As migrações forçadas dentro e através das fronteiras nacionais são uma das consequências mais visíveis da perseguição política e dos conflitos armados. Mas tal como tem demonstrado a recente crise do Ruanda, os problemas de refugiados que muitas vezes ficam por resolver também poderão ser a causa de instabilidade, violência e deslocações da população posteriores.
O repatriamento de refugiados tem sido um assunto dominante da política do Ruanda durante os últimos 30 anos. No momento em que o país alcançou a sua independência, em 1962, já se tinham refugiado nos países vizinhos 120.000 pessoas, sobretudo de etnia Tutsi, que fugiam à violência que acompanhou a progressiva tomada do poder pela maioria Hutu. Durante as duas décadas seguintes, os exilados realizaram repetidos esforços para regressarem ao Ruanda pela força das armas. Cada uma destas tentativas provocou uma violência renovada, represálias e fluxos de refugiados. No final dos anos 80, cerca de 480.000 ruandeses - aproximadamente 7% da população total e metade da população Tutsi - tinham-se refugiado, sobretudo no Burundi (280.000 pessoas), Uganda (80.000 pessoas), Zaire (80.000 pessoas) e Tanzânia (30.000 pessoas).
Esta situação registou um volte face decisivo em Outubro
de 1990, quando a Frente Patriótica do Ruanda (FPR), um movimento
que integrava sobretudo exilados Tutsi, atacou o Nordeste do Ruanda a partir
do Uganda, onde há quatro anos tinham ajudado o Exército
de Resistência Nacional de Yuweri Museveni a chegar ao poder. Depois
de assumir o poder no Uganda, o Presidente Museveni lembrou ao seu homólogo
no Ruanda a necessidade de se encontrar uma solução para
o problema dos refugiados. Mas o governo Hutu respondeu que o repatriamento
estava fora de questão devido à escassez de solos do país.
O direito de regressar
Após a eclosão da guerra em 1990, as perspectivas de um acordo sobre o problema dos refugiados pareceram melhorar. Em resultado das pressões internas e externas, o governo do Ruanda foi obrigado a pôr fim à regra de partido único. Foi criado um governo de transição que, em 1993, reconheceu o direito dos refugiados regressarem e assinou um acordo de paz com a FPR. Mas o acordo foi rejeitado por elementos radicais, quer do Governo, quer do movimento rebelde e o Ruanda viu-se envolvido numa guerra civil cada vez mais grave, levando à deslocação interna de cerca de um milhão de pessoas.
O país mergulhou ainda mais na crise no dia 6 de Abril de 1994, quando o Presidente Juvenal Habyarimana do Ruanda e o Presidente Cyprien Ntaryamira do Burundi morreram num desastre de avião. Ironicamente os dois líderes regressavam de uma Conferência de Paz na capital da Tanzânia, Dar-es-Salaam, que tinha sido convocada para discutir a implementação de um plano de partilha do poder entre os dois países.
Embora as causas do acidente sejam ainda desconhecidas, é claro que tinham sido elaborados, no Ruanda, planos detalhados com vista ao massacre da população Tutsi e de Hutus moderados. Morreram pelo menos 500.000 pessoas em ataques de uma brutalidade indescritível, levados a cabo por homens e mulheres comuns, bem como pelas milícias Hutu. Alguns analistas afirmam que este número é bastante mais elevado.
Estas mortes foram acompanhadas e seguidas de movimentos maciços da população. Só nos dias 28 e 29 de Abril, quando a FPR lançou uma nova ofensiva contra as forças governamentais, cerca de 250.000 ruandeses inundaram a Tanzânia. E mesmo este movimento parece pequeno quando comparado com aquele que teve lugar em meados de Julho de 1994, quando no espaço de apenas alguns dias, aproximadamente 800.000 pessoas (na sua maioria Hutus) fugiram para o Zaire, por recearem as represálias das forças do FPR que avançavam no terreno.
Mas este não era apenas um movimento de refugiados. Insistentemente
encorajados pelo governo em retirada, o êxodo do Ruanda representou,
de facto, a evacuação calculada da população
Hutu. Com o massacre de uma grande percentagem de Tutsis, a vitoriosa FPR
chegou ao poder num país cuja população tinha sido
gravemente reduzida e com um grupo de exilados hostis, incluindo membros
do exército e milícias derrotados, agrupados nas fronteiras
do país. Reforçando a natureza estratégica do movimento,
alguns membros do governo deposto conseguiram rapidamente assumir o controlo
dos campos de refugiados e ter um papel preponderante na distribuição
da assistência.
A ameaça da violência
Enquanto se esforçavam por lidar com as consequências humanas do influxo para a Tanzânia e para o Zaire, o pessoal das agências de ajuda humanitária tinham também que enfrentar os militantes Hutus, que tinham planeado e executado os massacres e que utilizavam agora a ameaça e a violência para impedir quaisquer refugiados de regressarem ao Ruanda. No final de 1994, uma proposta com o objectivo de limitar a violência através do envio de uma força de manutenção da paz das Nações Unidas para os campos de refugiados no Zaire foi rejeitada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Contudo, em Fevereiro de 1995, o governo do Zaire concordou em enviar uma força de elite de 1500 homens para as áreas onde os refugiados se tinham instalado. Subsequentemente, o ACNUR estabeleceu um corpo de pessoal policial e militar dos países ocidentais para trabalhar em conjunto com as forças de segurança zairenses, numa medida sem precedentes na história da organização.
Apesar das melhorias gerais registadas na segurança dos campos e nas condições de vida, em meados de 1995 existiam poucas perspectivas imediatas de se encontrar uma solução para o problema dos refugiados. Numa conferência realizada em Fevereiro de 1995, os países da África Central e os principais países doadores concordaram na necessidade de se encorajar o repatriamento para o Ruanda através de um pacote de medidas geradoras de confiança, incluindo a restauração do Estado de Direito e a reabilitação da destroçada economia do país.
A implementação deste plano, contudo, tem sido obstruída por uma diversidade de factores: a contínua pressão sobre os refugiados para que permaneçam no exterior, a lentidão com que o prometido empréstimo de 600 milhões de dólares americanos para a assistência à reabilitação tem sido disponibilizado, disputas sobre a posse da terra relacionadas com o muito esperado regresso de exilados Tutsi do Uganda, relatos persistentes de detenções arbitrárias no Ruanda, levando a que as prisões se encontrem seriamente sobrelotadas e ao encerramento forçado de campos para pessoas deslocadas internamente no Sudoeste do Ruanda.
Em Abril de 1995, centenas de pessoas foram mortas quando tropas governamentais abriram fogo sobre um campo de pessoas deslocadas em Kibeho, um acontecimento que teve um sério impacto nas perspectivas de resolução do problema de refugiados. No final de 1994, o ACNUR tinha iniciado o fornecimento de transporte e outro tipo de assistência a um pequeno número de refugiados que desejavam regressar ao Ruanda. Em Fevereiro de 1995, todos os dias regressavam cerca de 800 pessoas. Mas após as mortes ocorridas em Kibeho, os números desceram para zero.
Os progressos na frente política também se têm mostrado muito lentos. Os novos líderes em Kigali têm afirmado que é possível a reconciliação com o antigo governo, na condição dos responsáveis pelo genocídio serem punidos pelos seus crimes. Membros do antigo governo afirmam que apenas regressarão ao seu país se puderem partilhar o poder. De acordo com diversas fontes, em meados de 1995, os soldados e as forças das milícias que se tinham retirado para o Zaire continuavam a receber treino militar e abastecimentos, bem como a conduzir operações de reduzida intensidade em regiões fronteiriças com o Ruanda. Com as imagens dos assassinatos em massa ainda frescas na memória da população do Ruanda é pouco provável que a paz chegue depressa ou de forma fácil.