Boletim n.º 54 - Outubro de 2001


3ª Secção

 

Deprecada
Gravação da prova
Transcrição

I - Por via do que dispõe o comando legal do art. 4.º do CPP e por omissão deste, são de aplicar os princípios gerais do Código de Processo Civil em matéria de cumprimento de deprecada.
II - De harmonia com esses princípios (contidos nos arts. 187.º e 184.º do CPC) e numa visão teleológica, embora seja ao juiz deprecado que caiba determinar como deve ser cumprido o que lhe é pedido por carta, tem este cumprimento, todavia, de ser integral, ou seja, tem de ser efectuado por forma a que se dê satisfação plena e corresponda ao que vem solicitado, só podendo deixar de o ser se o juiz deprecado carecer de competência ou, então, se o acto for em absoluto proibido.
III - Cabendo ao juiz deprecado escolher o meio de cumprimento da deprecada de depoimento, pode, se o entender, socorrer-se dos meios magnetofónicos.
Porém, se tiver escolhido este meio, tem, então, de dar cumprimento ao que lhe é determinado pelo n.º 7 do art. 318.º do CPP, no que respeita ao registo e transcrição.

03-10-2001
Proc. n.º 1808/01 - 3.ª Secção
Dias Bravo (relator)
Armando Leandro
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro


Despacho de não pronúncia
Admissibilidade de recurso

Ainda que se entendesse que o acórdão da Relação, confirmador da não pronúncia, constitui decisão que põe termo à causa, a sua irrecorribilidade advém quer da analogia com o disposto nas als. d) e e) do art. 400.º do CPP (neste caso tendo como origem uma infracção da competência de tribunal singular), quer do âmbito de competência do STJ que não conhece de matéria de facto, como é o caso da avaliação da suficiência dos indícios recolhidos para levar à pronúncia e posterior julgamento.

03-10-2001
Proc. n.º 943/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Leal-Henriques


Jovem delinquente
Omissão de pronúncia
Nulidade de sentença
Insuficiência da matéria de facto provada

I - A consideração da aplicabilidade do regime dos jovens delinquentes, constante do DL 401/82, de 23-09, é um poder-dever do tribunal, atentos os relevantes interesses públicos desse regime.
II - A falta de pronúncia sobre a aplicação do dito regime implica a nulidade do acórdão, prevista no art. 379.º, al. c), do CPP.
III - Constatando-se, porém, que do factualismo descrito no acórdão não constam dados suficientemente aprofundados sobre a personalidade do arguido, o seu comportamento anterior e posterior, a sua evolução e a sua situação familiar, profissional e social, indispensáveis à decisão sobre a aplicabilidade do referido regime (resultam insuficientes, para tal efeito, os factos provados de que é primário, não sabe ler nem escrever e de que na altura dos factos trabalhava como servente de pedreiro e vivia com os pais e os irmãos) e impondo-se a recolha oficiosa daqueles elementos, nomeadamente pelo recurso a relatório social (arts. 340.º e 370.º, ambos do CPP), tudo conduz à verificação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, dele resultando a necessidade do reenvio para novo julgamento quanto ao referido aspecto (art. 426.º daquele diploma).

03-10-2001
Proc. n.º 2245/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro


Cúmulo jurídico de penas
Pena
Medida de segurança
Internamento de inimputável

Sendo fundamentalmente distintas, na sua estrutura e na sua natureza, a pena e a medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico - esta assenta na perigosidade social do agente e não na culpa - não devem uma e outra integrar um cúmulo jurídico para fixação de "pena única".

03-10-2001
Proc. n.º 1165/01 - 3.ª Secção
Borges de Pinho (relator)
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal-Henriques


Competência do tribunal singular
Competência do tribunal colectivo
Nulidade insanável

Detendo o tribunal singular competência para o julgamento de determinado processo, a realização daquele pelo tribunal colectivo integra a nulidade (insanável) prevista na al. e) do art. 119.º do CPP.

03-10-2001
Proc. n.º 2355/01 - 3.ª secção
Flores Ribeiro (relator)
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal-Henriques


Habeas corpus
Pressupostos
Prisão preventiva
Medida de segurança
Internamento de inimputável

I - O habeas corpus, como providência excepcional que é, tem como única finalidade pôr temo a uma prisão ou a uma detenção ilegal, estando completamente excluído do seu âmbito o reexame de uma decisão judicial, reexame que terá que ser feito através dos recursos ordinários cabíveis ao caso.
II - Acresce que a referida providência não se compatibiliza com a sua cumulação com outros expedientes, nomeadamente com os recursos ordinários que possam ser interpostos da decisão que ordenou ou manteve a prisão preventiva, sob pena de se criar uma instância paralela de recurso, à margem da lei, e em conflito com as suas linhas mestras nesta matéria.
III - O oposto não pode ser induzido pela expressão "sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes", constante do art. 219.º do CPP.
Na verdade, tal expressão não significa a possibilidade de cumulação do recurso nela previsto com o habeas corpus, mas precisamente o contrário, ou seja, que não sendo possível utilizar a via do recurso haverá sempre a hipótese de se lançar mão da referida providência, preenchidos que estejam, como é óbvio, os respectivos pressupostos.
IV - É admissível a providência de habeas corpus nos casos em que a privação ilegal da liberdade decorre não da detenção ou prisão ilegais, mas de internamento ilegal, no âmbito de medida de segurança.
V - Decorrendo dos dados do processo que:
- o requerente foi declarado inimputável em processo crime onde lhe era imputada a prática, entre outros, de um crime de roubo p. p. pelos arts. 306.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 5, 297.º, n.º 2, al. b), do CP/82 e de um crime de furto qualificado, correspondendo àquele (o mais grave) a pena de 2 a 10 anos de prisão;
- considerado perigoso, foi-lhe aplicada a medida de segurança de internamento, cumprimento que iniciou em 12-12-1988;
- foi libertado a título de ensaio em 24-10-1990, regime que, entretanto, sofreu revogação (16-12-1992) tendo sido reinternado em 14-01-1993;
- entre 14-09-1993 e 23-06-1995 manteve-se em liberdade, na situação de não apresentação de uma saída precária prolongada;
- deixou de cumprir a medida de internamento a que foi sujeito entre 21-12-1997 e 04-03-1998 e entre 13-10-2000 e 22-10-2000;
- a última revisão ordinária da situação do requerente, que decidiu pela manutenção do internamento por mais 2 anos, ocorreu em 25-10-1999;
e sendo certo que, de harmonia com o estipulado nos arts. 479.º, n.º 2 e 506.º, ambos do CPP, não sendo a medida de internamento cumprida continuamente, acrescerá o tempo correspondente às interrupções, conclui-se que o requerente encontra-se em cumprimento perfeitamente legal da referida medida, já que não foi ultrapassado o seu limite máximo (10 anos), nem ainda expirou o prazo fixado pela última prorrogação (2 anos a contar de 25-10-1999).

03-10-2001
Proc. n.º 3270/01 - 3.ª secção
Leal-Henriques (relator)
Armando Leandro
Borges de Pinho
Franco de Sá


Violação da obrigação de alimentos
Concurso real de infracções
Terceiros

I - Havendo vários ofendidos beneficiários de uma obrigação de alimentos, à qual está adstrito o arguido, a violação dessa obrigação de alimentos constitui, relativamente a cada um dos alimentados, um facto ilícito típico perfeitamente autónomo sob o ponto de vista estrutural.
II - Sendo três as pessoas às quais o arguido deixou de prestar os alimentos a que estava obrigado, cometeu este, em concurso real, três crimes p. e p. pelo art.º 250.º, n.º 1, do CP.
III - Os filhos mais velhos do arguido, que vêm auxiliando os ofendidos, não podem deixar de ser considerados "terceiros", nos termos e para os efeitos do citado artigo.

03-10-2001
Proc. n.º 2237/01 - 3.ª Secção
Pires Salpico (relator)
Leal-Henriques
Armando Leandro
Virgílio Oliveira


Tráfico de estupefacientes
Traficante-consumidor
Matéria de facto
Medida da pena

I - Porque o acórdão intercalar da Relação não detectou os vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410º do CPP, não se pronunciou quanto à necessidade de renovação da prova, decisão cujo conteúdo é reafirmado no acórdão recorrido, e que o STJ não tem que sindicar quanto ao fundo mas apenas no que concerne à aplicação das disposições legais em causa, nomeadamente, do citado preceito, na qual não se descobriu incorrecção.
II - Não exercendo qualquer actividade (lícita) remunerada, dedicou-se o recorrente diariamente, desde inícios de 1998 a Junho do mesmo ano, à venda de heroína e cocaína, tendo em seu poder, juntamente com a co-arguida, heroína e cocaína que, depois de "cortada" e subdividida, o que ambos pretendiam fazer, daria entre 600 a 700 doses individuais e cuja venda os dois almejavam levar a cabo, embora se tenha provado que era consumidor de heroína e cocaína, não se integra o tipo legal de crime de traficante-consumi-dor.
III - Dúvidas que subsistissem sempre teria de se rejeitar a incriminação pretendida pelo arguido, em face da quantidade de droga apreendida e do preceituado no n.º 3 do citado artigo 26º do Decreto-Lei n.º 15/93.
IV - Não possuindo antecedentes criminais, provado que é consumidor de heroína e cocaína, condição conhecida de uma forte pulsão interior para a repetição dos consumos, num enfraquecimento normal da capacidade de avaliação e da vontade de evitar condutas anti-sociais e mesmo de se recuperar, e ponderando a recuperação da sua actividade profissional no estabelecimento prisional, mostra-se adequada a pena de prisão de cinco anos, igual à aplicada à sua companheira e co-arguida.

03-10-2001
Proc. n.º 2050/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Leal-Henriques
Pires Salpico (tem voto de vencido)


Abuso de confiança
Letra de garantia
Circulação de letra
Prova sobre o acordo

I - Para que exista crime de abuso de confiança é necessário que o agente inverta o título (legítimo) de posse, uti alieno, e passe a actuar animo domini ou uti dominus, o que há-de resultar de actos exteriores idóneos e suficientemente demonstrativos desse animus, e que exista dolo, em qualquer das suas modalidades.
II - A letra de câmbio pode funcionar como garantia, como meio de pagamento ou como instrumento de crédito.
III - Uma vez que não se provou que as letras emitidas tivessem sido entregues ao tomador apenas como garantia do pagamento do preço do equipamento fornecido e instalado até à aprovação do leasing, e que não podiam ser movimentadas e/ou descontadas pelo arguido e/ou sociedade que geria, não se pode concluir que ao descontar essas mesmas letras, o arguido inverteu o título de posse das mesmas, sabido que as letras de câmbio incorporam um direito de crédito que não pode exercer-se sem a posse do documento e que esse crédito incorporado na letra existe independentemente do crédito causal que lhe serve de base, e pode transmitir-se separadamente.
IV - Logo, embora o arguido tivesse recebido o montante do leasing, correspondente ao preço global do equipamento e não houvesse procedido ao pagamento das letras entretanto postas em circulação, emitidas pelo comprador do equipamento, não se mostram verificados os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança.

03-10-2001
Proc. n.º 1945/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Armando Leandro
Leal-Henriques (tem declaração de voto)


Falsificação de cheque
Toxicodependência
Escolha da pena
Multa
Prisão suspensa sob condições

I - O quadro em que os dois arguidos praticaram o delito de falsificação, de que foi vítima directa e indirecta a própria mãe de um deles, é de toxicodependência de ambos, os quais vivem em união de facto, tendo uma filha de meses, parecendo quererem pôr fim à experiência de alguns anos em que desperdiçaram do seu melhor tempo de vida.
II - A precariedade de anteriores tratamentos, e a ênfase posta na prevenção especial, corroboram a justeza da condenação em dez meses de prisão, cuja execução o Colectivo declarou suspensa pelo período de dezoito meses, com obrigação de se apresentarem na delegação do IRS da área da sua residência e de se sujeitarem às orientações que lhes forem fixadas com o objectivo de os afastar definitivamente do consumo de estupefacientes, nomeadamente, através da continuação do tratamento que vêm efectuando no CAT, ou de outro que os médicos e técnicos competentes achem conveniente, manutenção de trabalho regular, assunção das responsabilidades parentais relativamente a sua filha menor.
III - Faz parte do id quod plerumque accidit que a pena de multa, que os recorrentes desejam, acaba por ser satisfeita por aqueles - familiares e amigos - que mais próximos se encontram, como um acréscimo, geralmente imerecido, ao sofrimento que já carregaram.

03-10-2001
Proc. n.º 2141/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Leal-Henriques


Habeas corpus
Prisão preventiva
Condenação em primeira instância
Anulação do acórdão

I - Embora o arguido tenha sido julgado e condenado em 1.ª instância - pela prática de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos - antes de decorrido o prazo de 2 anos fixado no art. 215.º, n.º 1, al. c) e 2 do CPP (a prisão preventiva teve início em 30.08.99 e a decisão condenatória foi proferida em 24.07.00), se a referida decisão final foi anulada por acórdão da Relação, a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo, assim, qualquer condenação.
II - Como tal, estando o requerente, preso preventivamente para além do limite máximo de 2 anos consentido pelas disposições legais acima citadas, existe fundamento legal para o deferimento da providência excepcional de habeas corpus.

10-10-2001
Proc. n.º 3333/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator)
Borges de Pinho
Franco de Sá
Pires Salpico (tem voto de vencido, como relator)


Cúmulo jurídico de penas
Fundamentação da sentença

I - A fundamentação da pena em cúmulo jurídico não necessita de revestir a intensidade reclamada pela aplicação das penas correspondentes aos crimes que intervêm em tal cúmulo.
II - Constando do acórdão que teve por finalidade a realização de cúmulo jurídico: "Na determinação da pena concreta não pode o tribunal deixar de valorar, de um lado, todo o conjunto de crimes cometidos, que na sua essência, têm a ver com a mesma natureza - crimes patrimoniais -, os valores em causa serem muito relevantes e a personalidade do arguido - abundantemente apreciada nos vários acórdãos supra referidos - e que se sustenta essencialmente no facto de andar de alguma maneira envolvido em problemas com a droga, pelo menos em alguns dos momentos em causa. Assim, ponderadas todas as circunstâncias, nos temos dos arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPP, entende-se fixar a pena única em ....", esta fundamentação, por forma bastante, analisou, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, satisfazendo as exigências legais do preceituado no art. 77.º do CP.

10-10-2001
Proc. n.º 1939/01 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira (relator)
Flores Ribeiro
Lourenço Martins
Pires Salpico


Cúmulo jurídico de penas
Revogação da suspensão da execução da pena
Suspensão da execução da pena

I - Apesar do trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena única inicialmente aplicada ao arguido em determinado processo, não existe obstáculo legal à possibilidade da suspensão da execução da pena única resultante da reformulação do cúmulo jurídico, envolvendo também as penas integrantes da pena única cuja suspensão da execução fora revogada.
II - A força do caso julgado dessa decisão revogatória implica, como se disse, que as penas contidas na pena única cuja execução fora suspensa devam ser consideradas no novo cúmulo. Contudo, face a uma nova apreciação, na reformulação do cúmulo, com base também em diferentes circunstâncias, posteriores àquela decisão, o obstáculo do caso julgado deixa obviamente de funcionar relativamente a decisão sobre a suspensão da execução da pena resultante do novo cúmulo, na medida em que os limites objectivos do caso julgado da referida decisão revogatória estão claramente superados.
III - O facto de o arguido ter pago as indemnizações já depois de revogada a suspensão da execução da pena, o sentido do benefício do perdão de que beneficiou, de que resultou uma pena única de prisão de curta duração (onze meses) e os anos já decorridos após a prática dos factos (ocorridos em 1992 e 1995) são circunstâncias que, consideradas na sua globalidade complexiva, conduzem a um juízo de prognose positiva sobre a provável realização, adequada e suficiente, das finalidades da punição como resultado da simples censura e ameaça de prisão, inerentes à pena de substituição prevista no art. 50.º do CP.

10-10-2001
Proc. n.º 1806/01 - 3.ª secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Fixação de jurisprudência

Para poder considerar-se preenchido o requisito da verificação de "soluções opostas" relativas à "mesma questão de direito", exigido no art. 437.º, n.º 1 do CPP, é necessário, por essencial à função do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões, objecto naturalmente fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

10-10-2001
Proc. n.º 1070/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro


Ofensa à integridade física qualificada
Busca
Irregularidade
Nulidade sanável
Pedido cível
Dano não patrimonial
Tráfico de estupefacientes
Consumação
Impedimento
Testemunha
Parte civil
Antecedentes criminais
Bom comportamento

I - A falta de entrega ao arguido de cópia do despacho que determinou a busca à sua residência (art. 176.º, n.º 1 do CPP) constitui uma mera irregularidade ou, quando muito, uma nulidade sanável.
II - O crime de ofensas à integridade física qualificada, p. p. pelos arts. 143.º, n.º 1 e 146.º, n.ºs 1 e 2 do CP, é construído segundo a técnica da casuística exemplificativa ou dos exemplos-padrão, segundo a qual os indicadores enumerados na lei são meros sintomas de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente na sua actuação, não dispensando o tribunal de fazer prova de que a culpa agravada se verificou no caso concreto.
III - Tendo o tribunal de 1.ª instância dado como provado que o arguido - surpreendido ao chegar a casa por uma patrulha da PSP, devidamente uniformizada, que lhe pretendia fazer uma revista -, ao ser interpelado, para o efeito, por um guarda daquela corporação, sem mais, desferiu neste uma cabeçada no rosto, atingindo-o na zona do sobrolho esquerdo, e dirigiu-lhe também os nomes de "filho da puta" e "polícia de merda", intimidando-o para que não levasse por diante o cumprimento da missão de que tinha sido incumbido, é óbvio que o primeiro agiu com a especial censurabilidade e perversidade requeridas pela lei, cometendo o crime de ofensa à integridade física qualificada, p. p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 146.º, n.ºs 1 e 2 e 132.º, n.º 2, al. j), todos do CP.
IV - A agressão e a injúria a um agente da autoridade constitui sempre um acto que cria no próprio visado um sentimento de insegurança e intranquilidade e na opinião pública um conceito de menosprezo, ainda que, num caso ou noutro, sem manifestações exteriores. E isso constitui um dano moral que deve ser indemnizado.
V - Provando-se, de forma indubitável, que os arguidos detinham para venda e que venderam produtos estupefacientes inscritos nas tabelas anexas ao DL 15/93, de 22-01, independentemente de se ter apurado a quem tais vendas foram feitas, tanto basta para que esteja verificado o crime de tráfico p. p. pelo art. 21.º do referido diploma legal.
VI - A proibição prevista na al. c) do n.º 1 do art. 133.º do CPP só pode ser entendida com o alcance de se limitar às situações em que as partes civis se apresentam a deduzir pedido contra os próprios arguidos a que os factos respeitam ou seja, as partes civis, só porque o são, não estão impedidas de testemunhar, mas apenas o estarão relativamente aos factos que tenham a ver com o arguido ou arguidos visados.
VII - A ausência de antecedentes criminais não é, só por si, sinal de bom comportamento.

10-10-2001
Proc. n.º 1949/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator)
Virgílio Oliveira
Armando Leandro
Flores Ribeiro


Habeas corpus
Medida de segurança
Internamento de inimputável
Revisão da situação do inimputável internado

I - A providência de habeas corpus é aplicável, por analogia fundada, pelo menos, na identidade de razão (art. 4.º do CPP), aos casos de privação de liberdade resultante de aplicação de medida de internamento em estabelecimento psiquiátrico. Só assim se compatibilizam os mecanismos processuais penais com o espírito das normas constitucionais relativas às medidas de segurança e ao instituto do habeas corpus (arts. 29.º, 30.º e 31.º da CRP).
II - O regime que concretamente se mostrar mais favorável, por força do disposto no art. 2.º, n.º 4 do CP, é aplicável também aos casos de medida de segurança, conforme resulta, designadamente, do disposto no art. 29.º, n.º 4 da CRP, aliás de aplicação directa (art. 18.º, n.º 1 da CRP).
III - A falta de cumprimento da obrigação legal constante do art. 93.º, n.º 2 do CP - apesar da grande relevância da mesma no sistema penal de medidas de segurança aplicáveis a inimputáveis no quadro de legalidade do Estado de Direito Democrático - não pode levar a concluir imediatamente, no âmbito da providência de habeas corpus, que a limitação de liberdade decorrente do internamento se mantém para além do limite temporal fixado pela lei (art. 222.º, n.º 2, al. c) do CPP).
IV - No caso em que se verifica que não está excedido o período legal máximo de duração do internamento, o limite a considerar não é fixado em função do prazo para a revisão da situação do internado, mas da verificação da não persistência do pressuposto da perigosidade, a constar da decisão do Tribunal de Execução das Penas.
V - Pelo que, não sendo viável concluir, agora, se cessou ou não o estado de perigosidade que deu origem ao internamento, não pode ainda proferir-se decisão, sendo de aplicar o disposto no art. 223.º, n.º 4, al. b) do CPP, devendo o TEP, por intermédio do juiz do processo, ou, no seu impedimento, por qualquer outro que legalmente o substitua, providenciar imediatamente pela revisão da situação do internado, para os efeitos do disposto no art. 93.º do CP, comunicando de imediato a decisão ao STJ, a fim de poder decidir fundadamente a providência requerida.

10-10-2001
Proc. n.º 3370/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Apoio judiciário
Tempestividade

I - O apoio judiciário tem natureza instrumental, tendo por função, no que diz respeito à tutela jurisdicional, assegurar o acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos.
II - Não há lugar à concessão do apoio judiciário quando essa pretensão de tutela jurisdicional dos direitos do peticionante foi já completamente efectivada, sem a possibilidade legal de novos actos tendentes a essa tutela.
III - Assim, é de indeferir o pedido de apoio judiciário formulado após ter sido proferida decisão final que, embora ainda não transitada em julgado, não era susceptível de impugnação em recurso.

10-10-2001
Proc. n.º 1553/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Fraude fiscal
Reposição da verdade fiscal
Arquivamento do processo
Poderes do Ministério Público
Princípio da igualdade
Aplicação da lei penal no tempo

I - A magistratura do Ministério Público rege-se por estritos critérios de legalidade e objectividade, respondendo hierárquica e disciplinarmente, nos termos da lei, e porque representa o Estado as suas funções não podem ser substituídas (usurpadas) pela intervenção de outras entidades, ainda que se trate da magistratura judicial.
II - Extravasaria não apenas do que se dispõe no n.º 3 do art. 26.º do RJIFNA, como atentaria contra a posição funcional da magistratura do Ministério Público se o juiz do julgamento tomasse a iniciativa de ordenar o eventual arquivamento dos autos apenas porque o pagamento do imposto devido e legais acréscimos se dera antes de o processo ter sido remetido para julgamento.
III - Constitui, porém, uma interpretação abonada pela racionalidade do sistema a que considerou que o facto de a reposição da verdade fiscal se ter dado antes da remessa para julgamento, uma vez verificados os restantes pressupostos, não impedia a redução da pena para metade.
IV - Tal interpretação das normas dos n.ºs 2 e 3 do citado art. 26.º, de que decorra que na fase judicial o processo não seja arquivado mas reduzida a pena a metade, se tiver havido reposição da verdade fiscal, tal como efectuada no acórdão sob exame, não fere o princípio constitucional da igualdade, pois se mostra justificada, ainda que o pagamento tenha sido efectuado antes da transição dos autos para a esfera judicial.
V - Do confronto entre o regime do art. 26.º do RJIFNA e o do art. 22.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que terá de ser conjugado com o do art. 44.º da mesma lei, em face do caso concreto, conclui-se, ainda que partindo do pressuposto de que as normas de processo a que aludimos se transmutam num conteúdo materialmente penal, que os regimes anterior e actual são essencialmente idênticos quanto ao ponto em discussão, não havendo que afastar a aplicação da lei anterior.

10-10-2001
Proc. n.º 2131/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Leal-Henriques
Pires Salpico
Armando Leandro


Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade
Comunicação ao Registo Criminal
Cancelamento automático

I - Embora o Colectivo não aluda ao peso líquido da heroína apreendida ao recorrente, mas ao peso bruto das 35 embalagens (3,545 g), quando enuncia os elementos que serviram à sua convicção indica o exame laboratorial, onde se menciona o peso líquido e que apenas por mero lapso o Colectivo não retoma, pelo que não pode deixar de prevalecer - artigo 163º, n.º 2, do CPP -, já que não se fundamenta a divergência.
II - A actuação do arguido, tal como transparece dos factos apurados, patenteia uma organização e logística incipientes, numa actividade isolada, posto que a heroína, pela dependência que provoca no consumidor, seja uma das drogas mais prejudiciais, no entanto o arguido foi surpreendido na posse de apenas 1,208 gramas (peso líquido), não havendo indicação do período anterior a que se reportasse a actividade de tráfico, pelo que se revela uma diminuição considerável da ilicitude, integrando-se na disposição do art. 25º do DL n.º 15/93, de 22-01.
III - Apreciada a sua conduta na globalidade, revela-se um pequeno traficante, também dependente de droga, na qual sobreleva esta dependência e a subsequente actividade que proporcione o alimento da mesma (sem excluir, no caso, o recurso ao Rendimento Mínimo).
IV - O "desaparecimento" formal da obrigação de comunicar o termo das penas de prisão é fictício, pois que a referência ao registo das decisões que declarem a extinção das penas, tal como se prevê no n.º 1, alínea a), do artigo 5.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, impõe de igual modo a comunicação obrigatória do termo do cumprimento destas (ou de medida de segurança) ou de outra forma da sua extinção.
V - Uma vez integrados no Registo Criminal os elementos sobre a extinção da pena, o cancelamento das inscrições deve operar-se automaticamente a partir daqueles Serviços do Registo Criminal ou, não o havendo feito, pelo próprio tribunal que tem de apreciar o conteúdo do certificado.
VI - Entende-se que, no condicionalismo descrito, a pena a aplicar não deve exceder 2 anos e 6 meses de prisão, não sendo configurável encarar a sua suspensão, que nem sequer vem pedida.

10-10-2001
Proc. n.º 2446/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Armando Leandro
Pires Salpico (tem voto de vencido)


Recurso penal
Matéria de facto
Presunções judiciais
Registo da prova
Transcrição

I - Não havendo no recurso qualquer referência à reapreciação do valor dos meios de prova testemunhal e documental, elementos que não estão em causa no recurso mas sim certas inferências que o tribunal utilizou para de um certo facto conhecido extrair um desconhecido, insurgindo-se o recorrente quanto à utilização das máximas da experiência, das presunções judiciais, que, como regras probatórias, teriam sido violadas, apenas tinha aquele de indicar a matéria de facto que tinha sido mal julgada e de indicar as inferências ou presunções ou máximas da experiência que tinham sido mal formuladas e aplicadas.
II - Perante o aludido fundamento do recurso, não pode o tribunal da Relação exigir ao recorrente que especifique "as provas que impõem decisão diversa da recorrida", "por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição (art.º 412.º, n.ºs 3, al. b) e 4, do CPP).
III - A transcrição dos depoimentos gravados em audiência de julgamento, a que se refere o n.º 4 do art.º 412.º, do CPP, compete à secretaria do tribunal e não ao recorrente.

10-10-2001
Proc. n.º 1926/01 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira (relator)
Flores Ribeiro
Pires Salpico
Lourenço Martins


Tráfico de estupefacientes
Avultada compensação remuneratória

I - Provado que o arguido, comerciante no Gana, ao viajar de Caracas para Abidjan transportava cocaína - pesando a amostra cofre 1,805 g e o remanescente 1650, 7 g - e que tencionava introduzir a cocaína no "mercado" por quantia que em Portugal não seria inferior a 6.600.000$00, apesar de não estar provado o preço de compra do produto, a quantidade de cocaína e o correspondente em moeda portuguesa da quantia monetária total por que tencionava introduzi-la no "mercado" implica, manifestamente, como resulta da experiência comum relativa às elevadas percentagens de lucros na venda desse estupefaciente, que procurava obter com a provada actividade uma compensação remuneratória sem dúvida "avultada", para os efeitos do regime do DL n.º 15/93 de 22-01.
II - Não estabelecendo a lei, contrariamente com o que sucede nos casos de crimes contra o património (art.º 202.º do CP), uma definição quantificada desse conceito, valem as regras gerais da interpretação da lei.
III - Nessa interpretação, para o problema em apreço deve entrar em consideração a importância muito relevante dos interesses ofendidos pelo tráfico de estupefacientes, a tornar particularmente censurável o espírito de lucro com que é praticado, aspecto que não é elemento do crime fundamental do art. 21.º do DL 15/93, mas que integra a agravante do art. 24.°, al. c), do mesmo diploma, quando implica vontade de obter elevada compensação remuneratória.
IV - Estamos face a um índice de maior censurabilidade em actividade de acentuado perigo abstracto de ofensa de importantes bens jurídicos plúrimos sintetizados no bem jurídico da "saúde pública". A justificar opções de política criminal ainda mais rigorosas do que relativamente aos valores considerados para efeitos dos crimes patrimoniais podendo, em conformidade, essa "avultada" compensação considerar-se integrada por valores inferiores aos indicados na al. b) do citado art. 202.º do CP.

10-10-2001
Proc. n.º 2539/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Abuso de confiança
Extinção de direitos
Compensação

I - Resulta do disposto no art.º 853.º, n.º 1, al. a), do CC, que não podem extinguir-se por compensação os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos.
II - Tendo o crédito da assistente como fonte os factos integrantes de um crime de abuso de confiança, não pode o arguido obter a compensação - contra a vontade daquela - com o seu crédito proveniente de suprimentos à sociedade assistente.

10-10-2001
Proc. n.º 1940/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Nulidade de sentença
Alteração não substancial dos factos
Constitucionalidade

I - A nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, só é suprível em 1.ª instância, não sendo aplicável em processo penal, face à inexistência de lacuna, o disposto no art.º 731.º, n.º 1, do CPC.
II - Ao decretar-se a referida nulidade, o sentido da decisão é necessariamente o da anulação de todo o processado a partir do momento em que devia ter sido efectuada a comunicação nos termos do art.º 358.º, do CPP, cuja omissão determinara a nulidade da sentença.
III - A consideração, em segundo acórdão, de factos que constituem alteração não substancial da acusação, após cumprimento do art.º 358.º, do CPP - proferido aquele na sequência da anulação do primeiro acórdão pelo STJ com fundamento no não cumprimento desta mesma norma - não constitui qualquer violação ao disposto no art.º 32.º, n.º 1, da CRP.

10-10-2001
Proc. n.º 1416/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Matéria de direito
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
Opção pelo recorrente

I - Sendo a fixação da competência uma matéria de interesse e de ordem pública, tal natureza subtrai a mesma da livre opção dos recorrentes.
II - Tendo o recurso de decisão final do tribunal colectivo por objecto apenas uma questão de direito, é o Tribunal da Relação incompetente para decidir o mesmo, uma vez que competente para tanto é o STJ.

17-10-2001
Proc. n.º 1573/01 - 3.ª Secção
Franco de Sá (relator)
Lourenço Martins (tem voto de vencido)
Pires Salpico


Abuso de confiança
Prejuízo
Confusão
Intenção de restituir

I - São elementos típicos do crime de abuso de confiança no actual Código Penal, quer na versão inicial de 1982, quer na revisão de 1995:
a) a entrega ao agente, por título não translativo de propriedade, de coisa móvel, por parte do proprietário ou legítimo detentor desta, entrega que constitua aquele na obrigação de afectar a coisa móvel, que lhe foi entregue materialmente ou colocada sob a sua disponibilidade, a um uso determinado ou na obrigação de a restituir;
b) a posterior apropriação ilegítima da coisa móvel pelo agente, contra a vontade do proprietário ou legítimo detentor desta, através da prática de actos que exprimem a inversão do título de posse, isto é, que o agente passou a dispor da coisa uti dominus, com animus rem sibi habendi, integrando-a no seu património ou no património de outrém;
c) o conhecimento pelo agente dos elementos descritos sob as alíneas a) e b) e a vontade de realizar o referido sob a alínea b) ou a consciência de que da conduta resulta a sua realização como consequência necessária ou como consequência possível e conformando-se, neste último caso, com esse resultado.
II - Ao contrário do que sucedia no domínio do CP de 1886 (art.º 453.º), o actual CP deixou de incluir entre os elementos do tipo objectivo do crime de abuso de confiança a existência de prejuízo do proprietário, possuidor ou detentor da coisa móvel ilicitamente apropriada.
III - No caso de as coisas móveis objecto da possível apropriação serem absolutamente fungíveis, como o dinheiro, a mera confusão da coisa fungível no património de quem o recebeu por título não translativo da propriedade, ou o seu uso por este, não configura, por si só, sequer o elemento "apropriação ilegítima" do tipo objectivo do ilícito de abuso de confiança, desde que não se verifique posteriormente a disposição da coisa por forma injustificada ou a sua não restituição no termo e sob a forma juridicamente devida.
IV - E mesmo a entender-se que esse elemento do tipo objectivo do ilícito se encontra preenchido no caso da confusão ou do uso referidos, sempre terá que acrescer, para que se possa considerar integrado o crime, o elemento do tipo subjectivo, traduzido no dolo de apropriação em qualquer da suas formas, incluindo a do dolo eventual, dolo esse que deverá considerar-se excluído se verificada a intenção de restituir, desde que representado pelo agente como seguro que essa restituição será efectuada no prazo e nas condições juridicamente devidas.

17-10-2001
Proc. n.º 3831/00 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Na parte em que a motivação se volta a debruçar sobre as questões que foram objecto das decisões intercalares e dos correspondentes recursos para o Tribunal da Relação, o recurso para o STJ não é admissível por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP.

17-10-2001
Proc. n.º 2530/01 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira (relator)
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Homicídio qualificado
Homicídio qualificado tentado
Motivo fútil
Persistência na deliberação
Medida da pena

I - Segundo a jurisprudência dominante, não podem os recorrentes retomar a discussão dos vícios da decisão da 1.ª Instância, a que se refere o art. 410.º, n.º 2, do CPP, pois que se não os podem impugnar em recurso directo para o STJ, de acordo com tal jurisprudência, igualmente, ou por maioria de razão, não o poderão fazer agora após a prolação do recorrido acórdão da relação.
II - Mas esta Instância Superior não está impedida de conhecer deles oficiosamente, assim como de aquilatar da bondade da aplicação daquele preceito pela Relação.
III - Mantendo-se inalterada na Relação a matéria de facto subjacente, constitui questão nova a pretensão de ver alterada a qualificação jurídica, o que não pode ser considerado.
IV - Motivo fútil tem sido entendido como o que "é notoriamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homem médio, em relação ao crime praticado"; para além da desproporcionalidade, deve acrescer a insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta, na brutal malvadez, ou se traduz em motivos subjectivos ou antecedentes psicológicos, que pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionados com a reacção homicida.
V - Embora mantendo a desproporcionalidade da reacção (e a persistência do intento de vingança) como indiciadores da especial censurabilidade da conduta do agente, que comete dois homicídios qualificados, sendo um na forma tentada, nas pessoas de dois ex-compa-nheiros de trabalho, na medida da pena há que ter em conta que eles o insultavam com frequência chamando-lhe "cabrão e paneleiro".
VI - Frequentemente, é no meio social desfavorecido em termos culturais que ultrajes daquele género são tomados mais à letra, derramando sobre o visado uma carga negativa - que em contexto social diferente, é geralmente aligeirada ou desvalorizada -, e levando-o a reagir em termos de as "condições pessoais" não lhe permitirem atentar no devido peso a dar às injúrias de que era alvo.
VII - Valorando não só a ausência de antecedentes criminais mas principalmente os insultos que, no local de trabalho, as vítimas dirigiam ao recorrente, nascido em Cabo Verde, em meio economicamente modesto, apreciando em conjunto os factos e a personalidade do agente, onde releva particularmente um indivíduo deslocado da sua terra natal, fixa-se a pena única em 18 anos de prisão.

17-10-2001
Proc. n.º 2807/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Leal-Henriques
Borges de Pinho


Fraude na obtenção de subsídio
Natureza da infracção
Valor consideravelmente elevado
Documento falso
Prescrição do procedimento criminal
Prazo

I - O crime de fraude na obtenção de subsídio (art. 36.º do DL 28/84, de 20-01) é de execução vinculada, na medida em que exige que a produção do resultado (dano) obedeça "ao processo causal típico e abstractamente descrito na norma incriminatória, ou seja, o processo causal faz parte do tipo e é por este conformado e modelado". Isto é: só há o referido crime se a conduta do agente assumir as modalidades de fornecimento de informações inexactas ou incompletas, omissão de informações sobre factos importantes e utilização de documento obtido através de informações inexactas e incompletas, que seja determinativa da concessão do benefício.
II - Estando provado que o arguido logrou levar ao engano o INGA (Instituto de Intervenção e Garantia Agrícola), instruindo o processo de concessão de subsídio com uma "declaração de cultura" de cereais que não correspondia à verdade, bem como com "facturas" de vendas de produtos a determinada sociedade comercial - sendo certo que nenhum cereal por aquele foi vendido -, obtendo, assim, um benefício que de outro modo não obteria, e num valor que atingiu 4.749.056$00 (montante que é de ter por consideravelmente elevado), mostram-se preenchidos os dois requisitos alternativos da al. a) do n.º 5 do art. 36.º do DL 28/84, arrastando-se, deste modo, a conduta descrita para a previsão do n.º 2 do referido preceito ("caso particularmente grave".
III - As agravantes e atenuantes de que fala o n.º 2 do art. 117.º do CP/82 (a que corresponde no CP/95 o n.º 2 do art. 118.º) e que não podem contribuir para a formação do máximo da pena aplicável, são só e exclusivamente as circunstâncias modificativas comuns previstas na parte geral do CP (v.g. a reincidência, o excesso de legítima defesa, etc.).
IV - Se se tratar de agravantes ou atenuantes modificativas previstas na parte especial do CP (ou em outro diploma avulso, como é óbvio) de que a lei se serve para criar um novo tipo de crime, então essas circunstâncias já entram na formação daquele máximo (vejam-se os casos dos arts. 132.º e 133.º em relação ao art. 131.º).

17-10-2001
Proc. n.º 2640/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator)
Armando Leandro
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro


Nulidade de sentença
Alteração da qualificação jurídica

A consequência da violação do disposto no n.º 3 do art.º 358.º do CPP é a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b) do mesmo Código.

17-10-2001
Proc. n.º 2247/01 - 3.ª Secção
Flores Ribeiro (relator)
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal-Henriques


Furto qualificado
Intensidade do dolo
Medida da pena
Direito ao silêncio

I - Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, nos crimes de furto as exigências de prevenção geral positiva ou de integração são palpáveis, pois que tais delitos ocupam o primeiro lugar nos crimes registados, quatro a cinco vezes mais do que as ofensas voluntárias à integridade física.
II - Aos 24 anos de idade (22 à data do crime) o arguido já possui antecedentes criminais - condenação por roubo - o que significa uma não ocasionalidade, encaminhando-se para um percurso afastado do que se pressupõe num homem fiel ao direito, posto que oriundo de uma família de razoáveis recursos económicos, sendo que, embora dispondo de automóvel, veio a apropriar-se de uma outra viatura, mais potente, o que é revelador de uma insatisfação que se reflecte em bens que não são de primeira necessidade, revelando intensidade do dolo acima da média.
III - Se o recorrente não pode sair prejudicado do uso do seu direito ao silêncio, também não pode ser beneficiado porquanto uma confissão espontânea, acompanhada de sincero arrependimento, relevante para a diminuição da pena, fica obviamente arredada pelo direito ao silêncio.
IV - Mostra-se adequada, nestas circunstâncias, a pena de três anos e seis meses de prisão em que foi condenado pelo furto do automóvel.

24-10-2001
Proc. n.º 2762/01- 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Leal-Henriques
Borges de Pinho


Recurso penal
Conclusões da motivação
Recurso interlocutório

I - Por acatamento do disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP, vem o STJ entendendo ultimamente, no seguimento da doutrina defendida pelo Tribunal Constitucional, que, no caso de as conclusões da motivação não obedecerem ao prescrito nos n.ºs 1 e 2 do art. 412.º do CPP, deve-se convidar o recorrente a sanar tais faltas sob condição de, então, o recurso ser rejeitado.
II - Não se vê razão para que não se siga tal ponto de vista nos casos em que, apesar de não se mostrar cumprido expressamente o disposto no n.º 5 do art. 412.º do CPP, resulta claramente (da motivação do recurso da decisão final) que o recorrente tem interesse na análise do tema constante do recurso interlocutório, tendo-se o Tribunal Superior apercebido do mesmo.

24-10-2001
Proc. n.º 2380/01 - 3.ª Secção
Flores Ribeiro (relator)
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal-Henriques


Recurso penal
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
Competência da Relação
Matéria de facto
Matéria de direito

I - Na actual arquitectura dos recursos em processo penal a apreciação da matéria de facto comporta dois únicos graus de jurisprudência: um de mero conhecimento (o da instância de julgamento), outro de conhecimento e reexame (o da instância de recurso).
II - Atingido o 2.º grau de jurisdição (isto é, de conhecimento e reexame) ficam esgotados os meios de apreciação em matéria de facto legalmente previstos.
III - Actualmente o conhecimento em 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e em recursos interpostos de decisões tiradas pelos tribunais colectivos, cabe em exclusivo aos Tribunais da Relação (art. 428.º, n.º 1 e, a contrario, art. 432.º, al. d), ambos do CPP).
IV - É de rejeitar, nos termos do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 420.º, n.º 1 e 414.º, n.º 2, do CPP, o recurso sobre matéria de facto interposto para o STJ de acórdão proferido em sede de recurso pelo Tribunal da Relação.

24-10-2001
Proc. n.º 3033/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator) *
Borges de Pinho
Franco de Sá


Recurso penal
Conclusões da motivação
Homicídio qualificado
Especial censurabilidade
Perversidade
Meio particularmente perigoso
Medida da pena

I - No caso de incumprimento ou deficiente cumprimento dos ónus de especificação impostos aos recorrentes pelos n.ºs 2 e 3 do art. 412.º do CPP não se segue a imediata rejeição do recurso, devendo antes formular-se-lhes convite para satisfação de tais ónus, sob pena - então sim - da sua rejeição.
II - A técnica legislativa usada na arquitectura do art. 132.º do CP combina uma cláusula geral denunciadora de um tipo de culpa agravado e plasmada na utilização de conceitos indeterminados (especial censurabilidade ou perversidade do agente) com exemplos-padrão (indicadores ou sintomas exemplificativamente enumerados e susceptíveis de reflectirem a verificação dessa cláusula geral).
III - Assim, a cláusula geral tem por função delimitar e circunscrever a enumeração exemplificativa dos exemplos-padrão e estes preencher e concretizar aquela.
IV - Sendo de exigir, pois, essa combinação, resulta que, por um lado, a mera verificação de um exemplo-padrão não determina só por si a qualificação do crime, por se tornar indispensável que seja revelador de especial censurabilidade ou perversidade do agente; e, por outro, que é possível figurar um exemplo-padrão não contido na listagem do n.º 2 do art. 132.º do CP, desde que similar ou afim e se mostre igualmente denunciador do requisito inscrito na cláusula geral.
V - À falta de definição legal do que seja meio particularmente perigoso, deve entender-se por tal aquele que simultaneamente revele uma perigosidade muito superior à que normalmente anda associada aos meios comuns usados para matar e seja revelador de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
VI - Constitui meio particularmente perigoso o derrame de gasolina sobre o corpo da vítima, a quem de seguida se pegou fogo.
VII - A fixação de uma pena de 14 anos e 6 meses de prisão, como censura de um homicídio qualificado praticado através desse meio por um arguido que se apresenta exaltado e nervoso pela repetição do estado de embriaguez da vítima, sua mulher, e a quem prestou cuidados para evitar a sua morte, satisfaz o fim de prevenção geral positiva ou de integração, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e adequa-se à culpa do agente e às exigências de prevenção especial.

24-10-2001
Proc. n.º 2764/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator) *
Borges de Pinho
Franco de Sá
Armando Leandro


Recurso penal
Matéria de direito
Tribunal competente

Sendo a fixação da competência matéria de interesse de ordem pública, tal natureza subtrai-a à livre opção dos recorrentes.

24-10-2001
Proc. n.º 679/01 - 3.ª Secção
Franco de Sá (relator)
Armando Leandro
Borges de Pinho (tem voto de vencido)


Medida de segurança
Internamento de inimputável
Perdão

A medida de segurança de internamento não beneficia - nem poderia beneficiar, atenta a sua natureza - dos perdões das Leis 23/91, de 04-07 e 15/94, de 11-05.

24-10-2001
Proc. n.º 3548/01 - 3.ª Secção
Pires Salpico (relator)
Leal-Henriques
Borges de Pinho
Franco de Sá


Medida de segurança
Internamento de inimputável
Perdão

Atenta a natureza da medida de segurança de internamento - a qual surge como uma reacção jurídica à perigosidade do agente -, não lhe é aplicável o perdão de pena.

24-10-2001
Proc. n.º 3521/01 - 3.ª Secção
Flores Ribeiro (relator)
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal-Henriques


Tráfico de estupefacientes
Avultada compensação remuneratória
Matéria de direito
Matéria de facto
Prova
Co-autoria

I - As formulações "avultada compensação remuneratória", "avultados lucros" e "avultados proventos", apesar de aparecerem na matéria de facto provada, não integram questões de facto, mas sim questões de direito, seja para o problema da sua integração na decisão de facto como "questão-de-prova", seja para o problema da sua sindicância pelo Supremo Tribunal, como tribunal de revista.
II - Sendo assim, o conceito em causa necessita de individualização, concretização, através de elementos que determinem o que aparece na lei formulado indeterminadamente. Esses elementos têm de ser procurados na pura matéria de facto provada, nomeadamente na natureza do estupefaciente, na sua qualidade e na relação do arguido com ela, tudo em conexão com a notoriedade, como conhecimento geral, do valor daquela no mercado, especialmente na venda aos consumidores, e da própria diferença entre o valor de compra e de venda.
III - Para integração do conceito de "avultada compensação remuneratória" não é de exigir a prova do preço de compra e do preço de venda do estupefaciente, pois estar-se-ia a exigir um resultado probatório de muito difícil verificação, mormente nos casos em que nenhuma venda se levou a efeito.
IV - Deve ter-se ainda em conta a razão de ser da agravação da al. c) do art.º 24.º do DL 15/93, de 22-01, que, por certo, não visa directamente um problema patrimonial, antes pretende acautelar o bem jurídico tutelado por aquele diploma legal pela maior ilicitude documentada na maior quantidade de estupefaciente e, por consequência, na maior disseminação, na mais vasta distribuição pelos consumidores.
V - Sendo os dois arguidos co-autores do crime de tráfico de estupefacientes, comparticipam na ilicitude (arts. 28.º e 29.º, do CP), sendo irrelevante a repartição dos lucros entre os dois, para efeitos de integração das condutas na referida agravante da alínea c) do art.º 24.º, do DL 15/93, de 22-01.

24-10-2001
Proc. n.º 1578/01 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira (relator)
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Instrução
Decisão instrutória
Recurso penal
Constitucionalidade

I - É irrecorrível, por força do estatuído no n.º 1 do art. 310.º. do CPP, a decisão que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do MP, entendendo-se como tal, quer a acusação autónoma que tenha deduzido, quer aquela que se limita a acompanhar a acusação particular do assistente (cfr. Ac. TC n.º 30/01, de 30 de Janeiro).
II - Esta irrecorribilidade não viola os princípios constitucionais da igualdade e das garantias de defesa do arguido em processo penal (cfr. Acs. TC n.º 610/96, de 96.04.17, BMJ 456-158 e n.º 30/01, de 30 de Janeiro, DR n.º 70, IIS, de 23 de Março de 2001).
III - É recorrível, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, o despacho que indeferir a arguição da nulidade referida no art.º 309.º, do mesmo Código (pronúncia do arguido) por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução), o que pressupõe que, antes do recurso, a nulidade seja arguida dentro do prazo de 8 dias a contar da notificação da respectiva decisão, visto se tratar de uma mera nulidade relativa.

24-10-2001
Proc. n.º 2534/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator) *
Borges de Pinho
Franco de Sá


Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade
Atenuação especial da pena
Suspensão da execução da pena

I - No âmbito do tráfico de estupefacientes, há tráfico de menor gravidade, subsumível ao tipo do art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22-01, quando a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, em função dos meios utilizados (organização e logística demonstrados), da modalidade ou circunstâncias da acção (processo, modo e condições de actuação), da qualidade do produto envolvido (maior ou menor danosidade, aferida da sua inserção nas tabelas anexas àquele DL) e da quantidade do mesmo (a detida, no momento em que é detectado, bem como a que se provou tenha sido manipulada em qualquer das operações indicadas na lei como modos de actuação).
II - Provando-se que a arguida acordava com terceiros servir de depositária de produtos estupefacientes a troco de uma compensação diária de 20.000$00, e que se destinavam a ser lançados no mercado de consumo, prática que mantinha há pelo menos 6 meses, tendo sido encontrada com 56,430 g de cocaína e 164.118 g de heroína, a sua conduta integra um crime de tráfico p.p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, e não a infracção tipificada no art. 25.º do mesmo diploma.
III - Tendo a arguida confessado os factos, que se provou terem ocorrido no contexto de uma situação de grave carência económica (desempregada e sem meios de subsistência), mostrado arrependimento, sujeitando-se, com sucesso, a uma cura de desintoxicação do consumo de cocaína e heroína de que era dependente há anos e a necessitar de consolidação, e levando presentemente uma vida estável e sem comportamentos desviantes (está empregada e bem enquadrada socialmente através da Igreja Evangélica), justifica-se a atenuação especial da pena, por se afigurar desnecessária uma censura situada dentro da moldura penal correspondente ao crime (n.º 1, parte final, do art. 72.º do CP), cuidando-se apropriada uma pena de 3 anos de prisão.
IV - Neste contexto, e pelas razões enunciadas, a suspensão da execução da pena por um período de 5 anos, sujeita à disponibilidade para continuar a recuperação da toxicodependência que empreendeu, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

24-10-2001
Proc. n.º 2134/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator) *
Borges de Pinho
Franco de Sá
Armando Leandro


Habeas corpus
Recurso penal

I - O fim exclusivo e único do habeas corpus é o de remediar situações de privação ilegal da liberdade, não podendo a referida providência extraordinária ser usada para impugnar ou contestar outras irregularidades ou para aquilatar e sindicar, conhecendo, da bondade das decisões judiciais, substituindo-se aos recursos.
II - Para que o habeas corpus possa ter êxito não é suficiente a verificação de um qualquer dos fundamentos do art. 222.º do CPP, sendo ainda necessário que a privação da liberdade seja actual, isto é, que a pessoa se encontre ilegalmente detida à data da sua apreciação.

24-10-2001
Proc. n.º 3543/01 - 3.ª Secção
Borges de Pinho (relator)
Franco de Sá
Armando Leandro
Virgílio Oliveira


Tráfico de estupefacientes agravado
Tráfico de menor gravidade
Agravamento da censura

I - Provando-se a detenção, por conta de terceiro, dentro de um estabelecimento prisional, de 155 pacotes com o peso líquido de 6.420 g de cocaína e de um saco de plástico contendo 7,561 g do mesmo produto, e que se destinava a ser difundido no referido local, e não se verificando factores de diminuição considerável da ilicitude, há crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22-01, e não um crime de tráfico de menor gravidade contemplado no art. 25.º, do mesmo diploma legal.
II - Sendo a moldura penal correspondente ao crime de 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão, considera-se ajustada à sua culpa a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, tanto mais que não concorre qualquer circunstância atenuativa.

24-10-2001
Proc. n.º 2643/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques (relator) *
Virgílio Oliveira
Armando Leandro
Flores Ribeiro


Habeas corpus
Medida de segurança
Internamento de inimputável
Revisão da situação do inimputável internado

I - A providência de habeas corpus é aplicável, por analogia fundada, pelo menos, na identidade de razão (art. 4.º do CPP), aos casos de privação de liberdade resultante de aplicação de medida de internamento em estabelecimento psiquiátrico. Só assim se compatibilizam os mecanismos processuais penais com o espírito das normas constitucionais relativas às medidas de segurança e ao instituto do habeas corpus (arts. 29.º, 30.º e 31.º da CRP).
II - Por força do disposto no art. 2.º, n.º 4 do CP, o regime que concretamente se mostrar mais favorável é aplicável também aos casos de medida de segurança, conforme resulta, designadamente, do disposto no art. 29.º, n.º 4 da CRP, aliás de aplicação directa (art. 18.º, n.º 1 da CRP).
III - A falta de cumprimento da obrigação legal constante do art. 93.º, n.º 2 do CP - apesar da grande relevância da mesma no sistema penal de medidas de segurança aplicáveis a inimputáveis no quadro de legalidade do Estado de Direito Democrático - não pode levar a concluir imediatamente, no âmbito da providência de habeas corpus, que a limitação de liberdade decorrente do internamento se mantém para além do limite temporal fixado pela lei (art. 222.º, n.º 2, al. c) do CPP).
IV - No caso em que se verifica que não está excedido o período legal máximo de duração do internamento, o limite a considerar não é fixado em função do prazo para a revisão da situação do internado, mas da verificação da não persistência do pressuposto da perigosidade, a constar da decisão do Tribunal de Execução das Penas, ou da constatação, por este, da possibilidade de colocação em liberdade para prova em virtude de, mantendo-se embora o estado de perigosidade, ser possível alcançar em meio aberto a finalidade da medida.
V - Pelo que, não sendo viável concluir, neste momento, se se verifica alguma dessas situações que põem termo à limitação de liberdade resultante do internamento, não pode ainda proferir-se decisão, sendo de aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 223.º, n.º 4, al. b) do CPP, devendo o TEP, por intermédio do juiz do processo, ou, no seu impedimento, por qualquer outro que legalmente o substitua, providenciar imediatamente pela revisão da situação do internado, nos termos do disposto no art. 93.º do CP, comunicando-se de imediato a decisão ao STJ, a fim de poder decidir fundadamente a providência requerida.

30-10-2001
Proc. n.º 3676/01 - 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Habeas corpus
Medida de segurança
Internamento de inimputável
Perdão genérico

I - A providência de habeas corpus é aplicável, por analogia, fundada na identidade de razão com a situação de prisão ilegal, aos casos de medida de segurança decorrente da prática de facto ilícito típico, por inimputável, em virtude de existir perigosidade para os restantes membros da comunidade social com a sua permanência em meio livre, se for ilegal.
II - Ninguém pode permanecer num estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, por período ilimitado ou indefinido - n.º 1 do art. 30.º da CRP - devendo as regras fixadas na lei ordinária ser interpretadas de modo conforme com aquele preceito, salvo se manifestamente o contrariarem, caso em que seriam afastadas por inconstitucionalidade.
III - Para a hipótese de perigosidade baseada em anomalia psíquica e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, as medidas de segurança privativas de liberdade são prorrogáveis sucessivamente enquanto tal estado de perigosidade se mantiver "mas sempre mediante decisão judicial" - n.º 2 do art. 30.º referido.
IV - Não se mostrando excedido o período de internamento em face das decisões proferidas e tendo sido efectuada a avaliação da manutenção ou não da perigosidade, e não havendo decorrido o período intercalar que impõe a sua repetição, o pedido não tem fundamento.
V - O perdão genérico, assim como o indulto (diferentemente da amnistia), extinguem a pena, no todo ou em parte, mas não a medida de segurança - art. 128.º, n.º 2, do CPP.

30-10-2001
Proc. n.º 3671/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Leal-Henriques
Borges de Pinho
Franco de Sá


Roubo
Pistola de plástico

Uma pistola de plástico não se enquadra na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, para o efeito de qualificação do crime de roubo.

30-10-2001
Proc. n.º 2151/01
Flores Ribeiro (relator)
Lourenço Martins
Leal-Henriques
Pires Salpico


Recurso penal
Matéria de facto
Tribunal da Relação
Documentação de declarações orais
Registo da prova
Transcrição
Ónus
Princípio da livre apreciação da prova
Declarações de co-arguido
Princípio do contraditório
Declarações de arguido
Órgão de polícia criminal
Conversa informal
Duplo grau de jurisdição
Constitucionalidade
In dubio pro reo
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Continuidade da audiência
Adiamento
Associação criminosa
Natureza da infracção
Elementos da infracção
Reparação da vítima em casos especiais

I - No actual regime, é admissível recurso, para o Tribunal da Relação, da decisão proferida pelo tribunal colectivo sobre matéria de facto, com base na gravação das declarações prestadas oralmente em audiência.
II - Conforme jurisprudência hoje prevalecente no STJ, a transcrição das gravações de prova realizada em audiência cabe ao tribunal.
III - Não há obstáculo legal á valoração das declarações do co-arguido como meio de prova, em harmonia com os critérios que devem presidir à livre apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP, desde que garantido o necessário contraditório e que essa valoração tenha em conta os riscos de menor credibilidade que comportam essas declarações, pelas implicações resultantes da situação de imputação de responsabilidade criminal também ao declarante, circunstância a exigir prudência e o maior cuidado na procura de toda a "corroboração" possível. Para que as regras da experiência e a livre convicção do juiz se fundamentem em dados suficientemente seguros.
IV - O contraditório em processo penal é um princípio constitucional e legal incontornável, pelo que, não estatuindo a lei a inadmissibilidade das declarações do co-arguido como meio de prova, nada impede e antes se impõe se interprete, extensiva ou analógicamente, o art. 345.º, n.º 2, do CPP, no sentido de o defensor do arguido ter a possibilidade de formular, por intermédio do presidente do tribunal, perguntas ao co-arguido relativas a declarações desde que possam afectar o arguido que representa.
V - Entendimento contrário violaria gravemente o estatuto do arguido, que implica necessariamente o amplo contraditório dos factos que lhe são imputados, importando a inconstitucionalidade da norma interpretada nesse sentido, por violação do princípio do contraditório resultante do disposto no art. 32.º, n.º 5, da CRP.
VI - No caso dos autos, revelam eles essas cautelas determinadas pela posição especial do co-arguido, a envolver riscos de menor credibilidade, pois que o acórdão de 1.ª instância procedeu a uma pormenorizada fundamentação da decisão sobre os factos que considerou provados e não provados, através de uma análise explicativa do processo lógico-racional que conduziu à convicção do tribunal. Dessa fundamentação resulta que, embora as declarações do co-arguido tenham sido um elemento fundamental na prova de muitos dos factos provados, o tribunal teve a permanente preocupação de as confrontar com outros elementos de prova e as regras da experiência, com vista à sua corroboração, sendo de assinalar factos não considerados provados por falta de suficiente corroboração concretizadora dessas declarações.
VII - O princípio da legalidade do processo e o estatuto do arguido (cf., v.g., os arts. 2.º, 57.º e ss., 262.º e ss., 275.º, 355.º a 357.º, com especial destaque para o n.º 7 do art. 356.º e n.º 2 do art. 357.º, todas estas normas do CP) impedem que sejam consideradas como prova declarações do arguido, mesmo que sob a forma de conversas informais, a órgãos de polícia criminal encarregados de actos de investigação, quando essas declarações não forem reduzidas a auto.
VIII - Entendimento contrário implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes em auto cuja leitura não fosse permitida nos termos do art. 357.º, conjugado com os arts. 355.º e 356.º, n.º 7, do CPP, o que constituiria manifesta ofensa do fim prosseguido pela lei com estas disposições, revelado pelo seu espírito.
IX - A constitucionalidade do sistema processual penal de recursos em matéria de facto tem sido amplamente reconhecida (até mesmo no regime mais limitado da "revista alargada" antes das alterações introduzidas ao actual CPP pela Lei n.º 59/98, de 25/08), quer pelo TC, quer pelo STJ.
Não se vêem razões para modificar tal entendimento, que se partilha, tanto mais que, não impondo o art. 32.º, n.º 1, da CRP, necessária e sistematicamente, um duplo grau de jurisdição para reapreciação, em recurso, sem limite, da matéria de facto provada, o sistema decorrente das referidas alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, permite uma razoável possibilidade de recurso efectivo da decisão de matéria de facto.
X - O princípio in dubio pro reo é uma expressão, em matéria de prova, do princípio da presunção de inocência, por sua vez decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático.
XI - A aplicabilidade do princípio in dubio pro reo restringe-se à decisão da matéria de facto. Esta restrição - atendendo a que, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP e das nulidades referidas no n.º 3 do mesmo artigo e Código, o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do mencionado diploma) - implica que o STJ só possa reconhecer a violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente (actualmente por conhecimento oficioso) do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos temos da al. c) do citado n.º 2 do art. 410.º.
XII - A disposição normativa do n.º 6 do art. 328.º do CPP visa salvaguardar os benefícios da imediação e da oralidade na produção da prova, por forma a que esta seja o mais possível genuína e captada no contacto directo com o julgador em período de tempo precedendo a deliberação sobre a decisão de facto que não prejudique a impressividade de todos os elementos na sua memória, em ordem à correcta formação da sua convicção sobre os factos.
XIII - Tendo presente esta ratio, afigura-se que o período de tempo referido na norma deve ser considerado em relação ao momento em que a produção da prova é retomada e, depois, porventura ainda aos momentos em que é objecto de apreciação em alegações orais, em que são proporcionadas últimas declarações ao arguido e em que o tribunal delibera sobre os factos, ou seja, só até aos momentos processuais de encerramento da discussão (art. 361.º do CPP) e da deliberação e votação (art. 365.º do CPP).
XIV - A limitação decorrente da norma do art. 328.º, n.º 6, já não respeita ao eventual momento da abertura da audiência para a produção dos meios de prova necessários somente à questão da determinação da sanção (art. 369.º), no sistema de césure mitigada que o CPP parece consagrar. Nessa altura, já o tribunal considerou comprovados os elementos fácticos respeitantes à responsabilidade do arguido, às circunstâncias que graduam a sua culpa e às condições de punibilidade, estando só em causa as questões relativas à individualização da pena (espécie e medida), com a consideração de elementos de prova pertinentes a produzir nesse momento (arts. 369.º e 371.º).
XV - Menos ainda seria justificável, à luz da referida ratio do n.º 6 do art. 328.º, considerar perdida a eficácia da prova no caso de mediar mais de trinta dias entre o momento da deliberação sobre a decisão de facto e a prolação da sentença, ainda que de forma alguma deva diminuir-se o relevo dos esforços para a observância dos momentos de deliberação e de elaboração e leitura da sentença prescritos nos arts. 365.º, n.º 1, 372.º e 373.º, todos do CPP.
XVI - Tendo presente esta interpretação do invocado n.º 6 do art. 328.º, conclui-se que no caso concreto não foi violado este normativo, porquanto da interpretação das actas de audiência resulta que, quando do início da 2.ª sessão de audiência, 26 dias após a primeira, já se encerrara a discussão e deliberara sobre o resultado da produção da prova, daí derivando o cumprimento do disposto no art. 359.º do CPP relativamente a determinado facto considerado apurado em audiência, após o que teve lugar a observância do disposto no art. 369.º, do referido diploma.
XVII - São elementos do tipo objectivo do crime de associação criminosa, tal como resulta do art. 299.º do CP:
- Criação, por encontro de vontades de uma pluralidade de participantes, de uma associação, grupo ou organização, constituindo uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus membros singulares, ligados por um sentimento comum transcendendo cada um deles;
- Que a associação tenha uma certa duração implicando uma ideia de estabilidade e permanência;
- Que a associação tenha um mínimo de estrutura organizatória;
- Que a associação tenha como finalidade a prática de crimes, mesmo que porventura ainda não concretamente planeados, funcionalizando a esse seu escopo a sua estrutura organizatória;
- Que a actividade de cada um dos agentes constitua alguma das modalidades de acção susceptíveis de integrar os elementos do tipo objectivo anteriormente referidos, ou seja, a de promotor ou fundador da associação, de seu membro, apoiante, chefe ou dirigente.
XVIII - E do tipo subjectivo do mesmo crime:
- A representação pelo agente de todos os indicados elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito, incluindo naturalmente a representação do elemento normativo do tipo consistente na circunstância de a associação se destinar à prática de "crimes";
- O elemento volitivo do dolo, em qualquer das suas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual;
- A consciência da ilicitude, no sentido de uma consciência do ilícito da associação criminosa autónoma da consciência do ilícito dos factos que integram a referida finalidade (a prática de crimes) da associação;
XIX - Resultando do acervo factológico provado que:
- O arguido e dois co-arguidos, por acordo entre eles, constituíram entre si um grupo destinado à prática de assaltos em série a estabelecimentos, residências e outros locais, de onde pudessem retirar, deles se apropriando, grandes quantidades de objectos de valor, bem como à posterior venda desse objectos;
- Segundo esse acordo, o grupo seria, como foi, chefiado pelo arguido, constituindo este com os dois co-arguidos os "operacionais" do grupo;
- O arguido e os dois co-arguidos representaram e quiseram a constituição do grupo com a dita finalidade, com a consciência de que a referida participação e chefia do grupo eram essenciais àquela finalidade, agindo de forma deliberada, livre e consciente;
- Para a realização de alguns dos assaltos, o arguido recrutava, para colaborarem com o grupo, outros elementos (também co-arguidos);
- Estes co-arguidos participaram em alguns dos assaltos;
- O grupo reunia num estabelecimento do arguido e nessas reuniões eram "preparados" os assaltos;
- Aí se combinavam acções de reconhecimento prévio dos locais a assaltar e eram preparadas e distribuídas tarefas a realizar por cada elemento do grupo;
- Além disso, era feita a distribuição por cada elemento do grupo dos meios de comunicação e das armas a utilizar nos assaltos;
- A série de assaltos cometidos, em execução concreta da finalidade genérica definida pelo grupo, desenvolveu-se pelo menos de 16 de Janeiro de 1996 a fins de 1997;
destes factos resultam suficientemente integrados os descritos elementos dos tipos objectivo e subjectivo do crime de associação criminosa, sendo de concluir que o arguido, como membro e chefe ou dirigente do grupo, e os co-arguidos, como seus membros, são co-autores do referido ilícito, previsto no art. 299.º, n.ºs 1 e 2, do CP, sendo o arguido punível nos termos do n.º 3 desse artigo e os co-arguidos nos do seu n.º 2.
XX - Não existe impedimento legal a que a atribuição oficiosa pelo tribunal de uma quantia a título de reparação pelos danos sofridos, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A, do CPP, possa, eventual e excepcionalmente, coincidir com a totalidade da indemnização, desde que, no rigoroso e prudente critério do julgador, só esse total possa satisfazer as particulares exigências de protecção da vítima.

30-10-2001
Proc. n.º 2630/01- 3.ª Secção
Armando Leandro (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Lourenço Martins


Junção de documentos
Reenvio
Legitimidade
Interesse em agir
Alteração da qualificação jurídica
Alteração não substancial dos factos
Comunicação ao arguido
Agravantes

I - A audiência a que se reporta o art. 165º, n.º 1, do CPP, até cujo encerramento os documentos devem ser juntos, é a de discussão e julgamento em 1ª instância, o que não obsta à junção dos pareceres a que se refere o n.º 3 do mesmo preceito, para além daquele momento, por apenas poderem influenciar a decisão de questões de direito.
II - Se a Relação determinou o reenvio do processo e a recorrente formula o mesmo pedido no STJ, carece de legitimidade para recorrer e de interesse em agir, - art. 401º, 1, al. b) e n.º 2, do CPP -, pelo que não se deve conhecer do recurso.
III - A simples alteração da qualificação jurídica dos "factos descritos na acusação ou na pronúncia" é equiparada, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 358º do mesmo diploma, à alteração não substancial.
IV - Recente jurisprudência do STJ tem entendido que no caso de condenação por crime diverso, mesmo de menor gravidade, há que cumprir a comunicação ao arguido nos termos do artigo 358º, n.º 1, do CPP, pois que este deve ser defendido de mudanças-surpresa, sendo ou podendo ser diferente a estratégia de defesa no que concerne a infracções tipificadas diferentemente.
V - Assim, a convolação da incriminação por associação criminosa para a agravante de bando - al. j) do art. 24º do DL n.º 15/93, de 22-01 - quer a convolação da agravante da alínea b) - "as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas" - para a da alínea c) do mesmo artigo - "o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória" - consubstanciam alterações de qualificação jurídica que implicam a necessidade de alegações distintas no caso de se impugnar um ou outro desses enquadramentos.
VI - Na medida final da pena, e não intervindo outros factores, não podem ser condenados da mesma maneira arguidos que praticam factos que integram uma agravante (qualificativa) e outros que praticam factos que integram duas ou mais dessas agravantes.

30-10-2001
Proc. n.º 1645/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins (relator) *
Pires Salpico
Leal-Henriques
Borges de Pinho


Habeas corpus
Internamento de inimputável
Revisão da situação do inimputável internado

I - A falta de revisão da situação do internado no prazo a que se refere o art.º 93.º, n.º 2, do CP, podendo dar origem a responsabilidade disciplinar, não conduz à libertação do internado em estado de perigosidade, sob pena de se subverter a essência do instituto, que existe e está estruturado para salvaguarda não só da sociedade mas também do próprio internado.
II - É preciso nunca perder de vista que a decisão que tenha por objecto uma eventual prorrogação do internamento nunca atinge força constitutiva, sendo aquela da competência do TEP, por implicar a emissão de um juízo de prognose sobre a perigosidade do internado.

30-10-2001
Proc. n.º 3672/01 - 3.ª Secção
Franco de Sá (relator)
Virgílio Oliveira
Flores Ribeiro
Armando Leandro (tem voto de vencido)


 

5ª Secção

 

Qualificação jurídica
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Princípio do contraditório
Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade
Avultada compensação remuneratória
Valor consideravelmente elevado
Agente da autoridade
Guarda Nacional Republicana

I - No que respeita à qualificação jurídica, o entendimento do colectivo não vincula o Supremo Tribunal de Justiça que, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus tem, como tribunal de revista que é, plena liberdade de julgar de direito, ou seja, de qualificar juridicamente os factos, mesmo divergindo da qualificação operada no tribunal a quo e ainda que tal qualificação não venha directamente posta em causa no recurso.
II - Aquela liberdade de qualificação jurídica tem lugar, sem necessidade de observância de quaisquer formalidades adicionais (art.º 358.º n.º 3, do CPP), se se tratar, a final, de repor uma qualificação já objecto do direito de contraditório do recorrente, por ter sido a perfilhada no despacho de pronúncia.
III - O qualificativo típico "avultada compensação remuneratória" - art.º 24.º al. c) do DL 15/93, de 22-01 - não se submete às regras de cariz mais ou menos aritmético seguidas no art.º 202.º do CP/95 para definição do conceito de "valor consideravelmente elevado". Na verdade, a diferente natureza dos bens jurídicos em presença - num caso, grosso modo a defesa de valores patrimoniais, no outro, genericamente a saúde pública - aponta para caminhos distintos.
IV - Tratando-se de um agente da GNR em efectividade de serviço, é seu dever funcional - como o é de qualquer autoridade policial - a prevenção e repressão do tráfico de drogas, como lhe é imposto, desde logo, pelo art.º 242.º, n.° l, a), do CPP, sem esquecer também as obrigações emergentes do respectivo Estatuto - artigo 2.º, maxime c) e d) do DL n.° 231/93, de 26-06.
V - A agravante da alínea d) do art.º 24.º do DL 15/93, de 22-01, não exige que os factos delituosos sejam cometidos no exercício da profissão; basta que o agente possua essa profissão.
VI - Concluindo o Supremo Tribunal que o crime cometido pelo arguido foi, não o de tráfico simples do art.º 21.º, mas antes o de tráfico agravado - als. c) e d) do art.º 24.º, do citado DL 15/93 - prejudicada fica a pretensão do recorrente quando almeja ver a sua conduta tipificada pela moldura mais branda prevista para o tráfico de menor gravidade, do art.º 25.º, do mesmo diploma.

04-10-2001
Proc. n.º 1091/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Perdão de pena
Prisão subsidiária

I - A prisão que deva decorrer da conversão da multa não é uma alternativa a esta mas sim e antes um meio subsidiário que apenas ganha razão de ser, esgotadas ou exauridas todas as formas normativamente previstas de pagamento ou de cumprimento daquela multa.
II - Sendo certo que a Lei n.º 29/99, de 12-05, não consente dúvida quanto a saber se o perdão de pena deve incidir também sobre a prisão subsidiária, vista a previsão do n.º 3 do seu art. 1.º - com o senão do emprego do vocábulo "em alternativa", desactualizado ante o Código Penal revisto, já então vigente - mas sendo também seguro que aquele dispositivo só pode assumir expressão prática definitiva após esgotados todos os esquemas consignados no art. 49.º do CP, visando retardar o desenlace extremo da prisão subsidiária, tem-se por evidente que a aplicação do referido perdão apenas ganhará razão de ser quando (e se) tornada inevitável tal prisão subsidiária.

04-10-2201
Proc. n.º 1579/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso penal
Parecer do Ministério Público
Irregularidade

I - A circunstância de o parecer do Ministério Público sobre o recurso não ter sido notificado ao recorrente, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 417.º, do CPP, não consubstancia qualquer nulidade.
II - No caso dos autos, se, na verdade, foi afectado o direito de contraditório e defesa do recorrente, a legalidade, em nome de elementares princípios de economia e celeridade, poderia e deveria ter sido reposta muito antes de o processo subir ao STJ e pelo próprio tribunal que a violou (o tribunal da Relação). Bastava que o recorrente, munido da normal diligência de quem acompanha um processo judicial, tivesse alertado o tribunal a quo, no prazo previsto no art. 123.º, do CPP.

04-10-2001
Proc. n.º 2242/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Hugo Lopes
Abranches Martins


Cúmulo jurídico de penas
Perdão

I - Havendo crimes punidos com penas passíveis de perdão concorrendo com crimes cujo sancionamento a lei o não admita, importa realizar, primeiramente, o cúmulo jurídico das penas relativas àqueles primeiros crimes, fazendo-se depois incidir, sobre tal cúmulo, o perdão admissível (de acordo com a regra geral inserta no n.º 4 do art.º 1.º da Lei 29/99, de 12-05) e só após isso, sobrando remanescente, proceder então ao cúmulo jurídico deste remanescente com a pena ou penas que não beneficiem de perdão, cúmulo esse a obedecer, consoante os casos, aos ditames dos arts. 77.º, n.ºs 1 e 2 e 78.º, n.º 2, do CP.
II - Havendo uma só pena perdoável, aplicar-se-á directamente a esta o respectivo perdão (art.º 1.º, n.º 1, da Lei 29/99). Se houver remanescente, cumular-se-á o mesmo com a ou as demais penas imperdoáveis, observando-se as normas atrás citadas do CP.
III - O cúmulo jurídico aludido (e a pena única dele emergente) pode eventualmente ter de vir a ser reformulado, caso tenha que ser cumprida a pena perdoada, quer por via da insatisfação da condição resolutiva do art.º 4.º, quer por força do não preenchimento da do art.º 5.º, ambos da referida Lei 29/99.

04-10-2001
Proc. n.º 1805/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso de acórdão da Relação
Pedido cível

I - O recurso da decisão referente ao pedido cível está não só condicionado pelo valor do mesmo e pelo valor da sucumbência, mas também pela sua admissibilidade, nos termos gerais estabelecidos nos arts. 427.º e 432.º, do CPP. É o que se alcança da ressalva contida na parte inicial do n.º 2 do art. 400.º do referido diploma.
II - Logo, das decisões finais proferidas em recurso pela Relação, sobre matéria cível, só cabe recurso para o STJ se o mesmo for admissível quanto à matéria penal, nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1, do CPP, por remissão do art. 432.º, al. b), do mesmo Código.
III - De resto, face ao princípio da adesão obrigatória do pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, ao respectivo processo penal, consagrado no art. 71.º, do CPP, seria ilógico e incongruente que fosse admissível recurso quanto à matéria cível quando o não fosse quanto à matéria penal.

04-10-2001
Proc. n.º 2262/01 - 5.ª Secção
Abranches Martins (relator)
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Cúmulo jurídico de penas
Fundamentação da sentença

Não cumpre com as exigências legais impostas pelo art. 374.º do CPP, o acórdão do tribunal colectivo, que para fundamentar a pena unitária que em cúmulo jurídico aplicou ao arguido, o faz pela forma seguinte:
"Para a determinação da medida da pena unitária atender-se-á aos factos no seu conjunto, designadamente, número de crimes cometidos, sendo de salientar entre eles que cinco são de emissão de cheque sem provisão, três crimes são de burla e dois crimes de falsas declarações, a sua prática ocorreu entre Agosto de 1990 e Setembro de 1994, ocorrendo na sua maioria nos anos de 1991 e 1992. Há ainda que atender à personalidade do arguido, sendo de salientar que na maioria dos casos confessou os factos, assumindo assim a sua responsabilidade."

04-10-2001
Proc. n.º 1644/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves
Carmona da Mota (tem declaração de voto)


Recurso de acórdão da Relação
Pedido cível

I - Para o efeito da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelas Relações, em recurso, haverá que ter em conta, ex vi do art. 432.º, al. b), do CPP, o disposto no art. 400.º, n.º 1, do mesmo diploma.
II - Tendo o arguido sido acusado da prática de um crime de ofensas corporais por negligência p. e p. no art. 148.º, n.º 1, do CP, que entretanto foi amnistiado, e prosseguindo os autos para apreciação do pedido de indemnização cível apresentado, não é admissível recurso para o STJ da decisão da Relação que haja rejeitado o correspectivo recurso, por intempestivo, já que à infracção é aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP).

04-10-2001
Proc. n.º 2356/01 - 5.ª Secção
Abranches Martins (relator)
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Cheque sem provisão
Conflito de competência

I - É competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão, o tribunal de comarca onde se situa o estabelecimento da instituição de crédito em que o cheque foi inicialmente entregue para pagamento.
II - Não tendo havido instrução, para efeitos de competência territorial, há que atender aos factos descritos na acusação e não a outros que lhe sejam completamente estranhos, designadamente, os decorrentes de um pedido de informação da sede do banco onde o cheque foi apresentado, solicitada pelo juiz do processo na fase processual do art. 311.º do CPP.
III - Referindo pois a acusação, que o cheque controvertido no processo foi apresentado a pagamento num balcão de Faro de um determinado banco, é o tribunal de Faro o competente para o conhecimento da respectiva infracção.

04-10-2001
Proc. n.º 2541/01 - 5.ª Secção
Abranches Martins (relator)
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Homicídio qualificado
Motivo fútil

I - Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo "frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida", o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.
II - Sendo certo que a aludida desproporcionalidade ocorrerá sempre, com maior ou menor relevo, entre um homicídio e a razão que o haja motivado, qualquer que ela seja, alguma coisa mais deverá acrescer, em ordem a avivar a dita desproporcionalidade, e esse aditável algo terá que ver com índices subjectivos expressos ou inferíveis do conjunto da factualidade apurada ou detectáveis na sua antecedência psicológica, e que, por sua insignificância patente ou por sua evidente frivolidade, incompatíveis se mostram e inconciliáveis se alcancem com a actuação homicida.
III - O vector fulcral que identifica o "motivo fútil" não é pois tanto o que passe por dizer-se que, sendo ele de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva.
IV - Resultando apurado em julgamento:
- que a vítima visitava regularmente a residência do arguido, conhecendo-se há mais de dois anos, tendo já trabalhado juntos;
- que no dia em que ocorreram os factos, dirigiu-se àquela residência pelas 10 horas, encontrando-se nela, para além do arguido, duas outras pessoa, que ali tinham pernoitado;
- que pelas 13 horas, após uma troca de palavras, a vítima e o arguido travaram-se de razões e iniciaram uma acesa discussão sobre quem era a pessoa "que mandava naquela casa";
- que a certa altura, o arguido levantou-se do sofá (onde se encontrava sentado), tendo-lhe a vítima, de imediato, dado um empurrão, que o fez sentar novamente;
- que em acto contínuo, o arguido empunhou uma faca de cozinha com o comprimento total de 24 cm e 12 cm de lâmina, e tendo-se levantado outra vez do sofá, rápida e inesperadamente, quando se encontrava junto da vítima, desferiu-lhe uma forte e profunda facada na parte esquerda do peito atingindo-o de forma letal,
haverá que concluir, que a acção homicida perpetrada teve a determiná-la motivo fútil.

04-10-2001
Proc. n.º 1675/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Carmona da Mota
Pereira madeira
Dinis Alves


Perdão
Omissão de pronúncia
Nulidade de sentença

I - O perdão concedido pela Lei 29/99, de 12/05, mostra-se condicionado não só pela condição resolutiva constante do respectivo art. 4.º (não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes), mas também, havendo condenação em indemnização, da condição de reparação do lesado, prevista no art. 5.º daquele diploma.
II - No caso concreto, pese embora apenas alguns dos crimes beneficiarem de perdão, não tendo o acórdão recorrido determinado que o perdão de pena, que aplicou, fosse adjuvantemente condicionado nos termos do n.º 1, do art.º 5, nem ordenado, em sequência, a notificação a que se refere o respectivo n.º 2, ficou a padecer, nesta vertente, da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, por ter omitido pronúncia sobre questão que deveria ter apreciado.

04-10-2001
Proc. n.º 961/99 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Abranches Martins
Hugo Lopes


Habeas corpus
Internamento de inimputável
Revisão da situação do inimputável internado

I - A decisão sobre a manutenção do internamento é de natureza meramente declarativa e não constitutiva.
II - Só o excesso do prazo máximo do internamento pode conduzir, em princípio, à libertação do internado, ao abrigo do disposto no art. 92.º, n.º 2, do CP.

04-10-2001
Proc. n.º 2823/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves
Carmona da Mota


Prisão preventiva
Prazo
Suspensão
Interrupção

I - Tendo em conta a transparente teleologia do art. 216.º do CPP, ressaltam de imediato à vista duas conclusões: a primeira, é a de que, taxativas ou não, as causas de suspensão dos prazos de duração máxima da prisão preventiva têm, também elas, carácter excepcional; a segunda, é a de que, em qualquer dos casos, a suspensão não é automática, já que se prende sempre, como não podia deixar de ser, com as dificuldades acrescidas que, para a instrução do processo, a ocorrência das faladas circunstâncias possa acarretar.
II - Tendo carácter excepcional, em princípio, o preceito não pode ser objecto de aplicação analógica, posto que comporte aplicação extensiva (art. 11.º do Código Civil), havendo no entanto que evitar aqui, que mediante uma interpretação excessivamente lata das disposições excepcionais, ou mediante a sua aplicação analógica, o propósito de regulação do legislador se transmude, afinal, no seu contrário, ou que tal entendimento implique que "não se deva ser exigente na delimitação do âmbito analógico (...) para que a pretexto de uma analogia legítima se não subvertam os princípios ou regimes jurídicos excepcionados", maxime, estando nós num domínio em que a regra é a liberdade e a prisão preventiva a excepção.
III - Assim, o cumprimento de uma pena intercalar de prisão, não pode, nem deve, sem mais, ser incluído, por extensão, no elenco das causas de suspensão do prazo de duração máxima da prisão preventiva, já que com elas pouco ou nada tem de comum, tratando-se antes de verdadeira interrupção entre as datas de início e termo do respectivo cumprimento.

04-10-2001
Proc. n.º 3276/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade

I - O crime de tráfico de menor gravidade é uma forma privilegiada dos crimes dos arts. 21.° - tráfico e outras actividades ilícitas - e 22.º - precursores - do DL 15/93, de 22/01, sendo o seu pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude do facto, "tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações."
II - Provando-se que o recorrente quando se encontrava numa rua da cidade de Coimbra, ao aperceber-se da aproximação de agentes da PSP e da iminência da sua intercepção, lançou ao chão uma bolsa em pele que trazia consigo, a qual, imediatamente recuperada pelos agentes policiais, revelou conter no seu interior um pedaço de saco de plástico, com doze pacotes de diferentes tamanhos, com heroína, com o peso global bruto de 16,36 gramas, conhecendo aquele perfeitamente a natureza e características da substância que detinha, e que lhe era vedado, por lei, a sua transacção e detenção, não é possível, a partir destes factos, concluir pela verificação de um juízo de considerável diminuição da respectiva ilicitude.

04-10-2001
Proc. n.º 1792/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves


Recurso penal
Rejeição de recurso
Manifesta improcedência
Cúmulo jurídico de penas

I - No silêncio da lei deve considerar-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, v. g., quando o recorrente pede a diminuição da pena "atendendo ao valor das atenuantes" e não vem provada nenhuma circunstância atenuante; quando é pedida a produção de um efeito não permitido pela lei; quando toda a argumentação deduzida assenta num patente erro de qualificação jurídica; ou quando se pugna no recurso por uma solução contra jurisprudência fixada ou pacífica e uniforme do STJ e o recorrente não adianta nenhum argumento novo.
II - Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do corrente, à letra da lei e às posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.
III - Resulta directa e claramente dos art.ºs 77.° e 78.° do C. Penal de 1995 que, para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito.
IV - O trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.
V - É manifestamente improcedente o recurso em que se sustenta a realização de cúmulo jurídico que englobe factos praticados quando já transitado em julgado a condenação em causa.

11-10-2001
Proc. n.º 1934/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes


Fixação de jurisprudência
Fundamentos
Oposição de julgados

I - Nos termos da jurisprudência fixada no STJ (Ac. de 30.03.00, DR série I-A de 25.05.00) é de exigir, logo no requerimento de interposição do recurso, a indicação do sentido em que deve ser fixada a jurisprudência.
II - Se o recorrente se limita, no petitório final, a pedir a fixação de jurisprudência sobre determinada questão de direito que enuncia, é de rejeitar o recurso.
III - O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do STJ, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;
- que as decisões em oposição sejam expressas;
- que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos;
IV - Se a situação fáctica é a mesma em ambos os acórdãos, não só no sentido de "idêntica", mas também a mesma no sentido histórico, por se tratar do mesmo complexo naturalístico de factos, não se verifica aquela identidade se são diferentes os respectivos enquadramentos jurídicos, surgindo num dos acórdãos o diverso entendimento sobre a mesma questão, não como decisão, mas sim como fundamento.

11-10-2001
Proc. n.º 2236/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes


Recurso penal
Rejeição de recurso
Manifesta improcedência
Suspensão da execução da pena
Consumo de estupefacientes
Descriminalização

I - No silêncio da lei deve considerar-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, v. g., quando o recorrente pede a diminuição da pena "atendendo ao valor das atenuantes" e não vem provada nenhuma circunstância atenuante; quando é pedida a produção de um efeito não permitido pela lei; quando toda a argumentação deduzida assenta num patente erro de qualificação jurídica; ou quando se pugna no recurso por uma solução contra jurisprudência fixada ou pacífica e uniforme do STJ e o recorrente não adianta nenhum argumento novo.
II - O recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do corrente, à letra da lei e às posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.
III - Tendo o arguido sido condenado anteriormente em 3 penas com execução suspensa, em 16.04.99 (furto qualificado), em 10.09.99 (condução sem carta), e em 17.02.2000 (ofensas à integridade física qualificada), e não tendo assumido os factos praticados, não merece censura a decisão do Tribunal a quo de que não pode afirmar-se a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, expressando a convicção de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
IV - Com efeito, só se deve decretar a suspensão da execução quando se concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
V - Como resulta da disciplina da rejeição do recurso por manifesta improcedência, este juízo parte de um conhecimento do mérito, simplificado quanto ao grau da discussão (sem alegações escritas ou orais, mas com exigência de unanimidade de votos), pelo que pode e deve ter lugar alteração oficiosa, como é caso da ponderação das consequências da entrada em vigor da Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, que veio definir um novo regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, descriminalizando essas condutas e revogando o art. 40.º, excepto quanto ao cultivo, e o art. 41.º do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
VI - De acordo com n.° 2 do art. 2.º do CP, a descriminalização terá de ser tida em conta em relação a condutas anteriores, e não poderão ser essas condutas penalizadas à luz do novo diploma, neste momento e por este Supremo Tribunal de Justiça, toda a vez que na nova lei é estabelecido um complexo sistema para conduzir a essa punição e que não foi ainda desencadeado.

11-10-2001
Proc. n.º 2442/01 - 5. ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes


Tribunal colectivo
Decisão final
Recurso da matéria de facto
Competência da Relação
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça

I - Se o recorrente impugna irrestritamente a matéria de facto fixada pela decisão do Tribunal Colectivo, oferecendo uma versão totalmente diversa, que pretende ver consagrada, e que conduz à sua absolvição, o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
II - Se o faz, com todo o respeito pelas regras de direito aplicável, se cumpriu os ditames estabelecidos, a propósito, na lei de processo, se procede a sua pretensão, ou se improcede, ou se manifestamente improcede, são questões que dependem desse conhecimento, mas cuja decisão não pode ser antecipada, pela Relação, para concluir pela sua falta de competência.
III - Como dizer-se, como o faz a Relação, que "não pode reconhecer-se que esteja validamente invocado o vício previsto no artigo 410.º, 2, b), CPP (que manifestamente inexiste) pois não basta afirmar-se a sua existência (...) - sendo indispensável um mínimo de estruturação na alegação respectiva, que não ocorre no caso vertente" é matéria do conhecimento do mérito de tal alegação não cabendo na apreciação da questão prévia da competência.
IV - Visando o recurso, movido de acórdão final proferido por tribunal colectivo, matéria de facto (face ao princípio da livre apreciação da prova e com invocação do vício da al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP) e matéria de direito, cabe o seu julgamento, nos temos dos art.ºs 427.º e 428.º do CPP, ao Tribunal da Relação.

11-10-2001
Proc. n.º 2372/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins (tem declaração de voto)
Hugo Lopes


Suspensão da execução da pena
Fundamentação da sentença

I - O tribunal não tem que se pronunciar sobre as razões da não decretação da suspensão da execução da pena, pois o art. 50.º do CP, não impõe tal pronúncia; como aliás não o impõem os art.ºs 374.º e 375.º do CPP.
II - O n.º 4 daquele art. 50.º exige, apenas, a especificação dos fundamentos da suspensão e das suas condições.
III - No caso dos autos, se é certo que o recorrente beneficia de algumas circunstâncias atenuantes, como a confissão e a vida estável, estas têm pouco valor perante o peso das circunstâncias agravantes, nomeadamente, a decorrente dos seus antecedentes criminais, donde constam crimes de idêntica e superior gravidade aos apurados no processo (para além do cumprimento de uma severa pena de 11 anos e 6 meses de prisão), pelo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e como tal, a suspensão da execução da pena não é de decretar.

11-10-2001
Proc. n.º 2761/01 - 5.ª Secção
Abranches Martins (relator)
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Recurso penal
Tribunal colectivo
Decisão final
Vícios da sentença
Insuficiência da matéria de facto provada
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Competência da Relação

I - Quando com o recurso interposto de decisão final de Tribunal Colectivo, se intenta que Tribunal Superior reexamine a decisão impugnada em matéria que se situa no âmbito factual, o seu conhecimento cabe ao Tribunal da Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
II - Se num recurso de uma decisão final de tribunal colectivo se refere a errada apreciação da prova e a insuficiência da matéria de facto para a decisão, está-se a invocar os vícios das al.s a) e c) do n.° 1 do art. 410.º do CPP, visando uma impugnação da matéria de facto.
III - Dessa posição decorre que não se está perante um recurso exclusivamente de direito (art. 432.º, al. d), do CPP), cujo conhecimento caiba ao Supremo Tribunal de Justiça, conhecimento que cabe sim à Relação - art.ºs 427.° e 428.° do CPP, a quem compete conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo em que se invoca qualquer dos vícios previstos no art. 410.º daquele diploma.
IV - A norma do corpo do art. 434.° do CPP, só fixa os poderes de cognição do Supremo Tribunal em relação às decisões objecto de recurso referidas nas alíneas a), b) e c) do art. 432.º, e não também às da alínea d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
V - Assim, o recurso que verse (ou verse também) matéria de facto, designadamente os vícios referidos do art. 410.º, terá sempre de ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e outro, sem prejuízo de o Supremo poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios como condição do conhecimento de direito.
VI - Não se verifica contradição entre esta posição e a possibilidade que assiste ao STJ de conhecer oficiosamente dos falados vícios. Enquanto a invocação expressa dos apontados vícios da matéria de facto visa sempre a reavaliação da matéria de facto que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado. O conhecimento oficioso pelo STJ é imposto pela sua natureza de tribunal de revista, que se vê privado de matéria de facto adequadamente provada e suficiente para constituir a necessária base de aplicação do direito. Um remédio, que, ao contrário do que em regra sucede na Relação, terá ser solicitado a quem de direito (art. 426.°, n.° 1, do CPP).

11-01-2001
Proc. n.º 1952/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins (tem declaração de voto)
Hugo Lopes


Trânsito em julgado
Arguição de nulidades
Recurso para o Tribunal Constitucional

Se um acórdão penal não admite recurso ordinário só há que respeitar o prazo de 10 dias para arguição de nulidades (art. 105.º, n.° 1, do CPP), ou para interpor recurso para o Tribunal Constitucional (art. 75.º da LOFTC), para que ocorra o trânsito em julgado.

11-10-2001
Proc. n.º 1547/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins (com declaração de voto)
Hugo Lopes


Roubo
Arma
Furto qualificado

I - Uma pistola de alarme não integra o conceito de arma para os fins agravativos do art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP.
II - Resultando da matéria de facto, que o dinheiro subtraído se encontrava "dentro" da caixa registadora, não opera a circunstância agravativa decorrente da al. e), do n.º 1, do art. 204.º do CP - a qual pressupõe a necessidade de vencer a resistência de uma fechadura ou outro dispositivo de segurança - o que no caso não sucedeu, já que aquela se encontrava em funcionamento, podendo qualquer pessoa abri-la, premindo a respectiva tecla.

11-10-2001
Proc. n.º 2055/01 - 5.ª Secção
Dinis Alves (relator)
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
Recurso de acórdão da Relação
Pedido cível

I - Em processo penal onde ocorra o desencadeamento do princípio da adesão, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de parcela cível de decisão proferida pela Relação se, da parcela criminal, esse recurso for admissível.
II - Assim, estando imputado ao arguido a prática de uma contra-ordenação ao art. 38.º do Código da Estrada e um crime de ofensa à integridade física p. e p. no art. 148.º, n.º 1, do CP (punível com prisão até um ano ou multa até 120 dias), declarado extinto por efeito da Lei 29/99, de 12 Maio, o respectivo procedimento, e prosseguindo os autos para conhecimento das facetas cíveis do pleito, é irrecorrível para o STJ, o acórdão da Relação proferido em recurso sobre a decisão de 1ª Instância, ex vi do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, seja quanto ao que nele se decidiu de fundo, seja quanto ao que por ele se entendeu rejeitar.

11-10-2001
Proc. n.º 1935/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota (com declaração de voto)


Fixação de jurisprudência
Pressupostos

I - A expressão "soluções opostas" usada no n.º 1 do art.º 437 do CPP, não pode deixar de significar e de pressupor que, nos acórdãos confrontados (recorrido e fundamento) a situação de facto deva ser idêntica, que, em ambos, tenha havido expressa resolução de direito e que a oposição entre eles detectada respeite às próprias decisões e não apenas aos seus fundamentos, o que impõe a necessidade de se verificar não só a oposição entre as razões de direito que apoiaram uma e outra, como também, a identidade dos factos contemplados nessas duas decisões.
II - Reconduzindo-se a matéria do acórdão fundamento, em exclusivo, à questão de saber se é ao tribunal através do funcionário de justiça que incumbe a transcrição das declarações e depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento com juiz singular (decidida afirmativamente), quando no acórdão recorrido não se faz directa ou indirectamente menção de tal problemática, não se pode, pois, falar de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.

11-10-2001
Proc. n.º 1168/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota


Medida da pena
Delinquente idoso

Se em relação ao jovem delinquente é concedível o benefício da expectativa na sua reconversão social (v.g., regime penal especial do DL 401/82, de 23/09), ao delinquente idoso não deve ser recusado o beneplácito de uma específica compreensão, sempre que possível, compreensão essa que plenamente se alicerça no suporte de uma menor acuidade da prevenção geral; por outras palavras, deve sempre ser adjudicado ao delinquente idoso um juízo de censura especialmente adequado e tradutor daquela compreensão, o que, está bem de ver, não sinonimiza contemporização para os crimes por ele cometidos.

11-10-2001
Proc. n.º 1925/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
Recurso de acórdão da Relação
Despacho de não pronúncia

I - A decisão de não pronúncia por insuficiente indiciação dos factos acusados constitui decisão absolutória (ainda que formal: absolvição da instância), do mesmo modo que, pondo formalmente "termo ao processo", não põe materialmente "termo à causa" (ante a admissibilidade legal da reabertura do processo "se surgirem novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos da decisão de não pronúncia).
II - É, pois, irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação que, em recurso, a confirmar (art. 400.º, n.º 1, als. d) e c), do CPP).

11-10-2001
Proc. n.º 1932/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos


Recurso de revisão
Cheque post-datado

I - "Dada a exigência típica, constante do n.° 3 do artigo 11.º [do DL 454/91, de 28/12, na versão do DL 316/97 de 19-11], de que a data da emissão não seja posterior à data da entrega ao tomador, resulta que ficaram retroactivamente despenalizadas todos as emissões e endossos de cheque sem provisão (ou equivalente) cuja data inserida no cheque (data da emissão) tenha sido posterior à data da entrega do cheque pelo sacador ao tomador" (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO).
II - "Não tendo sido feita no processo, a prova (positiva) de que a data da emissão não foi posterior à data da entrega pelo emitente ao tomador, o mínimo jurídico-penal e jurídico-constitucionalmente imposto, é a urgente reapreciação ou revisão do processo" (ibidem).
III - É admissível a revisão de sentença transitada em julgado "quando (...) se descobrirem (novos) factos que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" (art. 449.º, n.º 1, al. d9, do CPP. Só que essa "justiça da condenação" terá que ser aferida não apenas na perspectiva penal que se impusesse à data da condenação como também na óptica criminal que, durante a execução, se venha eventualmente a impor (nomeadamente em consequência de alteração legislativa pro reo).
III - Assim, a pré-datação de um cheque deve ser havida - para o efeito do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP (revisão de sentença) - como "facto novo", "senão na dimensão naturalística, ao menos na dimensão normativa, relevante em domínios respeitantes ao objecto do processo" (STJ 5Abr01, revisão 274/01-5).

11-10-2001
Proc. n.º 2440/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos
Abranches Martins


Fixação de jurisprudência
Interesse em agir

I - Não basta ter legitimidade para se recorrer de uma decisão; necessário se torna, ainda, possuir interesse em agir.
II - Tendo a Relação julgado improcedente um recurso ordinário, por um lado, por falta de transcrição das declarações orais produzidas em audiência e, por outro, por falta de especificação dos elementos de prova, carece de interesse em agir o recorrente que interponha recurso extraordinário para fixação de jurisprudência relativamente, apenas, ao efeito da falta de transcrição (imediata rejeição do recurso ou prévio convite ao suprimento). Pois que, mesmo a proceder o recurso extraordinário, se manteria intocada, quanto ao outro fundamento, a decisão da Relação no recurso ordinário.
III - Com efeito, o recorrente só gozaria, no caso, de "interesse em agir" se, na hipótese de o recurso (de uniformização) lhe vir a ser favorável a respectiva decisão viesse a ser susceptível de se repercutir, conduzindo à sua revisão, na decisão recorrida (art. 445.º, n.ºs 1 e 2 do CPP). Porém, no caso, esta - quanto ao efeito (não posto em causa no recurso extraordinário) da "falta de especificação dos elementos de prova" - já não seria, porque definitiva, susceptível de revisão.

11-10-2001
Proc. n.º 2130/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos


Furto
Subtracção de documento
Burla

I - Pratica um crime de subtracção de documento (art. 259, n.º 1, do CP) e não um crime de furto simples (art. 203.º, n.º 1, do CP), o arguido que faz seu um vale postal dos CTT emitido pela Sub-região de Saúde de Lisboa a favor de determinada beneficiária, que por engano, havia sido colocado na sua caixa do correio.
II - A aposição por parte do mesmo de uma assinatura feita pelo seu próprio punho com o nome da referida beneficiária, integra não a prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256.º, n.º 1, al. b) do CP, mas antes, e porque se trata da viciação de um dos documentos para a qual o legislador estipulou uma censura agravada, a p. e p. pelo n.º 3 daquele artigo, por referência ao n.º 1, al. a), do art. 256.º.
III - Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrém à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
IV - Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima.
V - O engano a que o art. 217.º, n.º 1, do CP, faz referência, continua a equivaler à mera mentira (a uma mentira pré-ordenada).
VI - Para a comprova do crime de burla ganha vulto a imprescindibilidade de uma factualização expressa e inequívoca das práticas integradoras da indução em erro ou da força do engano, pois que só a partir da concretização dessas práticas e dos seus cambiantes envolventes, é lícito e possível exprimir um juízo válido e seguro acerca da vulnerabilidade do sujeito passivo da infracção e, consequentemente, da eficácia frutuosa da relação entre os actos configuradores da astúcia delineada e do erro ou engano engendrados e a cedência do lesado na adopção de atitudes a ele ou a outrém prejudiciais.
VI - Por outras palavras, é necessário que facticialmente se objective a componente subjectiva de que unicamente a insídia do agente foi determinante do comportamento da vítima.
VIII - Assim, constando ainda da matéria da facto provada, que na posse do indicado vale de correio o arguido dirigiu-se a uma agência de um banco onde o entregou para depósito numa sua conta bancária, tendo-lhe sido creditada a correspondente quantia, esta factualidade não autoriza o enquadramento jurídico-criminal da correspondente actuação no âmbito previsivo do crime de burla.
IX - Com efeito, se a indução em erro ou engano está naturalmente afastada quanto à beneficiária titular do vale do correio (e é ela a autêntica e directa lesada deste processo), também por inverificado se tem de ter aquele requisito no concernente à entidade bancária (ou melhor, ao funcionário desta), que aceitou o vale adulterado pelo arguido e o depositou na conta deste, ausente qualquer dado indicativo ou inculcador de que o procedimento houvesse sido determinado por qualquer actuação enganadora desenvolvida pelo dito arguido e conducente àquela aceitação e àquele depósito.
X - E uma eventual passividade ou falta de cuidado da entidade bancária (ou do funcionário seu), na confirmação da autenticidade da assinatura aposta no vale não é sinónimo de aquiescência motivada por acção daquele tipo.

11-10-2001
Proc. n.º 1295/01- 5. Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota


Acção cível conexa com a acção penal
Princípio da adesão
Recurso

I - A nossa lei processual penal consagra o regime da adesão obrigatória, impondo o art.º 71.º do CPP que "o pedido de indemnização fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respectivo", regra, aliás, confirmada pelos arts. 82.º e 377.º, deixando assim de haver indemnizações atribuídas oficiosamente, exceptuado o caso do art.º 82.º-A, do mesmo Código.
II - Havendo pedido cível formulado na acção penal, é esta quem verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual.
III - As regras básicas e universais em matéria de admissibilidade de recursos são os arts. 399.º - admissibilidade de recurso de todas as decisões cuja irrecorribilidade não esteja prevista - e 400.º, n.º 1, que estabelece os casos de inadmissibilidade do recurso.
IV - Resulta daquelas normas que, seguramente, não há recurso dos acórdãos - sem distinção entre os que versam e os que não versam sobre matéria cível - proferidos em recurso pelas Relações, nos casos das alíneas e) e f), do n.º 1, do art.º 400.º.
V - Nos demais casos, isto é, nos recorríveis, estabeleceu-se uma limitação ao recurso da decisão cível: sem prejuízo do disposto nos arts. 427. e 432.º do CPP (que estabelecem, respectivamente, os casos de recurso para a Relação e para o STJ), o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
VI - Em qualquer caso, como resulta da natureza acessória da acção cível enxertada, seja o recurso seja outra qualquer vertente do prosseguimento desta acção, ele só é possível enquanto sobreviver a instância penal.
VII - Transitada em julgado a decisão proferida em julgamento da causa penal, extingue-se a instância respectiva - art. 287.º, al. a), do diploma adjectivo subsidiário - circunstância que torna conceptualmente inconcebível o prosseguimento da causa cível que naquela estava ancorada.
VIII - Absolvido o arguido, definitivamente, da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, punível (em abstracto) com um máximo de 5 anos de prisão e também da totalidade do pedido cível (quanto a este, por acórdão da Relação), o caso cai, sem discussão, na previsão da al. e) do n.º 1 do art.º 400.º, do CPP, sendo irrecorrível a decisão daquele tribunal, não obstante os valores do pedido e da sucumbência ultrapassarem os limites mínimos fixados no n.º 2 do referido normativo legal.

11-10-2001
Proc. n.º 2535/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator por vencimento)
Simas Santos
Carmona da Mota (tem voto de vencido)


Decisão final do tribunal colectivo
Matéria de facto
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Competência da Relação
Antecipação da decisão de mérito
Intenção de matar
Conclusões ou ilações da matéria de facto

I - Os recursos das decisões proferidas por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a Relação, salvo os casos em que há recurso directo para o STJ (art. 427.º do CPP), conhecendo então a Relação de facto e de direito (art. 428.º do CPP).
II - Ao STJ cabe só, como tribunal de revista, o reexame exclusivamente da matéria de direito (art. 432.º, al. d) do CPP).
III - Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente (n.º 7 do art. 414.º do CPP), obviamente pelo Tribunal que conhece de facto e de direito: a Relação.
IV - Manifestam os recorrentes a discordância quanto à maneira pela qual o Tribunal, no âmbito da livre apreciação, valorou a prova produzida em audiência e quanto à factualidade apurada que entendem que deveria ser, em vários pontos, diversa daquela que veio a ficar assente, impugnando a matéria de facto assente, se afirmam que "o acórdão proferido não interpretou, conforme a lei, a matéria carreada pelos intervenientes na audiência de julgamento, que, aliás, está gravada" e que "o Tribunal não tem elementos para excluir um dos arguidos da prática do crime de homicídio em co-autoria", "não relevou a encenação mentirosa e falsa que os arguidos procuraram levar e manter em Tribunal", "deixou de valorizar as testemunhas, familiares das vítimas, que apenas o que sabem e disseram, foi o que pelos arguidos lhes foi transmitido pelo telefone", "o Tribunal terá de concluir que aquele arguido sempre esteve presente até à morte da vítima, e participou nos actos que levaram este à morte".
V - Saber se os recorrentes fazem essa impugnação da matéria de facto, com todo o respeito pelas regras de direito aplicável, se cumpriu os ditames estabelecidos, a propósito, na lei de processo; se procede a sua pretensão, ou se improcede, ou se manifestamente improcede são questões que dependem desse conhecimento, mas cuja decisão não pode ser antecipada, para decidir da competência do Tribunal Superior que deve conhecer do recurso.
VI - É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal que a intenção de matar constitui matéria de facto insindicável em recurso de revista e de que as conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do STJ, enquanto tribunal de revista.

11-10-2001
Proc. n.º 2363/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes


Dolo
Tentativa
Dolo eventual

I - Quer o agente actue com a intenção de realizar o facto criminal típico que representou (dolo directo), quer sabendo que a sua conduta conduzirá inevitavelmente ao preenchimento do facto criminal típico (dolo necessário), quer, enfim, representando embora o facto criminal típico como resultado possível da sua acção, essa possibilidade o não demova da sua actuação (dolo eventual), está configurada a componente subjectiva do comportamento delituoso (da sua dimensão máxima de dolo directo à sua expressão mínima de dolo eventual).
II - Transpondo o explanado para a problemática da compatibilidade do dolo eventual com as formas tentadas de crimes, terá de convir-se que, plenamente, cabe na significação da expressão "que decidiu cometer" (n.º 1 do art. 22.º do CP), decisão de comissão que, neste plano, se traduza em o agente ter decidido cometer o crime cujo resultado representou como possível com essa possibilidade se conformando e praticando actos de execução sob a égide de tal conformação e que levariam ao ilícito admitido se este tivesse chegado a consumar-se.
III - Além de que o conceito de dolo, uma vez que lhe atribuíram diversas tonalidades, demanda que todas elas possam ter direccionamento abrangente de todas as hipóteses radicáveis no comando subjectivo que o identifique, qualquer que seja, portanto, a tonalidade própria que se lhe confira ou a repercussão censória que mereça no caso concreto de que se trate.
IV - De tudo resulta, pois, que há compatibilidade da tentativa com o dolo eventual.

11-10-2001
Proc. n.º 951/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Toxicodependência
Medida da pena

I - A toxicodependência, longe de constituir factor atenuativo, antes depõe negativamente, até em termos de culpa na formação da personalidade. A toxicodependência é hoje um dos vectores determinantes (se não mesmo o principal) que, com preocupação se vem alastrando, pois que se prevarica para se obterem meios para consumir a droga e não havendo vontade para abandonar o consumo continuar-se-á a delinquir para garantir esse consumo.
II - A determinação concreta da pena tem e deve ser feita, nos termos dos arts. 40.º e 71.º, do CP, em função da culpa, que traça o limite máximo inultrapassável, das exigências da prevenção geral positiva - que conduzem a uma moldura abstracta, estabelecida entre um limite mínimo tradutor do quantum indispensável à manutenção da confiança da comunidade na validade das normas infringidas e um limite máximo em correspondência com o ponto desejado da defesa do ordenamento jurídico, desde que não exorbite do falado limite decorrente da medida da culpa, o que significa que dentro da margem de liberdade que assiste ao julgador e dos marcos do "já adequado à culpa" e do "ainda adequado à culpa" que a balizam, há que buscar e encontrar aquele ponto de equilíbrio que exprima a adequação entre a pena que se aplique e a culpa que se revele - e bem assim atentando nas necessidades da prevenção especial de socialização, inserção ou reinserção, que determinam a penalização in concreto no âmbito da mencionada moldura de prevenção geral.

11-10-2001
Proc. n.º 2138/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso de decisão final de tribunal colectivo
Insuficiência da matéria de facto provada
Livre convicção do Tribunal
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Competência da Relação

I - Se num recurso de uma decisão final de tribunal colectivo se refere a insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que se desenvolve em várias conclusões da motivação está-se a invocar o vício da al. a) do n.º 1 do art. 410.º do CPP, visando uma impugnação da matéria de facto.
II - E se critica o uso feito pelo Tribunal a quo dos seus poderes de livre convicção, não se está perante um recurso exclusivamente de direito [art.º 432.°, al. d) do CPP], cujo conhecimento caiba ao Supremo Tribunal de Justiça, conhecimento que cabe sim à respectiva Relação - art.ºs 427.º e 428.º do CPP, a quem compete conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo em que se impugna a factualidade apurada e se invoca qualquer dos vícios previstos no art. 410.º daquele diploma.
III - A norma do corpo do artigo 434.º do CPP só fixa os poderes de cognição do Supremo Tribunal em relação às decisões objecto de recurso referidas nas alíneas a), b) e c) do artigo 432.º, e não também às da alínea d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
IV - Assim, o recurso que verse [ou verse também] matéria de facto, designadamente os vícios referidos do artigo 410.º, terá sempre de ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e outro, sem prejuízo de o Supremo poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios como condição do conhecimento de direito.
V - Não se verifica contradição entre esta posição e a possibilidade que assiste ao STJ de conhecer oficiosamente dos falados vícios. Enquanto a invocação expressa dos apontados vícios da matéria de facto visa sempre a reavaliação da matéria de facto que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado. O conhecimento oficioso pelo STJ é imposto pela sua natureza de tribunal de revista, que se vê privado de matéria de facto adequadamente provada e suficiente para constituir a necessária base de aplicação do direito. Um remédio, que, ao contrário do que em regra sucede na Relação, terá de ser solicitado a quem de direito (art.º 426.º, n.º 1, do CPP).

18-10-2001
Proc. n.º 2537/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Hugo Lopes
Abranches Martins (tem declaração de voto)


Reincidência
In dubio pro reo

I - A inclusão, entre os factos provados do acórdão de 1.ª instância, de parte com o seguinte teor: "Verifica-se, pois, que a condenação anterior não foi suficiente para levar o arguido a interiorizar o desvalor dos factos que praticou, posto que não obstante ter sido condenado pelo cometimento de crimes contra a liberdade pessoal e o património, isso não bastou para o demover de praticar os factos que agora lhe são imputados, revelando, assim, um total desrespeito pelas condenações anteriores", configura uma conclusão que ao tribunal competiria extrair dos factos apurados e não de um facto a que aquele pudesse ter chegado pela via da produção directa das provas em julgamento, mormente por via de produção da prova testemunhal.
Como assim, ao abrigo do disposto no art. 646.º, n.º 4, do CPC, subsidiariamente aplicado ex vi art. 4.º do CPP, considera-se tal passagem como não escrita.
II - O fundamento da punição da reincidência, assenta no desrespeito ou desatenção do agente pela advertência constante de anterior ou anteriores condenações, e, daí, o fundamento para uma maior censura e para uma culpa agravada relativa ao facto. E, de qualquer modo, de funcionamento não automático ou de concepção puramente fáctica.
III - Nada relevando dos factos apurados sobre a necessária conexão entre os crimes anteriormente cometidos pelo recorrente e o actual, para efeitos de agravamento da culpa, e podendo a evidente degradação pessoal daquele - afinal um toxicodependente (portador da "SIDA") "ferido de morte nos seus horizontes de vida" - excluir a reclamada conexão reincidente, que, como se viu já, não pode ser de funcionamento automático, há que, em nome do princípio processual penal probatório in dubio pro reo fazer, neste ponto de facto, funcionar a dúvida em favor dele, tendo-se por afastada do caso a agravante modificativa reincidência.

18-10-2001
Proc. n.º 2741/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos (tem voto de vencido)
Hugo Lopes
Abranches Martins


Matéria de facto
Matéria de direito
Recurso de revista

I - Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do tribunal de revista.
II - O que acontece igualmente com a discordância quanto à maneira pela qual foi apreciada a prova produzida em audiência, mesmo que enquadrada pelo recorrente nos vícios das alíneas b) e c) do n.° 2 do art. 410.º do CPP, que se consubstancia antes na crítica quanto à forma pela qual o tribunal formou livremente a convicção e que é insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

18-10-2001
Proc. n.º 2147/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Hugo Lopes
Abranches Martins (tem declaração de voto)


Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade

I - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta
II - Depois, nos tipo privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos.
III - E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples.
IV - Verifica-se o crime de tráfico de menor gravidade, quando dos meios utilizados, da modalidade ou nas circunstâncias da acção, da qualidade ou na quantidade das plantas ou substâncias, resulte uma considerável diminuição da ilicitude do facto, como acontece quando o arguido vendeu heroína durante 1 dia e até às 13 horas do dia seguinte, em tráfico de rua, detendo 20 embalagens com um total líquido de 1,845 grs. e 4.700$00 em dinheiro proveniente de vendas de estupefaciente efectuadas nesse dia.

18-10-2001
Proc. n.º 1188/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
Recurso de acórdão da Relação
Decisão final do tribunal colectivo
Juiz singular

As decisões proferidas pelas Relações, em recurso, interpostos de sentença do juiz singular, na 1ª instância, são irrecorríveis, conforme resulta do disposto no art. 400.º, al. e), conjugado com o art. 16.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP, com a única excepção resultante do disposto na al. f) do art. 400.º do mesmo diploma, em conjugação com o previsto no art. 16.º, n.º 1, já referido, al. a), onde se confere ao tribunal singular competência para julgar processos respeitantes a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, é superior a cinco anos de prisão, como acontece com os crimes de auxílio de funcionário à evasão (art. 350.º do CP) e de motim de presos (art. 354.° do CP), ambos punidos com pena de prisão de 1 a 8 anos, desde que não se verifique "dupla conforme" condenatória.

18-10-2001
Proc. n.º 2438/01 - 5.ª Secção
Dinis Alves (relator)
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Recurso penal
Matéria de facto
Vícios da sentença
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça

I - A mera enunciação pelo recorrente dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, nem sempre será, por si, bastante para alicerçar a opinião quanto à não pertença ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do recurso e quanto a ter de se enviar o processo para a respectiva Relação; o que é decisivo, é determinar se foi colocada em causa a factologia apurada, na sua essencialidade e no seu significado, e que o que se pretende é, no fundo, a reapreciação daquela factologia, já que é isto que justifica e impõe a remessa do feito para a esfera cognitiva da segunda instância.
II - Por outras palavras, o que releva é, essencialmente, descortinar a finalidade específica ou o desiderato primacial do recurso interposto, designadamente, se neles se ventila apenas matéria de facto, se esta é invocada conjuntamente com matéria de direito ou se, em exclusivo, versa sobre matéria de direito.
III - Não são albergáveis no domínio dos poderes de cognição do Supremo Tribunal os recursos em que não se vise, exclusivamente, o reexame da matéria de direito, impetrando-se, designadamente, o reenvio do processo para novo julgamento.

18-10-2001
Proc. n.º 2148/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota


Recurso penal
Conclusões da motivação
Convite ao aperfeiçoamento

I - O recurso é um acto processual que, pelo seu significado e alcance, demanda extremo cuidado na elaboração, quer em termos do que se motiva, quer em sede do que se conclua, quer na concretização das normas que estejam ou possam estar em causa, no que constitui decorrência de uma exigida lealdade na lide.
II - Não observa minimamente o estatuído nos ditames do n.º 2 do art. 412.º do CPP, o recorrente que, na sumaríssima conclusão quanto à condenação de que foi alvo por crime de homicídio qualificado, designadamente contra a medida da pena que se lhe aplicou, não indicou as normas jurídicas violadas, não concretizou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma, ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido aplicada, nem enfim, explicitou, a hipotizar-se erro na determinação da norma aplicável, qual a norma jurídica que, ainda no seu entendimento, era de aplicar.
III - Atenta, porém, a doutrina constante do Ac. do Tribunal Constitucional n.º 288/00, de 17/05 - que deverá ser encarada positivamente, mormente nos casos de delicadeza e importância do feito, ou de gravame das sanções aplicadas - justifica-se a concessão de prazo para que o recorrente aperfeiçoe correctivamente as respectivas conclusões.

18-10-2001
Proc. n.º 2374/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota


Ofensa à integridade física
Ofensa à integridade física qualificada
Arma

I - O simples uso de uma arma - de defesa, no caso sub-judice - não leva à qualificação da ofensa à integridade física, pois não obstante o disposto na al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP, aplicável ex vi do n.º 2 do art. 146.º do mesmo diploma, exige-se que as circunstâncias no caso concreto revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.
II - Tal não sucede, quando se prova que o arguido "disparou três tiros sem apontar em direcção a qualquer pessoa".

18-10-2001
Proc. n.º 3158/01 - 5.ª Secção
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Tráfico de estupefacientes
Consumo de estupefacientes
Concurso aparente de infracções
Escolha da pena
Penas de substituição

I - A relação de mútua exclusão, de consunção ("de tal maneira que uma norma consome já a protecção que a outra visa") ou de subsidiariedade expressa entre os preceitos do (entretanto revogado) art. 40.º e art. 21.º do DL n.º 15/93 (que "condiciona expressamente a sua eficácia ao facto de (aquel)outro se não aplicar") aponta para um mero concurso legal ou aparente de infracções.
II - Hão-de prevalecer, no tratamento penal da substituição das curtas penas de prisão, as "finalidades de prevenção especial de socialização" e, daí, que "o tribunal só deva negar a aplicação de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas". "O papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral de substituição" há-de funcionar aqui, simplesmente, "sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico" (FIGUEIREDO DIAS).

18-10-2001
Proc. n.º 2135/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos
Abranches Martins


Tráfico de estupefacientes
Traficante-consumidor
Heroína
Tráfico de menor gravidade

I - O crime tipificado no art. 26.°, n.° 1, do DL n.° 15/93, que prevê punição beneficiada para o traficante-consumidor, o que "trafica" com a finalidade exclusiva de "conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal", não se verifica quando o agente detém "plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias", sendo que o limite quantitativo máximo para cada dose média individual de heroína é de 0,1 gr.
II - Provando-se que o recorrente, no dia 17 de Novembro de 2000, cerca das 20.00 horas, foi surpreendido a vender a um dos co-arguidos dez "panfletos" de heroína, com o peso de 0,892 grs., e que tinha na sua posse mais vinte "panfletos" também de heroína, com o peso de 1,820 grs., tanto basta para que a sua evidenciada conduta não possa ser enquadrada na figura do traficante-consumidor.
III - Do mesmo modo que, provando-se ainda que desde o início do ano de 2000 e até à data da sua detenção (17/11) se deslocava a Ponte de Sor, Torres Novas e ao Casal Ventoso, em Lisboa, onde adquiria quantidades várias de heroína, que após separar parte do produto estupefaciente e de o "traçar" vendia-o aos consumidores em duas localidades do concelho de Abrantes, ao preço de 1.000$00 cada dose, que congeminou e desenvolveu, até ao momento da sua detenção, o modo de vender a droga aos consumidores a quem normalmente abastecia, estabelecendo um local para onde se dirigia no seu automóvel sempre à mesma hora (20.00 horas), anunciando a sua chegada fazendo sinais de luzes, apenas permitindo a aproximação de um ou dois consumidores, representando grupos de consumidores, de forma a tudo se processar numa única e rápida transacção contra o recebimento do dinheiro, e afastando-se do local logo que efectuada a venda (para o que abria apenas o vidro do carro), sem ter de sair do veículo nem ter contacto com os consumidores "beneficiários" do abastecimento, excluída fica a possibilidade de integração desta factualidade no âmbito de previsão do art. 25.º do mesmo diploma.

18-10-2001
Proc. n.º 2150/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves
Carmona da Mota


Fraude na obtenção de subsídio
Crime continuado
Pedido cível
Estado
Tribunal competente

I - Pratica um crime continuado de fraude na obtenção de subsídio p. e p. no art. 36, n.º 1, al. a), do DL 28/84, de 20-01, o arguido que, durante cinco anos consecutivos, aufere benefícios pecuniários no âmbito de um programa de apoio à produção de gado ovino e caprino, sob a égide do INGA, indicando nos respectivos boletins de candidatura a existência de 76 animais que sabia não possuir.
II - Está-se, com efeito, perante a realização plúrima pressuposta no art. 30.º, n.º 2, do CP (não afastada, por o ponto 14 da matéria de facto provada, no que concerne à consciência da ilicitude, indicar que o arguido bem sabia "estar a realizar uma conduta contrária à lei e por ela punida"), sendo o quadro da solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa, determinado, claramente, pela especial posição do recorrente perante a possibilidade de receber fraudulentamente o subsídio sem ser alvo de qualquer controlo.
III - Não estando em causa a validade do acto administrativo, mas a actividade criminosa que esteve na base da sua emergência, é na jurisdição comum (e não na administrativa) e no processo penal respectivo, que deve ser formulado pelo Estado o pedido de indemnização cível para ressarcimento das quantias indevidamente recebidas por arguido acusado de fraude na obtenção de subsídio.

18-10-2001
Proc. n.º 1923/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Abranches Martins


In dubio pro reo
Busca domiciliária
Processo penal
Provas
Nulidade sanável
Tráfico de estupefacientes
Tráfico de menor gravidade

I - O princípio do "in dubio pro reo" para além de ser uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
II - Nas suas origens, teve sobretudo o valor de reacção contra os abusos do passado e o significado jurídico negativo de não presunção de culpa. No presente, a sua afirmação, quer nos textos constitucionais, quer nos documentos internacionais, ainda que possa significar reacção aos abusos do passado mais ou menos próximo, "representa sobretudo um acto de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre".
III - Por outras palavras, significa tal princípio, que não obstante as provas oficiosamente reunidas no processo, não possam ser "provados" os factos sobre os quais persista dúvida razoável e ainda que, sendo esse, a final do julgamento, o estado de espírito do julgador emergente da prova coligida, a dúvida deva ser sempre valorada em favor do arguido.
IV - Haverá que realçar, todavia, que o princípio do in dubio pro reo vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito: aqui a única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto.
V - A busca realizada com "autorização" de quem não seja titular do direito à inviolabilidade do domicílio, fere a Constituição, designadamente o seu art. 34.º, n.ºs 1 e 2.
VI - Porém, tem de considerar-se que as provas com ela obtidas o foram, não por meios absolutamente proibidos, mas antes, relativamente proibidos - na realidade não é absolutamente proibida a entrada em casa alheia (cfr. a título de exemplo, a situação do art. 174.º n.º 2 , do CPP).
VII - Como não se trata de um meio de prova absolutamente proibido - a intromissão no domicílio é legítima se consentida, mesmo sem autorização judicial - embora as provas obtidas sejam nulas, tal nulidade é sanável e mostra-se in casu sanada, já que dependendo de arguição do interessado, ela não foi formalizada.
VIII - Constituindo a incriminação do art. 25.º do DL 15/93, de 22/01, um tipo privilegiado ou especial relativamente ao crime-base ou tipo geral de previsão do tráfico do art. 21.º, é justamente por esta hipótese normal ou geral que se deve começar o enquadramento jurídico, só havendo que entrar em consideração com o tipo especial, quando as circunstâncias, também especiais o determinem.
IX - Não é reveladora de uma especial atenuação da ilicitude, a conduta de quem, por várias vezes, em várias ocasiões a pessoas diversas, vende quantidades não apuradas de canabis, por preços que não se apuraram, que foi "colaborador de relevo" numa abortada tentativa de colocar no destino de consumo um saco com cerca de dois quilos do mesmo produto, que era "fornecedor grossista" da cannabis vendida a outros seis arguidos com intermediação ou apoio de um snack-bar, e a quem é apreendido 480,3 gramas de haxixe.

18-10-2001
Proc. n.º 2371/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas santos
Abranches Martins
Hugo Lopes


Fraude sobre mercadorias
Instrução
Conflito de competência
Competência territorial

I - O crime de fraude sobre mercadorias - art. 23.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 28/84, de 20/01, na sua forma de venda, é um crime que se consuma com a perfeição de um contrato de compra e venda.
II - Referindo-se na acusação, que é o que fixa o objecto do processo na fase em que o mesmo actualmente se encontra (realização da instrução), que no "dia 19/11/96, o 1º arguido vendeu a determinada firma e entregou nas suas instalações sitas na Maia, 1000 litros de um composto químico acondicionado num tanque de plástico", resulta que foi na área da comarca da Maia que a venda foi efectuada, sendo pois este o tribunal competente para realizar a instrução.

18/10/2001
Proc. n.º 2064/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves


Burla
Elementos da infracção

I - Como se colhe da leitura do artigo 217.º do CP, são elementos do tipo do crime de burla, a intenção pelo agente de enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou e a prática consequente de actos pela vítima, que a si, ou a outrém, causem prejuízo patrimonial.
II - A astúcia posta pelo burlão tanto pode consistir na invocação de um facto falso, como na falsa qualidade, como na falsificação da escrita, ou outra qualquer. Interessa, apenas, que os factos invocados dêem a uma falsidade a aparência de verdade, ou, como diz a lei alemã, o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros.
III - O burlão, actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro. É indispensável, assim, que os actos além de astuciosos, sejam aptos a enganar, não se limitando o burlão a mentir, mentindo com engenho e habilidade, revelando uma maior intensidade no dolo e uma maior susceptibilidade dos outros serem convencidos.
IV - Longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de "economia de esforço", limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima.
V - A idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado.
VI - Haverá no entanto que sublinhar, que no mundo dos negócios no contexto da economia de mercado, assente nos mecanismos da livre concorrência, o sucesso emerge muitas vezes do superior conhecimento do sujeito acerca das características do concreto sector e, assim, em termos comparativos, do erro ou ignorância dos seus competidores, pelo que não será qualquer domínio-do-erro que importa consumação do delito, mas a sua instrumentalização em termos de atingir o cerne do princípio da boa fé objectiva, o que pode ser julgado em função das circunstâncias de cada caso, "aí compreendida a configuração material da conduta do agente" e a intolerabilidade concreta da eventual leviandade, passividade, ou mesmo, ingenuidade, patenteada pelo lesado.
VII - Tendo os arguidos, depois de uma deliberação social em que foi acordado um aumento de capital, feito chegar aos assistentes, também eles sócios, um impresso em que estes deveriam declarar renunciar ao seu direito de preferência na subscrição desse aumento - alegando tratar-se de uma exigência do notário para lavrar a escritura do correspondente acto - e tendo aqueles assinado, os primeiros, quando logo subscreveram o capital deixado livre pela renúncia, não preencheram com tal conduta a previsão típica do crime de burla.
VIII - Com efeito, quem lida com deliberações sociais, mormente como no caso, relativas a sociedades comerciais, sabe - tem de saber - que o mundo dos negócios não é, rigorosamente, domínio privilegiado para actuações inocentes, mormente quando se trata, como tratou, de conceder uma declaração escrita de renúncia de direitos, pelo que mandava o mais elementar dever de diligência e bom senso que, antes da assinatura da falada declaração de renúncia, consultassem um técnico de direito ou mesmo o notário, questionando a valia e possíveis efeitos da invocada exigência, pelo que dificilmente se concebe que o domínio-do-erro, por banda dos arguidos, tivesse assumido conformação jurídico-penalmente relevante.
IX - Por outro lado, devendo o exigido prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro corresponder, ao enriquecimento ilegítimo, do lado activo, nada indica que a renúncia do direito de preferência por banda dos assistentes e correlativo ingresso na esfera dos restantes sócios tivesse em si mesmo um valor patrimonial (era antes previsível que a sociedade viria a ter prejuízos), para além do que, para obtenção das respectivas acções, os adquirentes tiveram de desembolsar o correspondente capital.

18-10-2001
Proc. n.º 2362/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Abranches Martins


Tráfico de estupefacientes agravado
Distribuição por um grande número de pessoas

Pratica um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art.ºs 21 e 24.º, al. b), do DL n.º 15/93 de 22/01, o arguido que durante quatro meses vendeu heroína junto a um café, a quem é apreendido, no momento da sua detenção, 189,999 gramas desse produto, 3.332.080$00, provenientes de vendas efectuadas, e um significativo conjunto de bens (sobretudo de joalharia - anéis, brincos, fios - e electrodomésticos), provando-se ainda, que entregava a um co-arguido cinco gramas do mesmo produto para que o vendesse, o que este fez em relação a mais de 20 pessoas, diariamente, entre 21 de Fevereiro e 20 de Abril de 2000.

18-10-2001
Proc. n.º 2620/01 - 5.ª Secção
Dinis Alves (relator)
Carmona da Mota
Pereira Madeira
Simas Santos


Atenuação especial da pena
Enumeração exemplificativa
Consideração global
Atenuantes
Homicídio tentado
Suspensão da execução da pena
Regime de prova

I - O art. 72.º do C. Penal ao prever a atenuação especial da pena criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
II - As circunstâncias exemplificativamente enumeradas naquele artigo dão ao juiz critérios mais precisos, mais sólidos e mais facilmente apreensíveis de avaliação dos que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação, mas não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
III - É de atenuar especialmente a pena num crime de homicídio simples tentado se, além do mais,
- se verificou "provocação" do ofendido, pessoa de compleição física superior, mais alto e mais forte do que o arguido, que então se encontrava magro e num estado de notória fraqueza, que passou a ser feita depois de ter detectado o "ponto fraco" deste: os seus braços, e que teve um papel determinante na eclosão da conduta.
- se o arguido agiu motivado pelas diversas discussões que foi tendo com o ofendido, por se ter sentido humilhado pelas palavras proferidas por aquele e pelo facto de estar fortemente diminuído na sua capacidade intelectual e volitiva pela dependência do consumo de estupefacientes que combinava com auto-medicação de tranquilizantes associados a metadona.
IV - Tendo a 1.ª instância suspendido a execução da pena, sob condição de o arguido continuar numa comunidade terapêutica e de não voltar à localidade onde o crime foi cometido sem autorização do Tribunal, considerando ser esta uma via terapêutica de abordagem da toxicodependência daquele que permitirá refazer o prognóstico favorável que os antecedentes criminais não permitem, como última esperança de ressocialização, não deve o STJ alterar essa decisão, pois, diversamente da instância, não beneficiou do princípio da imediação, da relação de proximidade de comunicação entre o tribunal e os participantes no processo, do contacto vivo e imediato com o arguido com recolha da impressão deixada pela sua personalidade.
V - Mas deve ir mais longe e impor o regime de prova que garanta o acompanhamento da reintegração social efectiva do arguido, ultrapassada que seja a fase terapêutica, e que assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.

18-10-2001
Proc. n.º 2137/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


In dubio pro reo
Questão de direito
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Poderes de cognição da Relação
Motivação de facto da decisão

I - O princípio in dubio pro reo é um princípio geral de processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, nos poderes de cognição do STJ e das Relações ainda e quando estas conheçam apenas de direito (art. 428.º, n.º 2, do CPP).
II - A convicção expressa pelos julgadores do tribunal a quo mostra-se não só suficientemente objectivada, como minuciosamente motivada, se, reportada a um crime de furto imputado aos arguidos, a motivação foi alicerçada não apenas nas declarações daqueles (prestadas em audiência), como também em documentos juntos aos autos, no exame lofoscópico e ainda nos depoimentos prestados em julgamento por testemunhas credíveis, nomeadamente agentes da PJ que colheram in loco as reclamadas impressões digitais, tudo a tornar indesmentível a presença de ambos os arguidos no local, assim como a introdução não autorizada de, pelo menos, um deles no palacete, mediante arrombamento de uma porta, tudo, aliás, reforçado com o facto comprovado de um dos arguidos ter, posteriormente, vendido, embora com uma explicação inverosímil, uma das peças furtadas num antiquário, e ainda com as inarredáveis regras da experiência e da vida, o que leva a ter como razoavelmente afastada a dúvida que os recorrentes pretendem ver instalada sobre a sua actuação criminosa.
III - E, assim, objectivada e motivada a convicção dos julgadores, arquitectada ao abrigo do princípio da livre mas processualmente vinculada apreciação das provas e convicção, não havendo censura a fazer ao juízo de culpabilidade a que ela conduziu, não há lugar a falar em violação do princípio in dubio pro reo por nenhuma dúvida razoável se poder sobrepor a tal convicção.

18-10-2001
Proc. n.º 2634/01- 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Hugo Lopes (votou a decisão, por continuar a entender que o princípio "in dubio pro reo" é no âmbito da matéria de facto que tem o seu campo de aplicação)


Nulidade de sentença
Omissão de pronúncia

I - É nula a sentença (ou "o acórdão proferido em recurso" - art. 425.º, n.º 4) "quando o tribunal" - como no caso - "deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar" (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).
II - Tais nulidades, mesmo que não arguidas, devem ser conhecidas, oficiosamente, em recurso (art. 379.º, n.º 2).

18-10-2001
Proc. n.º 3066/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos


Crime continuado
Pressupostos
Solicitação exterior
Bens jurídicos pessoais
Roubo
Atenuação especial da pena
Jovem delinquente

I - Sucede, por vezes, que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente.
II - Esse crime continuado tem os seguintes pressupostos:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de "uma linha psicológica continuada";
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado) ;
- persistência de uma "situação exterior" que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
III - O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
IV - A doutrina indica algumas das situações exteriores que, diminuindo consideravelmente a culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação criminosa:
(-) ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos; (-) voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; (-) perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa; (-) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução criminosa, verificar haver possibilidades de alargar o âmbito da sua actividade.
V - Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º do CP, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido e para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião.
VI - Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que, se bem que não seja o regime penal especial para jovens delinquentes de aplicação automática, cabendo o agente, pela sua idade, na previsão daqueles diplomas legais, não está dispensado o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto.
VII - Quanto for aplicável pena de prisão, tratando-se de um jovem delinquente deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
VIII - O Tribunal, ao fazer esse juízo, não pode atender de forma exclusiva ou desproporcionada à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido. Tem de considerar a globalidade da actuação e da situação do jovem, por forma a que, embora concluindo porventura pela necessidade da prisão "para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade", possa adequar a pena concreta aos seus fins de "protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade", na consideração ajustada das exigências especiais dessa reintegração resultante de o agente ser um jovem imputável.

25-10-2001
Proc. n.º 1689/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Oliveira Guimarães
Hugo Lopes


Concurso real de infracções
Sequestro
Roubo

Ressaltando da matéria de facto provada que o sequestro ocorreu já depois do roubo estar consumado, verifica-se a autonomia dos dois referidos crimes.

25-10-2001
Proc. n.º 2376/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes (relator)
Oliveira Guimarães
Dinis Alves
Carmona da Mota


Habeas corpus
Inimputável perigoso
Medida de segurança
Revisão obrigatória
Atraso na decisão de revisão


I - Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a providência excepcional de habeas corpus é aplicável, por analogia fundada, pelo menos, na identidade de razão (art. 4.º do CPP), aos casos de privação de liberdade resultante de aplicação de medida de internamento em estabelecimento psiquiátrico. Só assim se compatibilizam os mecanismos processuais penais com o espírito das normas constitucionais relativas às medidas de segurança e ao instituto do habeas corpus (arts. 29.º, 30.º e 31.º da C.R.P.).
II - E esse habeas corpus é dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 222.º, n.º 1, do CPP), por se tratar de privação da liberdade ordenada por tribunal, enquanto o habeas corpus previsto no art. 223.º do mesmo diploma legal visa a mesma situação mas à ordem de "qualquer autoridade", que não judicial.
III - O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.
IV - Tem como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP):
- incompetência da entidade donde partiu a prisão;
- motivação imprópria;
- excesso de prazos,
Sendo ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido.
V - Não se verificando este último requisito, deve ser indeferido o pedido de habeas corpus.

25-10-2001
Proc. n.º 3551/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães
Abranches Martins (tem voto de vencido quanto à matéria do ponto I)


Impugnação da decisão sobre matéria de facto
Recurso penal
Conclusões da motivação

I - A exigência legal de especificação das "provas que impõem decisão diversa da recorrida" que, "quando as provas tenham sido gravadas", é feita "por referência aos suportes técnicos" - art. 412.º, n.º 3, al. b) e n.º 4 do CPP - não se satisfaz com a simples remissão para a totalidade indiscriminada ou globalidade da prova gravada.
II - A falta de referência aos suportes técnicos inviabiliza a transcrição pelo tribunal recorrido, que não tem a obrigação legal de transcrever toda a prova objecto de gravação.

25-10-2001
Proc. n.º 3076/01 - 5.ª Secção
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães
Dinis Alves


Cúmulo jurídico de penas
Pena conjunta
Substituição da pena

I - Em caso de concurso de crimes, "só relativamente à pena conjunta tem sentido pôr a questão da substituição" (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 409).
II - Mas, mesmo quando - como no caso (e na generalidade daqueles em que se ignore, no momento da apreciação de um crime, a sua inserção num concurso criminoso ou num mais vasto concurso criminoso) - tenha lugar, precipitadamente, a substituição (designadamente por "suspensão") da pena parcelar de prisão, "torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada (ibidem).
III - E só depois de assim determinada a pena conjunta é que "o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva (ibidem).

25-10-2001
Proc. n.º 3082/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator)
Pereira Madeira
Simas Santos


Recusa de juiz
Recurso penal
Fundamentos

I - Se a recusa de juiz deve ser pedida perante o tribunal imediatamente superior - art. 45.º, n.º 1, al. a), do CPP - então é verdade lapaliciana a de que a decisão proferida pelo referido tribunal no âmbito do incidente, é a decisão recorrida.
Como assim, estando assegurado em processo penal, hoje expressamente, o direito ao duplo grau de jurisdição - art. 32.º, n.º 1, da CRP - é inequívoco que do aresto da Relação sobre tal ponto tem de caber recurso.
II - Os actos geradores de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz hão-de ser de tal modo suspeitos que a generalidade da opinião pública sinta - fundadamente - que o juiz em causa, antes do julgamento, está tomado de preconceito relativamente à decisão final, enfim, de algum modo, antecipou o sentido do julgamento, já tomou partido.
III - A gravidade e seriedade do motivo de que fala a lei - art. 43.º, n.º 1, do CPP -, hão-de ser aferidas em função dos interesses colectivos, mormente do bom funcionamento das instituições em geral e da justiça em particular, não bastando que uma avaliação pessoal de quem quer que seja, nomeadamente do arguido, o leve a não confiar na actuação concreta do magistrado.
IV - Em todo o caso, uma elementar razão de certeza jurídica impõe que tal aferição tenha sempre de partir e ter como base visível e decisiva os concretos actos processuais praticados, documentados e documentáveis na sua essência, por via da consulta do processo.

25-10-2001
Proc. n.º 2452/01 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Abranches Martins


Consumo de estupefacientes
Autoria moral
Autoria material

I - Constando da factualidade provada que:
- o arguido (recluso) encarregou outrém (co-arguido, também recluso) de comprar droga, para ambos, dando-lhe, para o efeito, 2.000$00, dado ser frequente consumirem tais produtos em conjunto;
- o segundo comprou uma pequena porção de heroína, dividiu-a ao meio, conforme o combinado, e consumiu a parte que lhe era destinada (metade);
- a outra metade não chegou à posse do primeiro porque, entretanto, foi apreendida por um guarda prisional, quando lhe era levada por outro recluso (que desconhecia o que transportava);
perante estes factos, o arguido assume a qualidade de autor moral de um crime de consumo de estupefacientes, por força do disposto no art. 26.º do CP, porquanto determinou o seu companheiro de reclusão à prática do referido ilícito, dando-lhe o dinheiro necessário para a compra da droga, tendo aquele executado todos os actos indispensáveis à consumação do mesmo.
II - A circunstância de a droga não ter chegado à posse do arguido, por haver sido apreendida, em nada releva para a consumação do ilícito. Se a droga tivesse alcançado o seu destinatário, o crime seria o mesmo, obviamente consumado, mas aquele, além de autor moral, seria também autor material do crime de consumo de estupefacientes.
III - No que concerne ao segundo arguido, no domínio da factualidade provada (obteve a heroína para o consumo do primeiro arguido, recebendo, como recompensa do "favor" prestado, certa porção daquele produto para o seu consumo e que efectivamente consumiu), é ele co-autor material do crime de consumo atribuível, em autoria moral, ao primeiro arguido e autor material de um crime de consumo autónomo e reportado à parte de heroína que consumiu.

25-10-2001
Proc. n.º 1930/01 - 5.ª Secção
Dinis Alves (relator)
Simas Santos
Pereira Madeira
Carmona da Mota (tem declaração de voto)


Suspensão da execução da pena

I - A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
II - É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.
III - A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
IV - São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose:
- a personalidade do réu;
- as suas condições de vida;
- a conduta anterior e posterior ao facto punível; e
- as circunstâncias do facto punível.
V - Deve atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.
VI - O STJ tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação a arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica e que tratando-se de crimes sexuais, só em casos excepcionais, especialmente ponderosos, deve decretar-se a suspensão da execução da pena. Mas também já decidiu que "nada impõe a aceitação pelo agente da própria culpa como condição indispensável à suspensão. Certo que ela abonará um prognóstico sobre a vontade de regeneração e a desnecessidade do efectivo sofrimento da pena para a reprovação; mas sem dúvida também que a sua falta não impede tal prognóstico".
VII - Aceita-se a decisão da 1.ª instância quanto à suspensão da execução da pena, mas com uma condição adequada:
- tratando-se de abuso sexual de criança decorrido faz algum tempo, não renovado enquanto durou a coabitação (9/10 meses), que entretanto cessou, tendo o arguido bom comportamento anterior e posterior, e estando socialmente integrado, tudo apontando para um acto isolado.
- não estando provada a confissão, mas tendo assumido a conduta do arguido algum relevo na descoberta da verdade.
- se a ofendida, sem prejuízo das inevitáveis sequelas no equilíbrio e desenvolvimento pessoal da vítima, manteve um bom rendimento escolar e não evidenciou especialmente os falados desequilíbrios, tendo a revelação dos factos ocorrido por sua espontânea iniciativa, no momento que considerou necessário: a eventualidade de o arguido reiniciar um relacionamento conjugal com a mãe.
VIII - Só a oportuna satisfação pelo arguido dos deveres a que a suspensão fique subordinada permitirá conciliar - com as "finalidades da punição" e "as necessidades de reprovação e prevenção do crime" - a redução da correspondente pena a uma "simples censura do facto". Assim o tribunal presta especial atenção à pessoa ofendida que suportou a actividade criminosa, condicionando a suspensão à entrega a esta de uma quantia pecuniária, reconhecendo que o arguido deve interiorizar o dever de actuar de modo a suavizar o sofrimento que causou à vítima, o que contribuirá para a sua própria ressocialização, evitando o desinteresse pela superação das lesões que causou à própria vítima.

25-10-2001
Proc. n.º 2058/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins
Hugo Lopes
Oliveira Guimarães


Recurso penal
Matéria de facto
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
Competência da Relação
Matéria de direito
Culpa
Negligência

I - Se num recurso de uma decisão final de tribunal colectivo se refere o erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável da fundamentação, o que se desenvolve em várias conclusões da motivação, está-se a invocar os vícios das als. b) e c) do n.º 1 do art. 410.º do CPP, visando uma impugnação da matéria de facto.
II - Dessa posição decorre que não se está perante um recurso exclusivamente de direito [art. 432.º, al. d) do CPP], cujo conhecimento caiba ao STJ, conhecimento que cabe sim à Relação - arts. 427.º e 428.º do CPP -, a quem compete conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo em que se invoca qualquer dos vícios previstos no art. 410.º daquele diploma.
III - A norma do corpo do art. 434.º do CPP só fixa os poderes de cognição do STJ em relação às decisões objecto de recurso referidas nas als. a), b) e c) do art. 432.º, e não também às da al. d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso paro o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
IV - Assim, o recurso que verse (ou verse também) matéria de facto, designadamente os vícios referidos no art. 410.º, terá sempre de ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e outro, sem prejuízo de o Supremo poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios como condição do conhecimento de direito.
V - Não se verifica contradição entre esta posição e a possibilidade que assiste ao STJ de conhecer oficiosamente dos falados vícios. Enquanto a invocação expressa dos apontados vícios da matéria de facto visa sempre a reavaliação da matéria de facto que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado, o conhecimento oficioso pelo STJ é imposto pela sua natureza de tribunal de revista, que se vê privado da matéria de facto adequadamente provada e suficiente para constituir a necessária base de aplicação do direito. Um remédio, que, ao contrário do que em regra sucede na Relação, terá de ser solicitado a quem de direito (art. 426.º, n.º 1, do CPP).
VI - O STJ tem entendido que a culpa constitui matéria de direito, quando releva da violação de uma norma legal, o que não acontece quando é atribuída a culpa na produção do acidente ao arguido porque este "conduzia com inconsideração, negligência e falta de atenção e cuidado".
VII - Com efeito, o comportamento negligente ou não do réu pressupõe matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, excepto quando está em causa apenas a violação de uma norma legal ou regulamentar. A decisão sobre a culpa fundada na violação das regras gerais de previdência e diligência constitui matéria de facto insusceptível de censura pelo Supremo.

25-10-2001
Proc. n.º 2757/01 - 5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Abranches Martins (tem declaração de voto quanto aos pontos I a V)
Hugo Lopes


Habeas corpus
Especial complexidade do processo
Reexame dos pressupostos da prisão preventiva

I - Dever ou não o processo ser qualificado como de "excepcional complexidade" - independentemente da questão de saber se a permissão do alargamento do prazo de prisão preventiva derivada da conjugação dos arts. 54.º, n.ºs 1 e 3 do DL 15/93, de 22-01 e 215.º, n.º 3, do CPP, demanda prolação de despacho fundamentado a justificar aquela qualificação ou se resulta automaticamente da própria lei - é factor que não é repercutível nos fundamentos do art.º 222.º, do CPP.
II - A falta de reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva (art.º 213.º, do CPP) não é determinante da extinção daquela medida coactiva (art.º 214.º, do mesmo Código) nem, por si só, integra fundamento de habeas corpus.

25-10-2001
Proc. n.º 3544/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


In dubio pro reo
Tráfico de menor gravidade
Traficante-consumidor
Ónus da prova

I - A aplicação do princípio in dubio pro reo está restrita à decisão da matéria de facto. Nada impede, porém, que o STJ avance no reconhecimento de uma eventual violação do princípio sempre que da decisão impugnada decorra que o tribunal julgador esteve importunado por dúvidas sobre a exacta realidade dos factos e, apesar disso, decidiu em desfavor do arguido.
II - Não constando do acervo factológico provado, nem que o arguido - condenado por tráfico de estupefacientes (art.º 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01) - tenha agido sem a finalidade exclusiva, nem com essa finalidade exclusiva de obter droga para seu consumo pessoal, tendo ficado provado que aquele vendeu heroína para dessa forma obter o dinheiro necessário às necessidades do seu consumo diário de heroína e não se divisando provado que o mesmo arguido visasse, com os proventos que obtinha, outros gastos pessoais, impermitindo ainda o demais circunstancialismo provado, quer isoladamente considerado, quer encarado na sua globalidade complexiva, haver como existentes outros destinos dos proventos obtidos, torna-se patente, por detectável ser pelo observador médio ou comum (e sempre pelo julgador), a subsistência de uma dúvida incidente sobre o vector crucial da exclusividade, sendo que este é elemento essencialmente integrante do tipo delitual do art.º 26, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
III - Erigida esta dúvida, não pode ela projectar-se em prejuízo do arguido, prejuízo teoricamente admissível se se pensar que o crime de tráfico de menor gravidade pelo qual aquele foi condenado (art.º 25.º al. a), daquele diploma) é sancionado com pena mais grave que o de traficante-consumidor do art.º 26.º, n.º 1, citado.
IV - Não existindo, em processo penal, um ónus de alegação e prova face ao princípio da investigação que o determina - sem incompatibilidade, aliás, com o princípio da acusação e com a estrutura predominantemente acusatória que o caracteriza - a dúvida que recaia sobre um facto constitutivo de um elemento típico integrador de um circunstancialismo atenuante modificativo terá, em princípio, justamente por via do "in dubio pro reo", de ser dirimida em favor do arguido, portanto no sentido de se considerar provada uma componente que o beneficia e que in casu será a referenciada "finalidade exclusiva".

25-10-2001
Proc. n.º 2745/01 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota
Pereira Madeira


Abuso de poder

I - O tipo penal do art. 382.º do CP, sendo como é, um crime de intenção determinada, reclama, em sede da sua perfectibilidade típica subjectiva, um dolo específico, pois que os seus fins ou motivos (a intenção de o agente obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou a de causar prejuízo a outra pessoa) fazem parte integrante do respectivo tipo.
II - A invocação (mesmo que para escopos ilegítimos) de determinado estatuto profissional não chega para satisfazer à previsão típica do art. 382.º do CP, pois que esta demanda e pressupõe que o abuso de poderes ou a violação de deveres estejam interligados a um efectivo exercício de funções públicas por parte do agente, no momento da consumação do crime.

25-10-2001
Proc. n.º 1262/98 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães (relator)
Dinis Alves
Carmona da Mota

 

* Sumário da autoria do relator