessava a todos.
Imagens distorcidas
Uma das consequências mais negativas desta forma de funcionamento era, contudo, o facto de criar uma imagem distorcida da relação entre o humanitarismo e a acção política. Apesar da Guerra Fria ter terminado, alguns idealistas continuam a acreditar que a acção humanitária tem lugar num vazio político, não sendo afectada pelos interesses dos países que recebem ou que prestam assistência. De acordo com esta visão, o humanitarismo reflecte os sentimentos mais nobres e generosos, traduzindo-se em ajudar as pessoas independentemente de quem sejam, de onde se encontrem e da razão pela qual necessitam de ajuda. Por sua vez, a política encontra-se no outro extremo da escala moral e caracteriza-se pelo cinismo e por ser determinada por interesses egoístas.
Contudo, na relação entre a acção humanitária
e a acção política existe uma textura bastante mais
rica do que estas imagens simplistas sugerem. Tal como, em privado, reconhecerá
praticamente qualquer pessoa que trabalhe para uma organização
de ajuda humanitária, mesmo quando se pretende que a assistência
humanitária seja completamente imparcial e neutra, esta é
sempre susceptível de ter consequências políticas,
sendo frequentemente manipulada pelas partes em conflito para os seus próprios
fins.
Interferências políticas
As situações de emergência de refugiados dos últimos cinco anos demonstraram, de forma particularmente ilustrativa, a relação íntima entre a acção humanitária e a actividade política. Por exemplo, a decisão de lançar a Operação "Provide Confort" no Norte do Iraque e de estabelecer uma "zona de segurança" nessa região, apenas pode ser entendida no contexto da invasão do Kuwait pelo Iraque e da subsequente derrota militar deste último às mãos das forças da coligação. Por outro lado, a Somália fornece um bom exemplo de uma operação,inicialmente lançada com objectivos claramente humanitários, mas que depressa se viu envolvida na política local.
Em termos operacionais, a política também interfere de forma muito directa no trabalho das organizações humanitárias. As negociações que foram necessárias para conseguir fazer passar abastecimentos de ajuda humanitária através de numerosos postos de controle ("checkpoints") na Bósnia Herzegovina, por exemplo, ou a contratação de camiões fortemente armados para acompanhar os comboios humanitários na Somália são exemplos desta realidade. O dilema que surgiu na Tanzânia e no Zaire, onde tem sido prestada assistência internacional a populações de refugiados que incluem índividuos que se suspeita serem criminosos de guerra, constitui outro exemplo ilustrativo. A um nível mais superficial, as organizações humanitárias têm normalmente - e de forma justificada - que procurar obter autorização das autoridades quando pretendem manter uma presença em qualquer país. Em situações em que o aparelho de Estado entrou em colapso e a lei e a ordem deixaram de ser respeitadas, as organizações humanitárias são frequentemente sujeitas a formas de controlo bastante mais ásperas.
Embora estas considerações tenham suficiente importância em qualquer situação que envolva pessoas com necessidades urgentes, tornam-se ainda mais pertinentes durante conflitos internos, em que duas ou mais parte lutam pelo controlo do mesmo território. Tal como tem sido observado em países como Angola, o Sudão e a Ex-Jugoslávia, a questão do acesso a populações afectadas pela guerra é, em ultima instância, uma questão política e militar, sendo abertamente tratada como tal por Governos e por forças rebeldes.
Ao mesmo tempo, seria errado retratar as organizações
humanitárias como vítimas passivas da manipulação
política. Quer angariem fundos para as suas actividades, promovam
a sensibilização da opinião pública internacional
relativamente a situações de emergência concretas ou
procurem remover os obstáculos operacionais com que se confrontam
as suas operações, estas agências raramente desdenham
utilizar a sua influência junto de governos, de movimentos de oposição
ou dos meios de comunicação social.
Imparcialidade e neutralidade
Embora a distinção entre a "acção política" e a "acção humanitária" possa, em muitos sentidos, ser artificial, há um valor evidente na maximização da neutralidade e da imparcialidade do apoio humanitário. Durante mais de um século a distribuição de ajuda humanitária em situações de conflito armado tem sido fundamentada no respeito por determinados princípios. Estes princípios requerem que a ajuda humanitária seja prestada apenas a não combatentes, com base nas suas necessidades e independentemente das suas origens, convicções ou ideologia. Tradicionalmente, a acção humanitária tem sido baseada no consentimento das partes em conflito, pressupondo-se que, ao darem o seu acordo, estas também respeitarão os princípios do direito internacional humanitário (ver caixa 3,6).
Embora estes princípios nunca tenham sido universalmente aceites, as organizações humanitárias concordam que, nos conflitos que ocorreram nos últimos cinco ou seis anos, estes foram desrespeitados de uma forma particularmente despudorada.
Em resultado, tornou-se cada vez mais difícil convencer as partes num conflito a respeitarem a neutralidade e imparcialidade da assistência humanitária. Anteriormente as Nações Unidas tendiam a evitar ou limitar o seu envolvimento em qualquer situação em que os princípios humanitários fossem flagrantemente desrespeitados e em que a prestação de assistência fosse confrontada com limitações práticas ou políticas excepcionais. Contudo, hoje em dia, existem muito maiores expectativas, muitas delas alimentadas pelos media, de que as organizações internacionais e as ONG prestem auxílio às vítimas de conflitos, por muito difíceis e perigosas que sejam as circunstâncias. Esta combinação de tendências tem causado alguns problemas particulares alguns problemas particulares ao ACNUR e aos seus parceiros. Na Bósnia Herzegovina, por exemplo, quase todos os homens capazes foram mobilizados, o que retira significado à tradicional distinção entre combatentes e civis. Ao mesmo tempo, todas as partes envolvidas no conflito têm acusado os esforços de assistência liderados pelo ACNUR de fornecer apoio directo aos seus inimigos. Aos olhos das forças sérvias que rodeiam os enclaves muçulmanos na Bósnia, por exemplo, os esforços de assistência não têm, evidentemente, sido neutros, uma vez que prejudicaram os seus esforços militares para pôr termo a alguns problemas particulares pôr termo ao cerco e prolongaram a guerra. Através de pressões políticas e da presença da UNPROFOR tem sido possível fornecer alguma assistência a estas populações cercadas. Contudo, na melhor das hipóteses, estes envios de ajuda humanitária baseiam-se num consentimento prestado de "má vontade", o qual é susceptível de ser retirado a todo o tempo.
Todas as partes envolvidas no conflito da Bósnia Herzegovina têm tendencialmente utilizado a assistência humanitária para fins políticos ou militares. Para as forças governamentais de Sarajevo e para os enclaves bósnios, as fontes alternativas de alimentos são demasiado limitadas para que possam ter qualquer opção quanto a esta matéria. O fornecimento de combustível para fins humanitários tem suscitado ainda maiores desafios à neutralidade da assistência. O facto do ACNUR supervisionar a entrega de abastecimentos de combustível na Ex-Jugoslávia, assegurando a sua utilização para fins humanitários é, de certa forma irrelevante, uma vez que permite libertar abastecimentos de outros combustíveis para serem utilizados pelos militares. Mas será esta justificação suficiente para retirar o abastecimento de combustível a escolas, hospitais e outros equipamentos sociais?
Nas operações humanitárias apoiadas por forças
mandatadas pelas Nações Unidas, podem surgir dificuldades
particulares no que respeita à neutralidade da presença militar.
A prestação de apoio aéreo à UNPROFOR na Bósnia
Herzegovina, por exemplo, revelou uma divergência fundamental entre
a NATO e as organizações humanitárias que actuam na
região. A NATO entendia que o esforço humanitário
aprovado pelo Secretário Geral das Nações Unidas estava
a ser obstruído e isso justificava o uso ou a ameaça de uso,
da força, tendo em vista a remoção desses obstáculos.
Assim, ao anunciar, em Agosto de 1993, a decisão de definir "alternativas
para ataques aéreos", O Conselho do Atlântico Norte salientou,
de forma algo confusa, "o objectivo humanitário das medidas
militares previstas". Para as organizações humanitárias,
contudo, tratava-se de um argumento extremamente perigoso, uma vez que
caso fosse utilizada a força para garantir o acesso a populações
vulneráveis, a sua neutralidade seria posta em causa e tornar-se-íam,
inevitavelmente, alvos militares.
Intervenção e consentimento
Acontecimentos recentes em países como o Haiti, o Iraque e a Somália têm provocado um aceso debate sobre o envio de forças mandatadas pelas Nações Unidas com o objectivo de distribuir a assistência e prevenir violações dos direitos humanos. De acordo com alguns países, as crises humanitárias e os conflitos internacionais não devem ser retratados como ameaças à paz e à segurança internacionais, sujeitos às decisões do Conselho de Segurança, tomadas ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Contudo, muitos outros actores no âmbito da comunidade internacional, são da opinião que a intervenção militar para tais fins é inteiramente legítima, não apenas em termos morais, mas de acordo com o direito internacional. Contudo, os defensores desta tese devem reconhecer que estas intervenções não podem presumir-se neutras. Uma operação de manutenção da paz levada a cabo ao abrigo do Capítulo VII da Carta é incompatível com uma operação humanitária que, de acordo com o modelo tradicional da manutenção da paz, deve basear-se no consentimento. O Secretário Geral das Nações Unidas tem reconhecido, de forma realista, que "nenhuma operação pode utilizar a força numa parte do teatro enquanto noutra actua como missão humanitária e parceiro imparcial e neutro".
Tal como foi explicado atrás, no Norte do Iraque esta questão foi contornada porque o governo de Bagdad assinou um memorando de entendimento com as Nações Unidas, dando o seu consentimento para a presença da organização e nas suas actividades na região. Na Ex-Jugoslávia não tem sido fácil evitar a questão da neutralidade. O ACNUR tem procurado constantemente salientar a imparcialidade do seu papel e a sua disponibilidade para ajudar todas as populações que necessitam de assistência. Contudo, ao mesmo tempo, o Conselho de Segurança aprovou uma série de resoluções ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, condenando as acções dos sérvios bósnios, estabelecendo "zonas de segurança" num conjunto de enclaves cercados por forças sérvias e autorizando a taques aéreos da NATO para dissuadir ataques contra estas áreas.
Em resultado destas decisões, os sérvios bósnios
concluiram que as Nações Unidas como um todo tinham tomado
partido pelos seus inimigos. Aos olhos das forças sérvias,
o que restava da neutralidade da operação de assistência
rapidamente se desvaneceu, bem como a distinção entre o ACNUR
e a UNPROFOR. E quando a NATO iniciou os ataques aéreos contra as
suas forças, o ACNUR foi responsabilizado pela decisão. Este
malentendido foi talvez reforçado pela regularidade com que o ACNUR
se pronunciou contra as actividades das forças sérvias, uma
vez que apesar do ACNUR procurar manter a sua neutralidade em qualquer
conflito, não pode ficar silencioso quando existem provas de que
estão a ser cometidas graves violações dos direitos
humanos e de que a assistência humanitária está a ser
utilizada para fins políticos.
A utilização de sanções
A experiência recente na Ex-Jugoslávia e noutros países tem demonstrado que a neutralidade e a imparcialidade das actividades humanitárias pode ser comprometida não apenas pelo uso da força, mas também pela imposição de sanções militares e económicas, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
As sanções constituem uma faca de dois gumes no que diz respeito às organizações humanitárias. Por um lado, representam um instrumento importante para a comunidade internacional, nos seus esforços para enfrentar ameaças à paz e à segurança. Como tal, podem ser vistas como um meio de dissuasão das agressões e uma forma de evitar movimentos massivos da população. Por outro lado, contudo, a não ser que sejam claramente definidas disposições claras excluindo as actividades humanitárias das sanções, permitindo desta forma que alimentos, medicamentos e outros bens essenciais cheguem às pessoas que deles necessitam, poderão existir graves consequências para os membros mais fracos e menos influentes da população.
Para além disso, ao provocarem um endurecimento das condições materiais e originarem tensões sociais, as sanções podem também ter o efeito de provocar movimentos migratórios e de refugiados. Assim, na Jordânia, por exemplo, o ACNUR e o governo têm tido que lidar com um influxo substancial de requerentes de asilo iraquianos, muitos dos quais fogem de condições de vida cada vez mais dificeis no seu país. Tal como observou o Secretário Geral das Nações Unidas, as sanções "levantam a questão ética de saber se o sofrimento infligido aos grupos vulneráveis do país alvo constitui um meio legítimo de exercer pressão sobre os líderes políticos, cujo comportamento não será provavelmente afectado pela situação dos seus súbditos".
Tão grave como isso é o facto da imposição
de sanções poder colocar obstáculos práticos
no caminho das actividades humanitárias (os envios de assistência
para a Sérvia foram, a certa altura, adiados durante dois meses
devido à necessidade de autorização por parte do Comité
de Sanções) reforçando, desta forma, a percepção
de que estes esforços não são tão neutros como
se afirma. Como demonstra o caso da Ex-Jugoslávia, na atmosfera
altamente tensa de um conflito armado, é extremamente difícil
convencer as pessoas da distinção entre as Nações
Unidas "humanitárias", que ajudam as pessoas carenciadas,
e as Nações Unidas "políticas" que contribuem
para criar essas necessidades. E, no entanto, as resoluções
do Conselho de Segurança sobre sanções, raramente
mencionam os mandatos humanitários e têm, frequentemente,
sido introduzidas sem uma verdadeira consulta às agências
de assistência humanitária da organização.
Manter os mandatos humanitários
Uma vez que os problemas dos refugiados se encontram invariavelmente enraizados em conflitos políticos, o ACNUR desde há muito defende que o problema das pessoas deslocadas deve ser claramente (squarely) colocado na agenda política. Em numerosas declarações públicas, a Alta Comissária para os Refugiados tem saudado o maior interesse e envolvimento dos orgãos políticos das Nações Unidas em questões humanitárias e de refugiados. A resplução dos problemas dos refugiados e a sua prevenção exige uma colaboração estreita entre o ACNUR e esses orgãos.
Ao mesmo tempo, existe um risco óbvio de politização dos mandatos humanitários. Uma vez que em qualquer situação de conflito armado e de movimento massivo da população, os imperativos políticos e humanitários não serão necessariamente coincidentes e poderão mesmo encontrar-se em conflito. Por exemplo, o repatriamento de uma população exilada pode, ser politicamente desejável mas não ser seguro para os refugiados em questão. A evacuação de civis de uma zona de guerra pode responder a necessidades humanitárias, mas ser politicamente inaceitável para uma ou mais das partes em conflito. A assistência alimentar pode ser necessária às vítimas de todos os lados, mas pode também diluir os efeitos das sanções sobre uma parte recalcitrante ou minar os esforços militares.
Em resumo, não se trata de saber se as actividades humanitárias e as actividades políticas têm uma zona de intersecção, mas de saber de que forma essa relação é gerida. A experiência recente demonstra que a independência e a imparcialidade da acção humanitária são bastante mais fáceis de manter em operações de implementação de planos de paz (peace-plan) do tipo das que aconteceram no Camboja e em Moçambique, porque as partes já acordaram relativamente à cessação das hostilidades, os objectivos destas operações já foram determinados e o papel das Nações Unidas já foi definido e acordado. São necessárias bastantes maiores precauções no caso das operações alargadas (extended) de manutenção da paz e em acções de imposição da paz do tipo verificado na Somália e na Ex-Jugoslávia, que não partilham de nenhuma destas características.
As actividades das organizações humanitárias não
podem resolver problemas de natureza política. Na ausência
de uma vontade de paz e do desejo de se chegar a um compromisso, das partes
envolvidas num conflito, a solução desses problemas requer
da parte dos Estados a necessária vontade política de prevenir
violações dos direitos humanos, pôr termo à
agressão armada e de abordar as causas subjacentes ao conflito.
Quando a comunidade internacional estiver preparada para utilizar a força
para manter a paz, essa decisão deve, até ao limite possível,
ser tomada independentemente da operação humanitária.
Nos casos em que as duas funções se tenham confundido, a
lógica da assistência continuada poderá ter que ser
revista. Infelizmente, poderão existir circunstâncias em que
a operação humanitária terá que ser interrompida.
O futuro da manutenção da paz
Existem agora elementos suficientes sugerindo que a recente confusão entre operações consensuais e não consensuais de manutenção da paz irá de futuro ocorrer com menor frequência. Durante os últimos cinco anos, as Nações Unidas e os seus Estados membros descobriram quão perigosa pode ser esta confusão, e quão difícil é restaurar a paz em situações em que um conflito já se encontra activo (raging), em que as partes não encontram qualquer razão para pôr termo aos combates e em que as armas necessárias para sustentar a violência se encontram facilmente disponíveis. O mundo parece ter reconhecido que, nestas circunstâncias, a intervenção militar comporta custos financeiros elevados e é politicamente arriscada, sendo fracas as possibilidades de sucesso.
Em resultado destes desenvolvimentos, existe uma consciência cada vez maior de que o envio de tropas mandatadas pelas Nações Unidas, com um mandato de imposição da paz representa uma estratégia de último recurso, uma resposta que se torna necessária quando os esforços proactivos e preventivos não funcionaram ou não foram prosseguidos de forma suficientemente vigorosa. Ao mesmo tempo, existe actualmente um desejo entre os governos mais influentes do mundo de evitar a abordagem que já foi caracterizada pela Administração americana como um "multilateralismo assertivo". De facto o fraco resultado do envolvimento das Nações Unidas e dos EUA na Somália conjugou-se com as recentes mudanças na política interna dos EUA e, quase de certeza, levará o mais poderoso país do mundo a só apoiar quaisquer futuras operações das Nações Unidas quando estas respondam a critérios muito claros.
De acordo com os termos de uma recente directiva da presidência, por exemplo, Washington não aprovará quaisquer novas operações das Nações Unidas, com ou sem a participação de soldados americanos, a não ser que aquelas tenham objectivos claros, uma estratégia de evacuação realista e o consentimento das partes envolvidas. Antes de se comprometer no envio de quaisquer tropas para uma operação das Nações Unidas, os EUA deverão, ainda, assegurar-se de que essas operações contam com a aprovação do Congresso, com o apoio da opinião pública, e com um comando e organização adequados. A um nível mais geral, uma precaução semelhante pode ser observada na abordagem do Conselho de Segurança em relação ao conflito angolano, que prevê um envio faseado de forças das Nações Unidas, dependente de um conjunto de acções por parte das partes em conflito, demonstrando a continuação do seu compromisso para com o processo de paz.
No âmbito das próprias Nações Unidas, o Secretário Geral tem também reconhecido a necessidade de tirar lições da experiência dos últimos cinco anos. "As Nações Unidas podem orgulhar-se da rapidez com que a manutenção da paz tem evoluído, em resposta ao novo ambiente político resultante do fim da Guerra Fria", afirmou o Secretário Geral num recente relatório entregue ao Conselho de Segurança. "Mas os últimos anos têm confirmado que o respeito por determinados princípios básicos da manutenção da paz são essenciais para o seu sucesso", nomeadamente, "o consentimento das partes, a imparcialidade e a não utilização da força excepto em caso de auto-defesa". A manutenção e a imposição da paz, conclui o Secretário Geral " devem ser vistas como técnicas alternativas e não como pontos adjacentes numa linha".
O pessimismo gerado pela experiência das Nações Unidas em países devastados pela guerra como o Ruanda, a Somália e a Ex-Jugoslávia é compreensível mas, de certa forma, injustificado. Tal como foi sugerido anteriormente, neste capítulo, os esforços da organização mundial para encontrar uma solução pacífica para uma geração de conflitos anteriores encontraram um sucesso considerável. E mesmo em situações em que os esforços de manutenção da paz falharam ou tiveram um sucesso limitado, milhões de vidas foram salvas através de uma acção humanitária eficaz.
Talvez mais significativo seja o facto dos esforços para proteger e assistir populações deslocadas terem agora lugar num novo ambiente normativo. Tal como sugere um estudo, "a transformação da política mundial fez luz sobre a extensão das necessidades humanas e sobre a enorme importância relativa das considerações humanitárias. Os valores humanitários começam a ser vistos como importantes em si mesmos e não como meio de se atingirem objectivos políticos" (1).
São agora desenvolvidos esforços no sentido de se aproveitarem as oportunidades apresentadas por este novo ambiente, reexaminando todo o arsenal de técnicas que poderão ser utilizadas para prevenir conflitos armados e para reduzir o nível do sofrimento e dos movimentos populacionais que provocam. Como poderá, por exemplo, a comunidade internacional utilizar a ideia da dissuasão, um pilar central da estratégia militar durante os anos do sistema bipolar, para dissuadir ou pôr termo a conflitos na era pós Guerra Fria? De que forma se poderá influenciar o comportamento de grupos beligerantes e garantir que estes observem princípios humanitários básicos e respeitem as leis da guerra? Como poderá ser reduzido o fluxo de armas ligeiras para zonas de conflito? Que acção poderá ser tomada para limitar o desenvolvimento e a disseminação de novos tipos de armamento letal como as armas laser? E, tal como questiona o capítulo seguinte, de que forma poderão ser abordadas e resolvidas as causas subjacentes a tantos conflitos armados - a pobreza, a desigualdade e distorcidos padrões de desenvolvimento?