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CAPÍTULO II

CLÁUSULAS DE INCLUSÃO


A. Definições
(1) Os refugiados estatutários
(2) Definição geral da Convenção de 1951
B. Interpretação dos termos
(1) "Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951"
(2) "receando com razão ser perseguida"
(a) Análise Geral
(b) Perseguições
(c) Discriminação
(d) Punição
(e) Consequências da saída ilegal ou da permanência não autorizada fora do país de origem
(f) Distinção entre migrantes por motivos económicos e refugiados
(g) Agentes de perseguição
(3) "em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas"
(a) Análise geral
(b) Raça
(c) Religião
(d) Nacionalidade
(e) Filiação em certo grupo social
(f) Opiniões políticas
(4) "se encontre fora do país de que tem a nacionalidade"
(a) Análise geral
(b) Refugiados "sur place"
(5) "e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país"
(6) "ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar."
(7) Nacionalidade dupla ou múltipla
(8) Âmbito geográfico


A. Definições

1) Os refugiados estatutários

32. O 1 parágrafo da Secção A do Artigo 1 da Convenção de 1951 trata do caso dos refugiados estatutários, isto é, as pessoas consideradas como refugiados pela aplicação das disposições dos instrumentos internacionais anteriores à Convenção. O texto dessa disposição é o seguinte:

33. A menção destes instrumentos tem como objectivo estabelecer uma ligação com o passado e garantir a continuidade da protecção internacional aos refugiados que foram objecto da preocupação da comunidade internacional em diferentes épocas no passado. Como foi indicado anteriormente (parágrafo 4), estes instrumentos perderam agora uma grande parte do seu significado, pelo que a sua discussão teria, aqui, pouco valor prático. No entanto, uma pessoa que foi considerada como refugiado pela aplicação de qualquer um destes instrumentos é automaticamente considerada como refugiado ao abrigo da Convenção de 1951. Assim, um titular do chamado "Passaporte Nansen" "Passaporte Nansen": um documento de identidade válido como documento de viagem, emitido para refugiados de acordo com as disposições dos instrumentos anteriores à Segunda Guerra Mundial. ou de um "Certificado de Elegibilidade" emitido pela Organização Internacional de Refugiados deve ser considerado como refugiado de acordo com a Convenção de 1951, salvo se alguma das cláusulas de cessação se aplicar ao seu caso ou se foi excluído da aplicabilidade da Convenção em virtude de uma das cláusulas de exclusão. Isto também é válido para os filhos menores sobreviventes de um refugiado estatutário.


2) Definição geral da Convenção de 1951

34. De acordo com o parágrafo 2 da secção A do Artigo 1 da Convenção de 1951, o termo "refugiado" aplica-se a qualquer pessoa que:

Esta definição geral é, seguidamente, examinada em pormenor.


B. Interpretação dos termos

(1) "Acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951"

35. A origem da data limite de 1951 é explicada no parágrafo 7 da Introdução. Como consequência do Protocolo de 1967 esta data limite perdeu muito da sua importância prática. Uma interpretação da palavra "acontecimentos", tem apenas interesse para um pequeno número de Estados Partes da Convenção de 1951 que não são Partes do Protocolo de 1967 Ver Anexo IV..

36. A palavra "acontecimentos" não se encontra definida na Convenção de 1951, mas foi entendida como significando "acontecimentos de maior importância envolvendo modificações territoriais ou profundas alterações políticas bem como perseguições sistemáticas resultantes de mudanças anteriores" Documento ONU E/1618 pág.39.. A data limite refere-se aos "acontecimentos" na sequência dos quais uma pessoa se torna refugiado e não à data em que se torna refugiado, nem à data em que deixou o seu país. Um refugiado pode ter deixado o seu país antes ou depois da data limite, desde que o seu receio de perseguição seja devido a "acontecimentos" ocorridos antes da data limite ou a efeitos posteriores resultantes de tais acontecimentos. loc.cit.


(2) "receando com razão ser perseguida"
(a) Análise Geral

37. A expressão "receando com razão ser perseguida" é a expressão chave da definição. Reflecte os pontos de vista dos seus autores quanto aos elementos constitutivos da noção de refugiado. Substitui o método anterior de definição de refugiado por categorias (i.e., pessoas de uma certa origem não gozando da protecção do seu país) pelo conceito geral de "receio" devido a um motivo relevante. Uma vez que o receio é subjectivo, a definição envolve um elemento subjectivo na pessoa que solicita o reconhecimento do estatuto de refugiado. A determinação deste estatuto de refugiado requererá mais uma avaliação das declarações do interessado, do que um julgamento da situação prevalecente no seu país de origem.

38. A este elemento de receio - que é um estado de espírito e uma condição subjectiva - é acrescentada a qualificação "com razão". Isto implica que não é só o estado de espírito da pessoa interessada que determina o estatuto de refugiado, mas que esse estado de espírito seja baseado numa situação objectiva. A expressão "receando com razão" contém, portanto, um elemento subjectivo e um outro objectivo, e, para determinar se esse receio fundado existe, devem ser tidos em consideração ambos os elementos.

39. Pode-se pressupor que, a menos que seja pelo gosto da aventura ou para conhecer o mundo, normalmente ninguém abandona a sua casa e o seu país sem ser compelido por alguma razão imperiosa. Poderá haver muitas razões que sejam imperiosas e compreensíveis, mas apenas uma poderá ser considerada para a determinação da qualidade de refugiado. A expressão "receando com razão ser perseguida" - pelos motivos referidos - indicando uma razão específica torna automaticamente todas as outras razões da fuga irrelevantes para a definição. Não estão abrangidos os casos de vítimas de fome ou de desastres naturais, a menos que também receiem com razão a perseguição por um dos motivos referidos. No entanto, esses outros motivos podem não ser totalmente irrelevantes para o processo de determinação do estatuto de refugiado, já que é necessário tomar em consideração todas as circunstâncias para se compreender com rigor o caso do requerente.

40. Uma avaliação do elemento subjectivo é inseparável de uma apreciação da personalidade do requerente, já que as reacções psicológicas dos diferentes indivíduos podem não ser as mesmas em condições idênticas. Certas pessoas podem ter convicções políticas ou religiosas de tal modo fortes que o menosprezo por elas pode tornar a sua vida intolerável; outras pessoas podem não ter convicções tão fortes. Umas podem tomar uma decisão impulsiva para fugir, outras podem planear cuidadosamente a sua partida.

41. Dada a importância que a definição atribui ao elemento subjectivo, uma avaliação da credibilidade das declarações é indispensável sempre que o caso não seja suficientemente claro através dos factos registados. Há ainda que ter em conta os antecedentes pessoais e familiares do interessado, a sua ligação a certo grupo racial, religioso, nacional, social ou político, a sua própria interpretação da situação e a sua experiência pessoal - por outras palavras, tudo o que possa indicar que o motivo essencial para o seu pedido é o receio. O receio deve ser razoável. Um receio exagerado, contudo, pode ser fundado se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, um tal estado de espírito possa ser considerado como justificado.

42. Quanto ao elemento objectivo, é necessário avaliar as declarações feitas pelo requerente. As autoridades competentes designadas para determinar o estatuto de refugiado não têm de emitir um julgamento sobre as condições existentes no país de origem do requerente. As declarações do requerente não podem, contudo, ser consideradas em abstracto e têm de ser analisadas no contexto da situação concreta e dos antecedentes relevantes. Um conhecimento das condições do país de origem do requerente - ainda que não seja um objectivo em si mesmo - é um elemento importante para a apreciação da credibilidade das declarações do requerente. Geralmente, o receio do requerente pode considerar-se como fundado se ele consegue demonstrar, de modo razoável, que a sua permanência no país de origem se tornou intolerável por motivos constantes na definição, ou que, por esses mesmos motivos, seria intolerável se lá voltasse.

43. Estas considerações não têm necessariamente que se basear na experiência pessoal do requerente. O que, por exemplo, aconteceu aos seus amigos e familiares e outros membros do mesmo grupo racial ou social pode também demonstrar que o seu receio de mais cedo ou mais tarde vir a ser vítima de perseguição é fundado. As leis do país de origem e, particularmente, a maneira como são aplicadas, são relevantes. No entanto, a situação de cada pessoa deve ser analisada em si mesma. No caso de uma personalidade bem conhecida, a possibilidade de perseguição pode ser maior do que no caso de um desconhecido. Todos estes factores, nomeadamente o carácter da pessoa, os seus antecedentes, a sua influência, a sua riqueza ou a sua franqueza, podem levar à conclusão que é "com razão" que ela receia ser perseguida.

44. Se bem que o estatuto de refugiado deva ser normalmente determinado numa base individual, podem surgir situações em que grupos inteiros tenham sido deslocados em circunstâncias que indicam que os membros do grupo podem ser considerados individualmente como refugiados. Nessas situações, é, frequentemente, necessário agir com extrema urgência na prestação de assistência e pode não ser possível, por razões puramente práticas, determinar individualmente o estatuto de refugiado para cada membro do grupo. Assim, adoptou-se o procedimento denominado "determinação colectiva" do estatuto de refugiado, segundo o qual, salvo prova em contrário, cada membro do grupo é considerado, à partida (prima facie), como refugiado.

45. Para além das situações do tipo referido no parágrafo anterior, normalmente é o requerente do estatuto de refugiado que deve individualmente apresentar boas razões para o seu receio de perseguição. Deve-se pressupor que a pessoa receia com razão ser perseguida se já foi vítima de perseguição por uma das razões enumeradas na Convenção de 1951. No entanto, a expressão "receio" de ser perseguido não se refere apenas àqueles que já foram perseguidos, mas também aos que desejam evitar uma situação em que poderiam correr o risco de serem perseguidos.

46. Geralmente as expressões "receio de perseguição" ou mesmo "perseguição" são estranhas ao vocabulário normal do refugiado. Na realidade, um refugiado só raramente invocará "receio de perseguição" nestes termos, apesar dele estar com frequência implícito no seu depoimento. Do mesmo modo, ainda que um refugiado possa ter opiniões muito definidas pelas quais ele foi vítima de perseguição, pode, por razões psicológicas, não ser capaz de descrever as suas experiências e a sua situação em termos políticos.

47. Um caso típico em que se coloca a questão de avaliar se o receio do requerente é bem fundado, ocorre quando este possui um passaporte nacional válido. Julga-se por vezes que a posse de um passaporte significa que as autoridades emissoras não tencionam perseguir o seu titular, pois de outro modo não lhe teriam emitido o passaporte. Ainda que isto possa ser verdade em alguns casos, muitas pessoas têm utilizado uma saída legal do país, como meio único de fuga, sem nunca terem revelado as suas opiniões políticas, já que o conhecimento destas poderia colocá-las numa posição perigosa face às autoridades.

48. A posse de um passaporte não pode por isso ser sempre considerada como prova de lealdade por parte do seu titular, nem como indicação de ausência de receio. Pode mesmo ser emitido um passaporte para uma pessoa indesejável no seu país de origem com o único propósito de garantir a sua partida e, também, pode haver casos em que o passaporte foi obtido de forma ilícita. Em conclusão, a mera posse de um passaporte nacional válido não constitui um obstáculo ao reconhecimento do estatuto de refugiado.

49. Se, por outro lado, o requerente insistir, sem razões válidas, em conservar um passaporte válido de um país do qual alega não querer pedir a protecção, isso pode pôr em dúvida o "receio fundado" que afirma ter. Uma vez reconhecido o seu estatuto, normalmente, o refugiado não deve manter o seu passaporte nacional.

50. No entanto, podem ocorrer situações excepcionais em que a pessoa que preenche os critérios para reconhecimento do estatuto de refugiado pode manter o seu passaporte nacional - ou ser-lhe emitido um outro novo pelas autoridades do seu país de origem sob condições especiais. Em particular, se estas condições não implicarem que o titular do passaporte nacional seja livre de entrar no seu país, sem autorização prévia, poderão não ser incompatíveis com o estatuto de refugiado.


(b) Perseguições

51. Não existe uma definição universalmente aceite de "perseguição" e as diversas tentativas de a formular obtiveram pouco sucesso. Do Artigo 33 da Convenção de 1951, pode-se inferir que a ameaça à vida ou à liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertença a um certo grupo social é sempre perseguição. Outras violações graves aos direitos humanos - pelas mesmas razões - constituiriam também perseguição.

52. A questão de saber se outras acções prejudiciais ou ameaças de tais acções constituem perseguição depende das circunstâncias de cada caso, incluindo o elemento subjectivo a que se fez referência em parágrafos anteriores. O carácter subjectivo do receio de perseguição exige uma apreciação das opiniões e sentimentos da pessoa em causa. É também à luz de tais opiniões e sentimentos que quaisquer medidas, efectivas ou receadas, tomadas contra a pessoa, devem ser necessariamente consideradas. Devido à diversidade das estruturas psicológicas dos indivíduos e às circunstâncias de cada caso, a interpretação da noção de perseguição não poderá ser uniforme.

53. Para além disso, o requerente pode ter sido sujeito a várias medidas que, por si só, não constituem perseguição (por exemplo, discriminação sob diferentes formas), em alguns casos combinadas com outros factores adversos (por exemplo, ambiente geral de insegurança no país de origem). Em tais situações, os diversos elementos envolvidos podem, se considerados conjuntamente, produzir um estado de espírito no requerente que pode justificar de modo razoável a fundamentação do receio de perseguição por "motivos cumulativos". Obviamente, não é possível estabelecer uma regra geral quanto aos motivos cumulativos que podem tornar válido o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado. Isso dependerá necessariamente de todas as circunstâncias, incluindo o contexto particular em termos geográficos, históricos e etnológicos.


(c) Discriminação

54. Em muitas sociedades existem, de facto, em maior ou menor grau, diferenças de tratamento dos vários grupos. As pessoas que, por esse facto, recebem um tratamento menos favorável não são necessariamente vítimas de perseguição. Só em determinadas circunstâncias é que a discriminação equivale a perseguição. Será assim, se as medidas discriminatórias tiverem consequências gravemente prejudiciais para a pessoa em causa, por exemplo, sérias restrições ao seu direito de exercer uma profissão, de praticar a sua religião, ou de acesso aos estabelecimentos de ensino normalmente abertos a todos.

55. Nos casos em que as medidas discriminatórias, por si só, não sejam graves, elas podem, no entanto, levar a pessoa em causa a recear com razão ser perseguida se provocarem no seu espírito um sentimento de apreensão e insegurança quanto à sua existência futura. Se tais medidas discriminatórias, por si só, são ou não causas de perseguição, isso terá de ser determinado à luz de todas as circunstâncias. O pedido por receio de perseguição será no entanto mais forte se a pessoa já tiver sido vítima de certas medidas discriminatórias deste tipo e se, por consequência, se verifica um factor cumulativo. Ver também parágrafo 53.


(d) Punição

56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infracção de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infracções desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.

57. A distinção acima pode, no entanto, por vezes, ser menos clara. Em primeiro lugar, uma pessoa culpada de uma infracção de direito comum pode ser alvo de uma pena excessiva que pode ser equivalente a perseguição no sentido da definição. Além disso, os procedimentos judiciais pelas razões mencionadas na definição (por exemplo, no que se refere a educação religiosa "ilegal" dada a uma criança) podem, por si só, equivaler a perseguição.

58. Em segundo lugar, surgem casos em que uma pessoa, para além de recear os procedimentos judiciais ou a punição por um crime de direito comum, pode, também, "recear com razão ser perseguida". Nestes casos, a pessoa em causa é um refugiado. No entanto, pode ser necessário ponderar se o crime em questão não é de uma gravidade tal que leve o requerente a ser abrangido por uma das cláusulas de exclusão. Ver parágrafos 144 a 156.

59. A fim de determinar se os procedimentos judiciais equivalem a perseguição, será também necessário considerar as leis do país em causa, pois é possível que a lei não esteja em conformidade com os padrões aceites em matéria de direitos humanos. Mais frequentemente, contudo, pode não ser a lei mas a sua aplicação que é discriminatória. Procedimentos judiciais por ofensa à "ordem pública", por exemplo por distribuição de panfletos, podem ser um meio de perseguição do indivíduo devido ao conteúdo político da publicação.

60. Em tais casos, tendo em conta as dificuldades óbvias que se apresentam na avaliação das leis de outro país, as autoridades nacionais serão, com frequência, levadas a tomar uma decisão tendo por referência a sua própria legislação nacional. Além disso, pode ser útil o recurso aos princípios enunciados nos diversos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, em particular nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, que têm força obrigatória para os Estados Partes e que são os instrumentos aos quais aderiram muitos dos Estados Partes da Convenção de 1951.


(e) Consequências da saída ilegal ou da permanência não autorizada fora do país de origem

61. A legislação de certos Estados impõe penas severas para os nacionais que saem do país de modo ilegal ou que permanecem no estrangeiro sem autorização. Quando há razão para acreditar que uma pessoa, em virtude da sua partida ilegal ou permanência no estrangeiro sem autorização, é passível de tais penas, o seu reconhecimento como refugiado justifica-se se puder demonstrar que os motivos para deixar o país ou permanecer fora dele estão relacionados com as razões enumeradas no Artigo 1A (2) da Convenção de 1951. (ver parágrafo 66, mais adiante)


(f) Distinção entre migrantes por motivos económicos e refugiados

62. Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado.

63. A distinção entre um migrante por motivos económicos e um refugiado é, no entanto, por vezes confusa, do mesmo modo que a distinção entre medidas económicas e políticas no país de origem do requerente nem sempre é clara. Por detrás de medidas económicas que afectam uma pessoa no seu modo de vida, pode haver objectivos ou intenções raciais, religiosas ou políticas dirigidas contra um grupo particular. Quando as medidas económicas comprometem a sobrevivência económica de um segmento particular da população (por exemplo, impedimento do direito ao comércio, impostos discriminatórios sobre um grupo étnico ou religioso específico), as vítimas destas medidas podem, tendo em conta as circunstâncias, tornar-se refugiados ao deixarem o país.

64. A questão de se saber se o mesmo se aplica às vítimas de medidas económicas gerais (i.e., as que se aplicam a toda a população sem discriminação) dependerá das circunstâncias de cada caso. As objecções às medidas económicas gerais não são, por si só, razão para requerer o estatuto de refugiado. Mas por outro lado, o que à primeira vista parece ser principalmente uma razão económica para deixar o seu país pode, na realidade, envolver um aspecto político, podendo acontecer que as opiniões políticas do indivíduo o exponham a graves consequências, mais do que as suas objecções às medidas económicas propriamente ditas.


(g) Agentes de perseguição

65. A perseguição está normalmente relacionada com a acção das autoridades do país. Também pode advir de segmentos da população que não respeitam os padrões estabelecidos nas leis do país em causa. A título de exemplo, podemos citar a intolerância religiosa que vai até à perseguição num país em que, apesar de laico, fracções significativas da população não respeitam as convicções religiosas dos outros. Quando actos discriminatórios graves ou outros actos ofensivos são cometidos por populares, podem ser considerados como perseguição se forem conhecidos e tolerados pelas autoridades, ou se as autoridades recusam, ou são incapazes, de oferecer uma protecção eficaz.


(3) "em virtude da sua raça, religião, nacionalidade,
filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas"

(a) Análise geral

66. Para ser considerado refugiado, uma pessoa deve demonstrar que receia com razão ser perseguida por um dos motivos mencionados acima. Pouco importa se a perseguição se deve a só um desses motivos ou à combinação de dois ou mais. Muitas vezes, o próprio requerente pode não estar consciente dos motivos da perseguição receada. Ainda assim, não é obrigação do requerente analisar o seu caso de modo tão profundo que identifique esses motivos em pormenor.

67. É da competência do examinador, quando investiga os factos do caso, determinar o motivo ou motivos da perseguição receada e decidir se a este respeito as condições constantes na definição da Convenção de 1951 estão preenchidas. É evidente que, frequentemente, os diversos motivos da perseguição se sobrepõem. Geralmente, haverá mais do que um elemento combinado em relação a uma pessoa, por exemplo, um opositor político que pertence a um grupo religioso ou nacional, ou a um grupo que apresente simultaneamente estas duas características, e a combinação desses motivos nessa pessoa pode ser relevante na avaliação do seu receio fundado.


(b) Raça

68. No contexto actual, raça deve ser entendida no seu sentido mais lato incluindo todos os tipos de grupos étnicos que, segundo o uso comum, são considerados como "raças". Frequentemente, esta noção engloba também membros de grupos sociais específicos de origem comum, formando uma minoria no seio de uma vasta população. A discriminação por motivos de raça é condenada mundialmente como sendo uma das violações mais flagrantes dos direitos humanos. Portanto, a discriminação racial representa um elemento importante para determinar a existência de perseguição.

69. A discriminação por motivos de raça equivale, com frequência, à perseguição, no sentido da Convenção de 1951. Assim será se, em virtude da discriminação racial, a dignidade humana da pessoa é afectada de tal modo que se torna incompatível com os mais elementares e inalienáveis direitos humanos, ou quando se ignora que as barreiras raciais acarretam graves consequências.

70. Normalmente, o simples facto de pertencer a certo grupo racial não é suficiente para fundamentar o pedido do estatuto de refugiado. No entanto, pode haver situações em que, devido a circunstâncias particulares que afectam o grupo, o facto de o integrar pode, por si só, ser suficiente para justificar o receio de perseguição.


(c) Religião

71. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto relativo aos Direitos Civis e Políticos proclamam o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, direito esse que inclui a liberdade de mudar de religião e de o manifestar em público ou em privado pelo ensino, prática, culto e cumprimento dos ritos.

72. A perseguição "em virtude da religião" pode assumir várias formas, tais como a proibição de fazer parte de uma comunidade religiosa, de praticar o culto em privado ou em público, da educação religiosa ou a imposição de graves medidas discriminatórias sobre pessoas por praticarem a sua religião ou pertencerem a uma dada comunidade religiosa.

73. Normalmente, o simples facto de pertencer a uma dada comunidade religiosa não é suficiente para fundamentar o pedido do estatuto de refugiado. Podem, no entanto, apresentar-se circunstâncias especiais em que o facto de ser membro dessa comunidade constitua fundamento suficiente.


(d) Nacionalidade

74. Neste contexto, o termo "nacionalidade" não deve ser entendido apenas no sentido de "nacionalidade jurídica", "cidadania", vínculo que une um indivíduo a um Estado. Refere-se também à integração num grupo étnico ou linguístico e pode, ocasionalmente, sobrepor-se ao termo "raça". A perseguição por motivos de nacionalidade pode consistir em atitudes e medidas adversas dirigidas contra uma minoria nacional (étnica, linguística) e, em determinadas circunstâncias, o facto de pertencer a essa minoria pode, por si só, fundamentar o receio de perseguição.

75. A coexistência dentro das fronteiras de um Estado de dois ou mais grupos nacionais (étnicos, linguísticos) pode criar situações de conflito e também situações de perseguição ou de perigo de perseguição. Nem sempre será fácil distinguir entre perseguição por motivos de nacionalidade e perseguição por motivos de opinião política quando um conflito entre grupos nacionais está ligado a movimentos políticos, em particular se o movimento político se identifica com uma "nacionalidade" específica.

76. Se na maior parte dos casos a perseguição por motivos de nacionalidade é receada pelas pessoas que pertencem a uma minoria nacional, têm-se verificado muitos casos, em diversas partes do mundo, de pessoas que pertencendo ao grupo maioritário podem recear perseguição por uma minoria dominante.


(e) Filiação em certo grupo social

77. Normalmente, um "certo grupo social" integra pessoas de origem, modo de vida e estatuto social similares. O receio de ser perseguido por esta razão, pode com frequência coincidir com o receio de perseguição por outros motivos, tais como: raça, religião ou nacionalidade.

78. A pertença a um certo grupo social pode estar na origem da perseguição, por desconfiança da lealdade do grupo ao Governo ou devido às posições políticas, aos antecedentes ou à actividade económica dos seus membros, ou quando a própria existência do grupo social é considerada um obstáculo à política do Governo.

79. Normalmente, o simples facto de pertencer a um certo grupo social não é suficiente para substanciar o pedido do estatuto de refugiado. No entanto, podem existir circunstâncias especiais em que o simples facto de ser membro desse grupo é motivo suficiente para recear a perseguição.


(f) Opiniões políticas

80. O facto de ter opiniões políticas diferentes do Governo não é, por si só, motivo para pedir o estatuto de refugiado e o requerente tem de mostrar que receia a perseguição por ter essas opiniões. Isto pressupõe que o requerente tem opiniões não toleradas pelas autoridades porque são críticas às suas políticas ou aos seus métodos. Também pressupõe que as autoridades conhecem essas opiniões ou que as atribuem ao requerente. As opiniões políticas de um professor ou de um escritor podem ser mais conhecidas do que as de uma pessoa numa posição menos exposta. A importância relativa ou a tenacidade das opiniões do requerente - na medida em que estas se possam estabelecer através de todas as circunstâncias do caso - deverão também ser tomadas em consideração.

81. Se bem que a definição mencione perseguição "em virtude das opiniões políticas" pode não ser sempre possível estabelecer a existência de um nexo de casualidade entre as opiniões exprimidas e as medidas sofridas ou receadas pelo requerente. É raro que tais medidas sejam expressamente motivadas por "opiniões". Mais frequentemente, essas medidas apresentam a forma de sanções por alegados actos criminosos contra o poder vigente. Será portanto necessário determinar as opiniões políticas do requerente que estão na origem do seu comportamento e se essas opiniões conduziram ou podem conduzir às perseguições que declara recear.

82. Como indicado anteriormente, a perseguição "em virtude de opiniões políticas" implica que o requerente tenha opiniões que exprimiu ou que tenham chegado ao conhecimento das autoridades. Pode, no entanto, também haver situações em que um requerente não tenha dado qualquer expressão às suas opiniões. Contudo, devido à firmeza das suas convicções, pode ser razoável pressupor que mais cedo ou mais tarde será levado a exprimi-las e, por isso, entrará em conflito com as autoridades. Quando isto pode ser razoavelmente pressuposto pode considerar-se que o requerente tem receio de perseguição em virtude das suas opiniões políticas.

83. Um requerente que afirma recear ser perseguido em virtude das suas opiniões políticas não precisa de demonstrar que as autoridades do seu país de origem conheciam as suas opiniões antes de deixar o país. Pode ter ocultado as suas opiniões políticas e nunca ter sofrido qualquer discriminação ou perseguição. No entanto, o simples facto de recusar a protecção do Governo do seu país, ou a recusa de voltar, pode revelar o verdadeiro estado de espírito do requerente e levar a considerar que existe receio de perseguição. Nessas circunstâncias, o teste para verificar se o receio é fundado basear-se-ia no levantamento das consequências que o requerente com certas tendências políticas enfrentaria se voltasse. Isto aplica-se em particular aos chamados refugiados "sur place". Ver parágrafos 94 a 96.

84. Quando uma pessoa é sujeita a procedimentos judiciais ou punição por um delito político, deve-se fazer a distinção entre se o procedimento judicial se deve a opiniões políticas ou a actos motivados politicamente. Se o procedimento judicial se dever a actos puníveis cometidos por motivos políticos e se a pena em que incorre estiver conforme o previsto na lei geral do país em causa, o receio desse procedimento judicial, por si só, não fará do requerente um refugiado.

85. A questão de saber se um infractor comum pode também ser considerado um refugiado depende de vários outros factores. O procedimento judicial por uma infracção pode, dependendo das circunstâncias, ser um pretexto para punir o infractor pelas suas opiniões políticas ou pela expressão dessas opiniões. Também pode haver razão para acreditar que um infractor comum estaria exposto a uma pena excessiva ou arbitrária pelo alegado delito. Essa pena excessiva ou arbitrária será equivalente a perseguição.

86. Para determinar se um infractor comum pode ser considerado um refugiado, convém também ter em conta os seguintes elementos: a personalidade do requerente, as suas opiniões políticas, as motivações do seu acto, a natureza do acto cometido, a natureza dos procedimentos judiciais e os seus motivos; finalmente, também, a natureza da lei em que o procedimento judicial se baseia. Estes elementos podem contribuir para mostrar que a pessoa em causa tem receio de perseguição e não, meramente, receio do procedimento judicial e da punição - de acordo com a lei - pelo acto que cometeu.


(4) "se encontre fora do país de que tem a nacionalidade"

(a) Análise geral

87. Neste contexto, "nacionalidade" designa "cidadania". A expressão "se encontre fora do país de que tem a nacionalidade" refere-se a pessoas que têm uma nacionalidade, por oposição aos apátridas. Na maioria dos casos, os refugiados conservam a nacionalidade do seu país de origem.

88. É uma das condições gerais do reconhecimento do estatuto de refugiado que o requerente que tem uma nacionalidade esteja fora do país da sua nacionalidade. Não há excepções a esta regra. A protecção internacional não pode intervir enquanto a pessoa se encontrar dentro da jurisdição territorial do seu país de origem. Em certos países, em particular na América Latina, existe uma tradição de "asilo diplomático", que consiste em dar refúgio aos fugitivos políticos nas embaixadas estrangeiras. Se uma pessoa encontra refúgio numa embaixada, embora possa ser considerada como estando fora da jurisdição do seu país, não se encontra fora do seu território e por isso não pode ser considerado de acordo com os termos da Convenção de 1951. A anterior noção de "extra-territorialidade" das embaixadas foi recentemente substituída pela noção de "inviolabilidade", que é utilizada na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961.

89. Por consequência, quando o requerente alega recear perseguições no país da sua nacionalidade, deve-se comprovar se ele de facto possui a nacionalidade desse país. Podem, no entanto, surgir dúvidas em saber se uma pessoa tem uma nacionalidade. Ela própria pode não a conhecer ou erradamente reclamar-se de uma nacionalidade particular ou de apatridia. Quando a sua nacionalidade não possa ser claramente determinada, o seu pedido de asilo deve ser analisado do mesmo modo que o de uma pessoa apátrida, i.e., em vez do país da sua nacionalidade deve tomar-se em consideração o país da sua anterior residência habitual. (Ver os parágrafos 101 a 105, mais adiante)

90. Conforme mencionado acima, a questão de saber se o requerente receia com razão ser perseguido deve estar relacionada com o país da sua nacionalidade. Uma vez que não tenha receio em relação ao país da sua nacionalidade, é possível presumir que goze da protecção desse país. Não necessita da protecção internacional e, portanto, não é um refugiado.

91. O receio de ser perseguido não precisa sempre de se estender a todo o território do país da nacionalidade do refugiado. No caso de conflito entre etnias ou no caso de distúrbios graves equivalentes às condições de guerra civil, perseguições a um grupo específico, étnico ou nacional, podem ocorrer apenas numa parte do país. Em tais casos, não será recusado o estatuto de refugiado a uma pessoa pela simples razão de que poderia ter procurado refúgio noutra parte do mesmo país se, tendo em conta todas as circunstâncias, não fosse razoável esperar que assim agisse.

92. O caso de pessoas com mais de uma nacionalidade é tratado nos parágrafos 106 e 107, mais adiante.

93. A nacionalidade pode ser comprovada pela posse de um passaporte nacional. A posse de tal passaporte cria uma presunção ilidível, ou seja, salvo prova em contrário de que o seu titular é nacional do país emissor, a menos que o passaporte contenha indicação em contrário. Uma pessoa titular de um passaporte, apresentando-o como nacional do país emissor, mas que diz não ter a nacionalidade desse país tem que o justificar, demostrando, por exemplo, que o passaporte é o chamado "passaporte de conveniência" (passaporte nacional, aparentemente regular, emitido por vezes pelas autoridades do país a favor de não-nacionais). No entanto, a simples afirmação pelo titular do passaporte de que este lhe foi emitido para sua conveniência e só para fins de viagem, não basta para refutar a presunção de nacionalidade. Em certos casos, é possível obter informações das autoridades que emitiram o passaporte. Se tais informações não podem ser obtidas ou não podem ser obtidas em tempo útil, o examinador terá de decidir sobre a credibilidade das afirmações do requerente tendo em consideração todos os outros elementos do seu depoimento.


(b) Refugiados "sur place"

94. A condição segundo a qual uma pessoa se deve encontrar fora do seu país para ser refugiado, não significa que tenha necessariamente deixado esse país ilegalmente ou mesmo que o tenha deixado porque tinha receios fundados. Pode ter decidido pedir o reconhecimento do seu estatuto de refugiado depois de ter residido no estrangeiro durante algum tempo. Uma pessoa que não era refugiado quando deixou o seu país, mas que se torna refugiado posteriormente, é chamado refugiado "sur place".

95. Uma pessoa torna-se um refugiado "sur place" devido a circunstâncias que surjam no seu país de origem durante a sua ausência. Diplomatas e outros funcionários em serviço no estrangeiro, prisioneiros de guerra, estudantes, trabalhadores emigrantes e outros têm solicitado o estatuto de refugiado durante a sua residência no estrangeiro e têm sido reconhecidos como refugiados.

96. Uma pessoa pode tornar-se um refugiado "sur place" devido aos seus próprios actos, tais como a sua relação com refugiados já reconhecidos, ou por exprimir as suas opiniões políticas no seu país de residência. Para se determinar se tais actos são suficientes para justificar o receio fundado de perseguição deve ser feita uma análise cuidada das circunstâncias. Em particular, deve-se ter em conta se tais acções podem ter chegado ao conhecimento das autoridades do país de origem e como são encaradas por essas autoridades.


(5) "e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país"

97. Diferente da expressão analisada mais adiante no ponto (6), a expressão em epígrafe refere-se a pessoas que têm uma nacionalidade. Quer não possa ou não queira requerer a protecção do seu Governo, um refugiado é sempre alguém que não goza dessa protecção.

98. Quando não possa requerer tal protecção isso significa que existem circunstâncias independentes da vontade da pessoa em causa. Podem ser, por exemplo, um estado de guerra, uma guerra civil ou outros distúrbios graves que impedem o país da nacionalidade do requerente de lhe conceder protecção ou que tornam essa protecção ineficaz. A protecção do país da nacionalidade do requerente pode, também, ter-lhe sido negada. Essa recusa de protecção pode confirmar ou aumentar o receio de perseguição do requerente e pode mesmo constituir, em si, um elemento de perseguição.

99. O que constitui a recusa de protecção deve ser determinado de acordo com as circunstâncias do caso. Sendo evidente que foram negados direitos e prestações ao requerente (por exemplo recusa do passaporte nacional ou da prorrogação da sua validade ou recusa da entrada no seu território nacional) que são normalmente concedidos aos seus compatriotas, isto pode constituir recusa de protecção, de acordo com a definição.

100. A expressão não queira aplica-se aos refugiados que recusam aceitar a protecção do Governo do país da sua nacionalidade. Documento ONU E/1618, pág. 39. Está qualificada pela frase "em virtude daquele receio". Quando uma pessoa quer gozar da protecção do seu país, essa vontade normalmente deveria ser incompatível com o facto de se encontrar fora do país "devido recear com razão ser perseguida". Sempre que a protecção do país da sua nacionalidade possa ser efectiva e que não exista nenhuma razão, motivada por receio fundado, de recusar essa protecção, a pessoa em questão não tem necessidade de protecção internacional e não é um refugiado.


(6) "ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar."

101. Esta expressão, que se refere a refugiados apátridas, é paralela à precedente que diz respeito a refugiados que têm uma nacionalidade. No caso de refugiados apátridas, o "país de que tem a nacionalidade" é substituído pelo "país no qual tinha a sua residência habitual" e a expressão "não queira pedir a protecção..."é substituída pelas palavras "a ele não queira voltar". No caso de um refugiado apátrida, a questão de "pedido de protecção" do país da sua anterior residência habitual não se pode, obviamente, colocar. Acresce ainda que, uma vez que um apátrida tenha abandonado o país da sua anterior residência habitual por razões mencionadas na definição, geralmente, não tem condições de lá voltar.

102. Note-se que nem todos os apátridas são refugiados. Eles têm de se encontrar fora do país da sua anterior residência habitual pelas razões mencionadas na definição. Se estas razões não existem, o apátrida não é um refugiado.

103. Estas razões devem ser analisadas em relação ao país "no qual tinha a sua residência habitual" face ao qual o apátrida exprime receio. Este país foi definido pelos redactores da Convenção de 1951 como "o país em que residiu e onde foi vítima de perseguições ou receia ser perseguido se lá voltar" loc. cit.

104. Um apátrida pode ter mais do que um país da sua anterior residência habitual e pode ter receio de perseguição em relação a mais do que um deles. A definição não obriga a que o apátrida preencha os critérios para todos eles.

105. Uma vez que um apátrida tenha sido reconhecido como refugiado em relação ao "país no qual tinha a sua residência habitual", nenhuma mudança posterior do país de residência habitual põe em causa o seu estatuto de refugiado.


(7) Nacionalidade dupla ou múltipla

Artigo 1 A(2), parágrafo 2 da Convenção de 1951:

"No caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão do país de que tem a nacionalidade refere-se a cada um dos países de que essa pessoa tem a nacionalidade. Não será considerada privada da protecção do país de que tem a nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão válida, fundada num receio justificado, não tenha pedido a protecção de um dos países de que tem a nacionalidade."

106. Esta cláusula, que é muito explícita, tem por fim excluir do estatuto de refugiado todas as pessoas com dupla ou múltipla nacionalidade que podem requerer a protecção de pelo menos um dos países de que são nacionais. Sempre que possível, a protecção nacional tem primazia sobre a protecção internacional.

107. Ao examinar o caso de um requerente com dupla ou múltipla nacionalidade é necessário, no entanto, distinguir entre a posse de uma nacionalidade na acepção jurídica e a possibilidade de protecção efectiva do país em causa. Haverá casos em que o requerente tem a nacionalidade de um país perante o qual ele alega não ter receio, mas essa nacionalidade pode ser considerada ineficaz já que não veícula a protecção normalmente assegurada aos nacionais. Nessas circunstâncias, a posse da segunda nacionalidade não seria incompatível com o estatuto de refugiado. Como regra geral, deveria ter havido um pedido de protecção e a sua recusa para poder estabelecer que uma dada nacionalidade é ineficaz. Se não há uma recusa explícita de protecção, a ausência de resposta dentro de um prazo razoável pode ser considerada como uma recusa.


(8) Âmbito geográfico

108. Na altura em que a Convenção de 1951 foi redigida, havia um certo número de Estados que não queriam assumir obrigações cujo alcance não se podia prever. Este desejo levou à inclusão da data limite de 1951, à qual já nos referimos (parágrafos 35 e 36 anteriores). Em resposta ao desejo de certos Governos, a Convenção de 1951 também concedeu aos Estados Contratantes a possibilidade de limitarem as suas obrigações perante a Convenção a pessoas que se tenham tornado refugiados em consequência dos acontecimentos ocorridos na Europa.


109. Em conformidade, o Artigo 1B da Convenção de 1951 estabelece que:

110. Dos Estados Contratantes da Convenção de 1951, na altura da redacção do presente Manual, 9 Estados mantêm a sua adesão à alternativa (a), "acontecimentos ocorridos na Europa" Ver Anexo IV. Embora seja frequente que refugiados provenientes de outras partes do mundo obtenham asilo em alguns destes países, não lhes é, normalmente, concedido o estatuto de refugiado de acordo com a Convenção de 1951.


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