Ir para a 1ª página Ir para a página anterior Ir para a página seguinte Ir para a última página

PRIMEIRA PÁGINA | ACNUR & REFUGIADOS | O MUNDO | IMAGENS | NOTÍCIAS | FOCO | PARA DOCENTES | PUBLICAÇÕES | ANGARIAÇÃO DE FUNDOS | REFWORLD | CONTRIBUA!


CAPÍTULO III

Cláusulas de Cessação

A. Aspectos Gerais
B. Interpretação dos termos
(1) Voluntariamente, voltar a pedir a protecção nacional
(2) Reaquisição voluntária da nacionalidade
(3) Aquisição de uma nova nacionalidade e protecção
(4) Voltar a instalar-se voluntariamente no país em que receava ser perseguido
(5) Nacionais cujas razões para se tornarem refugiados deixaram de existir
(6) Apátridas cujas razões para se tornarem refugiados possam ter deixado de existir


A. Aspectos Gerais

111. As chamadas "cláusulas de cessação" (Artigo 1 C (1) a (6) da Convenção de 1951) enunciam as condições sob as quais uma pessoa deixa de ser um refugiado. Estas cláusulas partem do princípio de que a protecção internacional não deve ser mantida quando deixe de ser necessária ou não mais se justifique.

112. Uma vez que o estatuto de refugiado tenha sido atribuído a uma pessoa, este é mantido, a menos que o refugiado incorra em alguma das circunstâncias previstas nas cláusulas de cessação(1). Esta concepção restrita da determinação do estatuto de refugiado tem como objectivo assegurar aos refugiados que o seu estatuto não será sujeito a constantes revisões em consequência de mudanças de carácter temporário - e não de carácter fundamental - na situação existente nos seus países de origem.

113. O artigo 1C da Convenção de 1951 estipula que:

114. Das seis cláusulas de cessação, as quatro primeiras reflectem uma mudança na situação do refugiado obtida por sua própria iniciativa, nomeadamente:

115. As duas últimas cláusulas de cessação, (5) e (6), baseiam-se no princípio de que a protecção internacional deixa de se justificar tendo em conta as mudanças verificadas no país em que se receava a perseguição, dado que as razões pelas quais a pessoa se tornou refugiada deixaram de existir.

116. As cláusulas de cessação enunciam condições negativas e são enumeradas taxativamente. Estas cláusulas devem portanto ser interpretadas de modo restritivo e não pode ser invocada nenhuma outra razão, por via de analogia, para justificar a perda do estatuto de refugiado. Obviamente, se um refugiado, por qualquer motivo, deixar de querer ser considerado como refugiado, não haverá razão para manter o estatuto de refugiado e a protecção internacional.

117. O artigo 1 C não trata da anulação do estatuto de refugiado. Podem, no entanto, surgir situações que indiquem que uma pessoa nunca deveria ter sido inicialmente reconhecida como refugiada, por exemplo se posteriormente se constatar que o estatuto de refugiado foi obtido através de uma apresentação falseada dos factos materiais, quando a pessoa em causa possua outra nacionalidade, ou quando uma das cláusulas de exclusão lhe teria sido aplicada se todos os factos relevantes fossem conhecidos. Normalmente, em tais casos, será anulada a decisão pela qual foi reconhecida como refugiada.


B. Interpretação dos termos

(1) Voluntariamente voltar a requerer a protecção nacional

Artigo 1 C (1) da Convenção de 1951:

118. Esta cláusula de cessação refere-se a um refugiado que, tendo uma nacionalidade, permanece fora do país de que é nacional. (A situação de um refugiado que volte efectivamente ao país da sua nacionalidade é regulada pela quarta cláusula de cessação, que trata da pessoa que "voltou a instalar-se" no país da sua nacionalidade). O refugiado que tenha voltado a requerer voluntariamente a protecção do país da sua nacionalidade não necessita mais de protecção internacional. Ele demonstrou que já não se encontra na situação em que "não pode ou não quer pedir a protecção do país de que tem a nacionalidade".

119. Esta cláusula de cessação implica três requisitos:

120. Se o refugiado não agir voluntariamente, não deixará de ser refugiado. Se este receber instruções de uma autoridade, nomeadamente do seu país de residência, no sentido de realizar contra a sua vontade um acto que poderia ser interpretado como um novo pedido de protecção ao país da sua nacionalidade, como, por exemplo, o pedido de um passaporte nacional ao seu Consulado, não deixará de ser considerado refugiado apenas por obedecer a essas instruções. Também poderá ser forçado, por circunstâncias fora do seu controlo, a recorrer a uma medida de protecção do país da sua nacionalidade. Poderá, por exemplo, necessitar de requerer o divórcio no seu país de origem porque nenhum outro acto de divórcio pode ter o necessário reconhecimento internacional. Não se pode considerar que um acto desta natureza signifique "voluntariamente voltar a pedir a protecção" do país considerado e, por conseguinte, não privará essa pessoa do estatuto de refugiado.

121. Ao determinar se o estatuto de refugiado foi perdido nessas circunstâncias, deve estabelecer-se a distinção entre a situação em que o refugiado tenha voltado a gozar de uma protecção efectiva do país considerado e a ocorrência de meros contactos ocasionais com as autoridades nacionais. Se um refugiado requer e obtém um passaporte nacional ou a sua renovação, presume-se, na falta de prova em contrário, que tenciona voltar a gozar da protecção do país da sua nacionalidade. Por outro lado, a obtenção de documentos provenientes de autoridades nacionais, que teriam, de igual modo, de ser requeridos pelos não-nacionais - tais como certidão de nascimento ou de casamento - ou outros serviços similares, não pode ser considerada como voltar a requerer a protecção do país em questão.

122. Um refugiado que solicita a protecção das autoridades do país da sua nacionalidade só goza dessa protecção quando o seu pedido for efectivamente deferido. O caso mais frequente de "pedir de novo a protecção" verifica-se quando o refugiado deseja regressar ao país da sua nacionalidade. Ele não deixará de ser um refugiado apenas por requerer o repatriamento. Por outro lado, obter uma autorização de entrada ou um passaporte nacional com o objectivo de regressar será, na falta de prova em contrário, considerado como pondo termo ao estatuto de refugiado(2). No entanto, isto não preclude a assistência a ser dada ao repatriado - também pelo ACNUR - de forma a facilitar o seu regresso.

123. Um refugiado pode ter obtido voluntariamente um passaporte nacional, com a intenção de requerer a protecção do seu país de origem enquanto permanecer fora desse país, ou de regressar a esse país. Como foi acima referido, com a recepção desse documento ele deixa, normalmente, de ser um refugiado. Se posteriormente renunciar a quaisquer daquelas intenções, haverá lugar a uma nova determinação do estatuto de refugiado. Terá de explicar porque mudou de opinião e demonstrar que não se verificaram mudanças fundamentais nas circunstâncias que inicialmente fizeram dele um refugiado.

124. A obtenção do passaporte nacional ou a prorrogação da sua validade pode, em certas condições excepcionais, não implicar o termo do estatuto de refugiado (ver parágrafo 120 acima). Tal poderá, por exemplo, ser o caso em que o titular de um passaporte nacional não está autorizado a regressar ao país da sua nacionalidade sem uma autorização específica.

125. Quando um refugiado visita o seu país de origem sem passaporte nacional mas, por exemplo, com um documento de viagem emitido pelo seu país de residência, ele tem sido considerado por certos Estados como tendo voltado a requerer a protecção do seu país de origem perdendo o seu estatuto de refugiado em virtude da presente cláusula de cessação. Situações deste género deviam, contudo, ser julgadas de acordo com o mérito individual do caso. A visita a um familiar idoso ou doente terá um peso diferente na relação do refugiado com o seu país de origem se comparada com visitas regulares a esse país para passar férias ou com a finalidade de estabelecer relações comerciais.


(2) Reaquisição voluntária da nacionalidade

Artigo 1 C (2) da Convenção de 1951:

126. Esta cláusula é semelhante à anterior. Aplica-se às situações em que um refugiado, tendo perdido a nacionalidade do país em relação ao qual foi considerado justificado o seu receio fundado de perseguição, readquiriu voluntariamente essa nacionalidade.

127. Enquanto pela cláusula anterior (Artigo 1C(1) uma pessoa que possua uma nacionalidade deixa de ser refugiada se voltar a requerer a protecção inerente a essa nacionalidade, esta cláusula (Artigo 1 C (2) prevê que uma pessoa perde o seu estatuto de refugiado ao readquirir a nacionalidade anteriormente perdida.(3)

128. A reaquisição da nacionalidade tem de ser voluntária. Nomeadamente, a atribuição da nacionalidade por lei ou decreto-lei não implica reaquisição voluntária, a menos que esta nacionalidade tenha sido tácita ou expressamente aceite. Uma pessoa não deixa de ser refugiada só porque poderia optar por readquirir a sua anterior nacionalidade, a menos que essa opção tenha sido efectivamente exercida. Se essa anterior nacionalidade é atribuída por lei, sob reserva de rejeição, só será encarada como uma reaquisição voluntária se, com pleno conhecimento de causa, o refugiado não tiver exercido essa opção; a menos que possa invocar razões especiais que demonstrem que de facto não era sua intenção readquirir a sua anterior nacionalidade.

(3) Aquisição de uma nova nacionalidade e protecção


Artigo 1C (3) da Convenção de 1951:

129. Como no caso da reaquisição da nacionalidade, esta terceira cláusula de cessação parte do princípio de que uma pessoa que goza de protecção nacional não necessita de protecção internacional.

130. A nacionalidade que o refugiado adquire é normalmente a do país da sua residência. Um refugiado que vive num país pode, contudo, em certos casos, adquirir a nacionalidade de outro país. Se assim for, também cessa o seu estatuto de refugiado, desde que a nova nacionalidade implique também a protecção do país em causa. Este requisito resulta da frase "e goza de protecção do país de que adquiriu a nacionalidade".

131. Se uma pessoa deixa de ser refugiada porque adquiriu uma nova nacionalidade e, depois, invoca receio fundado de perseguição em relação ao país da sua nova nacionalidade, gera-se uma situação completamente nova e o seu estatuto deverá ser determinado em relação ao país da sua nova nacionalidade.

132. Quando o estatuto de refugiado tenha cessado pela aquisição de uma nova nacionalidade e essa nova nacionalidade tenha por sua vez sido perdida, o estatuto de refugiado pode, dependendo das circunstâncias dessa perda, ser renovado.


(4) Voltar a fixar-se voluntariamente no país em que receava ser perseguido

Artigo 1C (4) da Convenção de 1951:

133. Esta quarta cláusula de cessação aplica-se tanto a refugiados que possuam uma nacionalidade como a refugiados apátridas. Aplica-se aos refugiados que, tendo voltado ao seu país de origem ou da sua residência anterior, não tenham previamente deixado de ser refugiados por aplicação da primeira ou da segunda cláusulas de cessação quando ainda se encontravam no seu país de refúgio.

134. Esta cláusula refere-se a "voltar voluntariamente a instalar-se". Entende-se por isto o regresso ao país da sua nacionalidade ou da sua anterior residência habitual com o objectivo de aí residir permanentemente. Uma visita temporária de um refugiado ao seu país de origem, não com um passaporte nacional mas, por exemplo, com um documento de viagem, emitido pelo seu país de residência, não implica "voltar a instalar-se" e nem significa a perda do estatuto de refugiado ao abrigo da cláusula em questão.(3)


(5) Nacionais cujas razões para se tornarem refugiados deixaram de existir

Artigo 1C (5) da Convenção de 1951:

135. As "circunstâncias" referem-se a mudanças fundamentais no país, que presumivelmente eliminam o fundamento de receio de perseguição. Uma mera mudança - possivelmente transitória - dos factos que suscitam o receio do refugiado, que não represente uma mudança significativa das circunstâncias, não é suficiente para a aplicação desta cláusula. O estatuto de refugiado não deve, em princípio, ser sujeito a frequentes revisões em detrimento do sentimento de segurança que a protecção internacional tem a intenção de assegurar ao refugiado.

136. O segundo parágrafo desta cláusula contém uma excepção à cláusula de cessação prevista no primeiro parágrafo. Trata da situação especial em que uma pessoa que foi, no passado, sujeita a perseguições muito graves, e que, por esse motivo, não deixa de ser um refugiado, mesmo que tenham ocorrido mudanças fundamentais no seu país de origem. A referência no Artigo 1 A(1) indica que a excepção se aplica aos "refugiados estatutários". Aquando da elaboração da Convenção de 1951, eles constituiam a maioria dos refugiados. A excepção, contudo, reflecte um princípio humanitário mais geral, o qual poderia também aplicar-se a outros que não os refugiados estatutários. É frequentemente admitido que seja de esperar que uma pessoa que - ou cuja família - foi vítima de formas atrozes de perseguição não deseje o repatriamento. Ainda que possa ter havido uma mudança de regime no país, tal facto pode nem sempre produzir uma completa alteração na atitude da população, nem na mente do refugiado, tendo em conta as suas experiências passadas.


(6) Apátridas cujas razões para se tornarem refugiados possam ter deixado de existir

Artigo 1 C (6) da Convenção de 1951:

137. Esta sexta e última cláusula de cessação é equivalente, para os apátridas, à quinta cláusula de cessação, relativa às pessoas que possuem uma nacionalidade. A presente cláusula trata exclusivamente de pessoas apátridas que podem voltar ao país da sua anterior residência habitual.

138. As "circunstâncias" devem ser entendidas nos termos da quinta cláusula de cessação.

139. Convém sublinhar que, independentemente da alteração de circunstâncias no país da sua anterior residência habitual, a pessoa em causa deve estar em condições de lá voltar. Isto, no caso de uma pessoa apátrida, nem sempre será possível.


Notas:

1Em certos casos o estatuto de refugiado pode continuar mesmo que as razões para esse estatuto tenham manifestamente deixado de existir. Ver sub-secções (5) e (6) (parágrafos 135 a 139 mais adiante).
2O acima mencionado aplica-se a refugiados que ainda se encontrem fora do seu país. Note-se que a quarta cláusula de cessação estipula que qualquer refugiado que se tenha "voltado a instalar" voluntariamente no país da sua nacionalidade ou da sua anterior residência habitual deixa de ser um refugiado.
3Na maioria dos casos um refugiado conserva a nacionalidade do seu país de origem. Essa nacionalidade pode ser retirada através de medidas individuais ou colectivas de privação da nacionalidade. O estatuto de refugiado não implica portanto, necessariamente, a perda da nacionalidade (apatridia).
4Ver parágrafo 125, acima.


PRIMEIRA PÁGINA | ACNUR & REFUGIADOS | O MUNDO | IMAGENS | NOTÍCIAS | FOCO | PARA DOCENTES | PUBLICAÇÕES | ANGARIAÇÃO DE FUNDOS | REFWORLD | CONTRIBUA!