Os movimentos migratórios variam consideravelmente no que diz respeito ao grau de planeamento e organização. Nalgumas situações, circunstâncias inesperadas que representam uma ameaça para a vida dos migrantes, podem forçá-los a abandonar as suas casas num espaço de tempo muito curto, deslocando-se tão depressa quanto lhes é possível para a fronteira internacional mais próxima. Contudo, no caso de conflitos prolongados, os combates podem variar de intensidade e desviar-se de um lugar para outro, havendo períodos de relativa calma, durante os quais indivíduos e grupos podem organizar a sua partida. Tal como sugere a recente experiência do Sri Lanka, estas circunstâncias oferecem também aos traficantes um mercado oportuno para os seus serviços.
Há mais de dez anos que os Tamil do Sri Lanka têm vindo a abandonar as suas casas, nas regiões Norte e Leste daquele país, devido ao violento conflito entre forças governamentais e forças rebeldes e à consequente perturbação económica. Alguns deslocam-se para regiões mais seguras no sul da ilha, muitos refugiam-se no sul da India, enquanto outros procuram obter asilo nos países industrializados.
As alternativas de migração acessíveis aos Tamil
do Sri Lanka que desejem sair do país não são, obviamente,
idênticas,uma vez que aquelas dependem de um conjunto de diferentes
variáveis, nomeadamente do dinheiro e outros bens de que dispõem
os indivíduos e famílias em questão, a proximidade
a que se encontram de zonas de conflito activo e o acesso a vias de transporte,
bem como os contactos que mantêm com pessoas noutras regiões
do país e do mundo. Por exemplo, um Tamil instruído que viva
na cidade de Jaffna poderá conseguir entrar no Canadá ou
na Suíça, procurando obter asilo nesses países. Mas
para uma família de pescadores pobre que viva na costa Norte da
ilha poderá ser quase impossível deslocar-se, para onde quer
que seja, em particular se a sua embarcação tiver sido confiscada
ou destruída.
Amigos e familiares
Desde que o conflito eclodiu, em 1983, tornou-se cada vez mais dificil e dispendioso, para os nacionais do Sri Lanka, conseguir abrir caminho até ao Ocidente. Durante os primeiros quatro ou cinco anos de guerra, a esmagadora maioria dos Tamil que procurava asilo na Europa e na América do Norte pertenciam a grupos profissionais e à classe média, e podiam contar com o apoio de amigos e familiares, que já se haviam instalado no estrangeiro, quer como refugiados, quer como imigrantes legalizados. Durante esse período, o único custo real implicado era o bilhete da viagem de avião para fora de Colombo. Consequentemente, muitas famílias conseguiram dinheiro suficiente para enviar pelo menos um filho para o estrangeiro, sem terem que pedir empréstimo ou vender bens.
Contudo, nos finais dos anos 80, a situação alterou-se. A guerra intensificou-se, a economia local entrou em declínio, as forças rebeldes começaram a confiscar terras e bens, acabando, finalmente, por conseguir controlar o norte da península. Um número bastante maior de pessoas, independentemente do seu nível de instrução ou classe social, começou então a procurar formas de sair do país. Assim, em 1988, pouco mais de 8.000 nacionais do Sri Lanka apresentaram pedidos de asilo na Europa ocidental. Em 1991, o número tinha aumentado para quase 24.000.
Em face do aumento do número de Tamils que desejavam sair do
Sri Lanka,os países industrializados introduziram, progressivamente,
controlos mais restritivos em relação à chegada de
requerentes de asilo daquele país, o que tornou a saída da
ilha mais dispendiosa e complicada. Em 1985, um indivíduo conseguia
chegar à Europa ou à América do Norte por cerca de
25.000 rupias, cerca de 1.000 dólares,nessa altura. Em 1995, este
valor tinha aumentado para cerca de 500.000 rupias, um montante equivalente
a cerca de 120.000 dólares.
Impostos de saída
Uma percentagem significativa deste acréscimo ficou a dever-se à imposição de um "imposto de saída", por parte de grupos rebeldes.
De acordo com um estudo recente, levado a cabo entre requerentes de asilo na Europa, nenhum individuo, família ou grupo de pessoas pode sair de uma área controlada pelos rebeldes até que tenha sido efectuado, em dinheiro ou em géneros, este pagamento. O valor deste imposto tem sido, em muitos casos, calculado de acordo com os rendimentos potenciais do candidato ao asilo. Por exemplo, um Tamil que deseja reunir-se aos familiares, que já residem e trabalham na Suíça, poderá contar com um valor superior ao de outro que embarca numa viagem mais incerta.
Uma vez na capital, Colombo, os potenciais requerentes de asilo não podem simplesmente comprar um bilhete para o destino que escolheram. Com a introdução, por parte do Ocidente, de exigências de visto, sanções aos transportadores e controlos prévios ao embarque, é necessário outro tipo de ajuda, prestada por agentes profissionais, muitos dos quais empresários que estiveram envolvidos no recrutamento de trabalhadores migrantes, do Sri Lanka para o Médio Oriente, e que se voltaram para o tráfico de requerentes de asilo, quando a procura de mão-de-obra não qualificada, pelos países do Golfo, diminuiu.
Para além de servirem como elos de ligaçâo, entre o Sri Lanka e os países industrializados, estes agentes fornecem um conjunto de outros serviços - emprestam dinheiro a potenciais migrantes, efectuam reservas de vôos em circuitos entre o Sri Lanka e outros países, informam os seus clientes sobre a forma de embarcarem num vôo sem a necessária documentação e a melhor forma de evitarem a deportação ao chegarem ao destino pretendido.
Com o apertar dos controlos de imigração e de asilo nos
países mais ricos, os agentes têm também conseguido
diversificar o seu negócio, fornecendo documentos falsos e histórias
de atrocidades pré-fabricadas, com o objectivo de provar que os
potenciais requerentes de asilo têm um receio fundado de perseguição
no seu país de origem. Para além disso, os agentes sediados
no Sri Lanka desenvolveram ligações com traficantes na Europa
(vulgarmente conhecidos como "schleppers" ou "passadores"),
cuja função é a de fazer passar os potenciais refugiados
através dos países da Europa central e do leste, onde os
regulamentos de entrada são relativamente frouxos, para os países
da Europa ocidental, onde a chegada de estrangeiros é controlada
de forma mais rigorosa. As técnicas utilizadas por estes contrabandistas
para fazer chegar a sua carga humana são, frequentemente, extremamente
perigosas. Por exemplo, em certas ocasiões, têm sido encontrados
Tamils do Sri Lanka à deriva em barcos de borracha ou jangadas no
mar Báltico, perto da costa dinamarquesa, aparentemente largados
por embarcações polacas, estónias ou da Letónia.
Um lugar seguro
O caso do Sri Lanka é um bom exemplo da recente declaração da Organização Internacional para as Migrações (OIM), segundo a qual "o tráfico de migrantes é uma actividade mundial e em expansão, com implicações negativas para praticamente todos aqueles que são tocados por esta prática". Envolve actividades ilícitas. Exige que os migrantes e as suas famílias façam enormes sacrifícios e corram riscos consideráveis. Pode levar a atitudes negativas, em relação aos requerentes de asilo, por parte de governos e comunidades de acolhimento, enfraquecendo desta forma a protecção disponível para os verdadeiros refugiados.
Contudo, ao mesmo tempo, é dificil negar que algumas das pessoas que utilizam os serviços de traficantes necessitam, de facto, de protecção, podendo não ter outra alternativa para conseguir chegar a um lugar seguro. Embora seja difícil saber quantos requerentes de asilo do Sri Lanka sairam do seu país através da ajuda de traficantes profissionais, as estatíticas fornecidas pelos governos da Europa ocidental mostram que, entre 1989 e 1993, cerca de 34% do número total de pedidos de asilo apresentados por nacionais do Sri Lanka foram aceites, enquanto que a taxa geral de aprovação é apenas de apenas 11%. O argumento adiantado por alguns políticos europeus de que os migrantes ilegais não podem ser verdadeiros refugiados é, por isso, desprovida de fundamento.