Práticas restritivas de asilo: causas e efeitos
Sugerir que as definições de refugiado e migrante económico tenham perdido toda a sua validade científica seria incorrecto. Nalgumas situações, a distinção pode ser relativamente fácil de fundamentar. Ninguém sugere que os 400.000 liberianos que vivem na Guiné, se deslocaram para esse país com o objectivo de melhorarem o seu nível de vida. Do mesmo modo, não existe realmente dúvida de que os cerca de 1.000.000 trabalhadores filipinos que vivem fora do seu país sejam migrantes económicos. Mas a questão torna-se mais complexa em relação aos ruandeses que chegam à Bélgica, aos haitianos que conseguem alcançar os EUA, aos somáli que atravessam o continente africano até à República da África do Sul, aos vietnamitas que chegam de barco à costa australiana. Para além disso, ao apresentarem um pedido de asilo, estas pessoas passam, de facto, a fazer parte do problema de refugiados, mesmo que em última instância os seus pedidos sejam rejeitados.
No que diz respeito aos países industrializados, este problema tem assumido uma série de diferentes aspectos. Em primeiro lugar, numa altura em que os governos procuram limitar os níveis de imigração primária e dar prioridade a determinados grupos bem definidos, a chegada espontânea de tantos requerentes de asilo representa uma significativa perda de autonomia. Seria errado sugerir que os países mais ricos se opõem categorica e unanimemente à imigração. De facto, países como a Austrália, Canadá e EUA, sendo eles próprios nações de imigrantes, continuam a encontrar aspectos positivos na chegada e absorção de estrangeiros. Mas os países industrializados e os seus cidadãos desejam regular este processo e sentir que detêm algum controlo sobre o tipo de pessoas que são admitidas no seu território.
Em segundo lugar, numa altura em que muitos dos países desenvolvidos são confrontados com déficits orçamentais significativos e solicitações acrescidas sobre a despesa pública, o recente fluxo de requerentes de asilo representa um encargo financeiro indesejado. De acordo com uma estimativa, o custo da gestão dos procedimentos de asilo e a prestação de benefícios sociais aos requerentes de asilo, em 13 dos mais importantes países industrializados, aumentou de cerca de 500 milhões de dólares, em 1983, para cerca de 7 biliões, em 1991. Em 1994, pensa-se que só a Suiça desembolsou cerca de 400 milhões de dólares em gastos relacionados com o asilo.
Um terceiro e mais trágico problema, associado à chegada
de requerentes de asilo aos países industrializados, diz respeito
ao aumento das atitudes xenófobas no seio das comunidades de acolhimento
- tendência que tem sido incentivada e explorada por partidos políticos
extremistas. Apelando a um eleitorado mais alargado do que a alienada juventude
urbana, mais abertamente associada a organizações racistas,
estes partidos têm conseguido exercer uma importante influência
sobre a agenda política em muitos países europeus. Para manter
o apoio da opinião pública, mesmo os governos mais liberais
são levados a procurar formas de fechar a porta do asilo.
Prevenção e dissuasão
Durante a última década, os países industrializados têm multiplicado esforços para prevenir ou dissuadir os requerentes de asilo de alcançarem o seu território e para acelerar os procedimentos de análise dos pedidos. Estas medidas incluem, nomeadamente:
Qual tem sido o impacto destas medidas? Num sentido estrito, parecem ter conseguido alcançar os resultados pretendidos, uma vez que, tal como se indicou anteriormente, após um período de crescimento ininterrupto desde 1983, o número de pedidos de asilo apresentados nos países industrializados tem vindo a descer nos últimos dois anos. Só na Alemanha, que recebeu um número de requerentes de asilo muito superior a qualquer outro país europeu, o número de pedidos baixou, no mínimo, 60% em 1993-94 (ver caixa 5.3).
De acordo com muitos Governos e com alguns analistas independentes, as práticas restritivas dos últimos anos podem ser justificadas por razões mais construtivas. Tem sido sugerido que apenas prevenindo a entrada de um grande número de migrantes económicos, através da porta do asilo, se poderá preservar o apoio da opinião pública em relação à entrada de refugiados e ao instituto do asilo. A imposição destas restrições pode também ser o preço a pagar pela garantia do bem-estar de comunidades imigrantes, que se encontram estabelecidas nos países de acolhimento, e pela promoção de relações étnicas harmoniosas. Como afirmou um analista, "a perspectiva de integração bem sucedida da actual geração de migrantes e dos seus descendentes na vida política, social e económica dos países da Europa comunitária será substancialmente mais elevada, se os países membros sentirem que detêm um controlo efectivo sobre as entradas, do que se os fluxos da imigração não forem regulados (1).
Estes são argumentos de peso e representam uma importante correcção
da ideia, ainda acarinhada por alguns grupos de defesa, de que os controlos
de imigração são moralmente errados e que os pedidos
de estatuto de refugiado deveriam normalmente ser considerados de boa fé.
O ponto de partida de qualquer abordagem séria desta questão
deve ser o de garantir o legítimo interesse dos países e
sociedades em regular o movimento de entrada de pessoas no seu território.
No entanto, existem elementos suficientes no sentido de que as medidas
que os Governos têm introduzido para controlar a admissão
de estrangeiros têm tido algumas consequências negativas para
os refugiados e para o instituto do asilo.
Implicações da protecção
"Uma vez que os países, em particular no mundo industrializado, intensificam e coordenam os seus esforços para controlar a imigração ilegal, existe o perigo das medidas legislativas e administrativas adoptadas, incluindo aquelas que visam acelerar os procedimentos de asilo e transferir a responsabilidade pela análise dos pedidos para outros Estados, poderem ter o efeito de colocar os refugiados em situações que, em última instância, poderão levá-los a regressar a um país onde a sua vida ou liberdade se encontram ameaçadas". Tal como sugerem estas declarações da Divisão Internacional de Protecção do ACNUR, os métodos cada vez mais duros e sofisticados, adoptados pelos controlos de imigração dos países mais ricos têm, nalguns casos, ameaçado princípios fundamentais da protecção de refugiados.
Por exemplo, nos últimos anos, as representações do ACNUR no terreno denunciaram um crescente número de situações de requerentes de asilo a quem foi recusada entrada num país, tendo sido reenviados para o último país de trânsito. Contudo, em vez de examinar o pedido de asilo, o país de trânsito tem, por vezes, procedido à expulsão sumária dos indivíduos em questão, quer para o país de origem, quer para outro país onde a sua segurança não se encontra garantida.
Um exemplo desta tendência verificou-se no caso de seis requerentes, nacionais da Somália (uma mulher e cinco crianças) que foram reenviados da Bélgica para a República Checa, tendo subsequentemente sido expulsos deste país para a Eslováquia e daí para a Ucrânia (que não é signatária da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto de Refugiado), onde se lhes perdeu o rasto. De acordo com o ECRE, todos os meses, milhares de requerentes de asilo são afectados por estas "expulsões em cadeia" para os países saídos do regime comunista, que têm pouca experiência em questões de refugiados e a quem faltam meios para responder às necessidades de assistência dos candidatos ao asilo.
Uma outra ameaça, igualmente séria, aos princípios de protecção pode ser observada no argumento de que o direito internacional de refugiados não é aplicável a um Estado fora do seu território. Os requerentes de asilo que viagem de barco ou jangada e que sejam interditados em alto mar poderão, segundo este argumento, ser sumariamente reenviados para o seu país de origem, mesmo que corram o risco de virem a ser perseguidos. Tal como comentou a Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados, "esta ideia é claramente inconsistente com os fins e contrária ao espírito da Convenção das NU sobre Refugiados".
Um último exemplo da forma como as práticas restritivas de asilo têm ameaçado a protecção dos refugiados pode ser observado na expulsão sumária de requerentes de asilo que chegam sem passaporte ou visto válidos. Nalguns países, as autoridades têm efectuado o controlo de documentos a bordo de aviões, logo que estes aterram, o que que lhes permite afirmar (aliás de forma bastante duvidosa) que qualquer passageiro subsequentemente expulso não foi admitido no território do país e, por isso, não se encontrava em situação de poder pedir asilo. Infelizmente, o ACNUR tem conhecimento de casos em que as vítimas destas expulsões foram presas ou torturadas, logo após a sua chegada ao país para onde foram reenviadas.
Poderá ser manifestado um conjunto de outras reservas em relação à forma como os países industrializados têm procurado controlar a imigração ilegal e o número de pessoas que procuram asilo no seu território.
Em primeiro lugar, apesar do número de pedidos de asilo recebidos pelos países mais ricos ter descido nos últimos dois anos, a experiência anterior sugere que medidas restritivas tendem a desviar o fluxo de potenciais refugiados, sem que necessariamente o volume total de pedidos seja reduzido. Deste modo, pode não ser coincidência o facto de, em 1994, o número de pedidos apresentados na Alemanha ter descido cerca de 60%, enquanto na Holanda, o número de pedidos apresentados, durante o mesmo período, ter aumentado pouco menos de 50%.
As representações do ACNUR em países como a India, Nigéria, Tailândia e África do Sul, para não referir os países da Europa do Leste também registam um aumento do número de pedidos de asilo apresentados por pessoas que, em anos anteriores, poderiam ter tentado chegar a uma das sociedades industrializadas. Para além disso, existem indicações de que com o encerramento da porta do asilo, muitas pessoas recorrem à imigração ilegal - uma tendência que é acolhida com agrado por traficantes e sindicatos do crime que controlam este negócio em expansão.
Em segundo lugar, embora fosse bom acreditar que controlos de imigração e de asilo apertados poderão contribuir para a harmonia racial e para a integração social de grupos minoritários, existem poucos elementos que comprovem que isto seja, de facto, verdade. Um dos aspectos mais desconcertantes do debate sobre o asilo em muitos países desenvolvidos, é a linguagem de crise de que se tem revestido. Os políticos que falam sobre o facto do seu país ser "inundado por falsos refugiados", "invadido por estrangeiros" ou "atolado de imigrantes ilegais" têm conseguido criar um ambiente de muito pouca empatia em relação aos migrantes e grupos minoritários, qualquer que seja o seu estatuto.
Em terceiro e último lugar, é essencial recordar que, apesar do recente decréscimo numérico (que pode evidentemente não se manter) o problema da migração irregular não foi, de forma nenhuma, resolvido. Existem milhares de requerentes de asilo, obrigados a viver num limbo (ou mesmo em centros de detenção) enquanto aguardam que os seus pedidos sejam analisados. Os governos continuam a canalizar biliões de dólares para controlos fronteiriços, procedimentos de asilo e centros de detenção, ao passo que os recursos atribuídos ao desenvolvimento e à promoção dos direitos humanos nos países de origem têm sido congelados ou reduzidos.
Tal como tem defendido o Director Geral da OIM, esta situação
apela para uma urgente revisão de prioridades. "Procurem recordar
as últimas notícias nos meios de comunicação
social sobre refugiados de que conseguem lembrar-se", sugeriu ele
num recente discurso."Recordem-se da importância atribuída
ao número de pessoas envolvidas e às dificuldades sentidas
pelos países que acolhem os migrantes. Não será altura
de, em vez disso, dar importância às razões que estão
por trás de movimentos tão grandes de pessoas que procuram
asilo, muitas das quais sabendo que não irão conseguir fundamentar
o seu pedido, mas que o apresentam de qualquer forma? Não será
altura de reconhecer que este enorme número de pedidos infundados
reflecte largamente a ausência de outras medidas para abordar as
pressões migratórias? Não será altura de se
abordarem as causas de uma forma pró-activa?"
A ideia de gestão das migrações
Um dos mais interessantes conceitos surgidos dos esforços para se adoptarem abordagens mais construtivas, em relação ao problema dos refugiados, foi o de "gestão das migrações", que rapidamente passou a fazer parte do vocabulário de analistas e técnicos desta área. "Para ser eficaz", escreve o Director do Departamento de Imigração e Naturalização dos EUA (INS), "a política deve ir além do controlo convencional e das medidas humanitárias, de forma a que a gestão das pressões migratórias se torne um dos objectivos económicos, políticos e de segurança dos países" (5). "A gestão eficaz das migrações", observou um especialista" requer uma visão de longo prazo e uma posição activa, que possibilite o envolvimento positivo da política naquilo que é um aspecto extremamente complexo e, em última instância, inevitável do mundo moderno". (3)
A Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados tem também utilizado este conceito num conjunto de intervenções recentes, sobre o interface entre as questões da migração e os refugiados. "O desafio actual", afirmou ela, "não é o de construir barreiras para manter as pessoas fora dos países mais desenvolvidos, mas saber de que forma se poderão gerir os movimentos de refugiados e movimentos migratórios, de modo a garantir os direitos humanos e princípios humanitários, abordando ao mesmo tempo as legítimas preocupações dos países e comunidades de acolhimento".
O primeiro capítulo deste livro debruçou-se sobre a forma como as abordagens tradicionais do problema das deslocações de população - descritas como reactivas, orientadas-para-o-exílio e especificamente dirigidas aos refugiados - têm vindo a dar lugar a um modelo alternativo, caracterizado por ser proactivo, orientado-para-os-países-de-origem e integrado. A ideia da gestão das migrações é uma manifestação evidente desta evolução.
Embora não tenha ainda sido completamente desenvolvida, tanto em termos teóricos, como práticos, pode dizer-se que esta abordagem reconhece quatro necessidades básicas em qualquer esforço para se fazer face a movimentos irregulares de populações:
Apesar do recente surgimento do conceito da gestão das migrações, os esforços para elaborar e operacionalizar os princípios subjacentes a esta abordagem remontam a anos anteriores. Uma das mais antigas e melhor sucedidas iniciativas tomadas a este respeito, foi o Plano de Acção Integrado para os Refugiados Indo-chineses (CPA (Comprehensive Plan of Action for Indo-Chinese Refugees (CPA), criado em 1989, com o principal objectivo de encontrar uma solução para a migração mista de refugiados e migrantes económicos provenientes do Vietname (ver caixa 5.4). Elementos da abordagem da gestão das migrações também poderão ser encontrados nas operações do ACNUR em países como a Albânia, Haiti, Roménia e Sri Lanka, bem como na parceria que o ACNUR tem vindo a desenvolver com instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Com base nestes e noutros exemplos, as restantes páginas deste
capítulo analisam as várias actividades que poderão
ser incorporadas num programa integrado de gestão das migrações.
Estas dividem-se em três grupos: medidas que visam reduzir as pressões
migratórias nos países de origem, iniciativas concebidas
para promover formas ordenadas e legais de migração e esforços
para garantir o respeito por princípios de protecção
de refugiados, prevenindo ao mesmo tempo a utilização abusiva
dos procedimentos de asilo.
Pressões migratórias - o campo de actuação nos países de origem
Por muito bem concebidas que sejam, as políticas de imigração e asilo não conseguirão erradicar as pressões que levam tantas pessoas a sair de países com baixos ou médios níveis de rendimentos - fracos níveis de crescimento económico, ausência de oportunidades geradoras de rendimentos, desigual distribuição da riqueza, bem como a violência política e social. A forma mais eficaz de gerir as migrações traduz-se, por isso, em medidas que abordem o problema da migração na sua origem, permitindo que as pessoas possam satisfazer as suas necessidades e realizar as suas aspirações no seu próprio país.
Esta não é, obviamente, uma ideia original. De facto, nos últimos anos, têm-se observado abundantes esforços no sentido de analisar que medidas poderão ser tomadas para reduzir as pressões migratórias. Por exemplo, em 1992, o ACNUR convocou, conjuntamente com a OIT, uma conferência sobre "a ajuda internacional como forma de reduzir a necessidade da emigração". Dois anos mais tarde, o ACNUR, a OIM e a OIT colaboraram numa publicação entitulada "Migrantes, refugiados e cooperação internacional", que se debruçava sobre esta questão. A publicação concluía que a migração deveria ser uma opção livre e planeada, realizada através de meios legais e ordenados e não um acto de desespero, de quem é demasiado pobre ou não tem condições de segurança para permanecer no seu país. "No mundo actual, afirmava a publicação, "nenhum ser humano deveria ser forçado a migrar para poder sobreviver". Neste sentido, o direito do refugiado a permanecer em segurança", discutido no Capítulo II, pode ser complementado com o direito do migrante económico a permanecer em condições de segurança material".
De que forma poderá isto ser concretizado? Existe uma bibliografia cada vez mais extensa sobre esta questão, muita da qual chega à mesma conclusão - as pressões migratórias nos países mais pobres deveriam ser reduzidas através da promoção do crescimento económico, da criação de novas oportunidades de emprego e do melhoramento dos serviços públicos. Tem-se defendido que estes objectivos poderão ser prosseguidos sobretudo através:
Infelizmente, recentes análises sobre os esforços para limitar a migração através do crescimento económico, sugerem que os quatro elementos desta abordagem enfrentam, todos eles, importantes obstáculos. Por exemplo, as políticas comerciais e tarifárias têm que ser concebidas dentro das apertadas balizas das políticas nacionais. Tal como sugere uma análise "poucos políticos estão dispostos a enfrentar os seus agricultores, trabalhadores ou industriais, em particular em momentos de recessão económica"(4). De acordo com outros estudos, a ajuda pública ao desenvolvimento não tem, geralmente, sido suficiente, tanto em termos quantitativos, como qualitativos, para poder ter um impacto significativo sobre os níveis de desemprego e sobre as condições de vida nos países mais pobres e, em muitos casos, tem sido prejudicada pelo peso da dívida externa e por programas de ajustamento estrutural.
O investimento externo directo, uma estratégia prosseguida com algum vigor pelo Japão, não defendeu esse país das pressões migratórias que se têm vindo a desenvolver noutros países asiáticos. De facto, alguns dos países, de onde é proveniente a maioria dos imigrantes ilegais, são precisamente aqueles onde as iniciativas empresariais japonesas têm investido mais fortemente. Por outro lado, o investimento estrangeiro não é um instrumento sobre o qual os governos tenham um controlo razoável. A decisão de investir é tomada com base nos potenciais lucros e o investimento estrangeiro é, normalmente, dirigido a países onde as perspectivas económicas são mais brilhantes e não àqueles que são afectados pela instabilidade crónica e por níveis de desemprego e de emigração mais elevados.
Passando para a questão da utilização da integração regional como forma de gerir a migração, vários especialistas têm referido que a criação de zonas de comércio livre ocorre, normalmente, em regiões como a Europa ocidental, onde os Estados membros têm níveis de desenvolvimento e taxas de crescimento económico equivalentes. Nos casos em que tal não se verifica, como por exemplo entre os EUA e o México - ambos membros da NAFTA (North American Free Trade Agreement) - a circulação de trabalhadores está expressamente excluída dos termos do tratado.
Finalmente, existe actualmente um consenso generalizado de que, pelo menos a curto prazo, o crescimento económico estimula a migração internacional em vez de a inibir. Um estudo exaustivo desta questão, levado a cabo por uma comissão do governo norte-americano, refere que o processo de desenvolvimento aumenta as expectativas, disponibilizando, simultaneamente, os meios de que as pessoas necessitam para sair do país.
Não se pretende com isto sugerir que os esforços para reduzir as pressões migratórias através de estratégias de desenvolvimento estejam condenadas ao fracasso e devam, por isso, ser abandonadas. A experiência tem demonstrado que, a longo prazo, as pessoas permanecem ou regressam ao seu país sempre que as condições e oportunidades aí existentes forem suficientemente atractivas. Significa, no entanto, que este tipo de iniciativas deve ser prosseguido ao longo de várias décadas, e que devemos ter presente que os seus efeitos imediatos poderão ser quase o oposto daquilo que se pretende.
Ao mesmo tempo, na abordagem do problema dos movimentos irregulares deverão considerar-se, de uma forma bastante mais séria, as implicações que as políticas comerciais, as políticas de ajuda ao desenvolvimento, bem como a política externa dos países industrializados têm sobre a migração. Por exemplo, a comissão norte-americana que examinou esta questão, concluiu que "nem a política externa do governo, nem a comunidade financeira e comercial fazem qualquer esforço de avaliação das consequências que as suas decisões têm sobre a migração". Como sugeriu um analista, "comentários semelhantes poderiam facilmente ser dirigidos aos governos de outros países da OCDE, da Comunidade Europeia ou do Banco Mundial" (5).
Embora estas questões sejam importantes, também é verdade que a discussão sobre as pressões migratórias tem sido, até aqui, de natureza excessivamente económica. Embora o papel do comércio, da ajuda ao desenvolvimento e do investimento estrangeiro tenha sido examinado de forma exaustiva, tem sido dada menor atenção a questões como a resolução de conflitos, a protecção dos direitos humanos, a promoção da boa governação ("good governance") e do pluralismo político.
Estas questões têm um duplo significado. Por um lado, deve reconhecer-se que as pressões que levam as pessoas a abandonar o seu país não têm uma natureza puramente económica. Tal como se sugeriu acima, as pessoas tornam-se migrantes (internacionais) em virtude de uma complexa combinação de preocupações, incluindo a sua segurança material, a sua segurança física e o grau de respeito que o Estado tem pelos seus interesses e ideais. Qualquer esforço para reduzir as pressões migratórias nos países de origem deve abordar estas preocupações de uma forma integrada.
Por outro lado, não é provável que os países menos desenvolvidos beneficiem da ajuda ao desenvolvimento ou de relações comerciais e de investimento mais favoráveis se não demonstrarem ter vontade de resolver os problemas políticos, sociais e de direitos humanos que afectam tantos deles. Como salientou o Presidente do Banco Mundial, em Julho de 1995, é fácil sugerir que um maior volume de capitais privados seja canalizado para países com baixos rendimentos, mas este investimento exige, normalmente, que se encontrem preenchidas determinadas condições: "um governo estável, um ambiente financeiro e social seguro e perspectivas de longo prazo geradoras de confiança".
O Secretário Geral das NU, Boutros Boutros Ghali, teceu um comentário
semelhante. "A democracia e o desenvolvimento encontram-se intimamente
interligados", escreve ele, "a democracia oferece a única
base de longo prazo para se gerirem interesses étnicos, religiosos
e culturais divergentes. A democracia é inerente à questão
da governação, que se reflecte em todos os aspectos dos esforços
de desenvolvimento. A governação poderá ser a variável
isolada mais importante do desenvolvimento, susceptível de ser controlada
individualmente pelos países".
Alternativas de migração ordenada
O retrocesso verificado nos países mais ricos, em relação aos requereenes de asilo e outros migrantes, pode ser atribuído a um conjunto de diferentes factores - incerteza económica, receio de culturas desconhecidas, racismo, bem como oportunismo político. Como já foi referido, esses países e sociedades não são radicalmente contra a migração em si. Assusta-os o facto de sentirem que o fenómeno se encontra fora do seu controlo, assumindo formas irregulares e ilegais. Se os governos e os seus eleitorados puderem ser convencidos de que são possíveis movimentos mais ordenados, podemos conseguir uma abordagem mais desdramatizada da questão da migração internacional.
Alguns indícios neste sentido podem ser encontrados na Austrália e no Canadá, que conseguiram progressos assinaláveis negociando, com os seus cidadãos, o que pode ser descrito como um "contrato de imigração". De acordo com este "contrato", a imigração é cuidadosamente controlada, embora permitida com base em critérios claramente estabelecidos: reagrupamento familiar, necessidades de mão-de-obra, qualificações escolares e profissionais, competência linguística ou o capital de que os requerentes dispõem para investir e que pode gerar novos empregos.
Contratos deste tipo têm sido denunciados por alguns analistas por abrangerem os mais aptos, com melhores qualificações e maiores rendimentos, e excluirem os pobres e os perseguidos. Embora exista um elemento de verdade nesta acusação, ela é, frequentemente, feita de forma precipitada. Ao tratar a imigração como uma mais valia, demonstrando que os migrantes podem trazer um valioso contributo ao seu país adoptivo, estes países têm conseguido negociar um acordo com a opinião pública que permite uma importante quota de entrada de refugiados, incluindo alguns dos casos mais "difíceis". Por exemplo, não é pura coincidência que, para além dos esforços regulares de reinstalação de refugiados, tanto a Austrália, como o Canadá, criaram programas especiais para a admissão de mulheres refugiadas, que tenham sido vítimas de violência - que provavelmente seriam colocadas no final de qualquer lista normal de imigração.
Reconhecendo o valor deste tipo de medidas, o Director Geral da OIM defende que "a promoção de processos de migração ordenada, em todo o mundo, é uma questão central para a solução que deveríamos prosseguir, com urgência". "Devido ao aumento da previsibilidade", acrescenta, "os países teriam maior interesse e capacidade de prestar assistência de emergência ou oportunidades de migração quando essas soluções fossem necessárias".
Três tipos de migração ordenada têm um peso específico nos esforços para resolver os problemas dos refugiados. O primeiro, e talvez o menos interessante, consiste na combinação entre potenciais migrantes, provenientes de países com baixos rendimentos, e oportunidades de emprego existentes nos países industrializados, evitando assim que procurem entrar pela porta do asilo.
Os defensores desta proposta referem, frequentemente, que os países desenvolvidos, em particular na Europa ocidental, têm baixas taxas de natalidade e uma população envelhecida. Eventualmente serão confrontados com a falta de mão-de-obra, em particular no que diz respeito a trabalhos braçais, pesados e perigosos, de que a população nacional geralmente não se quer ocupar.
Esta abordagem não deve ser completamente descartada. Têm sido avançadas propostas, nomeadamente por parte do Japão, no sentido de serem estabelecidos esquemas e programas de formação para trabalhadores migrantes, com o objectivo de responder à falta de mão-de-obra existente naquele país (actualmente, em grande parte preenchida por imigrantes ilegais), e ao mesmo tempo facilitar a transferência de aptidões e tecnologia para os países de origem dos migrantes. Contudo, em muitas outros aspectos, o âmbito destas inciativas parece ser limitado. Como escreveu um especialista sobre migrações, "parece descabido propor o reinício da imigração de trabalhadores pouco qualificados, quando existem 15 milhões de desempregados na Europa, a maioria dos quais com menos de 25 anos e muitos deles imigrantes, sobretudo tendo em conta que a necessidade de mão-de-obra no futuro irá exigir trabalhadores com maiores qualificações". (6)
Tal como referiu outro analista, com a crescente automatização
e relocalização da produção industrial para
regiões como o Sul e Sudeste asiático, existe uma elevada
probabilidade de que os níveis de desemprego nos países industrializados
continuem a aumentar e o número de empregos "braçais,
pesados e perigosos" disponíveis diminua. Para além
disso, tem sido defendido que, se num determinado momento futuro, surgirem
necessidades de mão-de-obra, será relativamente fácil
para os países desenvolvidos "abrirem a torneira da imigração".
Fazê-lo agora apenas resultaria num acréscimo das pressões
migratórias já existentes nos países menos desenvolvidos.
A Albânia e o Vietname
Uma segunda forma de migração ordenada, em muitos aspectos mais relevante para a procura de soluções para o problema de refugiados, encontra-se nas propostas apresentadas a potenciais requerentes de asilo, oferecendo-lhes oportunidades de emigração legais, com base no reagrupamento familiar e em critérios humanitários.
O ACNUR e a OIM descobriram que, por exemplo, na Albãnia um número significativo de pessoas tem familiares no estrangeiro, podendo, por isso, beneficiar de programas de reagrupamento familiar. Mas em muitos casos, os interessados não têm consciência dessa possibilidade, ou não têm qualquer ideia sobre os procedimentos que deverão seguir para poderem emigrar. Em Tirana, uma unidade conjunta do ACNUR e da OIM tem proporcionado aconselhamento e informação adequados a estas pessoas. Esta tarefa tem tido um duplo efeito: Por um lado, permite a um grupo de pessoas, que de outro modo poderiam ser tentadas a emigrar através de meios irregulares, seguir os canais oficiais. Por outro, tem ajudado a criar um clima em que a emigração passa a ser encarada como uma actividade normal, em vez de ser vista como o "fruto proibido" a que todos aspiram.
Estes esforços podem também ter lugar a uma escala bastante maior se for possível estabelecer esquemas de saída e de admissão adequados. Por exemplo, no Vietname, ao longo dos últimos 15 anos, o ACNUR tem prestado assistência, através de uma iniciativa conhecida como Programa de Partidas Ordenadas (Orderly Departure Programme), que ajudou já cerca de 570.000 pessoas com familiares no estrangeiro ou ex-reclusos de campos de re-educação e outros grupos especiais a emigrarem legalmente, a maioria dos quais para os EUA e Austrália. Sem este programa, as pessoas em questão teriam, muito provavelmente, procurado abandonar o país de barco, juntando-se ao enorme número de requerentes de asilo vietnamitas que se encontram em campos e centros de detenção, um pouco por todo o Sudeste asiático.
Reconhecendo a necessidade de promover a migração ordenada e garantir o instituto do asilo, alguns analistas também propuseram a criação de procedimentos de análise de pedidos nos próprios países de origem ("in-country processing schemes"), permitindo que as pessoas possam solicitar protecção internacional, enquanto ainda se encontram no seu país, e, caso o seu pedido seja aceite, que se possam deslocar para o país que tenha concordado em aceitá-las. Alguns governos também têm manifestado interesse por estas inciativas, por lhes agradar o maior controlo que teriam na selecção de casos meritórios.
Contudo, a recente experiência do Haiti, onde, em 1992, foi criado
um esquema desta natureza pelo Governo dos EUA, não tem sido particularmente
encorajadora. Isto poderá dever-se ao facto de nos países
onde ocorrem violações dos direitos humanos, as pessoas com
um receio fundado de perseguição, não podem ou não
querem tomar a iniciativa de abordar uma embaixada estrangeira ou centro
de análise de pedidos. Por outro lado, as que não têm
qualquer receio de perseguição poderão ter menos inibições
em apresentar um pedido de protecção fraudulento, na esperança
de que lhes seja permitido emigrar.
Informar os potenciais migrantes
Muitos migrantes, que procuram ser admitidos noutros países através da apresentação de um pedido de asilo, conhecem mal as condições sociais e económicas prevalecentes no seu potencial país de asilo, bem como a possibilidade de lhes ser autorizada residência nesse país. Incentivados a abandonar o seu país pela imagem irrealista que têm sobre os países mais ricos e não compreendendo os procedimentos de asilo utilizados por esses países, podem ser deliberadamente mal informadas por traficantes profissionais, desejosos de angariarem clientes a quem possam prestar os seus serviços.
Estas falsas expectativas poderão ter consequências graves para os requerentes de asilo e suas famílias, levando-os a colocar em risco os seus escassos recursos, a sua liberdade e por vezes mesmo a sua vida. Em muitos casos, os migrantes pedem dinheiro emprestado para pagarem a viagem (por vezes ao próprio traficante que organiza o seu transporte), na esperança de que, logo que cheguem ao seu destino e encontrem trabalho, possam pagar o empréstimo. Estes empréstimos têm que ser pagos mesmo quando o requerente de asilo descobre que, afinal, não será autorizado a trabalhar ou se o seu pedido for recusado.
Ao longos dos últimos anos, o ACNUR e a OIM têm reagido a este problema através da organização de programas de informação em países de emigração, com o objectivo de fornecer a potenciais requerentes de asilo e migrantes uma imagem rigorosa das prováveis consequências da sua decisão de partir. Através da utilização de meios de informação, nomeadamente programas de televisão, emissões de rádio e artigos na imprensa, estes programas também têm sido utilizados para informar as pessoas sobre os canais regulares que podem utilizar para emigrar.
O objectivo deste tipo de iniciativas, deve salientar-se, não é o de prevenir ou dissuadir a partida de pessoas com um receio fundado de perseguição. Nem se trata de um instrumento adequado a pessoas que fogem de um conflito armado ou de outras situações que impliquem um risco de vida. Pelo contrário, é dirigida a indivíduos que desejam migrar, por razões sobretudo económicas, e que não têm qualquer possibilidade de virem a ser reconhecidos como refugiados. Ao dissuadir os migrantes económicos de utilizarem de forma abusiva o canal do asilo, reduzindo, dessa forma, a pressão sobre os países de acolhimento, estes programas de informação podem legitimamente ser considerados como um instrumento de protecção dos refugiados.
A experiência adquirida pelo ACNUR e pela OIM em países como a Albânia, Roménia e Vietname tem demonstrado que tem de se encontrar preenchido um conjunto de condições para que o efeito destas acções seja optimizado:
Em primeiro lugar, os programas de informação devem basear-se no conhecimento profundo do perfil socio- económico, étnico, educativo e ocupacional da potencial população migrante, em qualquer país de origem, bem como na avaliação das suas aspirações e das pressões que motivam a sua partida. Apenas com este conhecimento será possível assegurar que as acções de informação disponham de uma forma e conteúdo apropriados.
Em segundo lugar, programas desta natureza dependem fortemente do rigor da informação fornecida, das fontes a partir das quais ela é obtida e da credibilidade dos meios utilizados no processo de difusão. Isto é particularmente importante em países com pouca experiência de governo aberto. Como observou a OIM, "não é suficiente que a informação seja objectiva e credível, ela deve ser entendida como tal, pela opinião pública e pelos potenciais migrantes". Para além disso, este tipo de informação deve encontrar-se enraizada na realidade e corresponder à experiência pessoal do público alvo. Seria inútil sugerir que os potenciais migrantes devem permanecer no seu país e adquirir novas qualificações ou criar pequenos negócios, se a formação profissional e as facilidades de acesso ao crédito, necessárias à realização destes objectivos, simplesmente não existirem.
Por isso, em terceiro e último lugar, os programas de informação não podem ser uma medida isolada, devendo antes ser acompanhados de outras medidas complementares, que ofereçam aos potenciais migrantes algum tipo de incentivo que os faça permanecer no seu país. "A nossa experiência indica que a informação credível pode influenciar a decisão de migrar", conclui a OIM. "Mas estas actividades só podem ser bem sucedidas se a situação social e económica interna não for completamente desesperada".
Por exemplo, na Abânia, o lançamento do programa de informação
do ACNUR/OIM em 1992, coincidiu com a distribuição de géneros
alimentares fornecidos pela Itália, iniciativa que visava reduzir
o ambiente de pânico que levava um grande número de pessoas
a sair do país clandestinamente. No Vietname, a campanha de informação
multi-média, promovida pelo ACNUR, tem sido apoiada por um programa
de apoio a micro-projectos, no valor de 6 milhões de dólares,
visando melhorar as condições de vida locais, através
do melhoramento de serviços básicos, nomeadamente na área
dos serviços de sáude, educação, formação
profissional e actividades geradoras de rendimentos.
O regresso dos requerentes de asilo cujos pedidos tenham sido rejeitados
Durante os últimos anos, o ACNUR e os seus parceiros têm revelado cada vez maior interesse por uma terceira forma de migração ordenada: o repatriamento de requerentes de asilo que, após análise exaustiva do seu pedido, demonstraram não preencher as condições necessárias para a concessão do estatuto de refugiado, não tendo necessidade de protecção internacional.
A razão deste interesse é bastante óbvia. Apesar do grande número de requerentes de asilo cujos pedidos são rejeitados, geralmente, os governos não têm conseguido ou não têm querido removê-los do seu território. Nalguns casos, os requerentes rejeitados entraram na clandestinidade ou deslocaram-se para outro país. Noutros casos, conseguiram encontrar trabalho e as autoridades têm feito vista grossa à sua presença. Em muitas situações, s governos têm-se simplesmente mostrado relutantes em suportar os custos financeiros e políticos de organizar programas de deportação em larga escala. Assim, de acordo com várias estimativas, apenas 20 a 25% dos requerentes recusados na Europa ocidental regressam ao seu país, de forma voluntária ou sob os auspícios do país de acolhimento.
Embora existam alguns sinais de que as taxas de expulsão aumentaram nos últimos anos, (na Alemanha o número de expulsões aumentou de 5.583, em 1990, para 35.915, em 1993) o mal já está feito. Os governos e a opinião pública perderam a confiança nos procedimentos de asilo e chegaram à conclusão de que não é grande a diferença entre um requerente de asilo, um refugiado ou um imigrante ilegal. Os verdadeiros refugiados e outras pessoas que necessitam de protecção têm pago o preço deste retrocesso.
Os defensores dos refugiados devem assumir uma quota parte da responsabilidade por esta situação, uma vez que o desejo de salvaguardar o direito de asilo e fazer prevalecer princípios humanitários, levou a que alguns apoiantes da causa dos refugiados tenham dificuldade em admitir a rejeição ou expulsão de qualquer requerente.
Felizmente, estes sentimentos são agora menos visíveis, permitindo uma discussão mais séria no que diz respeito à difícil questão do repatriamento involuntário. Começa a surgir um consenso de que, quando os requerentes não necessitam de protecção internacional, lhes deverá, em circuntâncias normais, ser pedido que regressem ao seu país. Mas de que forma é que se poderá conseguir isto sem recorrer a medidas draconianas, que contribuem para uma ideia negativa dos refugiados e requerentes de asilo e ameaçam perturbar as relações étnicas em sociedades multiraciais?
Não existem respostas fáceis para esta questão. Alguns países têm respondido ao problema decretando amnistias e permitindo, periodicamente, a regularização dos imigrantes ilegais. Mas esta abordagem apenas acentua a atracção da migração irregular.
Em última instância, a questão da determinação do estatuto de refugiado circunscreve-se à admissão ou rejeição do pedido. Como tem demonstrado a situação dos requerentes de asilo vietnamitas "rejeitados" em Hong Kong, sempre que os requerentes recusam esta decisão e não aceitam ser repatriados, é inevitavelmente suscitada a questão da expulsão forçada.
Por isso, pode não ser possível evitar completamente a coerção. No entanto, também parece existir margem para a introdução de "programas de regresso voluntário assistido", do tipo proposto e já organizado pela OIM. Ao abrigo destes programas, é oferecida aos requerentes de asilo rejeitados a oportunidade de regressarem voluntariamente ao seu país, sendo-lhes atribuído um auxílio modesto, durante o período imediatamente subsequente ao seu regresso. Caso um requerente de asilo rejeitado opte por ficar para além do prazo limite estabelecido pelas autoridades, ser-lhe-á retirado o direito a esta assistência e será sujeito aos procedimentos normais de expulsão.
Dada a natureza totalmente voluntária destes programas de regresso
assistido, as agências que se ocupam das questões dos refugiados,
da migração e do desenvolvimento, poderão considerar
um envolvimento nestas iniciativas. Em princípio, os requerentes
de asilo rejeitados não têm necessidade de protecção
internacional e, por isso, a questão de verificar o seu bem-estar,
após o seu regresso, não deverá levantar-se. Contudo,
no Vietname, o ACNUR reconheceu a necessidade de levar a cabo esta actividade
de supervisionamento, de forma a oferecer aos casos rejeitados a garantia
de que existem condições de segurança para o seu regresso.
Novamente, contudo, deve salientar-se a necessidade de uma abordagem mais
integrada do problema da migração irregular. Não se
pode esperar que requerentes, cujos pedidos tenham sido rejeitados, regressem
voluntariamente ao seu país, se nada for feito para reduzir as pressões
migratórias que inicialmente motivaram a sua partida.
Combater o tráfico de migrantes
Finalmente, para que a migração internacional assuma formas mais ordenadas e menos ameaçadoras, terão que ser desenvolvidos esforços no sentido de pôr termo ao negócio do tráfico de migrantes. Existe, é claro, um dilema moral associado a este elemento da estratégia de gestão das migrações, uma vez que é inegável o facto de alguns requerentes de asilo, que têm uma verdadeira necessidade de protecção, recorrerem aos serviços de traficantes. Isto não deve, contudo, servir de desculpa para nada se fazer, uma vez que os efeitos negativos do tráfico, tanto para os requerentes de asilo, como para os refugiados, tornam imperativo que se lhe ponha termo.
O tráfico de migrantes implica a violação de leis nacionais e internacionais, encontra-se frequentemente associado a outros tipos de contrabando e actividades criminosas e, muitas vezes, assume formas que colocam em risco a vida, a liberdade e os recursos dos migrantes. As promessas feitas pelos traficantes e os serviços que prestam constituem um factor de pressão acrescido e, ao mesmo tempo, alimentam o medo de fluxos desregulados existente nos países industrializados. Por cada refugiado que encontra protecção através dos serviços de um traficante profissional, muitos outros são excluídos pelas práticas restritivas que os Governos têm introduzido com o objectivo de limitar movimentos irregulares.
Uma atitude mais enérgica no que respeita à investigação e julgamento de traficantes ajudaria, certamente, a acabar com este negócio, sobretudo se existisse uma coordenação adequada entre os países de emigração e os de imigração. Alguns analistas têm sugerido que o tráfico de seres humanos também pode ser combatido através do controlo mais rigoroso de passaportes e vistos, nos portos de entrada, bem como através de uma maior vigilância e da imposição de sanções a empregadores que contratem imigrantes ilegais. Contudo, medidas deste tipo têm implicações preocupantes para os direitos civis de cidadãos comuns e viajantes legítimos, bem como para os direitos humanos dos refugiados. Tal como tem defendido o Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches), "um regime para combater o tráfico ilegal só poderá ser bem sucedido se a aplicação da lei for combinada com a protecção... Deve ser dada uma atenção particular à aceitação e análise de pedidos de asilo, apresentados por migrantes que entram irregularmente, mas que têm um receio fundado de perseguição".
Simultaneamente, os esforços para tratar o problema do tráfico de migrantes devem ser integrados com outros elementos da estratégia de gestão das migrações. Se não forem informadas dos riscos e dos perigos que correm, as pessoas desesperadas por sairem do seu país continuarão a utilizar os serviços de traficantes. Existe uma maior probabilidade de potenciais migrantes permanecerem no seu país se souberem, por experiência própria, que, caso os seus pedidos sejam rejeitados, provavelmente serão repatriados.