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32. O 1 parágrafo da Secção A do Artigo 1 da Convenção de 1951 trata do caso dos refugiados estatutários, isto é, as pessoas consideradas como refugiados pela aplicação das disposições dos instrumentos internacionais anteriores à Convenção. O texto dessa disposição é o seguinte:
(1) Que tenha sido considerada refugiada em
aplicação dos Arranjos de 12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de 1928, ou
em aplicação das
Convenções de 28 de Outubro de 1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do
Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda em aplicação da
Constituição da Organização Internacional dos Refugiados;
As decisões de não elegibilidade tomadas pela Organização
Internacional dos Refugiados
enquanto durar o seu mandato não obstam a que se
conceda a qualidade de refugiado a pessoas que preencham as condições
previstas no parágrafo 2 da presente secção."
"Para os fins da presente Convenção, o termo "refugiado" aplicar-se-á a
qualquer pessoa:
33. A menção destes instrumentos tem como
objectivo estabelecer uma ligação com o passado e garantir a continuidade da
protecção
internacional aos refugiados que foram objecto da
preocupação da comunidade internacional em
diferentes épocas no passado. Como foi indicado
anteriormente (parágrafo 4), estes instrumentos
perderam agora uma grande parte do seu significado, pelo que a sua discussão teria,
aqui, pouco valor prático. No entanto, uma pessoa que foi considerada como
refugiado pela aplicação de qualquer um destes instrumentos é
automaticamente considerada como refugiado ao abrigo da Convenção de
1951. Assim, um titular do
chamado "Passaporte Nansen" "Passaporte Nansen": um documento de identidade
válido como documento de viagem, emitido para refugiados de acordo com as
disposições dos instrumentos anteriores à Segunda Guerra Mundial. ou
de um "Certificado de Elegibilidade" emitido pela
Organização Internacional de Refugiados deve ser considerado como refugiado
de acordo com a
Convenção de 1951, salvo se alguma das
cláusulas de cessação se aplicar ao seu caso ou se foi excluído
da aplicabilidade da
Convenção em virtude de uma das cláusulas de exclusão. Isto
também é válido para os filhos menores sobreviventes de um
refugiado
estatutário.
34. De acordo com o parágrafo 2 da
secção A do Artigo 1 da Convenção de 1951, o termo
"refugiado" aplica-se a qualquer pessoa que:
Esta definição geral é, seguidamente, examinada em pormenor.
35. A origem da data limite de 1951 é explicada no parágrafo 7 da
Introdução. Como
consequência do Protocolo de 1967 esta data limite
perdeu muito da sua importância prática. Uma
interpretação da palavra "acontecimentos", tem apenas interesse para um
pequeno número de Estados
Partes da Convenção de 1951 que não
são Partes do Protocolo de 1967 Ver Anexo IV..
36. A palavra "acontecimentos" não se encontra
definida na Convenção de 1951, mas foi entendida como significando
"acontecimentos de maior importância envolvendo modificações
territoriais ou
profundas alterações políticas bem como perseguições
sistemáticas resultantes de mudanças anteriores" Documento ONU E/1618
pág.39.. A data limite refere-se aos "acontecimentos" na sequência dos quais
uma pessoa se torna refugiado e não à data em que se torna refugiado, nem
à data em que deixou o seu país. Um refugiado pode ter deixado o seu
país antes ou depois da data limite, desde que o seu receio de
perseguição seja devido a "acontecimentos" ocorridos antes da data limite ou a
efeitos posteriores resultantes de tais acontecimentos.
loc.cit.
37. A expressão "receando com razão ser
perseguida" é a expressão chave da
definição. Reflecte os pontos de vista dos seus autores quanto aos elementos
constitutivos da
noção de refugiado. Substitui o método anterior de
definição de refugiado por
categorias (i.e., pessoas de uma certa origem não
gozando da protecção do seu país) pelo conceito geral de "receio"
devido a um motivo relevante. Uma vez que o receio é subjectivo, a
definição envolve um elemento subjectivo na
pessoa que solicita o reconhecimento do estatuto de refugiado. A determinação
deste estatuto de refugiado
requererá mais uma avaliação das
declarações do interessado, do que um julgamento da situação
prevalecente no seu país de origem.
38. A este elemento de receio - que é um estado de espírito e uma
condição subjectiva -
é acrescentada a qualificação "com
razão". Isto implica que não é só o estado de espírito da
pessoa interessada que
determina o estatuto de refugiado, mas que esse estado de
espírito seja baseado numa situação
objectiva. A expressão "receando com razão"
contém, portanto, um elemento subjectivo e um outro objectivo, e, para determinar se
esse receio fundado existe, devem ser tidos em consideração ambos os
elementos.
39. Pode-se pressupor que, a menos que seja pelo gosto da aventura ou para conhecer o
mundo, normalmente ninguém abandona a sua casa e o seu país sem ser
compelido por alguma razão imperiosa. Poderá haver muitas
razões que sejam imperiosas e compreensíveis, mas apenas uma
poderá ser considerada para a
determinação da qualidade de refugiado. A
expressão "receando com razão ser perseguida" - pelos motivos referidos -
indicando uma razão
específica torna automaticamente todas as outras
razões da fuga irrelevantes para a
definição. Não estão abrangidos os casos de vítimas de
fome ou de desastres naturais, a menos que
também
receiem com razão a perseguição por um dos motivos referidos. No
entanto, esses outros motivos podem não ser totalmente irrelevantes para o processo
de
determinação do estatuto de refugiado, já que é
necessário tomar em
consideração todas as circunstâncias para se compreender com rigor o
caso do requerente.
40. Uma avaliação do
elemento subjectivo
é inseparável de uma apreciação da personalidade do
requerente, já que as
reacções psicológicas dos diferentes
indivíduos podem não ser as mesmas em
condições idênticas. Certas pessoas podem ter convicções
políticas ou religiosas de tal modo fortes que o menosprezo por elas pode tornar a sua
vida intolerável; outras pessoas podem não ter convicções
tão fortes. Umas podem tomar uma decisão impulsiva para fugir, outras podem
planear cuidadosamente a sua partida.
41. Dada a importância que a definição atribui ao elemento subjectivo,
uma avaliação da credibilidade das declarações é
indispensável sempre que o caso não seja
suficientemente claro através dos factos registados. Há ainda que ter em conta
os antecedentes pessoais e familiares do interessado, a sua ligação a certo
grupo racial, religioso, nacional, social ou político, a sua própria
interpretação da
situação e a sua experiência pessoal - por outras palavras, tudo o que
possa indicar que o motivo
essencial para o seu pedido é o receio. O receio deve ser razoável. Um receio
exagerado, contudo, pode ser fundado se, tendo em conta todas as circunstâncias do
caso, um tal estado de espírito possa ser considerado como justificado.
42. Quanto ao elemento objectivo, é necessário avaliar as
declarações feitas pelo requerente. As autoridades competentes designadas para
determinar o
estatuto de refugiado não têm de emitir um
julgamento sobre as condições existentes no
país de origem do requerente. As
declarações do requerente não podem,
contudo, ser consideradas em abstracto e têm de ser
analisadas no contexto da situação concreta e dos antecedentes relevantes. Um
conhecimento das
condições do país de origem do requerente - ainda que não seja
um objectivo em si mesmo -
é um elemento importante para a
apreciação da credibilidade das
declarações do requerente. Geralmente, o receio do requerente pode
considerar-se como fundado se ele consegue demonstrar, de modo razoável, que a sua
permanência no país de origem se tornou
intolerável por motivos constantes na
definição, ou que, por esses mesmos motivos, seria intolerável se
lá voltasse.
43. Estas considerações não têm necessariamente que se basear
na experiência pessoal do requerente. O que, por exemplo, aconteceu aos seus amigos e
familiares e outros membros do mesmo grupo racial ou social pode também
demonstrar que o seu receio de mais cedo ou mais tarde vir a ser vítima de
perseguição é fundado. As leis do
país de origem e, particularmente, a maneira como
são aplicadas, são relevantes. No entanto, a situação de cada
pessoa deve ser analisada em si mesma. No caso de uma personalidade bem conhecida, a
possibilidade de perseguição pode ser maior do que no caso de um
desconhecido. Todos estes factores,
nomeadamente o carácter da pessoa, os seus
antecedentes, a sua influência, a sua riqueza ou a sua franqueza, podem levar à
conclusão que é "com razão" que ela receia ser perseguida.
44. Se bem que o estatuto de refugiado deva ser normalmente determinado numa base
individual, podem surgir
situações em que grupos inteiros tenham sido deslocados em
circunstâncias que indicam que os membros do grupo podem ser considerados
individualmente como
refugiados. Nessas situações, é,
frequentemente, necessário agir com extrema
urgência na prestação de assistência e pode não ser
possível, por razões
puramente práticas, determinar individualmente o
estatuto de refugiado para cada membro do grupo. Assim,
adoptou-se o procedimento denominado
"determinação colectiva" do estatuto de
refugiado, segundo o qual, salvo prova em contrário, cada membro do grupo é
considerado, à partida (prima facie),
como refugiado.
45. Para além das situações do tipo
referido no parágrafo anterior, normalmente é o requerente do estatuto de
refugiado que deve individualmente apresentar boas razões para o seu receio de
perseguição. Deve-se pressupor que a pessoa
receia com razão ser perseguida se já foi
vítima de perseguição por uma das
razões enumeradas na Convenção de 1951. No entanto, a
expressão "receio" de ser perseguido
não se refere apenas àqueles que já foram perseguidos, mas
também aos que desejam evitar uma
situação em que poderiam correr o risco de serem perseguidos.
46. Geralmente as expressões "receio de
perseguição" ou mesmo
"perseguição" são estranhas ao
vocabulário normal do refugiado. Na realidade, um
refugiado só raramente invocará "receio de
perseguição" nestes termos, apesar dele estar com frequência
implícito no seu depoimento. Do mesmo modo, ainda que um refugiado possa ter
opiniões muito definidas pelas quais ele foi vítima de
perseguição, pode, por razões
psicológicas, não ser capaz de descrever as suas experiências e a sua
situação em termos políticos.
47. Um caso típico em que se coloca a questão de avaliar se o receio do
requerente é bem fundado, ocorre quando este possui um passaporte nacional
válido. Julga-se por vezes que a posse de um passaporte significa que as autoridades
emissoras não tencionam perseguir o seu titular, pois de outro modo não lhe
teriam emitido o passaporte. Ainda que isto possa ser verdade em alguns casos, muitas
pessoas têm utilizado uma
saída legal do país, como meio único de fuga, sem nunca terem
revelado as suas opiniões
políticas, já que o conhecimento destas poderia colocá-las numa
posição perigosa face às autoridades.
48. A posse de um passaporte não pode por isso ser sempre considerada como prova
de lealdade por parte do seu titular, nem como indicação de ausência de
receio. Pode mesmo ser emitido um passaporte para uma pessoa indesejável no seu
país de origem com o
único propósito de garantir a sua partida e, também, pode haver casos
em que o passaporte foi obtido de forma ilícita. Em conclusão, a mera posse de
um passaporte nacional válido não constitui um obstáculo ao
reconhecimento do estatuto de
refugiado.
49. Se, por outro lado, o requerente insistir, sem
razões válidas, em conservar um passaporte
válido de um país do qual alega não
querer pedir a protecção, isso pode pôr em dúvida o "receio
fundado" que afirma ter. Uma vez
reconhecido o seu estatuto, normalmente, o refugiado
não deve manter o seu passaporte nacional.
50. No entanto, podem ocorrer situações
excepcionais em que a pessoa que preenche os critérios para reconhecimento do
estatuto de refugiado pode manter o seu passaporte nacional - ou ser-lhe emitido um outro
novo pelas autoridades do seu país de origem sob
condições especiais. Em particular, se estas condições
não implicarem que o titular do passaporte nacional seja livre de entrar no seu
país, sem autorização prévia, poderão não ser
incompatíveis com o estatuto de
refugiado.
51. Não existe uma definição
universalmente aceite de "perseguição" e as
diversas tentativas de a formular obtiveram pouco sucesso. Do Artigo 33 da
Convenção de 1951, pode-se inferir que a ameaça à vida ou
à liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade,
opiniões políticas ou pertença a um certo grupo social é sempre
perseguição. Outras violações graves aos direitos humanos -
pelas mesmas razões - constituiriam também
perseguição.
52. A questão de saber se outras acções prejudiciais ou ameaças
de tais acções constituem perseguição depende das
circunstâncias de cada caso, incluindo o elemento
subjectivo a que se fez referência em parágrafos anteriores. O carácter
subjectivo do receio de
perseguição exige uma apreciação das opiniões e
sentimentos da pessoa em causa. É também à luz de tais
opiniões e
sentimentos que quaisquer medidas, efectivas ou receadas,
tomadas contra a pessoa, devem ser necessariamente
consideradas. Devido à diversidade das estruturas
psicológicas dos indivíduos e às
circunstâncias de cada caso, a
interpretação da noção de
perseguição não poderá ser
uniforme.
53. Para além disso, o requerente pode ter sido
sujeito a várias medidas que, por si só,
não constituem perseguição (por exemplo, discriminação
sob diferentes formas), em alguns casos combinadas com outros factores adversos (por
exemplo, ambiente geral de insegurança no país de
origem). Em tais situações, os diversos
elementos envolvidos podem, se considerados conjuntamente, produzir um estado de
espírito no requerente que pode justificar de modo razoável a
fundamentação do receio de
perseguição por "motivos cumulativos".
Obviamente, não é possível estabelecer uma regra geral quanto aos
motivos cumulativos que podem
tornar válido o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado. Isso
dependerá necessariamente de todas as circunstâncias, incluindo o contexto
particular em
termos geográficos, históricos e
etnológicos.
54. Em muitas sociedades existem, de facto, em maior ou menor grau, diferenças de
tratamento dos vários
grupos. As pessoas que, por esse facto, recebem um tratamento menos favorável
não são necessariamente vítimas de perseguição.
Só em
determinadas circunstâncias é que a
discriminação equivale a
perseguição. Será assim, se as medidas discriminatórias
tiverem consequências gravemente prejudiciais para a pessoa em causa, por exemplo,
sérias restrições ao seu direito de
exercer uma profissão, de praticar a sua
religião, ou de acesso aos estabelecimentos de ensino normalmente abertos a
todos.
55. Nos casos em que as medidas discriminatórias, por si só, não
sejam graves, elas podem, no entanto, levar a pessoa em causa a recear com razão ser
perseguida se provocarem no seu espírito um sentimento de apreensão e
insegurança quanto à sua existência futura. Se tais medidas
discriminatórias, por si só, são ou
não causas de perseguição, isso
terá de ser determinado à luz de todas as
circunstâncias. O pedido por receio de
perseguição será no entanto mais forte se a pessoa já tiver sido
vítima de certas medidas discriminatórias deste tipo e se, por
consequência, se verifica um factor cumulativo. Ver
também parágrafo 53.
56. Deve-se distinguir perseguição de
punição prevista por uma infracção de direito comum. As
pessoas que fogem de procedimentos
judiciais ou à punição por
infracções desta natureza não são normalmente refugiados.
Convém relembrar que um
refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da
injustiça e não alguém que foge da justiça.
57. A distinção acima pode, no entanto, por vezes, ser menos clara. Em
primeiro lugar, uma pessoa culpada de uma infracção de direito comum pode
ser alvo de uma pena excessiva que pode ser equivalente a
perseguição no sentido da
definição. Além disso, os procedimentos judiciais pelas razões
mencionadas na
definição (por exemplo, no que se refere a
educação religiosa "ilegal" dada a uma
criança) podem, por si só, equivaler a
perseguição.
58. Em segundo lugar, surgem casos em que uma pessoa, para além de recear os
procedimentos judiciais ou a
punição por um crime de direito comum, pode, também, "recear com
razão ser perseguida".
Nestes casos, a pessoa em causa é um refugiado. No
entanto, pode ser necessário ponderar se o crime em questão não
é de uma gravidade tal que leve o requerente a ser abrangido por uma das
cláusulas de exclusão. Ver parágrafos 144 a 156.
59. A fim de determinar se os procedimentos judiciais
equivalem a perseguição, será
também necessário considerar as leis do
país em causa, pois é possível que a lei não esteja em
conformidade com os padrões
aceites em matéria de direitos humanos. Mais
frequentemente, contudo, pode não ser a lei mas a sua aplicação que
é discriminatória. Procedimentos judiciais por ofensa à "ordem
pública", por exemplo por distribuição de panfletos, podem ser um
meio de perseguição do indivíduo devido ao conteúdo
político da publicação.
60. Em tais casos, tendo em conta as dificuldades
óbvias que se apresentam na avaliação das leis de outro país, as
autoridades nacionais
serão, com frequência, levadas a tomar uma
decisão tendo por referência a sua própria legislação
nacional. Além disso, pode ser útil o recurso aos princípios
enunciados nos diversos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, em
particular nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, que têm força
obrigatória para os Estados Partes e que são os instrumentos aos quais
aderiram muitos dos Estados Partes da Convenção de 1951.
61. A legislação de certos Estados impõe penas severas para os
nacionais que saem do país de modo ilegal ou que permanecem no estrangeiro sem
autorização. Quando há razão para acreditar que uma pessoa,
em virtude da sua partida ilegal ou permanência no estrangeiro sem
autorização, é passível de tais penas, o seu reconhecimento
como refugiado justifica-se se puder demonstrar que os motivos para deixar o país ou
permanecer fora dele estão relacionados com as
razões enumeradas no Artigo 1A (2) da
Convenção de 1951. (ver parágrafo 66, mais adiante)
62. Um migrante é uma pessoa que, por outras
razões que não as mencionadas na
definição, deixa voluntariamente o seu
país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de
aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal.
Se é motivado exclusivamente por razões
económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado.
63. A distinção entre um migrante por motivos económicos e um
refugiado é, no entanto, por vezes confusa, do mesmo modo que a
distinção entre medidas económicas e políticas no
país de origem do requerente nem sempre é clara. Por detrás de
medidas económicas que afectam uma pessoa no seu modo de vida, pode haver
objectivos ou
intenções raciais, religiosas ou
políticas dirigidas contra um grupo particular. Quando as medidas
económicas comprometem a sobrevivência económica de um segmento
particular da
população (por exemplo, impedimento do direito ao comércio,
impostos discriminatórios sobre um grupo étnico ou religioso
específico), as
vítimas destas medidas podem, tendo em conta as
circunstâncias, tornar-se refugiados ao deixarem o
país.
64. A questão de se saber se o mesmo se aplica
às vítimas de medidas económicas gerais (i.e., as que se aplicam a
toda a população sem discriminação) dependerá das
circunstâncias de cada caso. As objecções às medidas
económicas gerais não
são, por si só, razão para requerer o estatuto de refugiado. Mas por
outro lado, o que à
primeira vista parece ser principalmente uma razão
económica para deixar o seu país pode, na
realidade, envolver um aspecto político, podendo
acontecer que as opiniões políticas do
indivíduo o exponham a graves consequências, mais do que as suas
objecções às medidas
económicas propriamente ditas.
65. A perseguição está normalmente
relacionada com a acção das autoridades do
país. Também pode advir de segmentos da
população que não respeitam os
padrões estabelecidos nas leis do país em causa. A título de exemplo,
podemos citar a intolerância religiosa que vai até à
perseguição num país em que, apesar de laico, fracções
significativas da
população não respeitam as
convicções religiosas dos outros. Quando actos discriminatórios graves
ou outros actos ofensivos
são cometidos por populares, podem ser considerados como perseguição
se forem conhecidos e tolerados pelas autoridades, ou se as autoridades recusam, ou
são incapazes, de oferecer uma protecção eficaz.
(a) Análise geral
66. Para ser considerado refugiado, uma pessoa deve
demonstrar que receia com razão ser perseguida por um dos motivos mencionados
acima. Pouco importa se a
perseguição se deve a só um desses
motivos ou à combinação de dois ou mais. Muitas vezes, o
próprio requerente pode não
estar consciente dos motivos da perseguição
receada. Ainda assim, não é
obrigação do requerente analisar o seu caso de modo tão profundo que
identifique esses motivos em
pormenor.
67. É da competência do examinador, quando
investiga os factos do caso, determinar o motivo ou motivos da perseguição
receada e decidir se a este respeito as condições constantes na
definição da Convenção de 1951 estão preenchidas.
É evidente que,
frequentemente, os diversos motivos da
perseguição se sobrepõem. Geralmente, haverá mais do que um
elemento combinado em
relação a uma pessoa, por exemplo, um opositor político que pertence a
um grupo religioso ou nacional, ou a um grupo que apresente simultaneamente estas duas
características, e a combinação desses motivos nessa pessoa pode ser
relevante na
avaliação do seu receio fundado.
68. No contexto actual, raça deve ser entendida no seu sentido mais lato incluindo
todos os tipos de grupos
étnicos que, segundo o uso comum, são
considerados como "raças". Frequentemente, esta
noção engloba também membros de grupos sociais específicos
de origem comum, formando uma
minoria no seio de uma vasta população. A
discriminação por motivos de raça
é condenada mundialmente como sendo uma das
violações mais flagrantes dos direitos humanos. Portanto, a
discriminação racial representa um elemento importante para determinar a
existência de
perseguição.
69. A discriminação por motivos de raça equivale, com
frequência, à
perseguição, no sentido da
Convenção de 1951. Assim será se, em
virtude da discriminação racial, a dignidade humana da pessoa é
afectada de tal modo que se torna incompatível com os mais elementares e
inalienáveis direitos humanos, ou quando se ignora que as barreiras raciais acarretam
graves consequências.
70. Normalmente, o simples facto de pertencer a certo grupo racial não é
suficiente para fundamentar o
pedido do estatuto de refugiado. No entanto, pode haver
situações em que, devido a circunstâncias particulares que afectam o
grupo, o facto de o integrar pode, por si só, ser suficiente para justificar o receio de
perseguição.
71. A Declaração Universal dos Direitos do
Homem e o Pacto relativo aos Direitos Civis e Políticos proclamam o direito
à liberdade de pensamento, de
consciência e de religião, direito esse que
inclui a liberdade de mudar de religião e de o
manifestar em público ou em privado pelo ensino,
prática, culto e cumprimento dos ritos.
72. A perseguição "em virtude da
religião" pode assumir várias formas, tais como a proibição de
fazer parte de uma comunidade religiosa, de praticar o culto em privado ou em
público, da educação religiosa ou a
imposição de graves medidas
discriminatórias sobre pessoas por praticarem a sua religião ou pertencerem a
uma dada comunidade
religiosa.
73. Normalmente, o simples facto de pertencer a uma dada
comunidade religiosa não é suficiente para
fundamentar o pedido do estatuto de refugiado. Podem, no
entanto, apresentar-se circunstâncias especiais em que o facto de ser membro dessa
comunidade constitua fundamento
suficiente.
74. Neste contexto, o termo "nacionalidade" não deve ser entendido apenas no sentido
de "nacionalidade
jurídica", "cidadania", vínculo que une um
indivíduo a um Estado. Refere-se também à integração
num grupo étnico ou
linguístico e pode, ocasionalmente, sobrepor-se ao
termo "raça". A perseguição por motivos de nacionalidade pode
consistir em atitudes e medidas adversas dirigidas contra uma minoria nacional
(étnica,
linguística) e, em determinadas circunstâncias, o facto de pertencer a essa
minoria pode, por si só,
fundamentar o receio de perseguição.
75. A coexistência dentro das fronteiras de um Estado de dois ou mais grupos
nacionais (étnicos,
linguísticos) pode criar situações de conflito e também
situações de
perseguição ou de perigo de
perseguição. Nem sempre será fácil distinguir entre
perseguição por motivos de
nacionalidade e perseguição por motivos de
opinião política quando um conflito entre grupos nacionais está ligado
a movimentos políticos, em particular se o movimento político se identifica
com uma "nacionalidade" específica.
76. Se na maior parte dos casos a perseguição por motivos de nacionalidade
é receada pelas pessoas que pertencem a uma minoria nacional, têm-se
verificado muitos casos, em diversas partes do mundo, de pessoas que
pertencendo ao grupo maioritário podem recear
perseguição por uma minoria dominante.
77. Normalmente, um "certo grupo social" integra pessoas de origem, modo de vida e
estatuto social similares. O receio de ser perseguido por esta razão, pode com
frequência coincidir com o receio de
perseguição por outros motivos, tais como:
raça, religião ou nacionalidade.
78. A pertença a um certo grupo social pode estar na origem da
perseguição, por desconfiança da lealdade do grupo ao Governo ou
devido às
posições políticas, aos antecedentes ou à actividade
económica dos seus membros, ou
quando a própria existência do grupo social
é considerada um obstáculo à
política do Governo.
79. Normalmente, o simples facto de pertencer a um certo
grupo social não é suficiente para substanciar o pedido do estatuto de
refugiado. No entanto, podem existir circunstâncias especiais em que o simples facto
de ser membro desse grupo é motivo suficiente para recear a
perseguição.
80. O facto de ter opiniões políticas
diferentes do Governo não é, por si só, motivo para pedir o estatuto de
refugiado e o requerente tem de mostrar que receia a perseguição por ter
essas opiniões. Isto pressupõe que o requerente tem opiniões não
toleradas pelas autoridades porque são críticas às suas
políticas ou aos seus métodos. Também pressupõe que as
autoridades conhecem essas
opiniões ou que as atribuem ao requerente. As
opiniões políticas de um professor ou de um
escritor podem ser mais conhecidas do que as de uma pessoa numa posição
menos exposta. A importância relativa ou a tenacidade das opiniões do
requerente - na medida em que estas se possam estabelecer através de todas as
circunstâncias do caso - deverão
também ser tomadas em consideração.
81. Se bem que a definição mencione
perseguição "em virtude das opiniões
políticas" pode não ser sempre possível estabelecer a existência
de um nexo de casualidade entre as opiniões exprimidas e as medidas sofridas ou
receadas pelo requerente. É raro que tais medidas sejam expressamente motivadas por
"opiniões". Mais
frequentemente, essas medidas apresentam a forma de
sanções por alegados actos criminosos contra o poder vigente. Será
portanto necessário
determinar as opiniões políticas do requerente que estão na origem do
seu comportamento e se essas opiniões conduziram ou podem conduzir às
perseguições que declara recear.
82. Como indicado anteriormente, a perseguição "em virtude de
opiniões políticas" implica que o requerente tenha opiniões que
exprimiu ou que tenham chegado ao conhecimento das autoridades. Pode, no entanto,
também haver situações em que um
requerente não tenha dado qualquer expressão às suas opiniões.
Contudo, devido à
firmeza das suas convicções, pode ser
razoável pressupor que mais cedo ou mais tarde
será levado a exprimi-las e, por isso, entrará em conflito com as autoridades.
Quando isto pode ser
razoavelmente pressuposto pode considerar-se que o requerente tem receio de
perseguição em virtude das suas opiniões políticas.
83. Um requerente que afirma recear ser perseguido em virtude das suas opiniões
políticas não precisa de demonstrar que as autoridades do seu país de
origem conheciam as suas opiniões antes de deixar o
país. Pode ter ocultado as suas opiniões
políticas e nunca ter sofrido qualquer
discriminação ou perseguição. No entanto, o simples facto de
recusar a protecção do Governo do seu país, ou a recusa de voltar, pode
revelar o verdadeiro estado de espírito do requerente e levar a considerar que existe
receio de
perseguição. Nessas circunstâncias, o
teste para verificar se o receio é fundado basear-se-ia no levantamento das
consequências que o requerente com certas tendências políticas
enfrentaria se
voltasse. Isto aplica-se em particular aos chamados refugiados "sur place". Ver
parágrafos 94 a 96.
84. Quando uma pessoa é sujeita a procedimentos
judiciais ou punição por um delito
político, deve-se fazer a distinção entre se o procedimento judicial se
deve a
opiniões
políticas ou a
actos
motivados politicamente. Se o procedimento judicial se dever a actos puníveis
cometidos por motivos políticos e se a pena em que incorre estiver conforme o
previsto na lei geral do país em causa, o receio desse procedimento judicial, por si
só, não fará do
requerente um refugiado.
85. A questão de saber se um infractor comum pode
também ser considerado um refugiado depende de
vários outros factores. O procedimento judicial por uma infracção
pode, dependendo das
circunstâncias, ser um pretexto para punir o infractor pelas suas opiniões
políticas ou pela
expressão dessas opiniões. Também pode haver razão para
acreditar que um infractor comum
estaria exposto a uma pena excessiva ou arbitrária pelo alegado delito. Essa pena
excessiva ou arbitrária
será equivalente a perseguição.
86. Para determinar se um infractor comum pode ser
considerado um refugiado, convém também ter em conta os seguintes
elementos: a personalidade do requerente, as suas opiniões políticas, as
motivações do seu acto, a natureza do acto
cometido, a natureza dos procedimentos judiciais e os seus motivos; finalmente,
também, a natureza da lei em que o procedimento judicial se baseia. Estes elementos
podem
contribuir para mostrar que a pessoa em causa tem receio de perseguição e
não, meramente, receio do procedimento judicial e da punição - de
acordo com a lei - pelo acto que cometeu.
(a) Análise geral
87. Neste contexto, "nacionalidade" designa "cidadania". A expressão "se encontre
fora do país de que tem a nacionalidade" refere-se a pessoas que têm uma
nacionalidade, por oposição aos
apátridas. Na maioria dos casos, os refugiados
conservam a nacionalidade do seu país de origem.
88. É uma das condições gerais do
reconhecimento do estatuto de refugiado que o requerente que tem uma nacionalidade esteja
fora do país da sua
nacionalidade. Não há excepções a esta regra. A
protecção internacional não pode intervir enquanto a pessoa se
encontrar dentro da
jurisdição territorial do seu país de origem. Em certos países,
em particular na
América Latina, existe uma tradição de "asilo diplomático",
que consiste em dar refúgio aos fugitivos políticos nas embaixadas
estrangeiras. Se uma pessoa encontra refúgio numa embaixada, embora
possa ser considerada como estando fora da
jurisdição
do seu país, não se encontra fora do seu
território e por isso não pode ser considerado de acordo com os termos da
Convenção de 1951. A anterior noção de "extra-territorialidade"
das embaixadas foi recentemente substituída pela
noção de "inviolabilidade", que é
utilizada na Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas, de 1961.
89. Por consequência, quando o requerente alega recear perseguições no
país da sua
nacionalidade, deve-se comprovar se ele de facto possui a
nacionalidade desse país. Podem, no entanto, surgir dúvidas em saber se uma
pessoa tem uma nacionalidade. Ela própria pode não a conhecer ou
erradamente reclamar-se de uma nacionalidade particular ou de apatridia. Quando a sua
nacionalidade não possa ser claramente determinada, o seu pedido de asilo deve ser
analisado do mesmo modo que o de uma pessoa apátrida, i.e., em vez do
país da sua nacionalidade deve tomar-se em
consideração o país da sua anterior
residência habitual. (Ver os parágrafos 101 a 105, mais adiante)
90. Conforme mencionado acima, a questão de saber se o requerente receia com
razão ser perseguido deve estar relacionada com o país da sua nacionalidade.
Uma vez que não tenha receio em relação ao
país da sua nacionalidade, é possível presumir que goze da
protecção desse
país. Não necessita da protecção internacional e, portanto,
não é um
refugiado.
91. O receio de ser perseguido não precisa sempre de se estender a
todo
o território do país da nacionalidade do
refugiado. No caso de conflito entre etnias ou no caso de
distúrbios graves equivalentes às
condições de guerra civil,
perseguições a um grupo específico,
étnico ou nacional, podem ocorrer apenas numa parte do país. Em tais casos,
não será recusado o estatuto de refugiado a uma pessoa pela simples
razão de que poderia ter procurado refúgio noutra parte do mesmo país
se, tendo em conta todas as
circunstâncias, não fosse razoável esperar que assim agisse.
92. O caso de pessoas com mais de uma nacionalidade é tratado nos
parágrafos 106 e 107, mais adiante.
93. A nacionalidade pode ser comprovada pela posse de um
passaporte nacional. A posse de tal passaporte cria uma
presunção ilidível, ou seja, salvo prova em contrário de que o
seu titular é nacional do país emissor, a menos que o passaporte contenha
indicação em contrário. Uma pessoa
titular de um passaporte, apresentando-o como nacional do
país emissor, mas que diz não ter a
nacionalidade desse país tem que o justificar,
demostrando, por exemplo, que o passaporte é o chamado "passaporte de
conveniência" (passaporte nacional,
aparentemente regular, emitido por vezes pelas autoridades do país a favor de
não-nacionais). No entanto, a simples afirmação pelo titular do
passaporte de que este lhe foi emitido para sua conveniência e
só para fins de viagem, não basta para refutar a presunção de
nacionalidade. Em certos casos, é possível obter informações
das autoridades que emitiram o passaporte. Se tais
informações não podem ser obtidas ou
não podem ser obtidas em tempo útil, o
examinador terá de decidir sobre a credibilidade das afirmações do
requerente tendo em
consideração todos os outros elementos do seu depoimento.
94. A condição segundo a qual uma pessoa se deve encontrar fora do seu
país para ser refugiado, não significa que tenha necessariamente deixado esse
país ilegalmente ou mesmo que o tenha deixado porque tinha receios fundados. Pode
ter decidido pedir o
reconhecimento do seu estatuto de refugiado depois de ter
residido no estrangeiro durante algum tempo. Uma pessoa que não era refugiado
quando deixou o seu país, mas que se torna refugiado posteriormente, é
chamado
refugiado
"sur place".
95. Uma pessoa torna-se um refugiado
"sur place"
devido a circunstâncias que surjam no seu país de origem durante a sua
ausência. Diplomatas e outros funcionários em serviço no estrangeiro,
prisioneiros de guerra, estudantes, trabalhadores emigrantes e outros têm solicitado o
estatuto de refugiado durante a sua residência no estrangeiro e têm sido
reconhecidos como refugiados.
96. Uma pessoa pode tornar-se um refugiado
"sur place"
devido aos seus próprios actos, tais como a sua
relação com refugiados já reconhecidos, ou por exprimir as suas
opiniões políticas no seu país de residência. Para se determinar
se tais actos são suficientes para justificar o receio fundado de
perseguição deve ser feita uma
análise cuidada das circunstâncias. Em
particular, deve-se ter em conta se tais acções podem ter chegado ao
conhecimento das autoridades do
país de origem e como são encaradas por essas autoridades.
98. Quando
não possa
requerer tal protecção isso significa que
existem circunstâncias independentes da vontade da
pessoa em causa. Podem ser, por exemplo, um estado de guerra, uma guerra civil ou outros
distúrbios graves que
impedem o país da nacionalidade do requerente de lhe conceder
protecção ou que tornam essa
protecção ineficaz. A protecção do país da nacionalidade
do requerente pode,
também, ter-lhe sido negada. Essa recusa de
protecção pode confirmar ou aumentar o receio de perseguição
do requerente e pode mesmo
constituir, em si, um elemento de
perseguição.
99. O que constitui a recusa de protecção deve ser determinado de acordo com
as circunstâncias do caso. Sendo evidente que foram negados direitos e
prestações ao requerente (por exemplo recusa do passaporte nacional ou da
prorrogação da sua validade ou recusa da entrada no seu território
nacional) que são normalmente concedidos aos seus
compatriotas, isto pode constituir recusa de
protecção, de acordo com a
definição.
100. A expressão
não queira
aplica-se aos refugiados que recusam aceitar a
protecção do Governo do país da sua
nacionalidade. Documento ONU E/1618, pág. 39.
Está qualificada pela frase "em virtude daquele
receio". Quando uma pessoa quer gozar da
protecção do seu país, essa vontade
normalmente deveria ser incompatível com o facto de se encontrar fora do
país "devido recear com razão ser perseguida". Sempre que a
protecção do
país da sua nacionalidade possa ser efectiva e que
não exista nenhuma razão, motivada por receio fundado, de recusar essa
protecção, a pessoa em questão não tem necessidade de
protecção internacional e não é um refugiado.
101. Esta expressão, que se refere a refugiados
apátridas, é paralela à precedente que diz respeito a refugiados que
têm uma nacionalidade. No caso de refugiados apátridas, o "país de que
tem a nacionalidade" é substituído pelo "país no qual tinha a sua
residência habitual" e a
expressão "não queira pedir a
protecção..."é substituída pelas palavras "a ele não
queira voltar". No caso de um
refugiado apátrida, a questão de "pedido de
protecção" do país da sua anterior
residência habitual não se pode, obviamente,
colocar. Acresce ainda que, uma vez que um apátrida tenha abandonado o
país da sua anterior
residência habitual por razões mencionadas na definição,
geralmente, não tem
condições de lá voltar.
102. Note-se que nem todos os apátridas são refugiados. Eles têm de se
encontrar fora do país da sua anterior residência habitual pelas razões
mencionadas na definição. Se estas razões não existem, o
apátrida não é um refugiado.
103. Estas razões devem ser analisadas em
relação ao país "no qual tinha a sua
residência habitual" face ao qual o apátrida
exprime receio. Este país foi definido pelos redactores da Convenção
de 1951 como "o país em que residiu e onde foi vítima de
perseguições ou receia ser perseguido se lá voltar"
loc. cit.
104. Um apátrida pode ter mais do que um país da sua anterior
residência habitual e pode ter receio de perseguição em
relação a mais do que um deles. A definição não obriga a
que o apátrida preencha os critérios para todos eles.
105. Uma vez que um apátrida tenha sido reconhecido como refugiado em
relação ao "país no qual tinha a sua residência habitual",
nenhuma
mudança posterior do país de residência habitual põe em causa o
seu estatuto de refugiado.
Artigo 1 A(2), parágrafo 2 da Convenção de 1951:
"No caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão do
país de que tem a nacionalidade refere-se a cada um dos países de que essa
pessoa tem a nacionalidade. Não será considerada privada da
protecção do país de que tem a
nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão
válida, fundada num receio justificado, não
tenha pedido a protecção de um dos países de que tem a
nacionalidade."
106. Esta cláusula, que é muito
explícita, tem por fim excluir do estatuto de refugiado todas as pessoas com dupla ou
múltipla nacionalidade que podem requerer a protecção de pelo menos
um dos países de que são nacionais. Sempre que
possível, a protecção nacional tem
primazia sobre a protecção internacional.
107. Ao examinar o caso de um requerente com dupla ou
múltipla nacionalidade é necessário, no entanto, distinguir entre a
posse de uma nacionalidade na
acepção jurídica e a possibilidade de protecção efectiva
do país em causa.
Haverá casos em que o requerente tem a nacionalidade de um país perante o
qual ele alega não ter receio, mas essa nacionalidade pode ser considerada ineficaz
já que não veícula a protecção
normalmente assegurada aos nacionais. Nessas
circunstâncias, a posse da segunda nacionalidade
não seria incompatível com o estatuto de
refugiado. Como regra geral, deveria ter havido um pedido de protecção e a sua
recusa para poder estabelecer que uma dada nacionalidade é ineficaz. Se não
há uma recusa explícita de
protecção, a ausência de resposta dentro de um prazo razoável
pode ser considerada como uma
recusa.
108. Na altura em que a Convenção de 1951 foi redigida, havia um certo
número de Estados que
não queriam assumir obrigações cujo
alcance não se podia prever. Este desejo levou à inclusão da data limite
de 1951, à qual
já nos referimos (parágrafos 35 e 36
anteriores). Em resposta ao desejo de certos Governos, a
Convenção de 1951 também concedeu aos Estados Contratantes a
possibilidade de limitarem as suas
obrigações perante a Convenção a pessoas que se tenham
tornado refugiados em consequência dos acontecimentos ocorridos na Europa.
(a) "Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 na Europa"; quer de
(b) "Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951 na Europa ou fora desta";
e cada Estado Contratante, no momento da assinatura,
ratificação ou adesão, fará uma declaração na
qual indicará o alcance que entende dar a esta expressão, no que diz respeito
às obrigações por ele assumidas, em
virtude da presente Convenção.
(2) Qualquer Estado Contratante que tenha adoptado a
fórmula (a) poderá em qualquer altura alargar as suas
obrigações adoptando a fórmula (b), por comunicação a
fazer ao Secretário Geral das Nações Unidas."
"Em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e
receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião,
nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas
opiniões políticas, se encontre fora do
país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio,
não queira pedir a
protecção daquele país; ou que, se
não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua
residência habitual após
aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não
queira voltar."
(b) Perseguições
(c) Discriminação
(d) Punição
(e) Consequências da saída ilegal ou da
permanência não autorizada fora do país de origem
(f) Distinção entre migrantes por motivos
económicos e refugiados
(g) Agentes de perseguição
filiação em certo grupo social ou das suas
opiniões políticas"
(b) Raça
(c) Religião
(d) Nacionalidade
(e) Filiação em certo grupo social
(f) Opiniões políticas
(4) "se encontre fora do país de que tem a
nacionalidade"
(b) Refugiados "sur place"
(6) "ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a
sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em
virtude do dito receio, a ele não queira voltar."
109. Em conformidade, o Artigo 1B da Convenção de 1951 estabelece
que:
"(1) Para os fins da presente Convenção, as palavras "acontecimentos
ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951", que figuram no artigo 1, secção A,
poderão compreender-se no sentido quer de:
110. Dos Estados Contratantes da Convenção de 1951, na altura da
redacção do presente Manual, 9 Estados mantêm a sua adesão
à
alternativa (a), "acontecimentos ocorridos na Europa" Ver
Anexo IV. Embora seja frequente que refugiados provenientes de outras partes do mundo
obtenham asilo em alguns destes
países, não lhes é, normalmente,
concedido o estatuto de refugiado de acordo com a
Convenção de 1951.