Ao longo dos últimos cinco anos, cerca de 32.000 refugiados regressaram a El Salvador, na sequência dos resultados positivos do processo de paz naquele país. No decurso do programa de repatriamento, ficou claro que muitos retornados tinham perdido as suas certidões de nascimento e documentos de identificação, durante os 16 anos de guerra entre o governo e as forças de oposição. A substituição destes documentos era frequentemente impossível, em virtude dos danos e da destruição verificados em muitos arquivos municipais e dos limitados recursos de que o Governo dispunha.
Sem os documentos necessários, os retornados corriam o risco de serem social e politicamente marginalizados. Não podiam inscrever-se como eleitores nem participar nas eleições. Tinham dificuldade em circular livremente no seu próprio país e, por não poderem comprovar a sua data de nascimento nem a sua naturalidade, confrontavam-se com problemas quando procuravam emprego, se inscreviam em escolas ou quando pretendiam casar. Por outro lado, sem dados demográficos rigorosos, as autoridades locais não podiam elaborar planos eficazes para a reabilitação dos serviços nacionais de saúde e de educação.
Em 1992, quando se tomou consciência da dimensão e das consequências deste problema, o ACNUR e o Governo salvadorenho lançaram um programa de documentação, através do qual foi possível emitir mais de 1.1 milhões de certidões de nascimento e meio milhão de bilhetes de identidade. Ao mesmo tempo, foram recuperados quase 3500 livros de registo civil, em 200 municípios. Esta iniciativa não se limitou aos retornados. Todos os cidadãos salvadorenhos que necessitavam deste tipo de documentos puderam beneficiar do programa.
A campanha de documentação em si foi levada a cabo por salvadorenhos de diferentes sectores sociais e convicções políticas, provenientes de todas as regiões do país. Para chegar ao público, foram utilizados a televisão, rádio, altifalantes, folhetos e cartazes. Para além disso, foram contratadas ONG's com o objectivo de fazer chegar a mensagem às zonas rurais, através de centenas de voluntários e funcionários. Foi fornecido transporte para que pessoas residentes em meios rurais pudessem deslocar-se aos locais de registo ou para levar funcionários do registo até comunidades remotas. Todas estas actividades foram coordenadas por um comité composto por representantes do Governo, do ACNUR, de outros organismos das Nações Unidas e dos países doadores. Quase todos os custos do programa foram suportados pela comunidade internacional.
Para além de garantir um conjunto de direitos humanos fundamentais, esta campanha de identificação/ documentação trouxe um contributo valioso para o processo de paz salvadorenho. A reconciliação implica uma mudança de atitude por parte de todos os interessados: funcionários do governo que desconfiam de certos segmentos da população, funcionários públicos que olham com superioridade grupos sociais ou étnicos diferentes e cidadãos que não confiam no governo e que não acreditam em eleições democráticas.
O esforço de cooperação exigido pelo programa de documentação, apoiado por uma presença internacional, ajudou a quebrar estas barreiras. O que é verdade para El Salvador é verdade para todas as sociedades: a paz, a justiça e os direitos humanos baseiam-se numa infra-estrutura de atitudes.