Abuso do direito




Exercício de direito

O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício de direito por parte do seu titular e as consequências que outros têm de suportar. Exige-se que, ao exercer o direito, o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

1996-01-16
Processo n.º 88074 - 1ª Secção
Relator: Cons. Herculano Lima


Sociedade comercial
Deliberação social
Anulabilidade

I - É anulável a deliberação tomada por maioria de sócios, em assembleia geral de uma sociedade por quotas em que foram aprovados os balanços e as contas, não obstante naqueles não se mostrarem contabilizadas todas as receitas obtidas nos anos abrangidos só num destes não apresentando prejuízos, desde que o autor tenha votado contra ela.
II - Essa mesma deliberação revela abuso de direito quando os dois sócios que votaram no sentido favorável tinham constituído, com outras pessoas, dois anos antes, uma outra sociedade comercial com o mesmo objecto daquela, para onde transferiram todo o património da primitiva sociedade, com o manifesto propósito de prejudicar esta e o autor.

28-05-1996
Processo n.º 88391 - 2ª Secção
Relator: Cons. Almeida e Silva *


Contrato-promessa de compra e venda
Formalismo negocial

I - Melhor reflexão das partes, visando a sua defesa contra a precipitação, facilidade de prova, publicidade, clareza de conteúdo, acautelar a posição de terceiros, certeza e segurança, são factores justificativos de todo o procedimento legal que determina certa forma.
II - A parte que impediu a perfeição formal do contrato abusa do seu direito, violando a boa fé, ao tentar agora prevalecer-se do vício da invalidade.
III - Se prescindir dos requisitos formais do contrato e se pretende socorrer-se desta inobservância para se furtar ao cumprimento, tal exercício do direito é pré-ordenado a um fim que não é aquele para que o mesmo foi concedido.

18-06-1996
Processo n.º 154/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Torres Paulo *


Reivindicação
Título de ocupação
Contrato de sociedade

I - Ao reivindicarem um prédio que tinham permitido que funcionasse para uma sociedade de que seriam também sócios, mas de que se desvincularam entretanto, os autores não excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito que exerceram.
II - O possível direito dos réus face aos autores, decorrente de responsabilidade pré-contratual, não lhes confere, só por si, um direito de oposição com base no art.º. 334º do CC. O direito conferido pelo art.º. 227º do CC tem, com efeito, uma estrutura autónoma e nitidamente enquadrada no domínio dos negócios jurídicos, sendo nesse campo que deve ser actuado.
III - Atendendo a que no abuso do direito o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem, mas não que esse direito não seja reconhecido ao titular ou que este seja inteiramente despojado dele, os autores só podem ficar de todo com ou sem o prédio, uma vez que os réus não equacionaram na acção, pedindo-a, uma qualquer solução intermédia.

18-06-1996
Processo n.º 2/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Costa Soares


Venire contra factum proprium

I - O abuso do direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais para obtemperar à injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante na comunidade social em que por particularidades especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido.
II - O actual CC consagra a concepção objectivista do abuso do direito.
III - Um caso típico de abuso do direito é a proibição do venire contra factum proprium, variante esta que radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois que pressupõe duas atitudes dela, espaçadas no tempo, sendo a primeira contrariada pela segunda, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa fé, pelo que não é de admitir que uma pessoa possa invocar um vício por ela causado culposamente, vício este que a outra parte confiou em que não seria invocado e que nesta convicção orientou a sua vida.
IV Improcede a arguição de nulidade de um contrato por falta de forma legal quando esta arguição configura um abuso do direito, como sucederá nos casos em que a nulidade formal é arguida pelo contraente que a provocou ou levou dolosamente o outro a não formalizar o contrato ou procedeu de modo a criar nesse outro contraente a convicção de que não seria invocada a nulidade, procedendo, assim, de modo iníquo e escandaloso.

02-07-1996
Processo n.º 136/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Fernando Fabião *


Propriedade horizontal
Direito real
Boa fé

I - As relações entre os condóminos revestem um aspecto de natureza real, que condiciona o respectivo direito, com prevalência sobre qualquer negócio obrigacional que, com elas, se não coadune.
II - A ré ao celebrar com a co-ré contrato de arrendamento habitacional com destino a fins comerciais outorgou um contrato ineficaz perante os demais condóminos.
III - Se o abuso do direito procedesse, no presente caso, por o autor ter proposto a acção exercendo o direito em contradição com a sua conduta anterior, em que fundamentalmente os réus tinham confiado, acontecia que em vez de se impedir o seu uso se suprimia o próprio direito e permitia-se que se alcançasse um fim proibido por lei.
IV - O titular do direito pode exercê-lo ao longo do tempo que a lei o permite, quando bem o entender e achar oportuno, desde que não protele esse exercício contra a boa fé de outrem, ou seja, desde que não pratique actos que o coloquem, perante a outra parte, numa situação de venire contra factum proprium.

02-07-1996
Processo n.º 88368 - 1ª Secção
Relator: Cons. Aragão Seia


Arrendamento
Obras

Nunca se poderá considerar como abuso do direito, para efeitos do art.º 334º do CC, a recusa do proprietário em permitir obras destinadas a transformar o locado, que ocorrem décadas depois da celebração do contrato de arrendamento.

15-10-1996
Processo n.º 513/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Aragão Seia


Simulação

Obtida a prova do acordo simulatório através de prova testemunhal ilegal - art.º 294, n.º 2, do CC -, não podem esses factos servir para outro fim, como o de se ter como verificado abuso de direito.

26-11-1996
Processo n.º 448/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Ribeiro Coelho *


Acção de preferência

I - O réu não pode paralisar o direito de preferência concedido pela lei ao autor com a simples invocação, ainda que de sinceridade insuspeita, de que pretende afectar à construção da sua residência o terreno comprado, ou a de que idêntica vontade tem o autor.
II - O exercício deste direito de preferência, não sendo propósito do autor exercer no terreno a actividade agrícola, envolve abuso de direito por ser contrário à sua função económica e social.

26-11-1996
Processo n.º 293/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Ribeiro Coelho *


Venire contra factum proprium

I - Há abuso do direito no caso de venire contra factum proprio.
II - Um dos efeitos jurídicos próprios do abuso do direito (do venire contra factum proprio) é a legitimidade de oposição ao direito de execução por incumprimento de obrigação.

28-11-1996
Processo n.º 500/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Miranda Gusmão


Depósito bancário
Meio de prova

I - Sendo comerciantes as duas partes, ou seja, o depositante e o depositário, o contrato de depósito bancário, tal como o de empréstimo comercial, pode ser comprovado, nos termos do art.º 396 do CCom, "seja qual for o seu valor por todo o género de prova".
II - Ressaltando da matéria de facto apurada que os usos bancários são no sentido da exigência de documento escrito para o movimento a débito em conta aberta num qualquer banco, sendo certo que em relação a clientes que merecem a sua confiança é prática corrente das várias instituições bancárias fazerem-se por dia dezenas ou centenas de transferências com dispensa de documento escrito, o banco podia debitar a conta da autora, sociedade anónima, mediante simples ordem verbal do administrador desta e sem documento escrito de suporte do movimento respectivo.
III - Tendo a autora recepcionado os extractos e documentos relativos ao movimento referido em I e enviados pelo banco réu, é óbvio que deles tomou conhecimento e como nada disse sobre os mesmos - e seu conteúdo - deveria então aplicar-se o art.º 1163 do CC, valendo o silêncio da autora como uma verdadeira aprovação da conduta do banco réu.
IV - Resulta com evidência - atento o papel do referido administrador na eclosão do caso sub judice, ao agir como representante legal da autora quando deu as questionadas ordens verbais de transferência, e a vir agora, também como representante legal da autora, a pôr em causa tais ordens - estarmos perante uma situação de manifesto abuso do direito, já que é flagrante que o agir da autora traduz um venire contra factum proprium.

12-12-1996
Processo n.º 478/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Joaquim de Matos


Sociedade comercial
Quota social
Cessionário
Direito de informação

I - Tendo os cessionários de quotas sociais requerido a sua habilitação por apenso ao processo de inquérito judicial à sociedade, instaurado pelos cedentes de tais quotas, para com eles prosseguir tal inquérito, é parte contrária naquele incidente a própria sociedade e não os cedentes.
II - Como simples credores da sociedade, os cedentes das quotas, ora recorrentes, não podem requerer qualquer inquérito judicial, pois não beneficiam do direito de informação previsto no art.º 214 do CSC.
III - Se tiverem interesse em informações da sociedade, para conhecerem a situação e o montante dos seus créditos sobre a mesma, devem fazer valer o seu direito de informação nos termos do art.º 573 do CPC.
IV - Tendo adquirido aos cedentes as quotas que estes tinham na sociedade investigada e julgados habilitados, podem os cessionários defender os seus interesses da forma que tiverem por mais conveniente no processo de inquérito, inclusive pondo termo a este último, sem que deste modo incorram em abuso do direito.

12-12-1996
Processo 743/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Mário Cancela


Boa fé
Venire contra factum proprium

I - Quem ofender, manifestamente, os deveres de lealdade à parte contrária (boa fé), as regras de decência (bons costumes), ou o fim a que se destina o direito, numa perspectiva social e económica, coloca-se em situação que neutraliza, anula, o seu preexistente direito.
II - É assim que "a boa fé é um ar que circula em toda a vida do contrato". A boa fé impede que a obrigação alcance resultados opostos aos que a consciência normal pode tolerar.
III - O instituto não deve, porém, constituir panaceia fácil para toda e qualquer situação do exercício excessivo do direito. Necessário é também que se verifique o referido clamor no excesso.
IV - Para se configurar uma situação de venire contra factum proprium não basta que o facto seja próprio apenas porque há a possibilidade de ser alheio. Facto próprio não é só isto, mas toda a actuação de um sujeito que tenha levado outro a uma situação objectiva de confiança, a um investimento de confiança e a uma situação subjectiva de quem confiou.

12-12-1996
Processo n.º 550/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Dívida
Simulação
Venire contra factum proprium

Tendo os autores sido executores convictos do caminho sugerido pelo réu no sentido de simulação de uma dívida a determinada sociedade, com emissão de cheque sem provisão a favor desta, seguindo-se a respectiva acção executiva, também simulada, responsabilizar o réu pelos eventuais danos sofridos pelos autores, em resultado de toda esta tramóia, seria possibilitar aos pretensos beneficiários, participantes activos, no processo simulado engendrado, um venire contra factum proprio o que, como se sabe, não é permitido, conforme decorre do art.º 334, do CC.

14-01-1997
Processo n.º 330/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Machado Soares


Arrendamento
Cabeça de casal
Cônjuge

I - O n.º 2 do art.º 1024, do CC, pressupõe que os consortes não intervenientes no contrato de arrendamento têm, tal como o consorte ou consortes intervenientes nesse contrato, o direito de usar e de administrar a coisa, nos termos do art.º 1406 e 1407 do CC.
II - Nestes casos, o contrato de arrendamento celebrado só por um dos consortes, sem a intervenção dos restantes, não é oponível a estes, é ineficaz em relação a eles, mas estes últimos que não intervieram no contrato de arrendamento podem convalidá-lo se manifestarem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento.
III - O contrato de arrendamento celebrado pelo cabeça de casal é perfeitamente válido perante os outros co-herdeiros e não precisa de ser por estes convalidado, sendo-lhes oponível em toda a linha.
IV - O cônjuge administrador, ao dar o seu assentimento ao contrato de arrendamento, foi como se o tivesse celebrado desde o início.
V - O abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprio, ocorre quando há uma conduta contraditória, uma conduta com duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira contrariada pela segunda, o que constituiria, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé, de tal modo que não é de admitir que uma pessoa possa invocar e opor um vício por ela causado culposamente, vício que a outra parte confiou que não seria invocado e que com base nesta confiança orientou a sua vida.

28-01-1997
Processo n.º 554/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Fernando Fabião


Compensação
Falência

I - Equivalendo a compensação a um duplo pagamento, não pode efectivar-se depois da declaração de falência, visto que então o falido já não está em condições de pagar as suas dívidas. Além de que aquela declaração afecta todo o seu activo aos fins da falência, de modo que os seus créditos ficam compreendidos na massa destinada à satisfação comum dos credores, pelo que a partir daí, não devem uns ser prejudicados e outros beneficiados.
II - O CPC de 1961, aplicável, concretiza aquela ideia no art.º 1220 quando dispõe que a compensação legal operada antes da declaração de falência é atendida na verificação de créditos, e o devedor à massa que pretenda compensar há-de provar que os seus créditos já lhe pertenciam na data da declaração da falência.
III - Não se encontrando provado a que momento se deve reportar o encontro de contas e não havendo prova de que os embargantes, requerentes da compensação, tenham reclamado o seu crédito no processo de falência, a efectivação da compensação na execução que lhes move a massa falida, redundaria em prejuízo dos restantes credores, que nem sequer sobre tal extinção de créditos se poderiam pronunciar.
IV - O abuso do direito, tal como vem definido no art.º 334 do CC, só ocorre se o exercício do direito se tornar ilegítimo por o titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
V - A circunstância de não se vir a proceder à compensação no caso sub judice, devendo os embargantes entregar toda a quantia correspondente ao seu débito à massa falida, recebendo o seu crédito em rateio com os outros credores, se o tiverem reclamado, não traduz ofensa grave ou intolerável ao sentimento de justiça social, pelo que não existe abuso do direito. J.A.
25-02-1997
Processo n.º 534/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Ramiro Vidigal


Propriedade horizontal
Título constitutivo
Fracção autónoma
Fim estatutário
Licença de utilização
Vistoria
Uso para fim diverso

I - A referência descritiva na respectiva conservatória do registo predial e, sobretudo, a menção feita no auto da vistoria realizada pelos competentes serviços camarários, de que os andares, num dos quais se encontra a fracção autónoma em causa, se destinam a habitação, não restam dúvidas de que é este mesmo o seu destino de uso.
II - A vistoria traduz-se num acto de verificação da construção do prédio de acordo com o projecto aprovado.
III - E o que estiver aprovado não pode sequer ser alterado por negócio jurídico expresso no título constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de nulidade deste na parte em que haja alterações.
IV - Tendo a ré, recorrente, afectado a sua fracção autónoma a escritório, deu-lhe um uso manifestamente diverso do imposto por lei.
V - A circunstância de o recorrido, ainda antes de adquirir a propriedade da sua fracção, saber que o recorrente ali tinha instalado o seu escritório, pois aquele já morava no prédio, não configura um venire contra factum proprium, uma vez que nem foi a sua actuação que levou a recorrente a uma situação de confiança e a uma situação subjectiva de quem confiou.
VI - Nem o decurso do tempo em que o status quo permaneceu pode produzir as consequências de abuso do direito pretendidas, pois o recorrido não podia reagir contra ele. J.A.
13-02-1997
Processo n.º 702/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Mandato sem representação
Direito de propriedade
Ónus da prova
Restituição

I - O mandatário sem representação é obrigado por lei a transferir para o mandante a titularidade dos direitos adquiridos, em execução do mandato.
II - Enquanto a transferência se não operar, o mandante não tem nenhum direito sobre os bens adquiridos. O direito é do mandatário enquanto não for transferido.
III - Tendo os autores intervindo na compra do imóvel reivindicando na qualidade de mandatários sem representação dos réus, os efeitos desse negócio produziram-se na sua esfera jurídica e não na dos mandantes.
IV - Ao pedirem a entrega do prédio pelos réus, os autores estão a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito, pois actuam em contrário às legítimas expectativas que criaram naqueles e contra uma sua conduta anterior.
V - A concepção de abuso do direito referida no art.º 334 do CC é puramente objectiva. Para que se verifique tal abuso basta que o titular do direito exceda os referidos limites. J.A.
20-02-1997
Processo n.º 533/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Mário Cancela


Estado
Venda de cortiça
Venire contra factum proprium

Tendo sido exigido à autora, como condição do levantamento da cortiça adquirida, o pagamento parcial dela, directamente à cooperativa que a produzira, contra o disposto nos art.ºs 9 e 11 do DL n.º 260/77, de 21-06, com o conhecimento e o consentimento do Estado, este incorre em abuso do direito, por venire contra factum proprium, ao pedir mais tarde aquele pagamento parcial, qualificando-o de não liberatório. J.A.
20-02-1997
Processo n.º 587/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Roger Lopes


Simulação
Direito de preferência

I - Existe simulação quando se prove que os réus com a escritura de compra e venda não quiseram vender e comprar, mas tão somente doar um prédio urbano, com o que criaram intencionalmente uma aparência que não corresponde à validade, enganando, assim, terceiros.
II - Deve ter-se como válida em relação a terceiros de boa fé a simulada compra e venda.
III - É ilegítimo o exercício por parte dos autores do direito de preferência que invocam, por exceder manifestamente o limite imposto pelos bons costumes, pois vinha a traduzir-se num injusto enriquecimento para eles, o que constitui um abuso de direito, quando o preço declarado (de 1200 contos) é muito inferior ao valor real (7000 contos).

04-03-1997
Processo n.º 694/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Pais de Sousa


Contrato-promessa de compra e venda
Incumprimento
Terceiro
Direito de preferência

I - Numa promessa de compra e venda, o promitente comprador fica apenas com o direito de exigir ao promitente vendedor uma quitação de facere: a realização do contrato prometido ou, mais rigorosamente, a emissão da declaração negocial da venda imprescindível à celebração do contrato.
II - No caso de violação culposa pelo promitente vendedor, designadamente, pela venda da coisa a terceiro, ao promitente comprador resta apenas o pedido de indemnização, contra o faltoso.
III - É possível configurar casos em que o terceiro - que impediu o cumprimento do contrato-promessa com efeitos meramente obrigacionais, possa responder perante o credor - o promitente comprador - por ter agido com abuso do direito.
IV - Ponto é que esse terceiro, adquirente da coisa, ao exercer a sua liberdade de contratar, tenha excedido, por conseguinte, manifestamente os limites impostos pela boa fé, sendo a sua conduta particularmente chocante e censurável.

11-03-1997
Processo n.º 88437 - 1ª Secção
Relator: Cons. Silva Paixão


Acidente de trabalho
Indemnização
Reembolso

I - O requisito previsto no n.º 4 da base XXXVII da Lei n.º 2127 de 3-08-65 (falta de exigência judicial da indemnização, no prazo de um ano, pela vítima contra os terceiros causadores do acidente) é, em princípio, facto constitutivo do direito da entidade patronal ao reembolso da indemnização que tenha pago (art.ºs 342, n.º 1, e 343, n.º 3, do CC.
II - Demandados todos esses terceiros pela entidade patronal da vítima, a invocação da falta daquele requisito, sem a alegação de lhes ter sido pedida a indemnização dentro do aludido prazo, traduz-se em abuso de direito (art.º 334, do CC).

18-03-1997
Processo n.º 735/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Reivindicação
Restituição de imóvel
Instituto público
Venire contra factum proprium

I - Tendo o possuidor do imóvel, ora réu, feito entrega das chaves do mesmo à autora, entrando esta efectivamente na respectiva posse, em termos do pedido da acção de reivindicação esgotou-se o interesse na lide, tornando-se sem sentido, inútil, na perspectiva da autora, ora recorrida.
II - Alegando agora o réu a falta de uma autorização da entidade competente, o Estado, para aquela entrega, e invocando a consequente nulidade, pretende argumentar contra um facto próprio.
III - Em consequência fica manifestamente em crise a legalidade do exercício do direito - - suposto que existe - por parte do réu e recorrente, conforme resulta do disposto no art.º 334 do CC.
IV - Por outro lado, embora o tribunal da relação devesse, em princípio, debruçar-se sobre a questão e analisar as consequências da falta da alegada autorização, tudo parece apontar para o efectivo desinteresse do recorrente em obter a reocupação do prédio, já que de motu proprio o entregou.
V - Acresce que está por demonstrar que a referida entidade considerada competente (Director Geral do Património do Estado), não concluísse pela verificação das condições para a concessão da autorização ou para a ratificação dos actos já praticados.
J.A.
06-03-1997
Processo n.º 906/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça
Tem voto de vencido


Fiança
Obrigações futuras
Determinabilidade do objecto
Nulidade
Venire contra factum proprium
Tu quoque

I - O tu quoque consiste em o exercente praticar um facto ilícito ou indevido e depois elegê-lo contra outrem.
II - O tu quoque terá o efeito de neutralizar o venire contra factum proprium, pois acaba por constituir uma violação do chamado princípio da "colaboração inter-subjectiva", para o qual a boa fé tem sentido geral de nortear o ordenamento jurídico especialmente no direito das obrigações.
III - A regra geral de arguição de nulidades, a que se refere o art.º 286 do CC, permite que os interessados a invoquem sem qualquer restrição nomeadamente pelo que respeita ao venire contra factum proprium.
IV - O lesado, com base no abuso do direito pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico e racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele.
J.A.
18-03-1997
Processo n.º 514/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Costa Soares


Embargos de terceiro
Terceiro
Penhora

Se o embargado-exequente sabe que determinado bem imóvel pertence a terceiro, age em abuso de direito se o indica à penhora, só porque o registo predial o declara do executado.

08-04-1997
Processo n.º 826/96 - 1ª Secção
Relator: Cons. Cardona Ferreira *


Arrendamento
Caducidade
Acção de despejo
Subarrendamento
Boa fé
Bons costumes


I - O facto de a autora só quase três anos após a morte da arrendatária ter intentado a acção de despejo, não pode ter criado no espírito da ré qualquer expectativa quanto a uma eventual celebração do contrato de arrendamento até porque recusava o recebimento da renda e nunca a reconheceu como subarrendatária.
II - Os bons costumes não põem qualquer limite ao exercício do direito de fazer valer a caducidade do arrendamento.
J.A.
08-05-1997
Processo n.º 967/97 - 2ª Secção
Relator: Cons. Mário Cancela


Construção clandestina

I - Não é impossível que uma construção clandestina seja objecto de um contrato consentido pelo direito, pois que a sua demolição não é absolutamente imposta e pode ser evitada.
II - O facto de um armazém não se encontrar legalizado por inserido num prédio construído sem projecto aprovado ou licença de construção não significa que não o venha a ser.
III - A contradição entre o exercício da pretensão do autor formulada na acção e o seu comportamento anteriormente assumido, revela-se como um exercício abusivo de um direito por sua parte, manifestado num venire contra factum proprio.

23-06-1997
Processo n.º 393/97 - 1ª Secção
Relator: Cons. Fernandes Magalhães


Contrato de agência
Denúncia

I - Anteriormente ao DL 178/86, de 3?07, que veio institucionalizar e regulamentar o contrato de agência, o ordenamento jurídico era lacunoso quanto à regulamentação específica dos contratos de concessão comercial.
II - O regime deste DL veio preencher essa lacuna em termos de, referencialmente, se considerar aplicável, nos termos do art.º 10 do CC, devidamente entendido e interpretado. Isto é, o intérprete aplicará tal regime por o mesmo corresponder ao que ele próprio criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
III - A denúncia do contrato renovável findo o decurso do prazo (legal ou convencional) nunca é um modo de pôr termo ao contrato mas apenas de obstar a que o contrato se renove; o que lhe põe termo é a expiração do prazo e não a própria denúncia.
IV - A denúncia referida no art.º 28 daquele DL, precisamente por só ser permitida em contratos para tempo indeterminado, é uma denúncia operativa nos termos gerais, quais sejam os de ela própria pôr termo ao contrato, de o fazer cessar nos termos do art.º 24, al. c), do mesmo diploma legal.
V - Para que se verifique o abuso do direito é necessária uma contradição entre o modo e o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

05-06-1997
Processo n.º 817/96 - 2ª Secção
Relator: Cons. Costa Soares


Arrendamento rural
Exploração agrícola

A falta de necessidade da terra para exploração agrícola própria por parte do senhorio, bem como a falta de propósito de proceder a tal exploração, não inibem o proprietário de a reivindicar se for indevidamente detida por outrem, e são manifestamente insuficientes para permitir concluir, pela afirmativa, sobre a existência de abuso do direito.

01-07-1997
Processo n.º 291/97 - 1ª Secção
Relator: Cons. Ribeiro Coelho *


Contrato de agência
Denúncia

I - Clausulado pelas partes que o contrato de agência teria a duração de seis meses, sucessivamente renovável, e que a infracção das obrigações emergentes desse contrato, da lei ou da boa ética comercial, daria à outra parte apenas o direito de denunciar aquele contrato imediatamente e sem sujeição ao pagamento de qualquer indemnização, tal cláusula impede agora a recorrente, parte nesse contrato, de receber do agente denunciador uma indemnização que se comprometeu a não exigir.
II - Porém, tratando-se de um complot, em que mais quarenta agentes da recorrente denunciaram o contrato nos mesmos moldes, isto excede a boa fé, a confiança e a lealdade, que deve presidir aos contratos, tanto na sua execução, como na formação ou preliminares. Fere a correcção dos bons costumes e o mais elementar sentido ético das atitudes, pois a combinação, o concerto, é a todas as luzes intolerável.
III - O recorrido tinha efectivamente o direito de denunciar o contrato e, precisamente porque tinha esse direito é que, ao exercê-lo nos termos em que o fez, abusou dele.
IV - Para o preenchimento do disposto no art.º 334 do CC, não é necessário que o agente tenha consciência de atingir os valores ínsitos neste preceito. Basta que, objectivamente, eles sejam atingidos.
J.A.
10-07-1997
Processo n.º 275/97 - 2ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Uso normal do direito

O abuso de direito não pode servir para afastar o direito em situações que constituem, aparentemente, o seu uso normal, ainda que sobre situações, as mais das vezes, de conflito e, portanto, de polémica.

28-10-1997
Processo n.º 609/9 - 1ª Secção
Relator: Cons. Cardona Ferreira


Construção não autorizada
Demolição de obras

I - O exercício pelo Estado do direito de demolição de uma construção não autorizada não constitui abuso do direito, porquanto não excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social de tal direito.
II - É irrelevante, para taxar de abusivo o direito em causa, que o seu exercício cause prejuízos aos recorrentes, uma vez que a atribuição desse direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses com outros interesses com eles conflituantes.
J.A.
02-10-1997
Processo n.º 251/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Almeida e Silva


Venire contra factum proprium
Conhecimento oficioso
Efeitos
Oposição

I - Há abuso do direito no caso de venire contra factum proprium.
II - O exercício abusivo de um direito é do conhecimento oficioso do tribunal.
III - Um dos efeitos jurídicos próprios do abuso do direito de resolução é a legitimidade de oposição no direito de resolução de contrato de arrendamento.
IV - A ilegitimidade do abuso do direito tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade nos termos gerais do art.º 294 do CC; à legitimidade de oposição; ao alargamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.
J.A.
14-10-1997
Processo n.º 540/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Miranda Gusmão


Contrato-promessa
Reconhecimento notarial

Age em abuso de direito quem, através de troca de correspondência, nunca pôs em causa a falta de reconhecimento das assinaturas constantes de contrato-promessa (art.º 410, n.º 3 do CC), discutiu outros assuntos pertinentes, faltou à escritura prometida e, depois, veio arguir aquela falta de reconhecimento notarial.

18-11-1997
Processo n.º 759/97 - 1ª Secção
Relator: Cons. Cardona Ferreira *


Reivindicação
Contrato-promessa
Cessão da posição contratual
Autorização
Venire contra factum proprium

I - A relevância do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, a chamada conduta contraditória, supõe a conjugação de vários pressupostos, entre eles, e antes de mais, a situação objectiva de confiança.
II - Não existe factum proprium dos promitentes-vendedores de um prédio que não consentiram na sessão da posição contratual dos respectivos promitentes-compradores para a ré, de quem agora reivindicam o imóvel prometido vender.
J.A.
13-11-1997
Processo n.º 518/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Costa Marques


Enriquecimento sem causa
Restituição
Juros
Venire contra factum proprium
Má fé

I - A al. b) do art.º 480 do CC tem de ser entendida no sentido de o conhecimento, por parte do beneficiário do enriquecimento, da falta de tal enriquecimento só relevar, como é óbvio, se ele retiver a prestação contra a vontade dos empobrecidos; só assim é que os prejudicados terão direito de exigir a prestação nos termos dos art.ºs 473, 479 e 480 do CC.
II - O consentimento da retenção da prestação na mão dos beneficiários do enriquecimento é igual à existência de uma causa para tal, não tendo, pois, aplicação aquela al. b) enquanto essa causa durar.
III - A actuação dos autores, ao pedirem juros desde uma data anterior àquela em que deixaram de dar o seu consentimento à retenção da prestação por parte dos réus, integrou um venire contra factum proprium, que é uma figura parcelar de um comportamento inadmissível e, por isso mesmo, virtualmente conducente a uma situação de má fé para efeitos do art.º 334 do CC.
J.A.
13-11-1997
Processo n.º 155/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Costa Soares


Contrato-promessa de compra e venda
Restituição do sinal
Mora
Boa fé

I - Deve entender-se hoje que basta a mora para fazer funcionar o art.º 442 n.º 2 do CC, depois da alteração introduzida pelo DL 379/86, de 11-11, não se exigindo incumprimento como se decidia anteriormente.
II - A nova redacção origina porém o perigo de pequenos ou compreensíveis atrasos poderem desencadear consequências gravosas.
III - O julgador terá por isso de estar atento, impedindo na medida em que a lei o permita, que tal aconteça, recorrendo se necessário às regras da culpa, da boa fé ou até do abuso de direito.

18-11-1997
Processo n.º 763/97 - 2ª Secção
Relator: Cons. Nascimento Costa


Anulação de deliberação social
Sociedade por quotas
Sócio
Direito de voto
Vantagens especiais

I - É necessário, para elementar formação da vontade de votar nas assembleias gerais de sociedades que, quem faz propostas preste elementos mínimos de informação.
II - Do art.º 58, n.º 1, al. b), do CSC, sobre a anulabilidade das deliberações sociais, resulta que o titular do direito de voto tem de o exercer de forma a adquirir vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou dos consócios.
III - Talqualmente, se o exercício se limitar a alcançar o referido prejuízo, independentemente de vantagens pessoais.
IV - Tais formas de exercício, afinal, excedem os limites impostos pela boa fé e os bons costumes, pelo que se não fora a sanção específica, até se poderia afirmar que se cairia no âmbito do art.º 334 do CC.
J.A.
27-11-1997
Processo n.º 358/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Arrendamento comercial
Nulidade

I - A sanção para a falta de redução a escritura pública de um contrato de arrendamento comercial é a nulidade, que tem o regime estabelecido no art.º 286 do CC.
II - A invocação de uma circunstância que envolve interesses de ordem pública não pode constituir, só por si, abuso de direito.
III - Não constitui abuso de direito a invocação da nulidade resultante da carência de forma obrigatória.
IV - Não é necessário que o abusador tenha consciência de que a sua acção é realmente abusiva, bastando que, na realidade, o seja.
V - O excesso há-se ser manifesto, o que significa que deve ser clamorosamente ofensor da justiça, isto é, do sentimento jurídico socialmente dominante.

14-01-1998
Processo n.º 861/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Consciência do abuso
Boa fé

I - O abuso no exercício de um direito constitui uma impostação objectiva, de modo que nem é necessário que o abusador tenha consciência de que a sua acção é realmente abusiva, bastando que, na realidade, o seja.
II - O excesso há-de ser manifesto, o que significa que deve ser clamorosamente ofensor da justiça, isto é, do sentimento jurídico socialmente dominante.
III - Nesta linha, ofende manifestamente os deveres de lealdade à parte contrária (boa fé), as regras de decência (bons costumes) ou o fim social e económico, quem se coloca numa situação que neutraliza, anula, o seu preexistente direito.

14-01-1998
Processo n.º 883/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Pereira da Graça


Contrato-promessa de compra e venda
Formalidade
Validade

I - A falta dos pressupostos exigidos pelo n.º 3, do art.º 410, do CC, pode ser invocada pelo contraente que pretende transmitir o bem se a omissão desses requisitos tiver sido culposamente causada pela outra parte.
II - O n.º 3, do art.º 410, do CC, não permite que o promitente comprador recuse o cumprimento das formalidades que tornariam o contrato válido e venha, depois, invocar a nulidade do contrato por omissão dessas mesmas formalidades, pois, nessas circunstâncias, o promitente comprador excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, sendo patente que o exercício do direito nessas circunstâncias constitui um abuso de direito.

03-03-1998
Processo n.º 848/97 - 1.ª Secção
Relator: Cons. César Marques


Propriedade horizontal
Fracção autónoma
Título constitutivo

I - Se uma fracção do condomínio está destinada ao comércio, é vedado ali exercer indústria.
II - Não age com abuso de direito o condómino que exija o cumprimento das finalidades prescritas no título constitutivo do condomínio, salvo prova do circunstancialismo fáctico manifestamente integrável no "tatbestand" do art.º 334º do CC.

10-03-1998
Processo n.º 115/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Cardona Ferreira


Ónus da alegação
Ónus da prova

O abuso de direito exige a alegação e prova de circunstâncias excepcionais relativas ao seu e exercício, cujo ónus cabe ao demandado(art.ºs 334 e 342, do CC).

17-03-1998
Processo n.º 53/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Embargos de executado
Sociedade comercial
Vinculação

I - A livrança é um título formal, cuja validade obedece a determinados requisitos definidos pela própria lei. Um desses requisitos é a assinatura do subscritor, isto é, daquele que deve pagar.
II - Para que uma sociedade por quotas fique obrigada é necessário que os gerentes aponham a sua assinatura com indicação da qualidade de gerentes - art.º 260, n.º 4, do CSC.
III - Constitui abuso do direito a dedução de embargos de executado com fundamento na nulidade da obrigação cartular por quem, criando o respectivo vício, pretende, agora, beneficiar dele - art.º 334 do CC.
J.A.
19-03-1998
Revista n.º 683/97 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Mário Cancela


Condomínio
Obras

I - A distinção entre as obras previstas no art.º 1422, n.º 2, alínea a), do CC (proibidas aos condóminos) e no seu art.º 1425, n.º 1 (apenas dependentes da aprovação da maioria qualificada desses condóminos), reside em que, nas primeiras, é necessária a prova de efectivo prejuízo ou dano para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio, e nas segundas bastam as simples "inovações" ou alterações introduzidas na coisa.
II - A pretensão dos condóminos à demolição dessas obras pode ser julgada improcedente com fundamento em abuso de direito (art.º 334, do CC.).

23-04-1998
Revista n.º 207/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Fiança
Nulidade
Determinabilidade do objecto

Se a autora baseia o seu pedido numa fiança nula, por não ser determinável o seu objecto, ficando os fiadores ilimitadamente nas mãos do credor, a actuação da autora é abusiva.

23-04-1998
Revista n.º 1004/97 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Pais de Sousa


Empreitada
Cláusula penal compulsória
Multa

I - A cláusula de um contrato de empreitada em que as partes fixaram uma multa a pagar pelo empreiteiro por cada dia de atraso na conclusão da obra, corresponde a uma permilagem do valor desta, é uma cláusula penal com mera função compulsória.
II - Para a efectivação da cláusula penal compulsória não se exige que o credor alegue e prove a culpa do empreiteiro.
III - É irrelevante, para a efectivação da cláusula penal compulsória, a existência ou inexistência de prejuízos.
IV - Não há abuso de direito quando a dona da obra exercita o seu direito à aplicação da multa acordada por ambos os contraentes, para cada dia em que o empreiteiro se atrasou na conclusão da obra, se, verificado este atraso, se não provou que aquela para ele tivesse contribuído e mesmo que não tivesse respondido aos pedidos de prorrogação formulados pelo empreiteiro na véspera do termo desse prazo e mais de dois meses após esse termo, quando aquela há muito tinha alertado este quanto ao atraso que se vinha verificando nas obras e sendo conhecido que aquela, em casos anteriores, levara sempre a sério a "ameaça" de pena correspondente.
J.A.
29-04-1998
Revista n.º 817/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Almeida e Silva *


Entrega de bem imóvel
Dano
Indemnização

I - A indemnização pelo atraso na restituição de coisa locada, prevista no art.º 1045 do CC, abrange todos os danos resultantes desse atraso, e, em princípio, está limitada pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos artigos 562 e ss. do mesmo Código.
II - Isto não exclui a aplicação da figura do abuso do direito, quando ocorram as circunstâncias especiais ou excepcionais que tornem ilegítima a invocação do art.º 1045 pelo arrendatário (art.º 334, do CC).

06-05-1998
Revista n.º 93/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Locação financeira
Fiança
Nulidade

I - Estando assente das instâncias que foram celebrados contratos de locação financeira respeitantes a dois veículos - móveis sujeitos a registo - não se tendo feito a autenticação notarial da declaração da fiança subscrita por alguns dos réus, tendo todos os réus fiadores emitido declarações e fiança, sendo certo que só os fiadores podiam, pela própria natureza das coisas dar satisfação ao disposto no art.º 8, n.º 2 da Lei 171/79, de 06-09, o que podia ser feito a todo o tempo, e que as fianças prestadas conseguiram o seu objectivo, que foi a entrega do equipamento de locação financeira, a Relação julgou, e bem, é inaceitável que se venha agora invocar a falta da referida autenticação notarial das fianças, para invalidar uma garantia cujo benefício não estão em condições de substituir.
II - Estamos perante um venire contra factum proprium.

06-05-1998
Revista n.º 440/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Torres Paulo


Sociedade por quotas
Assembleia geral
Convocatória
Nulidade
Direitos dos sócios

I - Tendo sido uma assembleia geral convocada por carta assinada por um associado e não por um gerente, deve, por aplicação do disposto no n.º 2, do art.º 56, do CSC, na sua primeira parte, ter-se por nula a deliberação nela tomada.
II - Em tais circunstâncias os sócios não se encontram obrigados a deliberar, pelo que podem nem sequer comparecer à assembleia, tudo no exercício do direito de exigir que sejam respeitadas as normas imperativas do CSC; e podem não observar determinações formuladas sem tal respeito, sem incorrerem em abuso de direito.

21-05-1998
Revista n.º 287/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Roger Lopes


Empreitada

I - A verificação de defeitos na obra confere ao dono desta os direitos previstos nos art.ºs 1221 - 1, 1222 - 1 e 1223, do CC, a exercer na forma e tempo legais.
II - Se o dono da obra não exerce tais direitos oportunamente e se coloca em mora solvendi, não pode recusar o pagamento do preço devido, excepcionando o não cumprimento do contrato pelo empreiteiro, com o fundamento da existência de tais defeitos.
III - Não há abuso de direito quando o empreiteiro exige judicialmente o pagamento do preço da obra que o dono desta aceitou ainda antes de proceder à verificação dos defeitos, tardiamente denunciados.

04-06-1998
Revista n.º 288/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Almeida e Silva *


Resolução do contrato
Obrigação de indemnizar

I - A resolução legal de um contrato só é admissível nos casos de não cumprimento da obrigação.
II - Um dos efeitos próprios do abuso de direito (do venire contra factum proprium) é a legitimidade de oposição ao direito de resolução de um contrato.
III - Há impossibilidade culposa da prestação, nos termos do art.º 801 do CC, nos casos em que, sendo a prestação ainda possível com interesse para o credor, o devedor declara a este não querer cumprir.
IV - A ilegítima resolução de um contrato por uma das partes constitui a mesma na obrigação de indemnizar a outra.

25-06-1998
Revista n.º 256/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Miranda Gusmão *


Execução por quantia certa
Livrança
Falta de forma legal

I - A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
II - Como expressão de confiança o venire contra factum proprium situa-se já numa linha de concretização da boa-fé.
III - O quantum relevante de credibilidade para integrar uma previsão de confiança, por parte do factum proprium, é, assim, função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante e do razoável, tendo em conta o esforço realizado pelo mesmo confiante na obtenção do facto a que se entrega. Assim se obtém o enquadramento objectivo da situação de confiança. Requer-se, porém ainda um elemento subjectivo: o de que o confiante adira realmente ao facto gerador da confiança.
IV - Não ocorre abuso de direito por parte de quem alega a falta de observância de forma legal na subscrição de livrança, sendo sua a omissão, se o recorrente, tendo confiado na validade da livrança nos precisos termos em que foi subscrita, descurou a observância dos deveres de indagação, atenção ou cuidado que ao caso cabiam.

09-07-1998
Revista n.º 928/97 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Garcia Marques


Contrato
Negociações preliminares

I - As negociações preliminares a um contrato correm ao compasso dos avanços, paragens ou recuos encontrados pelos negociantes até atingirem a celebração do contrato em vista ou o abandono do seu projecto, segundo os princípios da boa fé e da liberdade contratual, equilibradamente misturados - art.º 227, do CC.
II - A ruptura das negociações só gerará responsabilidade quando houver abuso de direito.

09-07-1998
Processo n.º 607/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Lúcio Teixeira


Contrato-promessa de compra e venda
Falta de forma legal
Negócio jurídico
Cumprimento
Prazo

I - A alteração do elemento acidental ou secundário de contrato-promessa, como o prazo para o seu cumprimento, pode ser objecto de convenção posterior, não sujeita à mesma forma escrita do contrato (art.º 221, n.º 2 do CC).
II - Integra abuso de direito, por violação de boa-fé, a invocação do decurso do prazo fixado em contrato-promessa para a marcação da escritura relativa ao contrato prometido, para efeito de imputação de incumprimento do contrato, pela parte que, depois de decorrido aquele prazo, assumiu o compromisso de celebrar essa escritura (art.º 334 do CC).
III - As promessas submetidas ao regime especial previsto no art.º 410, n.º 3 do cit. Código não abrangem as relativas à venda de prédio rústico, mesmo que destinado a urbanização e posterior loteamento.

23-09-1998
Revista n.º 464/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Embargos de executado
Livrança
Acordo de preenchimento

I - No domínio das relações imediatas, é possível a oposição, pelo subscritor demandado, da excepção de preenchimento abusivo.
II - O abuso de direito traduz-se no exercício anormal do direito próprio, em termos reprovados pela lei; embora se respeite a estrutura formal do direito, viola-se a sua afectação substancial, funcional ou teleológica.
III - O abuso de direito não pode servir para afastar o direito em situações que constituem, aparentemente, o seu uso normal, ainda que sobre situações, as mais das vezes, de conflito e, portanto, de polémica.

23-09-1998
Revista n.º 616/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Ferreira Ramos


Livrança
Avalista

Não integra abuso de direito a instauração de execução pelo portador de livrança apenas contra o avalista, mesmo que o subscritor do título tivesse, no período anterior, bens suficientes para o seu pagamento (art.ºs 334, do CC e 47 e 77, da LULL).

13-10-1998
Revista n.º 751/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa *


Mandado de despejo
Rendas

I - O venire contra factum proprium, traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente, comportamento esse que tenha imprimido confiança aos sujeitos envolvidos os quais orientaram sua actividade na crença daquele factum, gerando assim uma situação que só pode ser imputada ao autor do factum.
II - Provando-se nas instâncias que, após ter sido decretado o despejo, os autores passaram recibos do local a despejar e aceitaram rendas durante seis anos, os réus foram-se convencendo de que poderiam permanecer no locado nesse momento para o futuro, sendo assim ilegítimo o exercício do direito de acção de passagem de mandado de despejo.

13-10-1998
Agravo n.º 931/98 -1.ª Secção
Relator: Cons. Torres Paulo


Formalidades ad substantiam
Conhecimento oficioso

I - A forma escrita que a lei impõe ad substantiam nunca pode ser vista como um requisito burocrático, já que estão em jogo, normalmente, valores que entroncam em princípios de interesse e ordem pública.
II - O abuso de direito é de conhecimento oficioso.
III - Se o abuso de direito consiste na ultrapassagem excessiva dos limites internos do direito, então é porque já não se exerce um direito, o que remete para a insolvabilidade da pretensão.
N.S.
01-10-1998
Revista n.º 336/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Noronha Nascimento


Contrato-promessa de compra e venda
Formalidades
Invalidade

I - Na omissão dos requisitos prescritos no n.º 3 do art.º 410, do CC, verifica-se uma invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, e apenas invocável pelos contraentes; mas, quanto ao promitente-vendedor, apenas no caso de a falta ser imputável ao (ser culposamente causada pelo) promitente-comprador.
II - Trata-se, pois, de uma nulidade ou anulabilidade atípica.
III - Não são só os interesses de protecção da parte sociologicamente mais fraca que ditaram a exigência legal das formalidades prescritas no referido preceito e, por tal razão, não é rigoroso concluir que o impedimento de a arguir (a exceptio doli da velha doutrina) constitua um limite imanente do direito do promitente-comprador arguir a nulidade ou a anulabilidade.
IV - O problema deve, pois, ser tratado e resolvido em sede de abuso de direito.
V - Tendo-se o promitente-comprador recusado a celebrar a escritura de compra e venda, com fundamento na omissão de formalidades que pediu para serem dispensadas, e recorrido a juízo para, com base naquela falta, pedir a restituição do que pagara em execução do contrato, fere gravemente os princípios da lisura, da transparência e da lealdade de procedimentos que a boa fé, como princípio estruturante do direito dos contratos, lhe impunha que observasse, em termos de tal maneira intoleráveis a uma sã consciência jurídica que reclamam, clamorosamente, a intervenção morigeradora do art.º 334, do CC.
N.S.
12-11-1998
Revista n.º 651/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Quirino Soares


Presunções judiciais
Provas

I - O venire contra factum proprium traduz uma responsabilidade pela confiança e não uma responsabilidade pelo incumprimento, ou seja, a análise das consequências não se situa ao nível do incumprimento do contrato-promessa mas sim daquela responsabilidade pela confiança, o mesmo é dizer, da legítima expectativa que criou no declaratário no sentido de agir como agiu.
II - Comprovando-se nas instâncias que, por força do título constitutivo de propriedade horizontal de certo prédio registado em 22-01-92, certas fracções se destinam a armazém e que em certa cláusula do contrato-promessa de 31-07-92 os autores davam o seu acordo e consentimento "para que os adquirentes das lojas as destinem aos fins comerciais e ou industriais que tiverem por convenientes(...)", sendo estas lojas instaladas naquelas fracções, uma tal declaração é adequada a criar no destinatário normal a convicção de que os autores continuariam, futuramente, a consentir num uso das fracções para fim diverso do que consta do título constitutivo de propriedade horizontal.

15-12-1998
Revista n.º 955/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Ferreira Ramos


Nulidade
Negócio jurídico unilateral

Não é de admitir, mesmo em tese, a invocação do abuso de direito contra o pedido de declaração de nulidade de um negócio.

15-12-1998
Revista n.º 747/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Francisco Lourenço


Sociedade comercial
Transformação de sociedade

I - Todos os membros da administração da sociedade têm que intervir no processo de outorga da assinatura de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, se não simultaneamente, pelo menos de forma a que todos sejam responsabilizados.
II - A sociedade pode através dos seus órgãos próprios designar um ou mais administradores a quem expressamente incumbe de outorgar a escritura.
III - A transformação de uma sociedade é coisa diferente da alteração do contrato de sociedade.
IV - O mecanismo de abuso de direito não contém uma limitação do acesso ao direito, antes procura dar ao juiz um instrumento que ao serviço da justiça do caso concreto procure evitar desigualdade de tratamento que os conceitos indeterminados adoptados pela nossa lei civil tantas vezes permitem.

15-12-1998
Revista n.º 878/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Pinto Monteiro


Arrendamento
Sociedade
Rendas
Resolução do contrato

I - Uma vez que o locatário comunicou ao senhorio que ia constituir uma sociedade, vindo por tal meio saber se este autorizava que passasse a ser a sociedade a arrendatária e tendo o locador passado a emitir os recibos da renda em nome da mesma sociedade, incorre o mesmo locador em abuso do direito ao voltar a passar os recibos em nome daquele inquilino.
II - Em consequência, torna-se ilegítima a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas, nos termos do art.º 1093, n.º 1, al. a), do CC.
J.A.
15-12-1998
Revista n.º 1102/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Simões Freire


Trespasse
Nulidade
Acção directa

I - Provando-se que, não obstante a nulidade do trespasse por falta de forma o autor, ora recorrente entrou na posse do estabelecimento e foi pagando ao longo do tempo o preço convencionado, se bem que incompletamente e que esse situação se manteve até Fevereiro de 1995, mais de quatro anos após a celebração do trespasse, tal comportamento do ora recorrente, aproveitando-se do contrato, embora nulo, enquanto o mesmo lhe foi útil, foi de molde a criar no seu co-contratante a ideia segundo a qual a situação estava consolidada, apesar do vício originário, e poderia levar a que s negasse ao recorrente a possibilidade de se valer da nulidade d contrato e seus efeitos legais.
II - Se o recorrido, também ele, sabendo da nulidade do contrato, executou o que em seu cumprimento lhe competiria e foi ele quem, antes de o recorrente propor esta acção fez tábua rasa do acordo celebrado entre ambos e por ambos mantido até então e se apossou, sem acordo e contra vontade daquele do estabelecimento que dissera trespassar-lhe, sem que se verificassem em concreto os pressupostos da acção directa do art.º 336 do CC, perdeu a protecção que o princípio da boa-fé e da confiança lhe asseguravam, traiu a confiança do recorrente e a este abriu-se a possibilidade de invocar a nulidade do contrato.
V.G.
24-02-1999
Revista n.º 32/99 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Ribeiro Coelho


Poderes do STJ
Conhecimento oficioso

Encontrando-se subjacente ao instituto do abuso do direito interesses e valores de ordem pública, os respectivos pressupostos são do conhecimento oficioso pelo tribunal até à decisão final, não sendo obstativo do seu conhecimento a circunstância de, apenas em sede de recurso de revista, ser suscitada essa questão.
N.S.
24-02-1999
Revista n.º 1201/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Ferreira de Almeida


Contrato de seguro
Declaração negocial

Integra abuso de direito a invocação, pela seguradora, da invalidade prevista no art.º 429 do CCom, por "declaração inexacta" da profissão do segurado, se aquela tiver conhecimento, desde a data da celebração do contrato, da efectiva actividade profissional exercida pelo segurado e só invocou a invalidade depois de decorridos cerca de 5 anos e da participação do sinistro (art.º 334.º do CC).
L.F.
11-03-1999
Revista n.º 9/99 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Martins da Costa


Conhecimento oficioso
Questão de direito

I - O abuso do direito constitui uma figura autónoma que pressupõe formalmente o direito, mas considera ilegítimo o seu exercício, quando exceda manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito.
II - Tem-se entendido ser esta figura de conhecimento oficioso, cognoscível pelo STJ, por ser questão de direito, se conhecer dos limites internos do direito, e se tratar de duma questão de interesse e ordem pública.
J.A.
11-03-1999
Revista n.º 50/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Simões Freire


Contrato-promessa de compra e venda
Resolução do contrato

I - Para o exercício do direito de resolução de um contrato-promessa de compra e venda basta a simples mora.
II - Nos casos - limite em que o exercício desse direito por parte do promitente comprador decepcionado se revelar excessivo ou exorbitar das regras da boa fé, ou os limites jurídico-normativos inerentes ao direito invocado, haverá sempre a possibilidade de lançar mão da "válvula de escape do sistema" contemplada no art.º 334 do CC (abuso do direito) e considerar assim ilegítimo tal exercício.
N.S.
16-03-1999
Revista n.º 844/98 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Ferreira de Almeida


Propriedade horizontal
venire contra factum proprium

I - Não basta querer a constituição da propriedade horizontal, sendo indispensável a verificação dos requisitos legais para tal efeito - art.ºs 1414 a 1416 e 1418, do CC.
II - Existe uma situação objectiva de confiança quando alguém pratica um acto, que é apto a despertar noutrem a legítima convicção de que posteriormente não adoptará comportamento contrário.
III - O venire contra factum proprium traduz uma responsabilidade pela confiança e não uma responsabilidade pelo incumprimento.
V.G.
27-04-1999
Revista n.º 1205/98 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Ferreira Ramos


Incumprimento do contrato
venire contra factum proprium
Boa fé

I - Para que, no plano jurídico, o incumprimento contratual tenha relevo, necessário se torna que a correspondente omissão da realização da prestação assuma um carácter ilícito.
II - Não pode falar-se em incumprimento ilícito se o direito de crédito for exercido, por exemplo, em regime de abuso do direito.
III - Uma das hipóteses mais claras de abuso do direito é a do chamado venire contra factum proprium, isto é, o de alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado.
IV - Outra das hipóteses de abuso do direito verificar-se-á quando um credor, no exercício do seu direito, crie ao devedor remisso condições gravosas e desproporcionadas, violadoras das regras da boa fé e dos bons costumes.
N.S.
14-04-1999
Revista n.º 64/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Peixe Pelica


Sociedade anónima
Deliberação social
Bons costumes

venire contra factum proprium

I - Há deliberações sociais abusivas sem atentarem contra os bons costumes, há deliberações de conteúdo ofensivo dos bons costumes que não são abusivas e há deliberações abusivas que só são contrárias aos bons costumes pelo fim e não pelo conteúdo.
II - Em face desta posição da doutrina, o legislador inseriu no CSC a hipótese do conteúdo ofensivo dos bons costumes (art.º 56, n.º 1, al. d)), como fundamento de nulidade, e a hipótese de deliberações abusivas, como fundamento de anulabilidade (art.º 58, n.º 1, al. b)).
III - Com a propositada indeterminabilidade do conceito de bons costumes, o legislador transferiu para o juiz o "ónus" de, casuisticamente e com o recurso ao prudente arbítrio, aferir se esta ou aquela deliberação ofendeu ou não os bons costumes. O mesmo se enquadra na boa fé ou no abuso do direito.
IV - Resulta do disposto na citada al. b) do n.º 1, do art.º 58, que, para que haja abuso do direito de voto, são necessários dois requisitos cumulativos: um pressuposto objectivo, traduzido na adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados; e um pressuposto subjectivo, que pode aparecer na variante da intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou terceiros, ou na de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios.
V - Se uma deliberação social, embora atribua um direito novo a um accionista, fá-lo com o mesmo conteúdo de um direito anteriormente conferido a um outro accionista - cedência gratuita dum palacete e duma fracção autónoma, suportando a sociedade as despesas de água, luz, telefone e remuneração com o pessoal doméstico - não se pode escamotear que a situação já vem de trás, com conhecimento e passividade da sociedade, cuja conduta, objectivamente interpretada face à lei, aos bons costumes e boa fé, legitimou a convicção de que o direito que legitimamente lhe assiste não seria exercido.
VI - Sendo assim, a pretensão de um sócio minoritário que contra ela se insurge configura um venire contra factum proprium. Consequentemente, mesmo considerando abusiva a deliberação (não sendo líquida tal qualificação) o abuso ver-se-ia neutralizado pela pretensão, também abusiva, desse sócio.
N.S.
14-04-1999
Revista n.º 59/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Sousa Dinis
Tem declaração de voto


Direito à informação
Abuso de liberdade de imprensa

I - Transmitir noticiosamente para os jornais que alguém - facilmente identificado e identificável - é um dos cabecilhas da droga, sem elementos sérios que sustentem a notícia, não é exercer o direito à informação e à liberdade de imprensa; é abusar deles.
II - Não há compressão do direito de informar por parte de quem dá a notícia; há uma sanção (civil é certo) porque, ao abusar-se no exercício desse direito, deixa-se de o exercer.
III - O abuso do direito (figura geral da teoria do direito) corresponde em regra à violentação de direitos de terceiro; e tal princípio tanto se aplica aos direitos consagrados como aos não consagrados constitucionalmente.
N.S.
29-04-1999
Revista n.º 118/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Noronha Nascimento


Requisitos

Para que ocorra abuso do direito é necessária uma situação objectiva de confiança, ou seja uma conduta de alguém que de facto possa ser entendido como tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura, um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento a boa-fé da contraparte que confiou.
V.G.
25-05-1999
Revista n.º 409/99 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Fernandes Magalhães


Alteração anormal das circunstâncias
Liberdade contratual
Renúncia

I - Se não existir nenhuma circunstância objectiva vigente à data do contrato que, entretanto, se tenha alterado, é totalmente inaplicável o disposto no art.º 437 do CC.
II - Uma das modalidades de abuso do direito, previsto no art.º 334 do CC, é o denominado venire contra factum proprium. Em tal circunstancialismo aceita-se como abusivo e, portanto, ilegítimo o exercício de um direito.
III - Dentro do princípio da liberdade contratual, parece totalmente admissível que, por acordo ou declaração unilateral, uma pessoa renuncie a direitos que possui.
IV - Sem embargo, porém, da referida renúncia não possuir natureza formal, ela terá que estar sujeita, no mínimo, a uma regra incontroversa, ou seja, terá de emergir de um comportamento indiscutível por parte do que renuncia.
J.A.
18-05-1999
Revista n.º 275/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Peixe Pelica


Direito de acção

I - O exercício de um direito de acção tornar-se-á ilegítimo se forem manifestamente excedidos através dele, os princípios da boa fé, dos bons costumes ou dos fins económicos e sociais desse direito.
II - Pode dizer-se mesmo que o abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo e o fim com que o titular exerce o direito, o poder e o interesse consubstanciados nesse mesmo direito.
III - O abuso do direito pode consubstanciar-se num venire contra factum proprium, ou seja, numa conduta anterior que, objectivamente interpretada face à lei, boa fé e bons costumes, legitima a convicção de que o direito em questão não seria exercido pelo seu titular.
N.S.
27-05-1999
Revista n.º 285/99 - 2.ª Secção
Relator: Cons. Peixe Pelica


Direito a novo arrendamento
Direito de acção

Provando-se nas instâncias que após o óbito do primitivo arrendatário, ocorrida em 03-11-79, a ré solicitou ao autor que com ela fosse celebrado um contrato de arrendamento, referindo que para tal reunia os requisitos legais, e que os autores apenas intentaram presente acção de reivindicação em 26-02-1992, ou seja mais de 12 anos após se saber daquela solicitação da ré e ao mesmo tempo terem continuado a receber a renda do andar até próximo desta data de 1992, renda paga pela ré, a propositura desta acção configura-se como abusiva.
V.G.
22-06-1999
Revista n.º 260/99 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Torres Paulo
Tem declaração de voto


Recurso
Questão nova
Conhecimento oficioso

Porque a questão do abuso de direito é matéria do conhecimento oficioso, não obsta à sua apreciação a circunstância de só ter sido suscitada em sede de recurso.
L.F.
29-06-99
Revista n.º 399/99 - 1.ª Secção
Relator: Cons. Pinto Monteiro


Acção de preferência

Pretendendo os autores exercer o seu direito de preferência pagando um preço que é mil vezes inferior ao valor real do prédio, à data da escritura de compra e venda, verifica-se abuso do direito, por violação do limite imposto pelos bons costumes.
I.V.
23-09-1999
Revista n.º 593/99 - 1.ª Secção
Garcia Marques (Relator)
Ferreira Ramos
Pinto Monteiro


Embargos de executado
Ónus da prova

I - Aos embargos de executado são aplicados os critérios gerais de repartição do ónus da prova - art.º 342, do CC -, tendo em vista que os mesmos exercem a função de acção declarativa em que o embargante(s) aparece como "Autor" e o embargado(s) como "Réu".
II - Há abuso de direito no caso de venire contra factum proprium que tem, entre os seus efeitos jurídicos próprios, o da legitimidade de oposição ao direito.
III - A livrança é inexequível se não for apresentada a pagamento e se não tiver a indicação do lugar do pagamento.

01-07-1999
Revista n.º 553/99 - 2.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa


Acessão industrial

Só deve ser recusado ao proprietário o direito reconhecido no art.º 1341 do CC - de exigir a restituição de obra feita em terreno seu, de má fé - ao abrigo do disposto no art.º 334 do mesmo código, mostrando-se ultrapassados os limites normativos internos daquele primeiro preceito legal.

01-07-1999
Revista n.º 537/99 - 2.ª Secção
Sousa Inês (Relator) *
Nascimento Costa
Pereira da Graça


Direito de preferência
Património cultural
Interesse público

I - O reconhecimento do direito de preferência pela Lei 13/85 não é restringido ou condicionado pela intenção declarada ou presumida de o comprador-preferente pretender ou não exercitar futuramente o seu jus aedificandi.
II - A ratio essendi dessa norma é incentivar a união sob o mesmo proprietário do prédio onde se situa o imóvel classificado como de interesse público com os prédios que se situam na respectiva zona de protecção, com vista a um aproveitamento conjugado e harmonioso de todos estes prédios.
III - A exercitação de tal direito potestativo - desde logo porque conferido expressamente por lei - nada tem de ilícito ou abusivo, e muito menos de clamorosamente ofensivo da justiça ou do sentimento jurídico dominante, nos termos e para os efeitos do art.º 334 do CC.
J.A.
30-09-1999
Revista n.º 519/99 - 2.ª Secção
Ferreira de Almeida (Relator)
Moura Cruz
Abílio de Vasconcelos


Cooperativa

I - Nada na lei impede os sócios de demandarem a sociedade estando em causa o cumprimento de um contrato celebrado entre as partes.
II - Se os autores se limitaram a insistir com a ré no sentido de esta cumprir a sua obrigação contratual e, como esta não cumprisse, pretenderam agora responsabilizá-la pelos prejuízos sofridos, inexiste qualquer abuso do direito.
V.G.
18-11-1999
Revista n.º 853/99 - 6.ª Secção
Tomé de Carvalho (Relator)
Silva Paixão
Silva Graça


Associação
Assembleia geral
Convocatória
Conhecimento oficioso

I - Negando-se definitivamente o presidente a efectuar a convocação da assembleia geral de uma associação, entra em acção o critério supletivo estabelecido no n.º 3 do art.º 173, do CC: se, não obstante a petição colectiva, de natureza qualificada, a administração não se decidir a convocar o órgão social deliberativo, tal inércia conferirá então legitimidade a qualquer dos associados para efectuar a convocação.
II - Não se exige que o associado se socorra previamente dos meios judiciais para convocar a assembleia, pois a ser assim não se justificava a exigência legal da iniciativa por parte de um número significativo de associados, já que bastaria a qualquer um deles, isoladamente, requerer tal diligência ao tribunal e deixar este decidir conforme a justiça do caso concreto.
III - Tal exigência (com a consequente desnecessidade de recurso à via judicial) tem precisamente como fito evitar e prevenir o excessivo fraccionamento dos sócios, com a eventual proliferação de assembleias gerais.
IV - As questões do abuso do direito, porque de interesse e ordem pública, são do conhecimento oficioso, pelo que deverão ser conhecidas ainda que suscitadas ex novo, mesmo perante o próprio Supremo.
V - Não actua, em princípio, com abuso do direito quem se limita a exercitar uma faculdade ou um poder dever que a lei lhe confere.
X - Para que exista abuso do direito torna-se necessário que o respectivo titular "o exerça de uma forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução, e em termos clamorosamente ofensivos da justiça"; é necessário que determinado sujeito seja titular de um direito e que se exceda, no exercício do mesmo, ofendendo o valor axiológico da justiça ou as concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.
N.S.
04-11-1999
Revista n.º 744/99 - 2.ª Secção
Ferreira de Almeida (Relator)
Moura Cruz
Abílio de Vasconcelos


Crédito do Estado
IRS
Pagamento em prestações
Acção de divisão de coisa comum
Reclamação de créditos
venire contra factum proprium

I - Ao permitir que o pagamento da dívida de impostos se fizesse de modo fraccionado, ou seja, no regime de prestações mensais e, posteriormente, ao exigir, através de reclamação de créditos, o pagamento da mesma dívida, o Estado age de forma contraditória e pouco consentânea com a pessoa de bem que se lhe deve reconhecer, num claro venire contra factum proprium, que constitui modalidade de abuso do direito.
II - Este abuso pode sempre conhecer-se, mesmo oficiosamente, pois é função do tribunal determinar os limites internos de um direito, mesmo que as partes os não invoquem.
III - Como o abuso do direito equivale à falta do direito, gerando as mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de realizar, tudo se passa, a final, como se o Estado (Fazenda Nacional) não tivesse o direito a reclamar os créditos em causa.
J.A.
11-11-1999
Revista n.º 791/99 - 7.ª Secção
Herculano Namora (Relator)
Sousa Dinis
Miranda Gusmão


Atribuições preferenciais
Cônjuge sobrevivo
Direito de habitação
Casa da morada de família

I - Para que o cônjuge sobrevivo possa ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada da família é necessário que o imóvel correspondente esteja integrado na herança - art.ºs 2103-A e 2103-B do CC.
II - "Encabeçar", "dever tornas", "parte sucessória" e "meação" são tudo situações que inculcam, juridicamente, a exigência de um direito sobre a herança que inclua o imóvel em que esteja constituída a casa de morada da família.
III - O instituto do abuso do direito pressupõe que alguém seja titular de um direito, mas que se exceda no exercício do correspectivo poder. Consiste, essencialmente, na utilização de um poder contido na estrutura do direito, para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio desse direito, ou do contexto em que ele pode ser exercido.
J.A.
11-11-1999
Revista n.º 704/99 - 2.ª Secção
Roger Lopes (Relator)
Costa Soares
Peixe Pelica


Contrato-promessa
Cessão de quota
Incumprimento

I - No art.º 334 do CC não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim económico ou ao fim social do direito exercido, bastando que o acto se mostre contrário, exigindo-se que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.
II - Da circunstância de autor e réus terem celebrado contrato-promessa de cessão de quota de sociedade comercial e de o recorrente ter vindo, posteriormente, a ceder onerosamente a outros sócios parte da sua quota, decidindo o aumento do capital social, inviabilizando, assim, o contrato-promessa, não é possível concluir que os réus se tenham recusado a celebrar com o autor o contrato-promessa, e que ao celebrar o referido contrato-promessa já tinham em mente não o cumprir.
V.G.
09-12-1999
Revista n.º 530/99 - 1.ª Secção
Pinto Monteiro (Relator)
Lemos Triunfante
Torres Paulo


Anulação de deliberação social

I - Os art.ºs 355 e 356, ao remeterem para o art.º 58, todos do CSC, devem ser conjugadamente interpretados com o art.º 334 do CC.
II - Com efeito, admitindo-se que aqueles artigos do CSC tenham ínsita uma concepção de abuso de direito de cariz objectivo, tal como o art.º 334 - e que, por isso mesmo, dispensaria o elemento psicológico integrado pela consciência do excesso dos limites do direito - nunca lhe pode o carácter de "manifesto" de que deve aparecer revestido o excesso cometido.
III - Apesar disso, aquela concepção objectiva não pode ser vista como inteiramente desligada de factores subjectivos tais como a intenção com que o titular do direito tenha agido, o que pode relevar para a aquilatação da existência, no seu exercício, de ofensas à boa fé ou aos bons costumes ou se foi exorbitado o seu fim económico ou social; do que resulta, deste modo, que os tribunais só poderão fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos, ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso de direito.
N.S.
09-12-1999
Revista n.º 870/99 - 2.ª Secção
Costa Soares (Relator)
Peixe Pelica
Noronha Nascimento


Contrato-promessa
Cessão de quota
Simulação de preço
Escritura pública
venire contra factum proprium

I - Num contrato-promessa de cessão de quotas, acordando as partes que o valor a declarar na escritura definitiva não poderia ser superior a determinada quantia, menor do que o preço efectivamente estabelecido, não pode agora o promitente comprador prevalecer-se daquele valor simulado para se considerar desobrigado do pagamento do restante preço ainda em dívida.
II - Tal atitude representaria, ainda que por razões de ordem jurídico-formal (força probatória da escritura pública), um verdadeiro venire contra factum proprium, tradutor de clamorosa ofensa do sentimento dominante de justiça e ainda da boa fé.
III - A circunstância de os alienantes das quotas terem declarado na escritura definitiva já haverem recebido o preço dos compradores, não era de per si inibidor de aqueles virem a demonstrar - quiçá por recurso à prova testemunhal - que tal pagamento não fora afinal efectuado.
J.A.
16-12-1999
Revista n.º 988/99 - 2.ª Secção
Ferreira de Almeida (Relator)
Moura Cruz
Abílio de Vasconcelos


Empreitada
Defeito da obra
Denúncia
Incumprimento
Indemnização

I - Numa empreitada, a verificação e a denúncia dos defeitos, como condição dos direitos de eliminação (art.º 1221 do CC), de redução do preço, de resolução do contrato (art.º 1222 do CC) e de indemnização (art.º 1223 do CC), só operam a partir do momento em que a obra está concluída e entregue.
II - Mas, pedindo-se a simples indemnização pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato, e na sequência da sua resolução (art.º 798 e ss. do CC), não se põem questões de caducidade.
III - Nem se pode afirmar que exercer tal direito, designadamente alguns anos após a quebra absoluta de relações contratuais, constitua um acto ilegítimo, à luz do art.º 334 do CC.
IV - O abuso do direito é uma das válvulas de escape do sistema e, como tal, destinada a funcionar apenas em situações limite, em que o exercício do direito em causa se desvia de maneira clamorosa dos princípios da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico.
J.A.
13-01-2000
Revista n.º 1007/99 - 7.ª Secção
Quirino Soares (Relator)
Herculano Namora
Sousa Dinis


Execução
Livrança
Subscritor
Sociedade por quotas
Vinculação

I - Nos negócios jurídicos celebrados por escrito, as sociedades comerciais por quotas só ficam obrigadas se um gerente assinar indicando, ou seja referindo, expressamente, que a sua assinatura é efectuada na qualidade de gerente.
II - Tem-se por abusivo o exercício do direito de oposição à execução, fundado em vício de forma que recai, directamente, sobre o modo por que foram assumidas as obrigações que se não querem cumprir, embora se tenha beneficiado do cumprimento anterior das correspondentes obrigações da outra parte.
J.A.
13-01-2000
Revista n.º 818/99 - 2.ª Secção
Roger Lopes (Relator)
Costa a Soares (Declaração de voto)
Peixe Pelica


Acção de divisão de coisa comum

Efectuada a divisão material de prédio misto, por acordo verbal dos comproprietários, e mantida tal situação, durante catorze anos, de modo ininterrupto e sem oposição, a pretensão de divisão do prédio em valor, formulada por um dos comproprietários em acção de divisão de coisa comum, com o fundamento de a divisão em substância implicar diminuição de valor, integra abuso do direito por violação do princípio da boa fé (art.º 334 do CC).

01-02-2000
Revista n.º 1004/99 - 6.ª Secção
Martins da Costa (Relator) *
Pais de Sousa
Afonso de Melo


Marcas

I - Nunca pode ser qualificado de abusivo o exercício de um direito quando constitua a reacção contra uma situação ilícita; o abuso do direito não pode servir para dar cobertura a situações de facto ilícitas, transformando-as em situações de direito.
II - Sempre que se pede o registo de uma marca livre, usada por outrem, que não a registou, gera-se, em princípio, alguma confusão, e quem obtém o registo pode até beneficiar da actividade publicitária feita anteriormente, mas sem que daí se possa concluir que se esteja perante uma situação de abuso do direito pelo requerente do registo.
III - O registo da marca é constitutivo.
IV - Não pode servir a invocação do abuso do direito do requerente do registo para suprir a inércia da utilizadora da marca livre na feitura do registo, e para lhe dar um direito que só tal registo poderia dar.
I.V.
01-02-2000
Revista n.º 1069/99 - 6.ª Secção
Silva Graça (Relator)
Francisco Lourenço
Armando Lourenço


Direito de personalidade
Direito ao repouso
Ambiente
Colisão de direitos

I - Os direitos de personalidade não podem considerar-se ilimitados, sofrendo limites internos e externos.
II - Esses direitos são, assim, protegidos contra qualquer ofensa ilícita, não sendo necessária a intenção de prejudicar o ofendido, pois, decisiva é a ofensa em si.
III - No que concerne ao direito ao repouso deve dizer-se que ele se integra no direito á integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, ao direito à saúde e qualidade de vida.
IV - Provando-se apenas que as vibrações produzidas pelos ensaios laboratoriais da ré com objectos de betão produzem som ao nível do prédio, o qual é audível na fracção habitada pelos autores e causam alguns incómodos aos autores e que as poeiras e fumos são conduzidas por condutas que terminam no exterior do prédio, ao nível do terraço do 1.º andar, sendo livremente lançadas na atmosfera, sendo o incómodo de pequena intensidade, não ocorre uma colisão de direitos que importe solucionar, pois a incomodidade sofrida pelos autores não se traduz em lesão de qualquer dos seus direitos de personalidade ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
V.G.
22-02-2000
Revista n.º 1084/99 - 6.ª Secção
Fernandes Magalhães
Tomé de Carvalho
Silva Paixão


Anulação de deliberação social

I - O art.º 58 n.º 1 al. b), do CSC, sanciona a anulabilidade das deliberações sociais eivadas de abuso de direito, onde se destacam as apropriadas para satisfazer o propósito de um sócio conseguir, através do exercício do direito de voto, prejudicar a sociedade ou outros sócios.
II - As deliberações sociais eivadas de abuso de direito serão válidas se a parte, interessada na sua validade, alegar (e provar) que as mesmas seriam tomadas mesmo sem o voto abusivo.
III - As deliberações sociais eivadas de abuso de direito são nulas se, de per si, forem ofensivas dos "bons costumes": noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento.

03-02-2000
Revista n.º 1189/99 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa


Sociedade
Assunção de dívida
Direito de regresso
Venire contra factum proprium

Tendo desvinculado a sociedade das dívidas por ela contraídas, ao assumir a responsabilidade total pelo pagamento das mesmas, o fiador e ex-consócio incorre numa situação de venire contra factum proprium ao vir posteriormente exercer o direito de regresso a que renunciara.
J.A.
10-02-2000
Revista n.º 587/99 - 7.ª Secção
Herculano Namora (Relator)
Sousa Dinis
Miranda Gusmão


Arrendamento rural
Caducidade de arrendamento por expropriação

I - O art.º 20 da Lei 109/88, de 26 de Setembro, prevê um restabelecimento ope legis dos contratos de arrendamento existentes à data da expropriação, que haviam caducado com a atribuição de reservas aos arrendatários.
II - Constitui abuso do direito por parte do arrendatário pretender pagar a renda vigente à data da expropriação, valendo-se do direito que a lei lhe confere de retomar o arrendamento, quando, por sua livre vontade e sem quaisquer reservas, após a expropriação celebrou com o Estado sucessivos acordos de aumento de renda.
N.S.
30-03-2000
Revista n.º 161/00 - 7.ª Secção
Sousa Dinis (Relator)
Miranda Gusmão
Sousa Inês


Sanção

A sanção para o abuso do direito é a da paralisação dos efeitos jurídicos do exercício desse direito.
I.V.
03-05-2000
Revista n.º 331/00 - 6.ª Secção
Silva Graça (Relator)
Francisco Lourenço
Armando Lourenço


Nulidade do contrato

I - A nulidade de negócio, por ofensa dos bons costumes, pressupõe a ofensa da chamada moral social dominante e que o próprio objecto ou conteúdo do negócio seja imoral (art.º 280, n.º 2 do CC).
II - Os efeitos ou a sanção do abuso de direito devem ser determinados segundo os princípios gerais, em função das circunstâncias de cada caso concreto, e, em regra, apenas são aplicáveis àquele a quem for imputada a conduta abusiva (art.º 334 do CC).
V.G.
10-05-2000
Revista n.º 887/99 - 6.ª Secção
Martins da Costa (Relator)
Pais de Sousa
Afonso de Melo


Contrato-promessa
Compra e venda
Venire contra factum proprium
Efeitos

I - Só existe uma situação de venire contra factum proprium, no caso de omissão das formalidades prescritas no n.º 3 do art.º 410 do CC, quando, acordada a dispensa das formalidades na celebração do contrato-promessa de compra e venda, o promitente-comprador invoca e pede a declaração de nulidade deste contrato com vista a impedir a celebração do contrato definitivo: o de compra e venda.
II - Um dos efeitos jurídicos próprios de abuso do direito - do venire contra factum proprium - é a legitimidade de oposição à acção de nulidade do contrato-promessa de compra e venda com dispensa acordada do reconhecimento presencial da assinatura pelo notário.

16-05-2000
Revista n.º 293/00 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator)*
Nascimento Costa
Sousa Inês (vencido)


Decisão-surpresa

I - Não tendo o abuso do direito integrado a defesa da ré, sendo colocado pela primeira vez na sentença, deveria o tribunal ter começado por observar o disposto no art.º 3, n.º 3, do CPC de 1995, apesar de se tratar de uma questão de conhecimento oficioso.
II - Ao julgar a acção improcedente com este fundamento, inédito nos autos, o tribunal proferiu uma "decisão-surpresa".
J.A.
16-05-2000
Revista n.º 354/00 - 7.ª Secção
Sousa Inês (Relator)
Nascimento Costa (declaração de voto)
Pereira da Graça


Tutela da confiança

I - É abusivo todo o comportamento que, embora tenha a aparência de licitude, viola o sentido e a intenção normativos do direito.
II - A manifestação mais clara do exercício abusivo do direito é a conduta contraditória em combinação com o princípio da tutela da confiança.
III - O exercício abusivo do direito tem como consequência a constituição a favor do lesado de uma pretensão de omissão do exercício do direito e a paralização de certos efeitos jurídicos.
V.G.
20-06-2000
Revista n.º 1605/00 - 6.ª Secção
Silva Graça (Relator)
Francisco Lourenço
Armando Lourenço


Requisitos

Para que ocorra o abuso do direito é necessário que o comportamento do seu autor viole o sentido e intenção normativos do direito e que o excesso seja manifesto.
V.G.
06-07-2000
Revista n.º 1865/00 - 6.ª Secção
Silva Graça (Relator)
Armado Lourenço
Silva Paixão


Arguição de nulidades

A regra geral de arguição de nulidades a que se refere o art.º 286, do CC, permite que os interessados a invoquem sem qualquer restrição, nomeadamente pelo que respeita ao venire contra factum proprium, não sendo de admitir, mesmo em tese, a invocação do abuso do direito contra um pedido de declaração de nulidade dum negócio.
N.S.
21-09-2000
Revista n.º 356/00 - 2.ª Secção
Ferreira de Almeida (Relator)
Moura Cruz
Abílio Vasconcelos


Conhecimento oficioso

Não obsta ao conhecimento da pretensão da recorrente, a circunstância de só invocar o abuso de direito em sede de alegações, já que tal matéria é de conhecimento oficioso.
V.G.
03-10-2000
Revista n.º 1955/00 - 1.ª Secção
Pinto Monteiro (Relator)
Lemos Triunfante
Torres Paulo


Requisitos

I - É abusivo todo o comportamento que, embora tenha a aparência de licitude, viola o sentido e a intenção normativos do direito.
II - É necessária a existência de uma contradição entre o modo e o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.
III - Não é necessária a consciência de se excederem, com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito, bastando que se excedam os limites.
V.G.
17-10-2000
Revista n.º 2476/00 - 6.ª Secção
Silva Graça (Relator)
Armando Lourenço
Azevedo Ramos


Desconto bancário

I - O contrato de desconto bancário aperfeiçoa-se com a comunicação ao cliente da aceitação pelo Banco da operação bancária.
II - Não é juridicamente admissível, por representar um exercício abusivo de um direito, na modalidade de venire contra factum proprium (art.º 334 do CC) que o Banco, através dos funcionários que intervieram na operação de desconto assevere que a aposição da assinatura no local do saque das letras, pelo réu - constando já a assinatura da sociedade aceitante no próprio título - se destina à obtenção de um financiamento para a sociedade, daí não lhe advindo qualquer responsabilidade, e venha exigir do sacador favorecente o pagamento dos respectivos montantes.
V.G.
31-10-2000
Revista n.º 2390/00 - 1.ª Secção
Garcia Marques (Relator)
Ferreira Ramos
Pinto Monteiro


Sanção
Venire contra factum proprium

I - Para o abuso do direito não há uma sanção uniforme: a sanção assume cores e tonalidades diferentes de harmonia com o modo funcional como o abuso se expressa; o que vale por dizer que aquele tanto se pode reconduzir a uma nulidade negocial, como a um facto gerador de responsabilidade civil por danos provocados, como ainda à própria neutralização do direito que se esvazia na sua eficácia típica como se não existisse.
II - Mau grado a concepção objectiva do abuso do direito, impressa no art.º 334 do CC, casos há em que a componente subjectiva é indissociável do excesso dos limites que conduz ao abuso.
III - No venire contra factum proprium o que há é um dano de confiança provocado pelo facto de o titular do direito desdizer o que antes havia garantido.
N.S.
04-10-2000
Revista n.º 207/00 - 2.ª Secção
Noronha Nascimento (Relator)
Ferreira de Almeida
Moura Cruz


Venire contra factum proprium

I - A proibição de comportamentos contraditórios não pode ser generalizada, pelo contrário, ela só é de aceitar quando o venire atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzindo-se em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito.
II - A relevância da conduta contraditória exige a conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança - a invocação do venire contra factum proprium pressupõe a situação objectiva de confiança, o investimento da confiança e a boa fé subjectiva de quem confiou.
III - A confiança só se mostra digna de protecção jurídica se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido psicológico, ou seja, se houver agido na suposição de que o autor do factum proprium estava vinculado a adoptar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico.
I.V.
07-11-2000
Revista n.º 2979/00 - 6.ª Secção
Silva Paixão (Relator)
Silva Graça
Armando Lourenço


Arrendamento rural
Perda da coisa locada

I - Provando-se que o terreno arrendado ao autor se tornou impróprio para a agricultura em virtude de ter sido modificado pela ré, adquirente do usufruto sobre o mesmo prédio, a qual efectuou obras e outros trabalhos que impedem o seu cultivo, tal não acarreta a caducidade do contrato de arrendamento nos termos do art.º 1051, n.º 1, alínea e) do CC.
II - Constitui exercício ilegítimo do direito, por abusivo, nos termos do art.º 334 do mesmo código, a dedução pelo arrendatário do pedido de entrega do terreno no estado em que se encontrava anteriormente aos trabalhos realizados no mesmo pela ré, a par do pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo autor, se tal pedido acarreta a remoção de entulho e toneladas de pedra que o réu colocou no prédio, assim como a demolição de construção que este fez no local, designadamente sanitários públicos, instalações de serviços administrativos e remoção dos respectivos materiais e destroços.
V.G.
14-11-2000
Revista n.º 2655/00 - 6.ª Secção
Pais de Sousa (Relator)
Fernandes Magalhães
Tomé de Carvalho


Venire contra factum proprium

Não se pode falar em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, quando entre o primeiro comportamento e o segundo, aparentemente contraditórios, tenham ocorrido factos que justifiquem a mudança de atitude do agente.

16-11-2000
Revista n.º 2486/00 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa


Tutela da confiança

Há abuso de direito quando existem condutas contraditórias do seu titular a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação a situação jurídica futura.

30-11-2000
Revista n.º 3003/00 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa


Conhecimento oficioso
Arrendamento para comércio ou indústria
Nulidade

I - O abuso do direito é de conhecimento oficioso.
II - Constitui exercício ilegítimo de direito, por abusivo, o pedido de declaração de nulidade do arrendamento comercial sobre o imóvel contra os réus, autores de uma execução contra os ora autores, na qual foi penhorado o estabelecimento comercial, como unidade jurídica, instalado no prédio que fundamenta a acção aqui em causa, sendo que nesta causa de pedir é invocada a validade do arrendamento celebrado com o senhorio, qualificado-se, embora, de arrendamento para habitação.
V.G.
13-12-2000
Revista n.º 3554/00 - 6.ª Secção
Afonso de Melo (Relator)
Fernandes Magalhães
Tomé de Carvalho


Venire contra factum proprium
Benfeitoria
Acessão industrial

Não se pode falar em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, quando não existem condutas contraditórias do seu titular a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação a situação jurídica futura.

13-12-2000
Revista n.º 3334/00 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa