Durante os anos 80, mais de dois milhões de pessoas foram desenraizadas por guerras civis que alastraram em El Salvador, Guatemala e Nicarágua. As pessoas mais directamente afectadas por estes conflitos pertenciam sobretudo a comunidades rurais pobres, que se viram apanhadas nos confrontos entre as forças governamentais e os movimentos de guerrilha e que foram submetidas a violações dos direitos humanos por parte de ambas as forças beligerantes.
Toda a América Central foi afectada por estes movimentos de refugiados, motivados pelo conflito regional e para o qual também contribuíram. Para além de 3 países, eles próprios devastados pela guerra - Belize, Costa Rica, Honduras - o México e os EUA viram-se também envolvidos no problema ao acolherem um número substancial de refugiados, requerentes de asilo e migrantes.
Apesar da realização, no início dos anos 80, de um conjunto de esforços para trazer a paz à América Central estes três conflitos continuaram por resolver. Contudo, em meados dos anos 80, a Guerra Fria começava a chegar ao fim e praticamente todas as partes interessadas se encontravam cansadas dos conflitos na região. Em Agosto de 1987, os cinco Presidentes centro-americanos assinaram os acordos de Esquipulas II, definindo planos para uma paz "firme e duradoura" na região e reconhecendo que questões como a paz, o desenvolvimento, a reforma política e a deslocação de populações são inseparáveis.
Os acordos de Esquipulas II foram a chama que ateou o processo CIREFCA. Em Maio de 1989, os cinco governos centro-americanos juntaram-se ao México e ao Belize para convocar a CIREFCA - Conferência Internacional sobre os Refugiados da América Central, que foi co-patrocinada pelo Secretário Geral das Nações Unidas, pelo ACNUR e pelo PNUD. Assim, desde o início, a CIREFCA adoptou uma abordagem que integrava as dimensões política, humanitária e de desenvolvimento do problema dos refugiados.
O Plano de Acção acordado na CIREFCA identificou um conjunto de objectivos importantes. Em primeiro lugar, apelava para o regresso voluntário dos refugiados em condições de segurança. Uma vez que os governos dos países afectados por conflitos associam frequentemente os refugiados às forças rebeldes, este compromisso no sentido de permitir o seu regresso representou um importante passo em frente. Em segundo lugar, o plano acordava que os países da região que tivessem acolhido refugiados apoiariam a instalação e integração daqueles que não pudessem regressar aos seus países. Em terceiro lugar, o plano incluía um compromisso no sentido de serem implementados programas de desenvolvimento que iriam beneficiar refugiados, retornados e pessoas deslocadas, bem como residentes locais.
Apesar de ser ainda necessário muito para completar o processo de paz da América Central, muitos dos objectivos do CIREFCA foram já atingidos. Foi reforçado o respeito pelos direitos humanos dos refugiados, retornados e pessoas deslocadas - e pelo papel das organizações que lhes prestam assistência. Foram encerrados os campos de refugiados oficiais da região e cerca de 70.000 nicaraguenses,32.000 salvadorenhos e 15.000 guatemaltecos regressaram voluntariamente aos seus países.
Milhares de outros refugiados que não optaram pelo repatriamento
têm-se vindo a instalar nos seus países de asilo, o que lhes
permite ter uma vida mais produtiva e permite ao ACNUR diminuir as suas
operações de apoio humanitário. O principal desafio
é agora o de encontrar uma solução para os 45.000
refugiados guatemaltecos que ainda se encontram no México.
Os ingredientes do sucesso
A eficácia geral do processo CIREFCA pode ser atribuída a um conjunto de diferentes factores.
O primeiro e mais importante talvez seja a vontade política que esteve subjacente à procura de soluções na América Central. Em meados dos anos 80, a situação dos refugiados na região encontrava-se num beco sem saída. Os governos de acolhimento eram, em grande parte, hostis à entrada de refugiados no seu território, mas o repatriamento voluntário não era considerado uma opção. Como resultado, o ACNUR tinha que gerir programas de assistência dispendiosos e de duração indeterminada. A assinatura dos acordos de Esquipulas II abriu um caminho e colocou o problema dos refugiados num enquadramento político inteiramente novo.
Em segundo lugar, o processo CIREFCA caracterizou-se por um consenso alargado e por um diálogo intensivo. O Plano de Acção foi cuidadosamente concebido pelos sete países da região, em conjunto com os principais países doadores, com as agências das Nações Unidas e com as organizações não governamentais sediadas na região.
Apesar deste consenso, a América Central continuou a ser uma região de conflito, caracterizada por amargas guerras civis, atitudes políticas polarizadas e interesses económicos divergentes. Um dos resultados mais importantes da CIREFCA foi a promoção de um diálogo entre os actores envolvidos, o estabelecimento de um fórum neutro para a discussão entre pessoas que anteriormente mantinham uma desconfiança e oposição mútuas e que tinham mesmo combatido entre si. Este objectivo foi alcançado através de um conjunto de reuniões ao nível nacional, regional e internacional, nas quais os participantes chave da CIREFCA puderam rever os seus progressos, determinar as suas prioridades e angariar os fundos necessários.
Ao mesmo tempo, os programas e projectos de desenvolvimento implementados sob os auspícios da CIREFCA exigiam um processo de reconciliação ao nível das bases sociais, entre refugiados, retornados, pessoas deslocadas, soldados desmobilizados e residentes locais mais directamente afectados pelos conflitos da região e pela deslocação das populações.
Quer se tratasse da reconstrução de uma ponte, da reabilitação
de um centro de saúde ou da instalação de um sistema
de abastecimento de água, os indivíduos ou grupos eram obrigados
a trabalhar em conjunto para poderem beneficiar dos projectos CIREFCA.
Financiamento e operacionalidade
As quantidades substanciais de dinheiro que os países doadores atribuíram ao CIREFCA - num total de mais de 425 milhões de dólares americanos, aos quais se devem adicionar 115 milhões de dólares americanos atribuídos pelo governo italiano a um programa de desenvolvimento - representam um terceiro ingrediente da eficácia deste processo. Estes recursos não só permitiram ao ACNUR e aos seus parceiros implementar um vasto leque de programas práticos de integração, mas também forneceram aos governos da região um forte incentivo para respeitarem o Plano de Acção.
Em quarto e último lugar, a procura de soluções na América Central beneficiou de uma cooperação eficaz entre muitos dos diferentes actores envolvidos no processo CIREFCA. As medidas organizacionais estabelecidas pelo CIREFCA tiveram uma importância significativa porque sublinharam a necessidade de se apoiar o processo de paz regional através da interligação da assistência humanitária e dos esforços de reabilitação e desenvolvimento. Assim durante quatro anos, o papel de agência principal foi desempenhado pelo ACNUR, mas em 1993, à medida que diminuía o problema dos refugiados, as atenções do CIREFCA transferiram-se para o desenvolvimento de mais longo prazo, responsabilidade que foi assumida pelo PNUD.
A CIREFCA pode não ser um modelo preciso para a resolução das situações de refugiados no resto do mundo - de facto, uma das forças do processo foi a forma como se encontrava enraizado na participação, experiência e valores locais. No entanto, as componentes chave do CIREFCA - vontade política, diálogo intensivo e cooperação efectiva - são elementos vitais na procura de soluções para os problemas dos refugiados, onde quer que se encontrem.